quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Vitórias de Haddad impressionam, mas falta controlar gasto

O Globo

Sucesso em 2023 é inquestionável, mas arrecadar mais não bastará para cumprir metas fiscais agressivas

Depois de um ano como ministro da Fazenda, Fernando Haddad destacou suas conquistas em entrevista exclusiva ao GLOBO. A primeira foi o novo arcabouço fiscal, que tranquilizou — ao menos por ora — o mercado sobre o compromisso do governo em controlar a dívida pública. A segunda foi a reforma tributária, que começa a corrigir o sistema de impostos mais disfuncional do mundo.

Em 2023, Haddad contribuiu para um debate econômico racional, feito nada desprezível tendo em vista o retrospecto de gestões petistas. Teve a sabedoria de evitar os ataques estéreis à taxa de juros que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desferiu contra o Banco Central. Derrotou a resistência em seu próprio partido e conquistou o apoio de lideranças do Congresso para aprovar os projetos cruciais a sua gestão. O resultado de tudo isso se vê nos indicadores: dólar em queda, inflação sob controle, recuperação na renda e crescimento acima da expectativa no início do ano. Êxitos inquestionáveis.

Na entrevista, ele foi sábio ao deixar a arrogância de lado e realçar que, nos embates com setores do PT, foi Lula a decidir pelo caminho que seu instinto ou sua experiência anterior como presidente indicavam como correto. No sistema presidencialista, se o presidente não arbitra, nada anda.

Vera Magalhães - Ministro chama Lula para mediar conflito

O Globo

Ministro sabe que enfrentará tormenta maior em 2024 que no primeiro ano de mandato

Demorou um ano para que Fernando Haddad reagisse publicamente a uma campanha persistente do PT de confrontação da política econômica e fiscal. Quando o fez, o ministro da Fazenda claramente instou o presidente Lula a ser mais proativo na mediação desse conflito. Por que logo agora? Porque Haddad sabe que o mar que enfrentará em 2024 será mais tormentoso que no primeiro ano do mandato.

Sem PEC da Transição, com uma meta fiscal bem mais apertada e a folhinha indicando o mês de março logo ali, o ministro anteviu que o primeiro trimestre seria uma fustigação sem trégua de sua agenda por parte do próprio partido. A resolução do Diretório Nacional do PT que chama a política fiscal de “austericídio” foi a confirmação do que estaria por vir. Os embates com a Casa Civil ao longo de 2023 também foram um prenúncio de que, no ano dois, a pressão por gastos e pela ideia de um Estado indutor de crescimento econômico só cresceria.

Bernardo Mello Franco - Haddad, Gleisi e o pós-Lula

O Globo

Ministro da Fazenda e presidente do PT não admitem, mas querem a mesma coisa

Fernando Haddad terminou 2023 como o ministro mais forte do governo Lula 3. A economia cresceu acima do esperado, enquanto a inflação e o desemprego caíram. Mesmo assim, o petista passou o ano na mira do próprio partido.

Em dezembro, o PT afirmou em resolução que o Brasil “precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do BC ‘independente’ e do austericídio fiscal”. Haddad não foi citado, mas encarou as últimas duas palavras como um ataque à sua política de déficit zero.

Em entrevista ao GLOBO, o ministro da Fazenda passou recibo da irritação. “Não dá para celebrar Bolsa, juros, câmbio, risco-país, PIB que passou o Canadá, e simultaneamente ter a resolução que fala que está tudo errado, tem que mudar tudo”, queixou-se.

Ele ainda reclamou do modo como dirigentes petistas celebraram os números da economia nas redes sociais. “Meu nome não aparece. O que aparece é assim: ‘A inflação caiu, o emprego subiu. Viva Lula’. E o Haddad é um austericida”, protestou.

José Eduardo Faria* - Mais crises à vista

Folha de S. Paulo

PEC que limita decisões de ministros põe STF diante de uma encruzilhada

Qual é o alcance da autoridade jurisdicional de uma corte suprema para rever a constitucionalidade de atos dos outros Poderes e declarar inconstitucional uma proposta de emenda constitucional aprovada adequadamente no plano formal —mas discutível no plano substantivo— pelo Legislativo?

A relação entre democracia e jurisdição constitucional se esgota na tomada de uma decisão judicial? Questões como essas surgiram quando o Senado aprovou uma PEC limitando as decisões monocráticas do Supremo Tribunal Federal, sob a justificativa de evitar que a Justiça estaria invadindo as áreas de atuação do Executivo e do Legislativo.

Em resposta a elas, dois fatos não podem ser desprezados. Como, pela Constituição, o STF detém o poder derivado concedido pelo poder constituinte originário para controlar a constitucionalidade das leis, essa prerrogativa sempre implica risco de crise institucional. Além disso, conscientes dos absurdos da ditadura militar, os constituintes incluíram na Constituição cláusulas pétreas em matéria de direitos e estrutura de poder. Com isso, a Constituição transferiu temas do campo da política para o campo do direito, com o objetivo de evitar que novas configurações do Legislativo resultantes de maiorias parlamentares episódicas gerassem caos jurídico no país.

Wilson Gomes* - Uma agenda de Ano-Novo

Folha de S. Paulo

É fundamental aceitar que conservadores representam interesses legítimos

De tanto ouvir a objeção de que só sei apontar o dedo para o comportamento da esquerda, sem nunca indicar caminhos, resolvi mostrar que sou mais que um comentarista rabugento. Tomei a liberdade de escrever cinco propostas de Ano-Novo para esquerdistas e progressistas, começando hoje com essas duas abaixo.

Em primeiro lugar, é fundamental aceitar de uma vez por todas que os conservadores não apenas representam interesses legítimos presentes em sociedades pluralistas, como também possuem uma legitimidade democrática tão válida quanto a de qualquer outra posição política. Se na democracia, há lugar para a esquerda e para progressistas, tem de haver lugar também para a direita e para conservadores. É simples assim.

Ademais, conservadores constituem uma força política consistente, que não dá sinais de desaparecimento ou redução em um horizonte próximo. Antes, continuam a prosperar eleitoralmente, mantendo um foco claro na conquista de mandatos parlamentares.

Notadamente os de matriz evangélica popular, adotam uma estratégia eleitoral eficiente e de longo prazo, com uma base organizada, ampla capilaridade e presença em áreas onde outras forças políticas têm dificuldade de entrar, como as comunidades dominadas por facções. E sabem mobilizar e direcionar votos populares como só católicos e sindicalistas foram um dia capazes de fazer.

Bruno Boghossian - O bingo do populismo autoritário

Folha de S. Paulo

Políticos dessa espécie jogam com a ideia de que podem descumprir as regras do jogo para entregar resultados

Javier Milei não economiza nos superlativos. No penúltimo dia de 2023, ele alertou para uma "catástrofe social de proporções bíblicas" e insinuou que parlamentares que se opõem a seu programa querem um "país devastado". Por fim, pediu que "os argentinos de bem" exijam que o Congresso aprove seus planos.

Com a mensagem de fim de ano, Milei tenta completar o bingo do populismo autoritário em tempo recorde. Em três semanas no cargo, o presidente restringiu protestos, ameaçou usar a força contra opositores e pediu superpoderes para governar numa "situação de emergência nacional". Agora, ele tenta pressionar o Congresso de fora para dentro.

Hélio Schwartsman - Impacto profundo

Folha de S. Paulo

Eventual segundo mandato de Donald Trump tende a ser mais destrutivo que o primeiro

Em poucos dias terá início o processo de primárias nos EUA, que determinarão os dois principais candidatos a enfrentar-se na eleição presidencial de novembro. Este ano, porém, a menos que ocorra uma intervenção direta do inesperado, os nomes já estão definidos. Serão o presidente Joe Biden, pelos democratas, e o ex-presidente Donald Trump, pelos republicanos. E, a julgar pelas pesquisas de hoje, são grandes as chances de Trump voltar ao poder.

Elio Gaspari - A rainha que ri

O Globo

Num tempo de celebridades pasteurizadas e poucas rainhas que riem, Margrethe II da Dinamarca, com 83 anos nas costas e 52 de reinado, anunciou que no dia 14 entregará o trono a seu filho Frederik, de 55 anos. Como a mãe, ele também ri.

Para quem acompanha a Casa Real inglesa, com suas rainhas circunspectas, reis tristes e espirais de maledicências, o sorriso dessa rainha era um bálsamo. Dentuça, Margrethe ri desde criança. Ela tem o sorriso no rosto e uma certa alegria na alma. Enquanto os ingleses fazem das crises de sua monarquia uma atração cultural, as realezas nórdicas sabem ficar longe dos holofotes.

Numa época em que grifes cultivam celebridades, e celebridades cultivam grifes, Margrethe desenha suas próprias roupas. Octogenária, mantém um estilo “que se danem”. Com cores vivas e acessórios pesados, ecoa destaques de escolas de samba. Talvez por isso tenha sido convidada para desenhar cenários e figurinos para o filme “Ehrengard, a ninfa do lago”, da Netflix.

Roberto DaMatta - Quando as comidas nos comem

O Globo

Tempos natalinos e carnavalescos são tempos, reitero, de gastar em vez de economizar e do desfilar exibicionista

Quando eu era jovem e metido a teórico da vida social, escrevi no livro “Carnavais, malandros e heróis: para uma sociologia do dilema brasileiro”, em 1979, que havia três modos de ritualizar. O primeiro, reforçando os elos sociais existentes; o segundo, neutralizando vínculos estabelecidos; e o terceiro — certamente o mais divertido e contraditório —, invertendo rotinas e fazendo tudo ao contrário. Cantar, em vez de discursar; desfilar dançando, em vez de trotar firme para o emprego; beber, pular e ficar “sem fazer nada”, em plena liberdade, em vez de trabalhar; e, por fim, mas não por último, instituindo o Rei Momo como desgovernante, esquecendo esses nossos administradores estadomaníacos, dedicados a desmanchar o feito e fazer desmanchando, com a conhecida ineficiência e o gozo dos privilégios de seus cargos.

Zeina Latif - Dia de olhar o copo meio cheio

O Globo

A capacidade prosseguir com reformas, apesar da alternância de poder, é elemento valioso para potencializar o crescimento de longo prazo

A função principal dos economistas não é fazer projeções macroeconômicas. E tampouco há instrumentos bons o suficiente para isso. Essa foi uma contribuição de Robert Lucas. O Nobel de Economia em 1995, que faleceu ano passado, mostrou a dificuldade de se prever o efeito das políticas econômicas, devido a mudanças de comportamento da sociedade, que reage a elas de forma pouco previsível.

Um exemplo: os déficits orçamentários recorrentes podem impactar mais ou menos a inflação e os juros, dependendo de como os investidores julgam o compromisso do governo com ajustes no futuro.

O papel social dos economistas é, com base em evidências, prover diagnósticos e recomendações de ação estatal e, assim, fomentar o debate público. É um importante contraponto ao otimismo incurável de políticos da situação. Como resultado, muitas vezes os alertas dos economistas alimentam sua fama de pessimistas.

Vinicius Torres Freire – O século em erros de previsão do PIB

Folha de S. Paulo

Projeções de mercado em geral são otimistas e estiveram muito erradas em 15 de 22 anos

Os erros de previsão de crescimento do Brasil foram um assunto do Ano Velho. Neste 2024, conviria fazer uma rabanada desse pão dormido. A ideia aqui não é promover um seminário a fim de incrementar a precisão das estimativas, o que é válido, claro. Mas de refazer a pergunta de 2023: algo mudou na economia? O tamanho da mudança é relevante? Altera diagnósticos do que é preciso fazer no país?

Antes de prosseguir, segue um lembrete dos erros deste século, baseado nas estimativas recolhidas semanalmente pelo Banco Central, a profecia de "o mercado" —no caso, a previsão feita no final de um ano para o seguinte, comparada aos dados do PIB "da época" (sem revisões).

Desde 2000, a média aritmética do crescimento do Brasil foi de mísero 1,84% ao ano (2,3%, depois das revisões); a média do tamanho do erro foi de 1,91 ponto percentual (o valor absoluto de previsões menos o PIB divulgado à época). Enorme. É como tentar passar por uma porta e bater de cara na parede. Mesmo quando se eliminam anos de epidemia (2020-21), a média do crescimento fica em 1,98% ao ano; o erro, em 1,74 ponto.

Bruno Carazza - 2024, um ano para muitas reflexões sobre o passado e o futuro

Valor Econômico

Efemérides nos lembram de democracia, estabilidade econômica e combate à corrupção

Esse peculiar costume ancestral que nós humanos temos de celebrar mais uma volta completa do nosso planeta em torno do sol tem o poder de nos deixar pensativos. Refletimos sobre os erros e acertos do ano que se finda e, sobretudo, expomos nossos desejos e traçamos metas para o novo ciclo que se inicia.

Vem de tempos imemoriais o hábito de anotar a posição dos principais astros no céu a cada noite. A regularidade das observações permitiu a diferentes povos criar seus calendários e, muito depois, chegar à conclusão de que a Terra gira em torno do sol.

Tiago Cavalcanti* - Queremos pagar imposto como os ricos

Valor Econômico

Os 10% mais ricos responderam por 41,6% do total de deduções no Imposto de Renda

Aproveitando o recesso acadêmico na Universidade de Cambridge, tive a oportunidade de desfrutar do nosso calor humano, da culinária e da natureza do nosso país. Em uma conversa com amigos, discutimos o significado de pertencer à classe média no Brasil e se o governo deveria tributar proporcionalmente mais ou não os mais ricos.

De forma geral, havia a percepção de que a maioria fazia parte da classe média e não da rica no país, e que a tributação deveria ser progressiva. Ou seja, a percepção geral era de que os mais ricos deveriam pagar uma proporção maior de seus rendimentos em impostos, e a grande maioria dos amigos não pertencia à classe rica.

Então, comentei que, se fizéssemos uma fila em que todos os adultos do país fossem ordenados por renda, da maior para a menor, em qual decil de renda cada um achava que estaria: entre os 10%, 20% ou 30% mais ricos, ou mais próximo da mediana - 50% mais ricos, que deveria ser a classe média? A maioria ainda tinha a percepção de que estaria mais próximo da mediana, ao invés dos 10% mais ricos.

Marcelo Godoy - A democracia desafiada

O Estado de S. Paulo

Ainda podemos viver juntos? Cerimônia do dia 8 repõe a questão diante do desafio do ‘nós’ contra ‘eles’

No dia 8, os chefes dos três Poderes vão se reunir em Brasília para lembrar o maior ataque à democracia durante a Nova República. Governadores identificados com a direita estarão ausentes do evento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o último a falar antes do descerramento de uma placa alusiva aos fatos e da entrega simbólica do exemplar da Constituição roubado do Supremo. Ou seja: passado um ano, a desunião e a polarização permanecem.

Em seu livro A Democracia Desafiada, o professor Marco Aurélio Nogueira relembra a pergunta originalmente feita por Alain Touraine: afinal, poderemos viver junto? “A possibilidade de convivência nas sociedades em que vivemos depende essencialmente da existência de um pacto mínimo sobre o que significa viver juntos”, escreve Nogueira.

Nicolau da Rocha Cavalcanti* - Noticiar de forma sóbria e séria

O Estado de S. Paulo

Não há exercício responsável de cidadania onde o olhar sobre a realidade é simplesmente superficialidade

Em resenha de um livro sobre o jornal The New York Times, Alan Rusbridger – que foi editor do jornal The Guardian entre 1995 e 2015 – falou do desafio contemporâneo de noticiar de forma sóbria e séria. Ao ler sobre isso, veio-me à mente a trajetória do Estadão, um jornal cuja história, cuja identidade, apesar de todas as vicissitudes, foi sempre marcada por este ideal: cobrir e analisar os fatos de forma sóbria e séria.

Nestes tempos de grandes transformações na produção e no consumo da informação, é oportuno refletir sobre em que consiste esse ideal e qual é sua relevância pública. Certamente, há muitas coisas que podem e devem mudar no jornalismo. E há outras tantas que devem permanecer exatamente como sempre foram. Distingui-las bem é tarefa de toda instituição que deseja perdurar no tempo.

José Pastore* - Desastre anunciado: a reoneração da folha de pagamento

Correio Braziliense

O custo da contratação sobe ainda mais quando se consideram as despesas com vale transporte, vale alimentação, auxílio creche, licenças (maternidade e paternidade), cotas (deficientes e aprendizes), obrigações de segurança e outro

Depois de mais de um ano de discussão, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.784/2023 que permite às empresas de 17 setores que empregam cerca de 9 milhões de trabalhadores a contribuir para a Previdência Social recolhendo entre 1% e 4,5% do seu faturamento. O diploma foi vetado pelo presidente Lula, mas mantido pelos representantes do povo.

A Medida Provisória 1.202/2023 praticamente anula a referida lei e restabelece o pagamento de alíquotas elevadas ao INSS a partir de 1º de abril de 2024. O ministro Fernando Haddad argumentou que a desoneração não tem efeito na geração de empregos. Ele podia ter defendido essa ideia, com calma, durante as longas discussões da referida matéria.

O Brasil é um dos países que mais oneram a contratação formal. O trabalho é onerado com três tipos de despesas. Em primeiro lugar, há as contribuições sociais obrigatórias (INSS, FGTS, salário educação etc.) que somam 35,80% do salário nominal. Em segundo lugar, há as despesas ligadas à remuneração do tempo não trabalhado (férias, abono de férias, 13º salário, aviso prévio etc.) que chegam a 52,08%. Em terceiro, há a incidência de todos os encargos do primeiro grupo sobre o segundo — o que gera uma despesa de 14,55%. No total, são 102,43% sobre o salário nominal. (José Pastore, Encargos Sociais: implicações para o salário, emprego e competitividade, Brasília, Sebrae, 1994). Na prática, um salário de R$ 2 mil custa para empresa, mais de R$ 4 mil.

Poesia | A flor e a náusea - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | PORTELA Carnaval 2024 - Samba Enredo

 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Desmatamento no Cerrado impõe dever aos estados

O Globo

Engajamento de governadores é crucial para sociedade saber o que é legal e ilegal — e deter a devastação

A área desmatada no Cerrado aumentou 3% de agosto de 2022 a julho de 2023, segundo dados do Inpe. Em anos anteriores, o aumento foi maior (25% em 2022 e 2020, 8% em 2021). Seria um erro, porém, se estender em comemorações. Os 11 mil km2 desmatados foram a maior extensão para o período desde 2015. A situação lembra a vítima de enchente que celebra que a chuva amainou com água até a cintura. De 2003 a 2022, uma área equivalente ao estado de São Paulo virou pasto ou lavoura.

A perda da vegetação nativa é o resultado previsível da expansão da atividade econômica. Hoje o Cerrado responde pela maior fatia da agropecuária brasileira (54% da produção agrícola e 44% do rebanho bovino). Com tecnologia e empreendedorismo, tornou-se referência mundial de produtividade e um dínamo para a economia. O debate, portanto, não deve opor a produção a qualquer preço à conservação ambiental. O desafio é a coexistência. A cada ano fica mais óbvio que o ritmo atual de desmatamento, legal ou ilegal, é insustentável. A estação seca e as temperaturas aumentam, e a água escasseia.

Merval Pereira - Lá como cá

O Globo

O que está em jogo é a sobrevivência do sistema de governo vigente na Argentina e no Brasil

Muito mais dramaticamente na Argentina do que entre nós, dois governos eleitos democraticamente enfrentam seus Congressos como marca da decadência do presidencialismo que, nos dois países, tem sofrido os percalços do populismo, seja de direita, seja de esquerda.

Não é preciso entrar no mérito das disputas para entender: o que está em jogo é a sobrevivência do sistema de governo vigente na Argentina e no Brasil. O extremista de direita Javier Milei foi eleito por uma maioria popular que, pelas pesquisas de opinião, já perdeu, num paradoxo perfeito da tragédia que los hermanos vivem.

Os mesmos que o colocaram no poder acatando promessas alucinadas de passar a motoserra em tudo o que estivesse pela frente hoje se assustam com a potência de seu corte. Lula — populista dito de esquerda, eleito por pequena maioria para livrar o país de um extremista de direita que ameaçou transformar nossa frágil democracia em retrógrada ditadura revolucionária — enfrenta uma máquina política ainda controlada pela direita e não consegue ampliar o apoio que recebeu nas urnas.

Míriam Leitão - O ano econômico terá boas novas

O Globo

Mesmo com um bom cenário de indicadores, não será um ano fácil. O Ministério da Fazenda terá várias batalhas pela frente

Este ano vai ser diferente daquele que passou. O crescimento não será concentrado em um único setor, nem apenas em um período do ano. A agropecuária, que sustentou o PIB de 2023, deve entrar na conta do produto com o sinal negativo. O primeiro trimestre, que foi o mais forte no ano, pode ser mais fraco agora. O ano terá um crescimento mais espalhado pelos trimestres. A queda dos juros vai ocorrer ao longo de várias reuniões e isso deve ajudar a atividade. A economia também será favorecida pela melhora da renda, pelo aumento real do salário mínimo e pela própria atividade. Apesar de serem menores do que no ano passado, a safra e o saldo comercial serão importantes para manter o ritmo econômico.

Pela natureza da estatística de crescimento, o PIB é sempre a comparação de um período contra o outro. A agricultura apesar de poder registrar queda, colherá a segunda melhor safra da história. O saldo comercial que deu um pulo de US$ 62 bilhões para perto de US$ 100 bilhões no ano passado será menor este ano, mesmo assim será o segundo maior da história. É o que prevê a MB Associados que tem uma projeção de US$ 87 bilhões.

Carlos Andreazza - Uma mensagem de otimismo

O Globo

O Congresso aprovou R$ 53 bilhões para emendas parlamentares no Orçamento de 2024 — valor próximo ao que a Fazenda, não prevalecentes os puxadinhos, terá de bloquear no próximo ano, jornada em que o presunto do natimorto arcabouço fiscal será exposto, o compromisso com a meta zero tendo cumprido o papel de fantasiar uma regra que alivia o controle de despesas, garante aumento de gastos e pretende sobreviver via arrecadação exclusivamente.

A conta não fecha; daí Haddad a despejar, mal saído o Papai Noel, Medida Provisória por meio da qual promoverá justiça tributária limitando a compensação a quem pagara mais em decorrência de cobrança ilegal. A empresa tungada, na hora de usar créditos tributários para abater impostos, a receber uma espécie de tunga da tungada. Faz lembrar Guedes e o teto pedalador dos precatórios, contra o que — calote — a grita fora imensa. Como a democracia voltou, ora se faz justiça.

Joel Pinheiro da Fonseca - Polarização e instituições

Folha de S. Paulo

Populismo de direita faz da crítica às instituições parte central de seu discurso

"Biografia do Abismo", de Felipe Nunes e Thomas Traumann, nos dá uma boa ideia do clima político que o Brasil entra em 2024, se é que a mera convivência com seus estimados concidadãos já não mostrou isso. Um país não apenas dividido como calcificado em suas diferenças políticas e tomado pela polarização afetiva: o eleitor ama quem está do seu lado e, cada vez mais, odeia quem está do lado contrário.

Como os próprios autores indicam, não devemos sair dessa polarização tão cedo. Eu também acho que ela veio para ficar. E dado que a polarização está aí, lanço outra preocupação: como fortalecer as instituições que, por não estarem engajadas na luta política, desempenham um papel central na manutenção da democracia liberal? Imprensa, universidades, institutos, Ministério Público, Justiça, partidos, Forças Armadas. Quanto mais odiamos uns aos outros, mais importante é ter um chão mínimo de fatos comuns que limite as posições de ambos os lados. Vacinas funcionam ou não? Existe déficit público? Que candidato recebeu mais votos? A sociedade precisa ter amplo consenso nisso; e só o terá se a resposta vier de instituições vistas como objetivas e não politizadas.

Hélio Schwartsman - Cegueiras seletivas

Folha de S. Paulo

Israelenses e palestinos têm razões de sobra para queixar-se do comportamento do outro lado

Vão se acumulando razões para que Israel conclua ou pelo menos reduza as operações militares em Gaza. A mais premente é a economia. Travar uma guerra como essa é estupidamente caro para Israel. A segunda razão é a pressão internacional, em especial a dos EUA, para suspender a carnificina. E até os membros mais extremistas do governo de Netanyahu sabem que o país precisa do apoio dos EUA.

As razões humanitárias para interromper os ataques, que, num mundo justo, dispensariam todas as outras, entram apenas em terceiro lugar ou mais abaixo. E isso nos leva a um paradoxo. A maioria dos israelenses e a dos palestinos são, por definição, pessoas normais, que valorizam a vida humana e repelem o que veem como injustiças. Como então, explicar, o apoio maciço de israelenses às operações militares e os ostensivos aplausos de palestinos (e de boa parte da opinião pública mundial) aos ataques terroristas de 7 de outubro?

Dora Kramer - Só o seguro morre de velho

Folha de S. Paulo

É preciso que o presidente leve o tema da segurança para dentro do Palácio do Planalto

O ano acabou de começar e já é longa a lista de tarefas para governo, oposição, justiça e sociedade. Começando por nós, o público, cuja missão primordial será a de cobrar dos candidatos e de todos os envolvidos na eleição municipal, mais atenção à vida nas cidades e menos aposta na briga de torcidas políticas.

Há muito a cuidar e não só naquilo que diz respeito direto a prefeitos e vereadores, que são a base da escolha seguinte, em 2026, de governadores e presidente da República. Por ora, a economia vai razoavelmente bem administrada, mas a insegurança, a violência, a criminalidade estão descontroladas.

Alvaro Costa e Silva - O descuidado Cláudio Castro

Folha de S. Paulo

Desde que assumiu o cargo, suspeita de corrupção amedronta o governador

O escritor Gore Vidal, referindo-se a políticos em geral e a Richard Nixon em particular, dizia que "se você não puder ser honesto, seja cuidadoso". É uma variação da assaz citada sentença sobre a mulher de César.

O governador do Rio, Cláudio Castro (PL), é tudo o que você possa imaginar. Menos cuidadoso. Desde seus primeiros dias no cargo, recebido de mão beijada com o afastamento de Wilson Witzel, a suspeita de corrupção o amedronta. Em 2019, ele foi filmado caminhando pela Barra, mochila vazia às costas. Depois de visitar uma empresa que mantém contratos milionários de assistência social com o governo, Castro aparece num elevador com a mochila entupida. Um funcionário da empresa o acusa de ter recebido R$ 100 mil cash. Tremendo batom na cueca que, no entanto, não impediu sua reeleição em primeiro turno com quase 60% dos votos.

Andrea Jubé - Com eleições municipais em vista, Lula cobra pressa em realizações de ministros

Valor Econômico

No balanço de primeiro ano, presidente elogiou Haddad por aprovação da reforma tributária

Após um primeiro ano marcado por crises políticas e pela discussão da pauta econômica no Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) advertiu os ministros de que chegou a hora de apresentar resultados e cobrou agilidade. Preocupado com as eleições municipais, ele vai adiar mudanças no primeiro escalão para que os auxiliares se concentrem nas entregas, dentro do prazo eleitoral, a fim de ajudar aliados a se elegerem em outubro.

No pronunciamento de fim de ano, Lula afirmou que criou as condições para uma “colheita generosa em 2024”. Por isso, para ampliar as chances de que alguns ministros mostrem a que vieram, a reforma ministerial que havia sido planejada para o começo do ano vai se restringir, por enquanto, à substituição do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, que tomará posse no Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro.

Uma fonte que despacha no Palácio do Planalto ressalvou, todavia, que Lula ainda pode mudar de ideia para fazer alterações pontuais na equipe. Isso porque ele deixou o gabinete, no dia 22 de dezembro, levando consigo uma pilha volumosa com os 38 relatórios de prestação de contas de cada ministro, determinado a ler um a um para avaliar o desempenho de cada auxiliar.

Na última reunião ministerial do ano, no dia 20, Lula observou que tem relação de confiança com seus ministros, e que lhes deu autonomia para montarem as equipes. Porém, alertou que a fase de “ajustes” expirou, e, portanto, eles devem substituir os auxiliares que não estiverem sendo produtivos. Para um auxiliar palaciano, foi um recado aos ministros de que ele prefere não mexer agora na equipe, mas pode rever os planos.

Humberto Saccomandi - Eleição americana é o evento de 2024, e Trump o principal fator de risco

Valor Econômico

Há ainda duas guerras, na Ucrânia e na Faixa de Gaza, que ainda não está claro como vão transcorrer, e o risco de um conflito regional no Oriente Médio

Bem-vindo a 2024. O ano começa com uma escalada de bombardeios entre Rússia e Ucrânia e a continuidade dos ataques israelenses na Faixa de Gaza. Há dúvidas importantes com relação à economia dos EUA e da China, assim como com a exuberância dos mercados financeiros, especialmente o americano. Mas o evento previsível mais importante no mundo será sem dúvida a eleição presidencial nos EUA, em novembro, principalmente pela sua capacidade de trazer mudanças globais profundas e duradouras. O fator Donald Trump estará em todas as avaliações de risco.

Claro, haverá outros eventos importantes em 2024. Existem as duas guerras de amplo impacto em andamento, na Ucrânia e em entre Israel e o grupo palestino Hamas, e não está claro ainda como elas vão transcorrer. Há o risco de um conflito regional no Oriente Médio. Além disso, as duas maiores economias nacionais do mundo, EUA e China, devem desacelerar neste ano, e esse processo, que afetará diretamente a vida de boa parte da população do planeta, também é incerto.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Previsões econômicas*

Valor Econômico

Os mercados financeiros são construídos para reduzir a incerteza, mas aumentam a instabilidade da economia, especialmente das decisões cruciais, como as de investir

Entre o Natal e o Réveillon multiplicaram-se as críticas às previsões dos economistas, previsões congregadas no Relatório Focus. Entre tantas recriminações, escolhi as observações de Marcos Augusto Gonçalves, editor da Ilustríssima, caderno da “Folha de S. Paulo”: “Ainda em março, as expectativas da maioria dos entendidos, não a simples opinião, continuavam bastante negativas. E equivocadas. A mediana do boletim Focus, uma consulta que o Banco Central faz ao oráculo de seus pares do mercado, apontava para um crescimento do PIB de 0,84% até o fim do ano...”

Diante dos números divulgados, influentes analistas, na confortável tarefa de prestigiar o boletim de bancos e financeiras, afirmavam que seria isso mesmo e que não haveria motivo para imaginar alguma coisa diferente. Sob Lula o crescimento não chegaria nem sequer a 1%.

Sabemos hoje que o PIB vai fechar o ano com expansão de 3%.

Luiz Schymura* - Pontos de atenção com a nova política industrial

Valor Econômico

Mesmo governos tidos como ‘terrivelmente’ liberais como os de Reagan e Thatcher não renunciaram à utilização da política industrial

O governo federal está em vias de divulgar a proposta para a nova política industrial. Pelo que vem sendo sinalizado, o mote principal é a criação de mecanismos que tragam a “neoindustrialização” para o Brasil. Nas palavras do presidente Lula: “Nos próximos anos, a indústria será o fio condutor de uma política econômica voltada para a geração de renda e de empregos mais intensivos em conhecimento e de uma política social que investe nas famílias”. Embora a intenção pareça louvável, não está claro como o Estado apoiará o setor industrial. Seja como for, o debate a respeito do papel do Estado como impulsionador da indústria é antigo e desperta muita controvérsia. Vide, por exemplo, a polarização existente na interpretação das razões que suscitaram o sucesso econômico dos tigres asiáticos a partir dos anos 1980. De um lado, os analistas de viés mais liberal creditam o bom desempenho da economia daquela região à aplicação de boa parte da cartilha ortodoxa, “apesar” de terem lançado mão de vultosa política industrial (PI). No outro extremo, os desenvolvimentistas veem na maciça PI praticada naqueles países um fator decisivo para explicar a excelente resposta da economia asiática. Como se vê, as leituras são bastante dissonantes.

Luiz Carlos Azedo - Lula deve acertar com os beques

Correio Braziliense

"Outra vez estamos diante das escolhas dos governantes. O ano começa com o presidente Lula em confronto aberto com o Congresso e os agentes econômicos"

Os cenários para 2024 são otimistas, porém voláteis. Há que se considerar as contingências da politica mundial, da economia, da situação social e da correlação entre forças políticas, e também as idiossincrasias dos governantes. Houve uma mudança de qualidade na cena mundial: a China ameaça seriamente a hegemonia norte-americana nas cadeias globais de valor, cujo fluxo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. A reação norte-americana está sendo reestruturar essas cadeias, para reduzir sua dependência, e tentar recuperar seus velhos mercados.

presidente Joe Biden usa sua vantagem estratégico-militar para conter o grande projeto do líder chinês Xi Jinping: a Nova Rota da Seda, cuja ambição é chegar à Europa e à América Latina, não só no plano comercial, mas, também, na modernização da infraestrutura. A China ameaça o Ocidente porque seu modelo de "capitalismo de estado asiático", integrado à economia mundial e sob controle de um partido comunista, suplantou o modelo neoliberal que liderou a globalização a partir do colapso da antiga União Soviética e do "socialismo real" no Leste Europeu.

A democracia representativa do Ocidente tem mais dificuldades para implementar a modernização. O estado de bem-estar social é incompatível com a modernização conservadora.

Paulo Hartung* - Lideranças lúcidas para um futuro viável

O Estado de S. Paulo

Necessitamos de líderes capazes de desenhar caminhos de superação e, ao mesmo tempo, qualificados a projetar horizontes sustentáveis e promissores

Se, por si só, a mudança do calendário não transforma automaticamente o curso dos dias, que a chegada de um ano novo nos inspire a exercitar aquela visão de tempo peculiar que nos foi ofertada por Santo Agostinho. Assim, que neste posto do presente, o único tempo que realmente temos, possamos elaborar um olhar estratégico sobre a atualidade, considerando os ecos dos caminhos que nos trouxeram até aqui e também as inspirações e oportunidades que nos movem adiante.

Fragmentado e polarizado, o planeta padece sob emergência climática. Ficou no retrovisor a larga avenida da globalização acelerada, que ensejou desinflação e crescimento. A catástrofe sanitária da pandemia acentuou os desgastes nas engrenagens globalizantes, desorganizou cadeias de suprimentos, turbinou inflação e juros mundialmente.

Eliane Cantanhêde - Entre Biden e Trump, China e EUA

O Estado de S. Paulo

Eleição nos EUA e ampliação dos Brics em torno da China definem foco de 2024

A eleição americana em 2024 está no centro das atenções mundiais e tanto da política externa quanto da política interna do Brasil. Nenhum dos candidatos, Joe Biden, democrata, e Donald Trump, republicano, encanta ou atrai o governo, iniciativa privada ou analistas, mas Trump é considerado o mal maior, com poder destrutivo das instituições dos EUA e risco para a estabilidade mundial. A invasão do Capitólio, em 6/1/2021, deixou cicatrizes.

Como a Argentina, a maior potência mundial está refém de uma polarização nefasta entre Biden, tão antiquado e incapaz de enfrentar os grandes problemas quanto o peronista derrotado Sergio Massa, e Trump, tão absurdo, autocentrado e perigoso quanto Javier Milei. Há um estrangulamento do centro democrático e da racionalidade, quando o mundo, atolado em duas guerras, da Ucrânia e de Israel, precisa de negociação e bom senso.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Vai rolar muito sapo e muita lorota

A considerar os esforços do ministro da Fazenda para descobrir e aprovar, ainda em 2023 ,  fontes de receita para o Tesouro,  capazes de amenizar o crescente déficit das contas públicas e alimentar as eleições municipais, em  2024 deve pairar sobre o País  um cardápio de  promessas  recheado de narrativas e  estratégias   de governança, típicos dos Contos da Caronchinha, o primeiro livro para crianças publicado no Brasil em 1894. Mais que isso, será um novo ciclo de verdades duvidosas, e de tentativas de reconstrução do mundo .

É de se pressupor, por isso,  que o novo exercício fiscal não será fácil, ao contrário do que anunciam os áulicos.  Primeiro, não haverá déficit zero nas contas públicas.  O novo ano começa com um  sorrateiro reconhecimento de que o  desequilíbrio  contábil do Governo não será inferior a  R$ 160 bilhões . Segundo, na política, constatou-se que  a hiperpolarização tóxica interna e as onerosas  viagens internacionais do casal Lula levaram o governo a um índice de desaprovação de quase 50 por cento , abrindo espaço para um  imaginário  bolsonarista .

Poesia | O Tempo - Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Alceu Valença e Orquestra Ouro Preto - Anunciação

 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Brasil deve regular Cannabis medicinal com sensatez

O Globo

Não pode haver um ‘liberou geral’, mas questão de saúde pública não deveria ficar a cargo da Justiça

No ano que passou, 430 mil pacientes usaram a Cannabis medicinal para tratar casos de doenças como epilepsia, dores crônicas ou transtornos neuropsiquiátricos. Houve alta de 130% em relação a 2022. A maior parte dos produtos é importada. Somente no primeiro trimestre, o Ministério da Saúde gastou R$ 768 mil para atender a ordens judiciais e fornecê-los aos pacientes, quase o quíntuplo do gasto de 2021. Até outubro, a Anvisa já emitira 114.782 autorizações de importação, 73,4% a mais que no mesmo período de 2022. A maior despesa tem cabido aos estados: seis unidades da Federação gastaram até outubro R$ 39,1 milhões para atender às ordens da Justiça (R$ 25,6 milhões só em São Paulo).

A corrida ao Judiciário acontece porque a atual legislação permite a importação, mas não o cultivo da Cannabis para fins medicinais. O custo é alto — alguns produtos importados podem chegar a R$ 4 mil — a ponto de impedir muitas famílias de usar o tratamento. As estratégias não garantem sucesso. Em geral, os médicos precisam detalhar os motivos para uso do produto e atestar que já tentaram outros tratamentos. Muitos pacientes procuram a Justiça também em busca de autorização para cultivar a planta em casa. Mas isso ainda é proibido no Brasil.

Fernando Gabeira - Uma lista de desejos

O Globo

Meu plano quinquenal, ainda que com muitas derrotas e atropelos, será plenamente vitorioso se chegar ao fim

Desde muito, a virada do ano é marcada por promessas de mudanças pessoais. Imagino como isso deve ter mudado em tempos de hoje.

Vivemos sob um bombardeio de conselhos. Já falei sobre um aspecto deles, uma espécie de terrorismo alimentar que combate tudo, desde açúcar e ultraprocessados até o leite, o pão, a lactose e o glúten. Esse bombardeio fez o pão nosso de cada dia virar o pão que o diabo amassou. Impressionante, a julgar pelas advertências, observar como a humanidade sobreviveu, sobretudo depois de Cristo ter multiplicado o pão.

Outro dia, um desses gurus alimentares confessava na rede que toma dez comprimidos de suplemento alimentar antes do café. Não fica claro para que café da manhã, depois de tanto comprimido. Os suplementos são a outra face do bombardeio: ômega 3, magnésio, cúrcuma, creatinina, vitaminas — é uma lista interminável.

Tenho visto também nas redes sociais o grande número de pessoas dizendo o que fazer para sermos felizes. Há algumas senhoras bem vestidas, gurus indianos com seus turbantes, todos garantindo que existem três, quatro ou às vezes até sete conselhos que mudarão nossa vida. Usando tática muito comum na internet, dizem que o último conselho é o mais surpreendente. Assim tentam reter nossa atenção até o fim.