terça-feira, 26 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Caso Marielle avança após 6 anos do crime

Folha de S. Paulo

Polícia Federal prende três suspeitos de terem mandado matar vereadora; processo criminal, porém, está longe de acabar

São estarrecedoras as conclusões da Polícia Federal no inquérito sobre os assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, cometidos com brutalidade em 14 de março de 2018 —ainda que o processo criminal esteja longe de acabar.

De acordo com a PF, o duplo homicídio foi arquitetado por três figuras conhecidas na esfera pública: Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro; seu irmão Chiquinho, deputado federal eleito pela União Brasil-RJ (o partido decidiu expulsá-lo de seus quadros); e Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do Rio. Todos eles foram presos.

Veio do nome de Barbosa a maior surpresa dessa lista. Ao comandar apurações à época do crime, ele manteve relação próxima com a família de Marielle e prometeu ações expeditas para deslindar a trama.

Merval Pereira - Momento oportuno

O Globo

O Rio de Janeiro pode ser o projeto-piloto para uma força-tarefa de combate ao crime organizado

É crescente a sensação de que o momento social e político que permitiu a revelação dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco abriu uma brecha no muro de silêncio que os blindava, permitindo aprofundar as investigações sobre o conluio entre políticos, policiais e bandidos no submundo do crime do Rio de Janeiro.

Esse, no entanto, não é um problema apenas do Rio, mas uma chaga nacional, que precisa ser atacada para neutralizar a influência do crime organizado nas instituições federais. Como a situação do Rio é mais aguda, especialmente no momento em que ficou escancarada a ação criminosa no aparato institucional, seria importante aproveitar essa vitória do Estado de Direito para ir adiante na desarticulação.

O Ministério da Segurança Pública, que infelizmente não foi retomado pelo governo Lula, deveria ser o ponto de partida das mudanças estruturais necessárias para que a questão, que se tornou incontornável para o Estado brasileiro, seja enfrentada devidamente. Os três centros de custo do Estado são justamente saúde, educação e segurança, e apenas os dois primeiros têm um piso constitucional de financiamento, enquanto a segurança, quando vem a crise financeira do Estado, não tendo essa proteção, nem mesmo uma definição de tarefas em nível nacional, acaba irremediavelmente afetada.

Míriam Leitão - O crime reduz a democracia

O Globo

Revelações da PF sobre o caso Marielle mostram que houve no Rio uma simbiose entre o crime e a estrutura do próprio Estado

É de democracia que se trata no caso da morte de Marielle Franco. Desde o começo. Os que mataram a vereadora, crime no qual morreu também o motorista Anderson Gomes, estavam atingindo um mandato, uma representante que se dedicava a uma agenda ampla de defesa dos moradores do Rio. A operação contra os suspeitos de serem mandantes joga luz sobre o risco democrático que se vive no Rio, pela promiscuidade entre o crime, a política e a polícia. Marielle era uma vereadora em início de primeiro mandato, sem conexões com o poder local, nascida em área de periferia, e mesmo assim, foi vista como um obstáculo à expropriação de terra pública, que seria grilada para depois, em muitos casos, ser o caminho para explorar os pobres sem casa.

Luiz Carlos Azedo - Aberta a Caixa de Pandora da política fluminense

Correio Braziliense

As conexões criminosas são conhecidas, mas estavam blindadas pela profundidade e extensão do crime organizado e o pacto de silêncio entre as autoridades no Rio de Janeiro

O mito da Caixa de Pandora explica a criação da mulher, suas qualidades e suas fraquezas. Prometeu roubou o fogo de Zeus e o entregou aos mortais, para garantir aos homens a superioridade sobre os animais. O fogo era exclusividade dos deuses, e Zeus, o todo-poderoso do Olimpo, resolveu se vingar. Encarregou Hefesto, deus do fogo e dos metais, e Atena, deusa da justiça e da sabedoria, de criar Pandora.

Pandora foi a primeira mulher na Terra. Recebeu qualidades como graça, beleza, inteligência, paciência, meiguice, habilidade na dança e nos trabalhos manuais. Ao ser enviada à Terra, Zeus entregou-lhe uma caixa com a recomendação de que a mesma não deveria ser aberta.

A caixa guardava todas as desgraças: a guerra, a discórdia, o ódio, a inveja, as doenças do corpo e da alma. Mas também continha a esperança. Curiosa, Pandora não resistiu e abriu a caixa. Ao fazê-lo, liberou todos os males, menos a esperança. O caso Marielli Franco, finalmente desvendado pela Polícia Federal, abriu uma caixa de Pandora na política fluminense.

Carlos Andreazza - Ninguém quer Cid

O Globo

O tenente-coronel atualiza a máxima para o destino de quem se associa a Bolsonaro e ao bolsonarismo: entrar e então morrer

O tenente-coronel Mauro Cid atualiza a máxima para o destino de quem se associa a Bolsonaro e ao bolsonarismo: entrar e então morrer. Variadas as formas, as expressões, da morte. Entrar e morrer. Sina. Sempre uma questão de tempo — já condenados também os caiados que se pensam livres da maldição. É inescapável.

Entrar e então morrer. Morrer e continuar morrendo. Úteis, alguns dos mortos. Mortos a serviço. Mortos para sacrifício. Finados em ação. Os defuntos ativos, matando (matando-se) e morrendo.

Os áudios de Cid divulgados pela Veja expõem um morto que se mata — ou se deixa matar:

— Quem mais se fodeu fui eu. Quem mais perdeu coisa fui eu. O único que teve pai, filha, esposa envolvidos. O único que perdeu a carreira, o único que perdeu a vida financeira fui eu.

Isso é desabafo de zumbi.

Maria Cristina Fernandes - Método bolsonarista embaralha cartas para confundir investigadores

Valor Econômico

Percepção entre magistrados é de que vídeos na Embaixada da Hungria são usados pelo bolsonarismo com propósito de forçar prisão

A prisão preventiva hoje interessa mais a Jair Bolsonaro do que à investigação. Se o ex-presidente ainda tem algum poder de mobilização, daqui a um ano ou dois, com as decisões do relator, ministro Alexandre de Moraes, respaldadas em plenário e a provável derrota de seus recursos, a mobilização arrisca esmorecer.

A conveniência da prisão divide os tribunais superiores de Brasília, mas não a percepção de que o vídeo divulgado pelo jornal americano “The New York Times” com a ida do ex-presidente à Embaixada da Hungria na noite da segunda-feira de Carnaval está sendo usado pelo bolsonarismo com o propósito de forçar uma prisão.

Ninguém tem dúvida de que buscou asilo, mas, uma vez lá, pode ter desistido da ideia face à confirmação da ida do governador Tarcísio de Freitas à manifestação na avenida Paulista no dia 25 de fevereiro. A confirmação veio em 14 de fevereiro, mesmo dia em que Bolsonaro deixou a embaixada. Naquele dia também, ficou evidente que o governo perdia a guerra de narrativas sobre a fuga no presídio de Mossoró, ocorrido na véspera. Além de querer ir ao palanque reforçado da Paulista, pode ter calculado que sua prisão, em meio à incompetência para manter chefes do Comando Vermelho presos, daria ao bolsonarismo uma plataforma para deitar e rolar.

Christopher Garman - Fatores locais definem eleição municipal

Valor Econômico

Assim como resultado pífio do PT nas eleições de 2020 não serviu como indicador da vitória de Lula dois anos depois, pleito deste ano não servirá para 2026

A cada ciclo eleitoral, um exército de analistas e algumas lideranças políticas tentam auferir o significado nacional dos resultados das eleições municipais. O mesmo deve ocorrer este ano, quando a disputa na capital paulista será vista como a mais importante no embate entre petismo e bolsonarismo.

De um lado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva articulou ativamente a volta da ex-prefeita Marta Suplicy ao PT para pleitear, ao lado de Guilherme Boulos (Psol), a prefeitura paulistana, que o Palácio do Planalto vê como estratégica. De outro, o ex-presidente Jair Bolsonaro colocou seu peso político a serviço do prefeito Ricardo Nunes (MDB), após descartar apoio a candidaturas avulsas.

Pedro Cafardo - Uma dica da academia para a retomada industrial

Valor Econômico

Nos anos dourados, a diferença a favor do Brasil em relação a seus vizinhos latino-americanos era um setor agrário forte, com economias regionais diversificadas que já produziam para consumo interno e exportação

É quase consensual a ideia de que o Brasil foi vítima de um longo e penoso processo de desindustrialização, embora alguns trabalhos ainda sustentem a velha tese de que tudo se tratou de uma natural tendência mundial de crescimento do setor de serviços.

Circula nos meios acadêmicos um novo trabalho dos professores Adalmir Antonio Marquetti (PUC-RS) e Pedro Cezar Dutra Fonseca (UFRGS) que joga mais luzes sobre as mudanças estruturais da economia brasileira de 1930 a 2022 e sugere estratégias para a reindustrialização. O “paper” (“Do desenvolvimentismo à desindustrialização: Brasil, 1930-2022”) explica a vigorosa industrialização do país nos 50 anos do chamado “período desenvolvimentista”, de 1930 a 1980. E analisa a veloz desindustrialização dos 40 anos seguintes, “período de neoliberalismo e financeirização”.

São marcantes a velocidade e a intensidade tanto da ascensão quanto do descenso da indústria brasileira. A indústria ganhou impulso expressivo em plena Grande Depressão. A participação da indústria no PIB passou de 10% em 1930 para 17,5% em 1947 e 27,3% em 1986. Observa-se a intensidade desse processo ao comparar o PIB industrial brasileiro com o dos EUA: em cinco décadas, essa relação subiu de 3,4% para 15%.

Eliane Cantanhêde – Xandão: e daí?

O Estado de S. Paulo

Moraes dá de ombros para ‘asilo’ de Bolsonaro e diz ao Exército: nada contra o general Richard

O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso Marielle no Supremo, telefonou para o comandante do Exército, general Tomás Paiva, para dizer que não há absolutamente nada contra o general Richard Nunes no inquérito conduzido pela Polícia Federal. O telefonema veio na hora certa, quando o também general Braga Neto tenta empurrar para Richard a “culpa” por nomear para a direção da Polícia Civil no Rio o delegado Rivaldo Barbosa, que foi preso no domingo, não apenas por obstruir provas como por ter participado diretamente do planejamento do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.

João Paulo Charleaux* - Asilo de Bolsonaro, na prática, já aconteceu

Folha de S. Paulo

Ex-presidente ficou dois dias na embaixada da Hungria, em Brasília, logo após ação da Polícia Federal

Quando o STF (Supremo Tribunal Federal) pediu que o ex-presidente Jair Bolsonaro entregasse seu passaporte à Justiça, a intenção era impedir que ele deixasse o país.

Se Bolsonaro passou dois dias dentro da embaixada da Hungria, em Brasília, ele, de alguma forma, burlou essa medida judicial, pois, nos termos da Convenção de Viena de 1961, embaixadas e consulados, assim como seus veículos, são protegidos.

Ou seja, nos dois dias em que esteve abrigado ali, Bolsonaro estava inalcançável pela Justiça de seu próprio país. Se a Justiça foi atrás dele nessas 48 horas ou não, isso é apenas um detalhe. No que diz respeito à oferta de proteção internacional, ela ocorreu na prática.

Quem duvida pode dar uma relembrada no caso de Julian Assange, o fundador do Wikileaks, que passou sete anos vivendo dentro da embaixada do Equador, em Londres, para evitar a captura, ordenada por autoridades inglesas.

Alvaro Costa e Silva - Bolsokele, o clone de Bolsonaro e Bukele

Folha de S. Paulo

Marketing político de Tarcísio de Freitas esbarra na realidade

Como o chefe está com o passaporte retido na PFTarcísio de Freitas deixou a capital sem luz e esteve em Israel para tirar uma foto com Bibi. Este já foi chamado, um dia, de Senhor Segurança. Apelidos e epítetos vão e vêm. Na época em que estava à frente do Ministério da Infraestrutura, Tarcísio foi o Tarcisão do Asfalto. Ao assumir o governo de São Paulo e bater martelos alucinadamente em leilões de privatização, virou o Thorcísio, alusão a Thor, o deus nórdico. Hoje se candidata a ser um produto híbrido de Bolsonaro Bukele, o presidente de El Salvador que se autodefiniu como "o ditador mais cool do mundo".

Hélio Schwartsman - Boas e más notícias

Folha de S. Paulo

Elucidação do caso Marielle deve ser celebrada, mas revela que deterioração da segurança pública é maior do que se temia

aparente elucidação do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes é uma excelente notícia. Espero que os investigadores tenham coletado provas robustas o bastante para que o julgamento dos suspeitos de ter encomendado a morte da vereadora se dê de forma técnica, rápida e certeira. O momento é de satisfação e deve ser celebrado. Não há como esconder, porém, que a boa nova chega embrulhada numa série de circunstâncias que pintam um quadro de deterioração da segurança pública muito pior do que se acreditava.

Se é verdade que o próprio chefe da Polícia Civil fluminense participou do planejamento do assassinato, então estamos diante de nada menos do que a falência do Estado. Se aqueles que deveriam zelar pela ordem pública são membros ativos do crime organizado, não há mais distinção entre polícia e bandido, entre lei e barbárie.

Dora Kramer - A síntese do contágio

Folha de S. Paulo

O embate ideológico distrai, mas o combate ao crime é também defesa da democracia

prisão dos suspeitos de mandarem matar Marielle Franco é uma síntese, embora incompleta, da infiltração do crime organizado nas instituições públicas: um deputado federal, um conselheiro de tribunal de contas e um delegado ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro.

A coisa vai além. A despeito do muito bem-vindo desfecho do caso, não há que se falar em triunfo do Estado. Este segue desorganizado frente à crescente estruturação da criminalidade no país, sendo o Rio o exemplo mais visível. Ali atuam várias famílias que mandam e desmandam na política, algumas com ligações criminosas.

Poesia | Círculo Vicioso, de Machado de Assis

 

Música | Fátima Gaspar - E vamos à luta (Gonzaguinha)

 

segunda-feira, 25 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Prisões no caso Marielle trazem alento e preocupação

O Globo

Alento, porque os suspeitos de ordenar o crime foram presos. Preocupação, pelo envolvimento de autoridades

Seis anos e dez dias depois do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista, Anderson Gomes, a Polícia Federal (PF) prendeu o deputado federal Chiquinho Brazão (ex-União-RJ), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa. Os irmãos Brazão foram apontados como mandantes do crime. Barbosa, segundo a PF, planejou o assassinato. As prisões ocorreram depois da homologação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da delação do sargento reformado da PM Ronnie Lessa, um dos dois responsáveis pela morte de Marielle e Anderson (o outro é o ex-PM Élcio de Queiroz).

Segundo as investigações, Marielle defendia, contra interesses do clã Brazão, a ocupação social de uma área na Zona Oeste do Rio reivindicada por milicianos para incorporação imobiliária. Os atritos ganharam corpo pela oposição dela a um projeto de lei defendido pelos irmãos. Na delação, Lessa afirmou que a divergência pode ter sido o estopim para o crime.

Maria Cristina Fernandes - Teia pluripartidária entre crime e política resiste

Valor Econômico

Resistência que governo enfrentou até da base para chegar a mandantes aumentará se for adiante

Seis anos depois, a Polícia Federal deu por encerrada a investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao apontar os mandantes. A prisão dos suspeitos abre uma oportunidade ímpar para o desbaratamento da infiltração da política, do Judiciário e da economia do Rio pela milícia e pelo crime organizado. A dúvida é se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem gordura no Congresso, onde esta teia se consolidou, se disporá a mais este enfrentamento.

Ao anunciar a conclusão do caso, ao lado do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que o caso pode se desdobrar em outras investigações. Nas suas primeiras páginas, o relatório da PF aponta a reincidência das omissões da Polícia Civil do Rio, do Ministério Público estadual e do Judiciário ao longo da investigação dos assassinatos na favela Nova Brasília, no Rio, que levaram à condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017. O relatório explicita a determinação deste governo em não incorrer em nova condenação.

Bruno Carazza* - Não basta prender quem mandou matar

Valor Econômico

Trajetórias de Marielle e dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão expõem o melhor e o pior da política brasileira

Eu já me preparava para dormir no dia 14 de março de 2018 quando comecei a ler nos portais da internet informações sobre o assassinato de uma vereadora do Rio de Janeiro e de seu motorista. A notícia logo me chamou a atenção, por representar uma escalada no nível de violência da política brasileira, num momento em que a polarização da sociedade já se encontrava em ebulição.

Confesso que até então eu nunca havia ouvido falar de Marielle Franco. Porém, conforme escrevi no dia seguinte no blog “O E$pírito das Leis”, que eu mantinha na “Folha de S.Paulo” na época, logo percebi que Marielle era mais do que a cara do Brasil - ela era o símbolo de uma nova geração de políticos que surgia no país.

Fernando Gabeira - Brasil e ranking de felicidade mundial

O Globo

Para que se declarem felizes, as pessoas precisam de um sistema público de saúde eficaz

Um ranking da felicidade mundial andou circulando na semana passada. O Brasil aparece no 44º lugar. Os escandinavos figuram, como sempre, na dianteira.

Sou cético diante do conceito de felicidade permanente. Concordo com o poeta Vinícius de Moraes e a vejo como uma gota de orvalho que oscila e cai como uma lágrima de amor.

Trabalho mais com o conceito de segurança, ou mesmo de aversão ao risco. A social-democracia o interpretou bem e ganhou mentes e corações.

Para que se declarem felizes, as pessoas precisam de um sistema público de saúde eficaz. A saúde, para mim, é o fundamento da sensação de felicidade, assim como o bom passe é um fundamento para uma boa partida de futebol.

Miguel de Almeida - A ‘burcarização’ da política

O Globo

Ao criar a França muçulmana, Houellebecq talvez tenha pensado no Brasil

Em “Submissão”, Mohammed Ben Abbes, apoiado por uma frente ampla política, é eleito presidente da França. Até a vitória, mostra-se tipo cordato, democrático, embora desde o início não esconda as garras — sua chapa chama-se Fraternidade Muçulmana. Logo coloca em marcha suas crenças religiosas, explicitadas em políticas de governo, apesar de o Estado ser laico. Por estar ancorado em convicções como liberdade de expressão e opinião, mesmo em defesa de quem tenha laivos ditatoriais, o eleitorado tolerou o santo e agora ajoelha no milho.

É a burcarização da sociedade.

O romance de Michel Houellebecq, de 2015, pode ser visto como distopia, à semelhança de “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley. Mais fácil entendê-lo como alarme dirigido aos liberais radicais. Defensores contumazes da circulação de ideias, formam uma turma que por vezes morre pela boca. A liberdade irrestrita de manifestação não tem limites? Estão aí as redes sociais como exemplo da terra sem a lei dos homens, onde reinam lunáticos e jagunços, em campanha permanente contra o asseio.

Ricardo Viveiros* - Como são lindos os neoliberais, mas tudo é muito mais

Folha de S. Paulo

Preocupam a alienação e a distância que se toma da emancipação humana

Livros são um prazer. Além do conteúdo, as conexões que provocam com outras obras me gratificam. "A Nova Razão do Mundo: Ensaio sobre a Sociedade Neoliberal", de Pierre Dardot e Christian Laval, surpreendeu pela quantidade de referências que me vieram à mente. Como em um caleidoscópio, convidei para "conversar" Friedrich August von HayekJohn Maynard KeynesFernando Henrique CardosoMichel FoucaultKarl Marx e representantes da Escola de Chicago.

Crítico que sou, a ideia de que há algo sensato em uma sociedade liberal não me convence. O colonialismo foi uma dominação capitalista. Parafraseando Caetano Veloso, cantarolei "como são lindos os neoliberais, mas tudo é muito mais" ("Podres Poderes", 1984). Fique claro que a "nova razão" dos autores está associada ao novo sentido e à pretensão holística do neoliberalismo. A dominação sobre a economia é só o ponto de partida. Dardot e Laval utilizam complexas análises históricas e sociais, além de outras psicanalíticas, para fundamentar a obra. Talvez o pensamento que melhor sintetize o neoliberalismo esteja na frase da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher: "A economia é o método. O objetivo é mudar a alma". A ideia assombra, mas faz sentido.

Marcus André Melo* - Calcificação e instituições

Folha de S. Paulo

As democracias deram um passo importante quando a ideia de alternância no poder foi entronizada

Que o Congresso não está polarizado já sabemos: a vasta maioria dos partidos que apoiavam Bolsonaro agora também apoiam Lula. Que o eleitorado está polarizado, mas não calcificado é incontroverso.

Mas, como argumentei em coluna recente, a polarização assume um caráter muito distinto quando o sistema é multipartidário, fragmentado e com baixíssima identificação partidária. A disjunção voto presidencial e voto legislativo (o fenômeno do voto Lira/Lula; ou centrão/Lula) ou a avaliação positiva do governo Lula por parte não trivial de eleitores de Bolsonaro não sugerem calcificação. A opinião pública não define o sistema político. As instituições importam: federalismo, regras eleitorais (lista aberta), sistema partidário, presidencialismo.

Prefeito baiano ensaiou resistência ao golpe em 1964, foi preso e cassado duas vezes

Eleito em 1962 em Feira de Santana, Chico Pinto antecipou políticas públicas como o orçamento participativo

João Pedro Pitombo / Folha de S. Paulo

A cidade de Feira de Santana (109 km de Salvador) fervilhava naquela noite de 31 de março de 1964, horas após chegarem os primeiros informes de que um golpe de Estado estava em curso no país.

O prefeito Francisco Pinto e aliados se revezavam em reuniões na sede do paço municipal, um prédio em estilo clássico e barroco erguido na década de 1920, e na casa dele, na avenida Senhor dos Passos. Barricadas com sacos de areia foram erguidas em frente à sede da prefeitura.

Chico Pinto fora eleito em 1962 pelo centrista PSD (Partido Social Democrático), mas era conhecido por suas ideias progressistas. Tinha relação próxima com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e fazia uma gestão que antecipou políticas públicas que seriam bandeiras da esquerda num futuro próximo.

"Discutimos o que fazer e resolvemos resistir. Uma série de providências foram adotadas para resistir aos golpistas", relembra Chico Pinto em depoimento ao livro "Autênticos do MDB", de Ana Beatriz Nader.

Militantes do PCB mobilizavam suas bases. A eles uniu-se um grupo de jovens da AP (Ação Popular) que desembarcaram em Feira de Santana fugindo de uma já sitiada Salvador. Dentre eles estavam nomes como Duarte Pacheco Pereira, Fernando Schmidt e Haroldo Lima.

Thomas L. Friedman* - Por que premiê de Israel virou um problema para Joe Biden e os EUA

Folha de S. Paulo

Por várias razões, é do interesse de Tel Aviv uma solução para a guerra em Gaza que contemple um Estado palestino

Uma das minhas regras inflexíveis do jornalismo é a seguinte. Quando você vir um elefante voando, não ria, não duvide, não zombe —tome notas. Algo muito novo e importante está acontecendo e é preciso entendê-lo.

Na semana passada, vi um elefante voar: o líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, apoiador de Israel de longa data, fez um discurso pedindo aos israelenses que realizassem uma eleição o mais rápido possível para derrubar o primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu, e seu gabinete de ultradireita.

Foi um grande elefante voando. E isso gerou respostas previsíveis da direita judaica ("Schumer é um traidor"), de Netanyahu ("Israel não é uma república das bananas") e de cínicos ("Schumer está apenas se aproximando da esquerda democrata"). Todas respostas previsíveis e todas, erradas.

A resposta correta é, na verdade, uma pergunta: o que de tão errado pode ter acontecido na relação entre Estados Unidos e Netanyahu a levar alguém tão dedicado a Israel quanto Chuck Schumer a pedir à população do país que substitua o premiê —e ter sua fala elogiada pelo presidente Joe Biden como um "bom discurso" que delinearia preocupações compartilhadas por "muitos americanos"?

Diogo Schelp - Política e crime: elo de padrão mexicano

O Estado de S. Paulo

Caso Marielle mostra que lá e aqui, frequentemente, a política e o crime se tornam uma coisa só

Houve um tempo, no México, em que os cartéis das drogas lidavam com autoridades políticas, policiais ou judiciais de acordo com uma receita simples, que os criminosos chamavam de plata o plomo (“prata ou chumbo”, em espanhol).

Ou seja, políticos e agentes da lei podiam ser cooptados por meio do pagamento de propina (prata) ou intimidados e eliminados com o emprego da violência (chumbo). Há muitos anos, porém, os elos entre política e crime organizado no país evoluíram para um estágio mais complexo, em que interesses políticos se misturam com atividades criminosas, tornando impossível distinguir onde começa um e termina o outro, ou qual alimenta qual. É a política que está a serviço do crime ou o crime que serve à política?

Denis Lerrer Rosenfield* - Voto e valores

O Estado de S. Paulo

Não deveria causar nenhuma surpresa que a aprovação do governo Lula tenha caído entre os evangélicos

Políticos, em busca incessante pelo voto, são frequentemente orientados por visões unidimensionais, como se o ser humano fosse regido por apenas um tipo de interesse ou desejo. Ainda recentemente, o presidente Lula se teria dito perplexo por sua queda de popularidade, como se sua concepção de certas melhorias sociais não tivesse sido compreendida. O problema revela, isso sim, uma apreensão equivocada, senão restritiva da natureza humana, tendo como consequência a compreensão de que o voto seria exclusivamente ou predominantemente orientado por certos avanços nos domínios sociais e econômicos. Os valores, nessa perspectiva, desapareceriam do horizonte propriamente político e eleitoral.

Mauro Vieira* - Cessar-fogo e Palestina na ONU, necessidades urgentes

O Estado de S. Paulo

Com o enfraquecimento dos setores moderados estamos indo na contramão do caminho do diálogo e da paz que o Ocidente diz defender

Por instrução do presidente Lula, realizei na semana passada visitas à Cisjordânia, na Palestina, à Jordânia, ao Líbano e à Arábia Saudita, quatro dos protagonistas indispensáveis de qualquer futura solução de paz para o Oriente Médio. Além das reuniões de trabalho com os chanceleres, fui recebido pelos chefes de Estado e de governo palestino, jordaniano e libanês, e pelo chanceler saudita, para conversas nas quais algumas conclusões consensuais surgiram naturalmente.

A primeira é a de que o Brasil, ao contrário do que sugerem alguns críticos mais apressados, tem efetivamente um papel a ocupar no debate sobre o futuro da Palestina, sua viabilização como Estado e a construção de uma paz duradoura no Oriente Médio. Se não bastasse a relevância da defesa dos interesses de 6 mil palestinos de origem brasileira que vivem na Cisjordânia e dos 22 mil brasileiros e descendentes que vivem no Líbano, 4 mil dos quais na zona de fronteira com Israel, as autoridades com quem conversei deixaram claro que o Brasil e o presidente Lula já ocupam, na prática, um papel de liderança nesse debate. E que somos muito bem-vindos.

Ilana Trombka* - Há 200 anos de mãos dadas com o Brasil

Correio Braziliense

Vinte e cinco de março de 1824 um documento basilar era entregue aos brasileiros, foi então, nesse dia, criado o Senado Federal

Vinte e cinco de março de 1824 um documento basilar era entregue aos brasileiros. Sob a voz e a batuta de Dom Pedro I, que meses antes havia dissolvido a Assembleia Constituinte e Parlamentar e nomeado um Conselho de Estado composto por 10 membros para tal fim, a primeira Constituição de nosso país foi outorgada. Segundo o imperador, aquele texto, sim, estava à altura do Brasil e dele mesmo. Trazia a base do que até hoje compõe nosso Estado, acrescida, no entanto, do Poder Moderador. Foi então, nesse dia, criado o Senado Federal.

Fernando de la Cuadra* - La trama golpista despierta los miedos del gobierno Lula

El historiador carioca Carlos Fico ha afirmado en casi toda su producción sobre el proceso político brasileño y el Golpe de Estado de 1964, que las Fuerzas Armadas siempre han tratado de justificar jurídicamente las intervenciones y con ese próposito buscan el apoyo de especialistas en materias constitucionales para sustentar legalmente la intervención militar. (1)

De hecho, hace ya un tiempo se había filtrado la información de que algunos connotados juristas se encontraban elaborando un documento que le diera sustentación legal a la frustrada injerencia de las Fuerzas Armadas para impedir que el presidente electo Lula da Silva asumiera el poder el 1 de enero de 2023.

El Ministro de Justicia, Anderson Torres, sería el encargado para dar el soporte jurídico de las medidas golpistas a ser adoptadas. El documento conocido como “Minuta del Golpe” fue recibida por Bolsonaro en noviembre de 2022, días después de perder la segunda vuelta en las elecciones ante el candidato Lula da Silva, del Pacto Democrático “Brasil de Esperanza”. Dicho texto le fue entregado por el ex asesor Filipe Martins y por el abogado Amauri Saad, integrantes del alto escalón del comité de civiles y militares que tramaban -a partir de la derrota en las urnas- la interrupción del itinerario electoral trazado en la Constitución.

Poesia | Cada um, de Fernando Pessoa

 

Música | Maria Bethânia - Viramundo (Gilberto Gil e Capinan)

 

domingo, 24 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ondas de calor pressionam o setor elétrico

O Globo

Técnicos temem que oferta de energia não seja capaz de atender à demanda crescente em 2025

Com os termômetros acima dos 40 °C e a sensação térmica em patamares superiores a 60 °C, o consumo de energia dispara. Apagões se sucedem país afora, e o sofrimento dos moradores da região central de São Paulo, alguns às voltas com mais uma semana de interrupção no fornecimento, é apenas o drama mais recente. Ao mesmo tempo, surge a preocupação com a capacidade de o sistema elétrico resistir ao crescimento de demanda. Neste momento de virada de estação, do verão para o outono, com temperaturas recordes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem aumentado a previsão de crescimento da demanda de março, um salto próximo de 6% ante o mesmo mês do ano passado.

De acordo com o ONS, todas as regiões consumirão mais energia neste mês em relação a março de 2023: Nordeste, 8,8%; Norte, 8,5%; Sudeste/Centro-Oeste, 5,8%; Sul, 1,5%. No último dia 15, o consumo bateu o recorde do ano, com 102.477 megawatts (MW). Na superfície, a situação parece sob controle. As hidrelétricas respondem por mais da metade da produção de energia, e a geração eólica e solar, somadas, mais de 20%. Não se pode esquecer, porém, que a geração no Brasil continua dependendo de chuva no momento certo, na região certa. As oscilações do clima, que vieram para ficar, não dão uma garantia firme de que isso aconteça.

Luiz Sérgio Henriques* - 1964, o passado que não passa

O Estado de S. Paulo

É preciso reconhecer que há estrada a percorrer antes que se possa constatar, com serena confiança, o amadurecimento democrático das forças fundamentais da esquerda brasileira

Há longos 60 anos, a rememoração dos “idos de março” tem atormentado a memória e pesado como capa de chumbo sobre os pósteros e os cada vez mais raros sobreviventes. Culpa irremissível – dirão – da conciliação em torno da anistia ou da obediência aos ditames da abertura tal como formulada por próceres da ditadura. Como se sabe, na sua formulação original, ela deveria ser “lenta, segura e gradual”, numa espécie de retirada ordenada que estrategicamente sempre constitui feito de notável valor para os que estão na defensiva.

O fato é que mesmo quem discorda, no todo ou em parte, desta avaliação negativa do processo de abertura, afirmando ao contrário que foi muito além da intenção daqueles próceres, não consegue por vezes esconder certo desconforto. É como se fatos e personagens de outro tempo se recusassem teimosamente a deixar o terreno da política para passarem à História, âmbito no qual os dramas, sem ser cancelados, admitem tratamento analítico, se não menos apaixonado, pelo menos mais rigoroso. Vigoraria também em nosso contexto a intuição poética de um William Faulkner, pela qual, na verdade, o passado nunca está morto e nem sequer é passado.

Elio Gaspari - Dois americanos de 1964

O Globo

Os 60 anos da deposição do presidente João Goulart são um bom pretexto para lembrar o papel de diplomatas que tiveram papel relevante naqueles dias

Os 60 anos da deposição do presidente João Goulart são um bom pretexto para lembrar o papel de dois diplomatas americanos que tiveram papel relevante naqueles dias. Um é Lincoln Gordon, o professor de Harvard que o presidente John Kennedy mandou para o Brasil em 1961 como seu embaixador. Falava muito, sempre. Adquiriu tamanha proeminência que o jornalista Otto Lara Resende propôs: “Chega de intermediários, Gordon para presidente.”

O outro é Thomas C. Mann, ex-embaixador no México e secretário de Estado adjunto a partir de dezembro de 1963. Esteve em todas: na armação do golpe que derrubou o presidente da Guatemala em 1954, foi uma das molas do desembarque de tropas americanas na República Dominicana, em 1965, e deixou digitais nos golpes do Brasil e da Bolívia. Atribui-se a ele o que seria a Doutrina Mann de apoio a governos militares na América Latina. Falava pouco.

Mann era um texano conservador e resolvido. Os liberais detestavam-no e a recíproca era verdadeira. Gordon era um liberal atormentado e os dias de 1964 fizeram dele uma figura trágica. Morreu em 2009, aos 96 anos, repetindo que, ao colaborar com a queda de Jango, não preconizava a ditadura. De fato, condenou-a, mas ninguém o ouvia.

Na sua cerimônia fúnebre, a filha Anne lembrou: “Apesar de ter sido um democrata progressista que apoiou o New Deal de Franklin Roosevelt, (....) na minha opinião seu antagonismo diante dos movimentos reformistas de esquerda, foi imediatista e acabou prejudicando o povo da região.”

Míriam Leitão - Cid, os golpes e o governo Lula

O Globo

O governo precisa administrar bem o país, e não ficar olhando ponteiro de pesquisa, e assim marcar diferença com o mandato que usou a máquina apenas para preparar um golpe

Quando o tenente-coronel Mauro Cid chegou para depor na sexta-feira, às 13 horas, diante do juiz auxiliar de Alexandre de Moraes, a Polícia Federal já havia representado contra ele junto ao próprio STF. E o país estava dividido novamente, agora sobre se os áudios postados pela revista “Veja” desmoralizavam ou não a delação. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, me disse, na sexta de manhã, que a PF viu com gravidade “o que as falas acusam”. Contou que havia representado ao STF para que se esclareça “já que fomos levianamente acusados”. E completou: “Ninguém acusará a PF e o STF dessa forma e ficará incólume.” De tarde, Cid terminou o depoimento preso e com o celular apreendido. O que tudo isso informa sobre a situação política atual?

Merval Pereira - O STF em seu domínio

O Globo

O STF tem que criar um mecanismo que evite conflitos desnecessários

Estamos numa situação em que, passada a maluquice de Bolsonaro, já está na hora de dar um passo atrás. Uma linha tênue, num caso desses, é possível poder concordar. Quando o Supremo abre uma porta, e em outras ocasiões passam soluções com as quais não concordamos, é um problema. O Supremo tem que criar padrões que ele mesmo tem que respeitar.

O STF tem que criar um mecanismo que evite conflitos desnecessários. Nos Estados Unidos chamam de rightness, em que a causa não está madura. O país tem uma diversidade de opiniões, e o Congresso reflete isso, é conservador e em determinados momentos retrógrado.

Se você não aceita a decisão do legislador, tem que mudar o legislador. Isto é, mudar o Congresso. Senão, no fundo, você não acredita na democracia. Na França, a aprovação do aborto na Constituição teve mais de 80% de votos. Aqui no Brasil, um ministro do Supremo disse em uma palestra que, aqui, nem voto para aprovar uma lei têm.

José Eduardo Agualusa - As forças da desordem

O Globo,23/03/2024

Numa democracia saudável é importante que exista espaço para a direita e para a esquerda, para convergências, para divergências

O triunfo do Chega nas recentes eleições em Portugal não foi uma surpresa. Porém, doeu a muitos como se fosse. A ideia romântica de que Portugal estaria, de alguma forma mágica, protegido do avanço da ultradireita, caiu por terra com escândalo e fragor.

Como em tantos outros países, incluindo o Brasil, a ascensão da ultradireita prejudicou em primeiro lugar os movimentos conservadores tradicionais. Antes de Donald Trump ser um nome conhecido no mundo, havia em Portugal uma direita urbana e civilizada, com personalidades amáveis e de grande cultura, respeitadas por toda a gente, como Diogo Freitas do Amaral, Francisco Lucas Pires ou Adriano Moreira.