terça-feira, 18 de abril de 2023

Paulo Fábio Dantas Neto* - Políticas de forno e de fogão

Precisamos deixar de ver a política brasileira atual, exclusiva ou mesmo prioritariamente, a partir de um ponto de observação pelo qual o governo é o foco central e tudo o mais é acessório. O diagnóstico quase consensual de que o Congresso se converteu, de fato, num polo relevante e independente de poder legítimo requer que se abram as lentes analíticas em sua direção, com equitativa atenção.

Os movimentos relevantes mais visíveis no âmbito do Poder Legislativo, feitos não só pelos presidentes Artur Lira e Rodrigo Pacheco, mas por quadros da direita na Câmara, como Ciro Nogueira (PP), Marcos Pereira (Republicanos), Elmar Nascimento (União Brasil) e também por efeito de articulação de chefes partidários do centro como Gilberto Kassab (PSD) e Baleia Rossi (MDB) têm ido todos na direção de se distinguir do bolsonarismo, aumentando seu isolamento e virando a página da política polarizadora que ocupou o Planalto durante os últimos quatro anos. Em termos estritos de alinhamento de bancadas legislativas, isso vale tanto para um novo bloco de centro que se forma a partir do PSD, MDB e Republicanos, como para a parte “lirista” do antigo centrão, sediada no PP, com fortes laços no União Brasil e mesmo no PL, onde divide teto com o “bolsonarismo-raiz”. Nesse plano específico da formação de blocos parlamentares que facilitem ocupação de postos legislativos chave para acesso ao Orçamento e decisões sobre matérias de interesse do governo, são catalisadores naturais o interesse de deputados e senadores no pleito municipal de 2024 e o horizonte de sucessões nas mesas diretoras das duas Casas.

Mas também em termos da reorganização geral do sistema partidário – com movimentos de federação e fusão de partidos para além da específica legislatura – há um sentido reestruturante do campo da centro-direita, apontando para ainda maior organicidade da influência difusa que esse campo político vem conquistando após seguidas eleições, inclusive as de outubro último. Nesse plano mais geral a conquista de governos estaduais importantes por políticos desse campo, aspirantes a um protagonismo nacional, é um catalisador lógico, como é também a própria competição entre partidos para formarem bancadas numerosas e, portanto, eficazes, antes de tudo, para captação de maiores cotas dos fundos partidário e eleitoral, mas também, a depender do caso, para ocupar postos no Executivo. Três dos quatro catalisadores mencionados (eleições municipais, sucessão nas mesas diretoras e eventuais projetos nacionais de governadores) induzem a realinhamentos políticos que alteram os de 2022.

Míriam Leitão – Único cenário possível para o governo é a aprovação do arcabouço fiscal

O Globo

Do contrário, Lula e a equipe econômica ficarão entre dois riscos de descumprimento da Constituição

O governo precisa da aprovação do arcabouço fiscal. Do contrário, ele ficará entre dois riscos de descumprimento da Constituição. Ou ele descumpre o limite do teto de gastos hoje ainda em vigor. Se o teto cair, o risco é de descumprir os percentuais mínimos estabelecidos na Constituição para Saúde e Educação. Por isso, o único cenário possível para o governo é a aprovação da nova regra de limite de gastos públicos. Ontem, o documento estava pronto e instituía o que será chamado de “regime fiscal sustentável”, mas o presidente Lula decidiu enviar apenas hoje.

Dos dilemas do governo, a ministra Simone Tebet falou ontem ao apresentar a LDO. Olha a dificuldade de governar o Brasil. A LDO tem que cumprir o prazo para chegar ao Congresso e, por isso, já foi enviada. Mas o que ainda está em vigor é o teto de gastos. Não importa que o governo anterior tenha furado o limite inúmeras vezes, a Constituição ainda o registra como a regra fiscal do país. Por isso é uma LDO que depende do que vier a ser aprovado pelo Congresso.

Carlos Andreazza - Alguém pagará mais

O Globo

A taxação a compras internacionais on-line anunciada pelo governo Lula confirma uma coisa e informa outra. Confirma: que o Estado precisará arrecadar muito (muito) mais — ou a conta do arcabouço fiscal não fechará. Outras medidas com intenção arrecadatória virão. E informa: que alguém pagará essa fatura. Para esse alguém, certamente alguéns, a carga tributária aumentará. Para com esses, pois, melhor será jogar limpo.

Jogando limpo, se o programa é para expansão consistente de receitas: alguém sempre pagará mais; todo mundo sabe; ninguém gosta de ser considerado bobo.

O episódio comunica que o governo se lança a uma corrida por dinheiro. Todo mundo já sacou; até os bobos. Precisa-se de grana. Não será ilegítimo nem comporá estelionato eleitoral. Ou você ouviu a chapa presidencial vencedora apregoar, durante a campanha, que buscaria equilíbrio fiscal por meio de corte de gastos?

Dora Kramer - Infiéis escudeiros

Folha de S. Paulo

Há sinal inequívoco de disposição para o embate no Congresso

O centrão se organiza em grandes blocos, informa que a base governista é frágil e deixa o PT isolado na condição de quarta bancada, cujos deputados tampouco têm posição uniforme na defesa dos interesses do Palácio do Planalto. Diante disso, as raposas dizem que está tudo bem, pois a ideia é dar conforto a Luiz Inácio da Silva. Longe da turma intentos belicosos.

Dá para acreditar? Os atuais operadores palacianos, de expertise tida como bem inferior aos do primeiro governo Lula, podem até cair nessa conversa.

Mas, se o presidente estiver na posse do olho vivo e faro fino que lhe atribuem no trato da política, certamente já percebeu que seu alicerce no Congresso está fincado em solo pantanoso.

Andrea Jubé - Decisão de Lula para STF será “top down”

Valor Econômico

Lula e Lewandowski devem encerrar impasse sobre STF

Um afiado observador do mundo político explica que as grandes decisões são coletivas, ou vêm de cima para baixo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é reconhecido pelo estilo de “assembleia” por causa do hábito de ouvir vários atores de diferentes segmentos até formar sua convicção a respeito de um tema.

No caso concreto da indicação do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que assumirá a vaga do agora aposentado Ricardo Lewandowski, existe a percepção de que o mandatário optará desta vez pelo estilo “top down”, ou em bom português, a caneta é minha, quem manda sou eu.

Sobre esta opção, Lula foi transparente como água nesta declaração: “É um problema meu”, justificou sobre a indicação ao STF, em entrevista ao portal Brasil247 no dia 21 de março. Em seguida, ele reforçou que será uma escolha solitária: “no que eu tiver que tomar a decisão, eu vou sentar sozinho e tomar a minha decisão, e vou mandar o nome para o Senado”.

Reação de Lula rompeu tradição de 134 anos

Por Lucas Ferraz / Valor Econômico

O historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva é coautor de obra acadêmica que analisa o 8 de janeiro

A resposta à intentona bolsonarista de 8 de janeiro, com a decretação da intervenção civil na segurança pública do Distrito Federal após as invasões na praça dos Três Poderes, foi um marco ao romper com a tradição da tutela militar, uma característica que acompanha a história brasileira desde a Proclamação da República.

A opinião é do historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, um dos principais estudiosos do país sobre a questão militar, coautor do primeiro trabalho acadêmico que analisa e busca dar algum sentido histórico ao golpe mal sucedido patrocinado por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“A intervenção na segurança pública foi um baque. As tropas já estavam preparadas para tomar os principais pontos de Brasília [caso Lula decretasse a Garantia da Lei e da Ordem, que implicaria poder aos militares]. Isso causou profunda irritação no general [Júlio César] Arruda [então comandante do Exército] e no general Gustavo Dutra [Chefe do Comando Militar do Planalto]”, afirmou Teixeira da Silva em entrevista ao Valor. “Foi a primeira vez na República que não apareceu carro blindado para colocar fim a um movimento antirrepublicano e antidemocrático.”

Maria Cristina Fernandes - Brasil arma a cama para Lavrov deitar — e rolar

Valor Econômico

Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou, em sua passagem pela China, a impressão de que tomara partido na guerra entre Ucrânia Rússia, ao equiparar a responsabilidade de invasor e invadido, o chanceler russo Sergey Lavrov a confirmou ao dizer que seu país e o Brasil têm uma “visão similar” sobre o conflito.

ministro das Relações ExterioresMauro Vieira, até que tentou contemporizar mencionando a mediação da paz e fazendo um apelo por um cessar-fogo imediato, mas Lavrov disse que está em busca de uma solução duradoura. Como se tratou de uma visita em retribuição àquela feita por Celso Amorim ao presidente Vladimir Putin, não se pode dizer que o Brasil caiu numa armadilha. Foi em busca dela.

Hélio Schwartsman - Lula fala demais

Folha de S. Paulo

É do interesse do país que presidente busque equilibrar-se entre EUA e China, sem tomar partido muito claro de nenhum

Lula fala demais e abusa do improviso. Ninguém sabe ao certo o que vai acontecer com a economia mundial nos próximos meses e anos, mas, no que diz respeito à geopolítica, o cenário é um pouco menos incerto. Pelos próximos tempos e até onde a vista alcança, EUA China disputarão influência e mercados.

É um terreno bem favorável a países como o Brasil, que não se alinham automaticamente a nenhuma das duas potências e têm forte relacionamento econômico com ambas.

Merval Pereira - Ingênuo ou megalômano?

O Globo

Presidente brasileiro é visto como ingênuo ao tentar ter influência nos grandes temas políticos em que tem pouca ou nenhuma

O presidente Lula é ingênuo ou megalomaníaco? Na revista inglesa The Economist, e em diversas abordagens de jornais dos Estados Unidos, a possibilidade de o presidente brasileiro ser ingênuo tentando ter influência nos “grandes temas políticos em que tem pouca ou nenhuma” é a mais aventada. Essa obsessão de Lula de se tornar um líder internacional sem resolver as questões internas do país que governa é antiga, talvez convencido pelo então presidente Barack Obama, que o classificou como “o cara” numa reunião internacional.

Mas Obama se arrependeria mais tarde. No último ano de seu segundo mandato, o Brasil tentou intermediar um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos, coadjuvado pela Turquia, mas ele foi rejeitado pelos americanos. O governo brasileiro divulgou uma carta que o presidente americano enviara a Lula querendo provar que o governo dos EUA fugia de compromissos assumidos. Só que na carta de Obama estava definido que o Irã deveria “reduzir substancialmente” seu estoque de urânio de baixo enriquecimento na transição para o acordo internacional. Como Brasil e Turquia permitiam que o Irã continuasse a enriquecer urânio por um ano antes dessa transição, o governo americano recusou o acordo, fechado mais adiante.

Luiz Carlos Azedo - Com a visita de Lavrov, Lula deu o terceiro drible a mais

Correio Braziliense

Chanceler russo deu uma interpretação às posições de Lula sobre a guerra da Ucrânia que transformou suas declarações desastradas no reposicionamento estratégico do Brasil

Política externa exige um certo consenso nacional. Devido à tradição do Itamaraty e à reconhecida competência dos nossos diplomatas, o Brasil mantém boas relações com todo o mundo. Foram raros os momentos em que esse consenso foi rompido, quase sempre em decorrência de mudanças bruscas em relação aos Estados Unidos. As consequências não foram nada boas para os governantes, a mais grave, em 1964, no governo João Goulart, durante a guerra fria. Ontem, com a visita do chanceler russo Serguei Lavrov, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva triplicou a aposta que fizera na visita à China, quando responsabilizou os Estados Unidos, a União Europeia e o presidente Volodymyr Zelenski, tanto quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, pela guerra da Ucrânia.

As declarações de Lula sobre a guerra da Ucrânia durante seu encontro com o presidente da China, Xi Jinping, foram um drible a mais e repercutiram muito mais do que os resultados positivos de sua visita àquele país, o maior parceiro comercial do Brasil. O mal-estar foi minimizado pelo Itamaraty, porque as posições oficiais do Brasil nos organismos internacionais continuam sendo a condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia, mas fez ouvidos moucos aos recados mandados pelos diplomatas norte-americanos de que o presidente Joe Biden estava contrariado com o posicionamento do presidente brasileiro.

Eliane Cantanhêde - Guerras externas e internas

O Estado de S. Paulo

Os ruídos internos de Lula refletem externamente e os externos, internamente

O Brasil está convivendo com dois Lulas. Um com enormes ambições internacionais e visitas a 13 países no primeiro ano de mandato. O outro às voltas com imensos problemas internos para resolver já, o quanto antes, porque disso depende não só o futuro do País, mas do próprio governo.

Lula voltou da China e de Abu Dabi no domingo, com uma agenda interna carregada, com envio tanto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) quanto da nova âncora fiscal para o Congresso ontem, mas uma foi e a outra ficou para depois, hoje, talvez. Mais um atraso.

Cristovam Buarque* - Ensino do mapa

Correio Braziliense

Recentemente, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) convidou 15 pessoas para pensarem o futuro da educação no século 21. Fui uma delas. O livro publicado é atualmente usado como guia para reformas da educação de base em diversos países. Daí o incômodo ao ver que, na terceira década deste século, meu país apresenta uma modesta reforma para tirar nosso "ensino médio" do século 19 para o século 20 e, no lugar de avançarmos para a proposta de que o Brasil precisa, forças conservadores tentam impedir essa modesta reforma.

O conservadorismo começa ao ignorar qual deve ser o propósito dessa etapa da educação de base para cada pessoa e para o Brasil. Ao manter o nome "ensino médio", assume que seu papel é servir como degrau ou trampolim para o ensino superior, não como a etapa que prepara o jovem para a vida ao dar-lhe o mapa necessário para viver, usufruir e construir um mundo melhor e mais belo.

Na França, essa etapa recebe o nome liceu e seu último ano é considerado conclusivo; nos Estados Unidos, high school; na Alemanha, gymnasium; na Espanha, educação secundária obrigatória (ESO). Esse sequestro da educação de base pelo ensino superior é recente, para indicar a promessa de que todos devem ingressar na universidade. Promessa hipócrita em um país com 10% de seus adultos analfabetos, onde apenas metade dos alunos conclui a educação de base, destes, no máximo a metade com razoável qualidade, e destes, apenas sua metade, da metade, da metade (12,5%) com formação para seguir um curso universitário com qualidade razoável.

Paulo Gustavo* - Um Luxo Chamado Silêncio

Revista Será? (PE) (14/4.2023) – publicado, ontem, por engano, com o nome de outro autor pernambucano. Peço desculpa!

Não vou deixar passar em silêncio um tema que tanto aprecio: o silêncio. Numa crônica, Umberto Eco profetiza, e vejo, com inteira razão, que, no futuro, só os ricos terão direito ao silêncio. Mas terão que comprá-lo. Só que o futuro, como diz a mídia, já começou. Os ricos, quase que de uma forma atávica, têm a arte de saberem se isolar; que o digam as ilhas desertas, as propriedades do campo, os recursos tecnológicos, os iates, as mansões bem afastadas dos vizinhos… Enfim, a classe média e os pobres que se virem com o barulho, que, aliás, os cerca de todos os lados, o que não é novidade para ninguém!

O barulho é quase uma definição do que é a modernidade. O sociólogo e antropólogo David Le Breton,  em seu ensaio “Du silence”, vai ao ponto: “O único silêncio que a utopia da comunicação conhece é aquele da pane, do desfalecimento da máquina, da parada de transmissão”. Com efeito, cercados de máquinas, temos que aprender a suportar seus ruídos, seus resfolegares, seus apitos. A tecnologia ainda não evoluiu para o silêncio, embora venha tentando.

Curiosamente, há uma máquina cotidiana que Sérgio Porto/Stanislaw Ponte Preta, com seu humor e agudeza, logo definiu como “máquina de fazer doido”: a televisão. Certamente, trata-se de uma das maiores inimigas do silêncio, e isso por uma razão muito simples: ela não se cala, é uma tagarela compulsiva; e quando subitamente se cala, somos os primeiros a dizer: “Está com defeito”. É verdade que há o recurso de “tirarmos o som”, mas só o utilizamos em casos excepcionais, tornando a televisão um tanto ridícula ou esvaziada…

José Alvaro Moisés - Um novo olhar sobre a Democracia

Em 11 de setembro de 2023 se completarão 50 anos do golpe de Estado que derrubou o governo de Salvador Allende do Chile. Esta coletânea reúne doze textos com o objetivo de reavaliar criticamente, meio século depois de sua trágica derrota, o significado do que ficou conhecido como a “experiência chilena”, uma tentativa inédita e única – feita em condições consideradas muito excepcionais –, de abrir caminho para a construção do socialismo a partir das virtudes do funcionamento da democracia. Nada semelhante tinha se verificado antes na história mundial, razão pela qual a “experiência chilena” converteu-se em objeto de amplo e generalizado interesse dos atores políticos que no contexto da Guerra Fria disputavam o poder em suas sociedades, especialmente das diferentes forças de esquerda.

Do ponto de vista comparativo, o Chile vinha sendo palco há décadas de uma das mais estáveis democracias no continente latino-americano, operando com base em instituições republicanas cuidadosamente consolidadas em períodos históricos anteriores. Esse quadro tinha dado oportunidade para o avanço da mobilização das forças populares e foi nesse contexto que Allende, um dos líderes e fundador do Partido Socialista chileno (PS), elegeu-se presidente – embora com uma precária maioria de pouco mais de um terço de votos –, e comprometeu-se a tornar realidade o complexo programa da Unidade Popular (UP), uma coalizão política que reunia, além do PS, o Partido Comunista, os Radicais, a Social Democracia e outros segmentos como os cristãos de esquerda; o programa da coalizão previa, entre outras coisas, o aprofundamento da reforma agrária iniciada pela Democracia Cristã, a nacionalização de empresas privadas, entre as quais algumas norte-americanas, e o efetivo empoderamento dos setores mobilizados por movimentos sociais de perfil bastante combativo. O projeto assegurava papel central para o Estado em todo o processo de mudanças propostas e o governo da UP era visto como o ponto de partida disso.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

‘Neutralidade’ de Lula revela apoio tácito à Rússia

O Globo

Movimentos em relação ao conflito ucraniano representam erros de ordem factual, moral e diplomática

Os últimos movimentos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à guerra na Ucrânia demonstram não a neutralidade que ele e o Itamaraty afirmam manter em relação ao conflito, mas uma posição tacitamente favorável aos interesses da Rússia. Ao assumi-la, Lula comete erros de ordem factual, moral e diplomática.

Na escala em Abu Dhabi voltando da China, Lula afirmou que “a decisão da guerra foi tomada por dois países”, repetindo o que dissera no ano passado, quando afirmou que o ucraniano Volodymyr Zelensky é “tão responsável” pela guerra quanto o russo Vladimir Putin. Os fatos desmentem Lula. A Rússia invadiu o território ucraniano de modo injustificável e, desde então, a Ucrânia viveu um êxodo de quase um quinto da população e soma perto de 150 mil mortos. Putin é acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de crimes contra a humanidade por massacres em território ucraniano. Ao pôr no mesmo patamar a agressão russa e a resistência ucraniana, Lula incorre em disparate semelhante ao de Donald Trump quando, diante da violência da extrema direita em Charlottesville em 2017, disse haver “gente ruim dos dois lados”. Não há comparação possível.

Poesia | Carlos Pena Filho - Soneto das metamorfoses...

 

Música | Ivan Lins e Jazz Sinfônica Brasil

 

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Bruno Carazza* - Um ministério de presidenciáveis

Valor Econômico

No governo Lula 3, todos são sócios e concorrentes entre si

O retorno de Lula, em decorrência da anulação de suas condenações pelo Supremo Tribunal Federal, detonou uma reconfiguração no jogo do poder tão significativa que a vitória sobre Jair Bolsonaro foi apenas o primeiro capítulo de uma história que ainda terá muitas reviravoltas até o final do seu mandato.

Terremoto que abalou as estruturas da política brasileira, a Operação Lava-Jato decretou o fim da carreira de figurões de Brasília e dizimou o patrimônio eleitoral de alguns dos partidos mais fortes da República. De 2014 a 2018, muitos tentaram se apresentar como o novo e ocupar o vazio provocado pelas prisões e acordos de delação premiada - até que surgiu Bolsonaro.

Quando Lula deixou a prisão em Curitiba, abriu-se a possibilidade concreta não apenas de sua volta à Presidência da República, mas da restauração da ordem política institucional devastada pela Lava-Jato e pela gestão de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto.

O terceiro mandato de Lula precisa ser interpretado como a passagem para um futuro que, em muitos sentidos, é também passado. E isso fica muito claro pelos lemas adotados nestes primeiros quatro meses de governo: “União e Reconstrução” e “O Brasil Voltou”.

Sergio Lamucci - O dólar abaixo de R$ 5 e as perspectivas para a moeda

Valor Econômico

Ainda há muita incerteza sobre a trajetória do câmbio até o fim do ano

O real se fortaleceu nas últimas semanas, com a cotação do dólar em relação à moeda brasileira enfim caindo abaixo de R$ 5. Um câmbio valorizado por mais tempo pode ser um fator adicional a abrir espaço para o Banco Central (BC) começar a cortar os juros, se isso influenciar as projeções para a inflação, que seguem acima das metas perseguidas pelo Banco Central (BC). Apesar da trajetória de apreciação do real nas últimas semanas, porém, há muitas incertezas sobre a sustentabilidade do movimento.

Nos últimos 30 dias, o dólar recuou 38 centavos, passando de R$ 5,29 para R$ 4,91. A queda de 7,2% da moeda ocorreu num cenário marcado pela melhora no cenário externo, com a redução dos temores de uma crise bancária nos EUA e na Europa, sinais de alguma moderação da inflação americana, o enfraquecimento do dólar em relação a outras moedas e a alta dos preços de commodities.

Gustavo Loyola* - Nunca é diferente

Valor Econômico

Os problemas trazidos pelo SVB mostram que lições das crises passadas acabam sendo esquecidas

Em seu livro “Oito séculos de delírios financeiros - desta vez é diferente”, os economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhardt, a partir de minucioso e amplo estudo de oito séculos de crises financeiras, concluem que há um padrão repetitivo nesses episódios e que governos e agentes de mercado têm memória curta, o que facilita a repetição cíclica de períodos de euforia financeira que terminam em desastres que afetam de maneira sistêmica a economia.

Os mercados financeiros são propensos a ciclos extremos. Esse tipo de comportamento cíclico foi extensamente estudado pelo economista pós-keynesiano Hyman Minsky, cuja obra, infelizmente, não mereceu a devida atenção na academia e, principalmente, entre os formuladores de políticas públicas. A partir de seu trabalho foi cunhada a expressão “momento Minsky” que justamente descreve a situação do fim de um período de otimismo excessivo, em que os investidores foram incentivados a tomarem riscos excessivos, e cuja ocorrência leva ao colapso do mercado, com graves repercussões macroeconômicas. Repentinamente, o período da “mania” se transforma em pânico.

Marcus André Melo - Governo derrapa

Folha de S. Paulo

Com Lula 3, o padrão de relações Executivo-Legislativo ainda não está consolidado, mas há um elemento novo. Se em Lula 1 e 2, o Executivo predominou, e com Dilma, entrou em confronto e malogrou, com Lula 3, a postura do presidente é de delegação seletiva, onde a política externa passa a ser variável importante e inédita.

Sob Bolsonaro, tivemos uma espécie de hiperdelegação às lideranças congressuais, contrastando com o padrão hegemônico nos governos do PT, em que o partido —favorecido por vários fatores— prevalecia. A fragmentação era menor do que a atual, e o partido pivô das coalizões de governo, o MDB, era o protagonista do conflito. No governo Dilma, o padrão ruiu por uma combinação de fatores.

Lygia Maria - Pessoas são agredidas; ideias, não

Folha de S. Paulo

Imputar crime a críticas sobre discursos de movimentos sociais revela fraqueza argumentativa e autoritarismo

O anúncio de uma série da HBO Max baseada no universo do personagem Harry Potter foi acompanhado de pedidos de boicote por parte da audiência. O motivo? A autora da saga, J.K. Rowling, seria transfóbica.

Boicotar é recurso válido no livre mercado. Se uma empresa usa trabalho escravo, consumidores podem escolher outra e aconselhar que os demais façam o mesmo.

Contudo, no caso em tela, é curioso que a ação se deva a uma opinião que não faz parte do conteúdo da série e tampouco é criminosa.

Carlos Pereira - Presidencialismo invertebrado

O Estado de S. Paulo

Blocos incongruentes surgem quando o presidente se abstém de vertebrar o jogo político

Em sistemas presidencialistas multipartidários é muito comum a existência de blocos formados por vários partidos, especialmente em ambientes com alta fragmentação partidária. Agrupar-se em blocos passa a ser uma estratégia racional de sobrevivência para que os partidos consigam ter mais influência no processo decisório e maior acesso a recursos de poder e financeiros, tanto no Legislativo como no Executivo.

No Brasil, a principal clivagem que tem vertebrado a formação de blocos partidários e orientado o comportamento de seus membros é aquela entre governo versus oposição. Por um lado, o presidente e seu partido têm exercido o papel de núcleo em torno do qual os demais partidos da coalizão de governo gravitam. Por outro lado, o maior partido de oposição, normalmente a legenda do candidato derrotado à Presidência, tornase a principal referência dos partidos que decidem não aderir à coalizão de governo.

Elimar Nascimento* - Um Luxo Chamado Silêncio

Revista Será? (PE)

Não vou deixar passar em silêncio um tema que tanto aprecio: o silêncio. Numa crônica, Umberto Eco profetiza, e vejo, com inteira razão, que, no futuro, só os ricos terão direito ao silêncio. Mas terão que comprá-lo. Só que o futuro, como diz a mídia, já começou. Os ricos, quase que de uma forma atávica, têm a arte de saberem se isolar; que o digam as ilhas desertas, as propriedades do campo, os recursos tecnológicos, os iates, as mansões bem afastadas dos vizinhos… Enfim, a classe média e os pobres que se virem com o barulho, que, aliás, os cerca de todos os lados, o que não é novidade para ninguém!

O barulho é quase uma definição do que é a modernidade. O sociólogo e antropólogo David Le Breton,  em seu ensaio “Du silence”, vai ao ponto: “O único silêncio que a utopia da comunicação conhece é aquele da pane, do desfalecimento da máquina, da parada de transmissão”. Com efeito, cercados de máquinas, temos que aprender a suportar seus ruídos, seus resfolegares, seus apitos. A tecnologia ainda não evoluiu para o silêncio, embora venha tentando.

Abraham Benzaquen Sicsú* - A Economia Mundial e a Inserção do Brasil

Revista Será? (PE)

Difícil compreender qual o papel que um país tem no jogo internacional. Como melhor se posicionar num mundo competitivo em que, queiram ou não, as relações comerciais se fazem presentes e são determinantes das condições de vida e riqueza de uma nação. Muitos são os aspectos a considerar, sejam econômicos, sociais, políticos, ambientais e mesmo ideológicos. A política externa é determinante para o modelo de desenvolvimento adotado e as tendências de uma economia capitalista.

As críticas à maneira como um país se insere são várias e, atualmente, chegam a ser ostensivas. Conversar com Venezuela, Cuba e Nicarágua é um crime de lesa a Pátria, dizem os analistas e a mídia especializada.

Parte-se da ideia de que o Brasil é o guardião de conceitos pouco claros como Democracia Liberal e, portanto, deve condenar e se afastar de qualquer país que não siga esse ideário. Também, deve ser o arauto dos Direitos Humanos e como tal condenar veementemente qualquer país que os transgrida. 

Somos defensores intransigentes desses direitos, mas, não conheço nenhum país que colocou essa questão de princípios acima de seus interesses econômicos, vejam, por exemplo, as relações dos Estados Unidos com a Arábia Saudita, ou da Rússia com a Síria. Deve-se discordar e expressar as discordâncias, mas, deixar de relacionar-se civilizadamente em nada contribui para alterar a situação, cria barreiras que dificultam em muito o comércio e a estratégia de integração, além de colocar-nos como apêndices da política externa dos países centrais e seus interesses.

Demétrio Magnoli - As armas da paz

O Globo

O sucesso ou o fracasso das reformas francesas determinará a estabilidade da Zona do Euro

Exatos 20 anos atrás, em 16 de abril de 2003, a União Europeia (UE) firmava o tratado de acesso de dez países do antigo bloco soviético. Nas duas décadas seguintes, a UE enfrentou crises profundas, de natureza econômica e política. Mas a promessa original do projeto europeu — a paz pela integração, no lugar da integração pela guerra — não perdeu seu poder de atração.

A crise do euro, entre 2010 e 2012, abalou os pilares financeiros do bloco e acabou provocando novas iniciativas de integração fiscal, concluídas sob o impacto da pandemia de Covid-19. A ruptura britânica, deflagrada pelo plebiscito do Brexit, em 2016, que parecia anunciar a desagregação da UE, terminou comprovando a coesão do bloco.

Edu Lyra - De baixo para cima

O Globo

Apesar do histórico de negligência do poder público, as favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder

A sociedade se acostumou a enxergar as favelas como espaços de vulnerabilidade social, de desigualdade e de abandono, espaços que são sinônimo de “problema”. Por isso um evento como o Favela Power, realizado no início deste mês, é tão importante.

Favelas são, de fato, territórios com inúmeras carências, mas também são polos de criatividade, inovação e empreendedorismo. Apesar do histórico de negligência do poder público, as favelas resistem e sobrevivem, mostrando todo o seu poder.

A última edição do Favela Power reuniu cerca de mil lideranças sociais de todo o país, além de empresas e representantes do poder público, para discutir os grandes desafios da nossa época pelo ponto de vista das periferias.

Os temas debatidos vão do ESG às mudanças climáticas, sempre buscando incluir a agenda da favela nessas discussões. Afinal, não faz sentido refletir sobre a prevenção de catástrofes ambientais sem levar em conta o contexto de pobreza que empurra tantas famílias brasileiras para regiões de risco.

Fernando Gabeira - Educação pela queda

O Globo

A França percebeu que a vitória alemã não se explicava apenas em termos bélicos, mas também pela escolaridade

Quase não escrevo sobre educação. Preciso opinar de vez em quando sobre problemas específicos, como a reforma do ensino médio. Para isso, me valho de referências como Simon Schwartzman, Cristovam Buarque e Ricardo Henriques. Mas o tema é tão fascinante que às vezes me faço algumas perguntas, releio alguns livros como este de George Steiner: “Lições dos mestres”.

Foi nesse trabalho tão erudito que encontrei um trecho que me fez lembrar o Brasil. Fala da humilhação da França depois da derrota militar de 1870-71. De repente, o país percebeu que a vitória alemã não se explicava apenas em termos bélicos, mas também pela escolaridade sistemática e de ideias tanto científicas como humanísticas. O Gymnasium alemão, as universidades depois das reformas de Humboldt, os padrões de qualidade das pesquisas e publicações eruditas criaram uma situação que deixava exposto o amadorismo descuidado dos costumes franceses.

O fracasso militar inspirou a França a iniciar um processo diferente, em que a educação tinha um peso primordial. Tão importante que, algumas décadas depois, a França era um país de professores, todo mundo estava estudando ou às vésperas de prestar um exame.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Senado tem de vetar mudanças na Lei da Mata Atlântica

O Globo

Emendas em MP aprovada na Câmara com aval do Planalto afrouxam controle de desmatadores

Restam apenas 24% da cobertura vegetal nativa da Mata Atlântica, mas ainda há quem queira continuar a derrubá-la. A mais nova manobra dos desmatadores ocorreu no Congresso, com a conversão em lei da Medida Provisória (MP) 1.150, emitida ainda no governo Bolsonaro.

A MP foi o veículo usado por parlamentares a serviço dos interesses dos desmatadores para anexar emendas sem relação direta com o teor do texto, os proverbiais “jabutis”. O objetivo era alterar o artigo 14 da Lei da Mata Atlântica, de 2006, para facilitar o desmatamento, sob o pretexto da execução de projetos de turismo, estradas, atividades agropecuárias e toda sorte de obras que põem em risco o meio ambiente.

Relatada pelo deputado Sergio Souza (MDB-PR), a conversão da MP em lei, da forma como foi feita, representa, nas palavras de Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, o “sonho de consumo” da bancada da Câmara a serviço dos interesses de desmatadores.

Poesia | Vinicius de Moraes - O Operário em Construção (Voz de Odete Lara)

 

Música | Futebol - Chico Buarque

 

domingo, 16 de abril de 2023

Luiz Sérgio Henriques* - Comunismo, tragédia e farsa

O Estado de S. Paulo

Hoje, havemos de convir que, originalmente tragédia ou drama, o comunismo vê-se reduzido a mísero artefato das modernas guerras de cultura

Clássico incontornável, dono ainda por cima de estilo ferino e inconfundível, Karl Marx começou seu estudo sobre o bonapartismo, este antepassado distante das autocracias modernas, com imagens que povoam nossa memória e, mais importante, ainda servem como instrumento analítico.

Segundo ele, momentos de transformação são capazes de promover singular “ressurreição dos mortos”. Lutero, por exemplo, espelhava-se no apóstolo Paulo, Cromwell embebia a revolução inglesa na linguagem do Velho Testamento, os revolucionários de 1789 viam-se às vezes como antigos romanos. Mas havia também acontecimentos e personagens que podiam irromper como drama ou tragédia e, em seguida, “voltar” como farsa – e neste caso incluía, como sabemos, Napoleão e seu sobrinho Luís Napoleão, respectivamente, um dos fundadores do mundo moderno e o medíocre articulador do golpe de 1851, objeto específico da análise marxiana no seu Dezoito Brumário.

Antonio Lavareda* - Os pagadores de promessas

Folha de S. Paulo

Boa avaliação de governantes reflete fidelidade a compromissos eleitorais

Todo governante, seja ele presidente, governador ou prefeito, tem como "core" da avaliação do mandato a percepção pela opinião pública do seu empenho no cumprimento das principais propostas apresentadas na campanha eleitoral. Uma primeira impressão disso é fotografada nos 100 dias de gestão. Mas por que não 60, 90 ou 120 dias?

Franklin Delano Roosevelt inventou essa marca. Seus 100 dias se deram em 12 de junho de 1933, mas foi somente em 25 de julho que chamaria atenção para "os primeiros 100 dias que foram devotados a pôr em movimento as rodas do New Deal". Ele se referia à avalanche de leis aprovadas no Congresso dos Estados Unidos em ritmo vertiginoso, algumas tramitando em um único dia na Câmara e no Senado. Todas voltadas à promessa síntese que o levara à Presidência: vencer a Grande Depressão que se arrastava desde 1929. A largada do seu governo correspondeu à expectativa dos americanos. E esse marco temporal virou referência obrigatória para qualquer governante mundo afora.

Celso Rocha de Barros - Lula e o centro

Folha de S. Paulo

Governo de frente ampla não vai satisfazer inteiramente as várias visões

Ao menos entre os formadores de opinião, parece haver muitos centristas decepcionados com Lula. Mesmo que apoiem a desbolsonarização e boa parte da agenda de Fernando Haddad, os centristas parecem ter dificuldade em abraçar o governo Lula como "seu".

Em alguma medida, isso era inevitável. Trata-se de um governo de frente ampla, que não vai satisfazer inteiramente nenhuma das várias visões ideológicas que o compõem. Mas a esquerda, ao menos, tem o presidente e a palavra final nos impasses.

Para os centristas, resta a aplicação de algumas de suas ideias favoritas, como a reforma tributária, e a reconstrução das coisas que Bolsonaro destruiu.

Vinicius Torres Freire -Lula na hora da coalizão

Folha de S. Paulo

À beira de grandes votações, governo lida com Congresso forte, de direita e em mudança

Enfim nos demos conta de que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá os problemas de sempre, de qualquer governo, para formar algum tipo de coalizão no Congresso. Lula terá os problemas de sempre e os mais recentes, pois não são lá novos: resultam de uma transformação em curso desde 2013 e em marcha forçada desde 2018.

A formação de dois blocos de partidos na Câmara causou certa impressão e inflamou a discussão do que será Lula 3 no Parlamento. A criação desses agrupamentos, de 173 e 142 deputados cada, não quer dizer, necessariamente, que o governo terá mais ou menos oposição. Quer dizer que o governo tem cada vez menos influência sobre a organização de alianças em um Congresso com cada vez mais poder desde 2015.

Paulo Celso Pereira* - Presidencialismo de varejão

O Globo

Desde a redemocratização, a abundância de partidos representados no Congresso sempre foi considerada determinante para o desafio dos governos em formar maiorias sólidas. Com a cláusula de barreira que entrou em funcionamento pleno em 2022, a esperança de que se estabelecesse uma relação mais republicana entre Poderes parecia plausível. As sete maiores legendas ou federações saíram das urnas com 80% dos deputados federais, e os 20% restantes se dividiam em outras 12 agremiações, que tendem a se fundir ou desaparecer. Na legislatura anterior, os sete maiores partidos concentravam 54% dos deputados, e os restantes se dividiam em 23 legendas.

Na prática, no entanto, o objetivo principal não se concretizou. A base que elegeu Lula no segundo turno conseguiu fazer 140 deputados. Somados aos representantes de MDBPSD e União Brasil (União), que receberam ministérios antes mesmo da posse, o total de aliados deveria, em tese, assegurar uma maioria simples segura, com 283 votos, 26 a mais que o necessário. Ainda assim, hoje, o Planalto precisa negociar cargos e emendas no varejo, com parlamentares de partidos contemplados ou não com ministérios, e não sabe nem mesmo se conseguirá garantir que o Congresso aprove a mais básica das Medidas Provisórias.

Bernardo Mello Franco - Inelegibilidade é pouco para crimes de Bolsonaro

O Globo

Se for punido apenas pelo TSE, ex-presidente prolongará as férias até 2031

Até a tropa do PL já admite: Jair Bolsonaro deve ser condenado no processo que apura seus ataques ao sistema eleitoral. Se a previsão se confirmar, o TSE impedirá o ex-presidente de disputar eleições por oito anos. É muito pouco para a coleção de crimes que ele cometeu.

A Procuradoria pediu que Bolsonaro seja punido por abuso de autoridade e de poder político, desvio de finalidade e uso indevido dos meios de comunicação. O processo trata da reunião com embaixadores em julho de 2022, a menos de três meses do primeiro turno.

O capitão convocou o corpo diplomático para mentir sobre a urna eletrônica e atacar o candidato da oposição. O discurso foi transmitido na TV Brasil e nas redes do governo, inflamando extremistas que já ensaiavam um levante contra a democracia.