Folha de S. Paulo
Políticos dessa espécie jogam com a ideia de
que podem descumprir as regras do jogo para entregar resultados
Javier Milei não
economiza nos superlativos. No penúltimo dia de 2023, ele alertou para uma
"catástrofe social de proporções bíblicas" e insinuou que
parlamentares que se opõem a seu programa querem um "país devastado".
Por fim, pediu que "os argentinos de bem" exijam que o Congresso
aprove seus planos.
Com a mensagem de fim de ano, Milei tenta completar o bingo do populismo autoritário em tempo recorde. Em três semanas no cargo, o presidente restringiu protestos, ameaçou usar a força contra opositores e pediu superpoderes para governar numa "situação de emergência nacional". Agora, ele tenta pressionar o Congresso de fora para dentro.
Políticos dessa espécie são dependentes das
fantasias de revolução que vendem em campanha. Fazem barulho prometendo
"mudança radical" e condicionam o eleitor a esperar grandes
transformações em pouco tempo. Alguns acreditam (e muitos fingem acreditar) na
ideia de que, para isso, estão autorizados a descumprir as regras do jogo.
No caso particular da Argentina,
Milei aproveita a revolta ainda fresca com as elites políticas e a sensação de
urgência causada pela tragédia econômica para alimentar suas ambições. Trata
qualquer forma de contestação como uma ação de sabotagem e sugere que só poderá
salvar o país se tiver poderes concentrados em suas mãos.
Até aqui, Milei reproduz um rascunho da
doutrina dos autocratas e tenta convencer a população de que a
oposição a um presidente eleito por maioria de votos não é legítima.
"Não podem aceitar que perderam? Não podem aceitar que a população elegeu
outra coisa?", perguntou, em entrevista ao canal argentino LN+, na semana
passada.
Jair
Bolsonaro demonstrava a mesma fome pelo poder, mas tinha um programa
menos ambicioso que Milei (o brasileiro, a rigor, queria o poder e nem sequer
tinha um programa). Por aqui, ele comprou a docilidade do Congresso com o
Orçamento e quis eliminar os contrapesos do STF com seu golpismo escancarado.
Um comentário:
Fato.
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