segunda-feira, 25 de março de 2024

Maria Cristina Fernandes - Teia pluripartidária entre crime e política resiste

Valor Econômico

Resistência que governo enfrentou até da base para chegar a mandantes aumentará se for adiante

Seis anos depois, a Polícia Federal deu por encerrada a investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes ao apontar os mandantes. A prisão dos suspeitos abre uma oportunidade ímpar para o desbaratamento da infiltração da política, do Judiciário e da economia do Rio pela milícia e pelo crime organizado. A dúvida é se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem gordura no Congresso, onde esta teia se consolidou, se disporá a mais este enfrentamento.

Ao anunciar a conclusão do caso, ao lado do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que o caso pode se desdobrar em outras investigações. Nas suas primeiras páginas, o relatório da PF aponta a reincidência das omissões da Polícia Civil do Rio, do Ministério Público estadual e do Judiciário ao longo da investigação dos assassinatos na favela Nova Brasília, no Rio, que levaram à condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017. O relatório explicita a determinação deste governo em não incorrer em nova condenação.

A intervenção federal no Rio, em 2018, abriu as portas para a entrada de uma nova instituição, as Forças Armadas, nesse teatro de omissões. O relatório cita a nomeação do chefe da Polícia Civil, Rivaldo Barbosa, preso pela acusação de obstrução da investigação, pelo então interventor, o general Walter Braga Netto, na véspera do crime.

O texto diz ainda que a sabotagem para o esclarecimento do crime se iniciou nas horas que se seguiram, quando se perderam evidências para sua resolução, como as imagens dos circuitos internos de televisão dos imóveis vizinhos ao local do assassinato.

Braga Netto viria a se tornar ministro do governo Jair Bolsonaro, candidato a vice-presidente da sua chapa à reeleição e integrante da comissão de frente do golpismo. Nada no tema se traduz em preto e branco. O relatório cita ainda o general Richard Nunes, que foi o secretário de Segurança do Rio durante a intervenção. Legalista e incluído no rol de generais “melancias”, Nunes diz à PF que Rivaldo Barbosa não era o primeiro de sua lista para a Polícia Civil. Derrotada a indicação do seu preferido, sem dizer por que, Nunes prosseguiu com a escolha de Rivaldo, a despeito de parecer contrário da inteligência do Comando Militar do Leste, que, segundo disse, não apresentou uma contestação “objetiva” à indicação. A afirmação sugere que Nunes sabe mais do que falou.

Para ir além e enfrentar a reação da extrema-direita, o governo terá que reeditar um escudo como aquele que vigia na gestão Flávio Dino na Justiça. O estreitamento do apoio de Lula na opinião pública potencializa o risco, mas o enfrentamento pode mostrar um caminho possível para recuperar a confiança majoritária da sociedade. A aproximação das eleições municipais, disputa que tem consolidado esta teia entre crime e política ao longo dos últimos anos - da direita à esquerda do leque partidário do Rio - impõe urgência.

A amplitude do alicerce que o deputado federal Chiquinho Brazão (União-RJ) e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, Domingos Brazão, tem nos Poderes da República ficou clara quando da nomeação do superintendente da Polícia Federal no Rio, Leandro Almada, em fevereiro do ano passado. A nomeação respondeu ao compromisso do governo em esclarecer o crime, postergado em um ano em função da investigação do 8 de Janeiro.

Depois de ouvir o relato do diretor da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, sobre as pressões pluripartidárias, do Congresso e até de dentro do governo, contra Almada e a equipe que montou no Rio, Dino foi até o presidente. Lula bancou, e o caso foi adiante, tocado diretamente pelos delegados Jaime Cândido, que havia desbaratado o esquema de corrupção que resultou na prisão de Alan Turnowski, ex-secretário de Polícia Civil do governo Claudio Castro, em 2022, e Guilherme Catramby, que liderou a operação de inteligência policial que desmontou a pirâmide financeira com criptomoedas, no ano anterior.

O que estava, e agora, mais do que nunca, está em jogo, são os vínculos estabelecidos pela família Brazão que garantiram a sobrevivência - e a ampliação - de seu poder na política fluminense. A atitude do União Brasil, que abriu processo disciplinar para expulsar Chiquinho Brazão, resume a reação reinante na política. Não era para ter chegado neles, mas, agora que chegou, que sejam punidos e o caso seja encerrado para que as máquinas de votos no Estado continue a ser garantida pelas milícias e pelo tráfico e por seu comando sobre a economia clandestina no Rio, do “gatonet” à regularização fundiária na cidade, passando pelo tráfico de drogas, que já domina 60% da população da cidade e 75% do seu território.

O relatório cita o alcance da máquina de votos de Domingos Brazão com fotos em que este aparece ao lado do ex-deputado federal Eduardo Cunha em Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio. Cunha hoje está na linha de frente da negociação do projeto de lei que modifica a lei de falências por meio de sua filha, a deputada federal Danielle Cunha (PL-RJ), designada relatora, e com franco apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Tudo seria mais fácil se as relações da milícia estivessem circunscritas a Eduardo Cunha ou à família Bolsonaro, com a qual há fartos registros de colaboração em campanhas eleitorais, em fotos e vídeos que circularam nas redes sociais no domingo. Ao longo de sua carreira, porém, os irmãos se aproximaram de todos os matizes da política fluminense. O relator da indicação do então deputado estadual Domingos Brazão para o Tribunal de Contas do Rio foi seu ex-colega na Assembleia Legislativa do Rio André Ceciliano (PT), atual secretário especial de Assuntos Federativos, abrigado no Ministério das Relações Institucionais. Até o mês passado, Chiquinho Brazão era secretário de assuntos comunitários do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD).

A oposição à família Brazão na Assembleia Legislativa do Rio praticamente ficou circunscrita ao Psol. Um ex-expoente do partido, Marcelo Freixo, político mais próximo de Marielle, hoje no PSB, perdeu a disputa pelo governo do Rio em 2022 e hoje é presidente da Embratur. O Psol não terá apoio do governo federal na campanha pela prefeitura da capital. Parece exagero, mas foi dito por uma autoridade com conhecimento de causa: a maior dificuldade para o enfrentamento do tema decorre de que quase toda a elite política do Rio tem as mãos sujas de sangue, seja pelas vias de fato, seja porque mantém relações de tanta proximidade que se deixa respingar pelo crime.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Ave Maria!