quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Zeina Latif - Dia de olhar o copo meio cheio

O Globo

A capacidade prosseguir com reformas, apesar da alternância de poder, é elemento valioso para potencializar o crescimento de longo prazo

A função principal dos economistas não é fazer projeções macroeconômicas. E tampouco há instrumentos bons o suficiente para isso. Essa foi uma contribuição de Robert Lucas. O Nobel de Economia em 1995, que faleceu ano passado, mostrou a dificuldade de se prever o efeito das políticas econômicas, devido a mudanças de comportamento da sociedade, que reage a elas de forma pouco previsível.

Um exemplo: os déficits orçamentários recorrentes podem impactar mais ou menos a inflação e os juros, dependendo de como os investidores julgam o compromisso do governo com ajustes no futuro.

O papel social dos economistas é, com base em evidências, prover diagnósticos e recomendações de ação estatal e, assim, fomentar o debate público. É um importante contraponto ao otimismo incurável de políticos da situação. Como resultado, muitas vezes os alertas dos economistas alimentam sua fama de pessimistas.

Nesta primeira coluna do ano deixarei de lado alertas sobre nossos problemas e darei espaço para ângulos mais favoráveis do cenário econômico, sem a ambição de fazer previsões.

Existe espaço para surpresas positivas no crescimento do PIB, apesar da ausência de alguns motores presentes em 2023.

O principal deles foi o forte crescimento do PIB da agropecuária (17% até o terceiro trimestre, representando 44% da alta do PIB total, quando se considera apenas seu efeito direto, e não aquele sobre os demais setores), agora prejudicado, principalmente, pelas condições climáticas adversas, que reduziram a safra de grãos e encareceram a produção.

Trata-se, porém, de uma situação que poderá ser atenuada ao longo do ano. O comércio mundial mostra resiliência e as importações da China seguem em alta, reagindo à sustentação do consumo das famílias. Como resultado, os preços de commodities agrícolas dão sinais de estabilização em níveis de “normalidade”, interrompendo a forte queda ante os picos causados pela guerra na Ucrânia.

Esses fatores poderão ser estímulos à produção, isso em um contexto de recuo dos preços de fertilizantes, ainda que sem retornar aos patamares pré-conflito.

Também não haverá o mesmo impulso do lado fiscal, autorizado pela PEC da Transição, que ampliou excessivamente os gastos públicos. Mas isso é boa notícia, ainda que não no curto prazo, pois, caso contrário, seria difícil enxergar a Taxa Selic em 1 dígito este ano.

Além da contribuição do paulatino relaxamento monetário e da menor volatilidade cambial (tema da coluna anterior) para decisões de consumo e investimento, há outros elementos que poderão ajudar a economia.

Um deles é a tendência de melhora no mercado de crédito, podendo favorecer o consumo das famílias. Os indivíduos buscaram reduzir seu elevado endividamento em 2023, ocorrendo uma acomodação no uso de cheque especial e cartão de crédito rotativo, enquanto os atrasos no pagamento de dívidas bancárias recuam.

Todos esses são fatores que contribuem para a redução, em breve, da inadimplência. Isso em meio à persistente geração de empregos, que se beneficia das reformas trabalhistas de 2017.

O investimento poderá ter um melhor desempenho, superando o ciclo de contração de 2023. As incertezas sobre a tributação dos setores tendem a arrefecer, uma vez aprovada a Reforma Tributária do IVA. Além disso, como parte do recuo do investimento decorreu da crise na agropecuária, há espaço para recuperação, sendo que a concorrência internacional demanda investimento contínuo do setor.

A construção civil tem potencial para ganhar fôlego depois da fraca performance em 2023. Vetores da recuperação são a superação do período de forte pressão de custos (insumos e mão de obra); a aceleração do Minha Casa, Minha Vida remodelado, depois dos atrasos de 2023; e os compromissos de investimento associados a concessões de infraestrutura — um segmento que vem aumentando as contratações de mão de obra.

Saindo da análise conjuntural, vale destacar a continuidade da agenda estruturante, sendo o grande destaque a aprovação da Reforma Tributária — houve também a aprovação do marco de garantias, elaborado no governo anterior. A capacidade do país de prosseguir com reformas, a despeito da alternância de poder, é elemento valioso para potencializar o crescimento de longo prazo.

Que tenhamos mais razões para cultivar o otimismo em 2024.

 

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