Valor Econômico
Resistência que governo enfrentou até da base para chegar a mandantes aumentará se for adiante
Seis anos depois, a Polícia Federal deu por
encerrada a investigação sobre a morte da vereadora Marielle Franco e do
motorista Anderson Gomes ao apontar os mandantes. A prisão dos suspeitos abre
uma oportunidade ímpar para o desbaratamento da infiltração da política, do
Judiciário e da economia do Rio pela milícia e pelo crime organizado. A dúvida
é se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem gordura no Congresso, onde
esta teia se consolidou, se disporá a mais este enfrentamento.
Ao anunciar a conclusão do caso, ao lado do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, disse que o caso pode se desdobrar em outras investigações. Nas suas primeiras páginas, o relatório da PF aponta a reincidência das omissões da Polícia Civil do Rio, do Ministério Público estadual e do Judiciário ao longo da investigação dos assassinatos na favela Nova Brasília, no Rio, que levaram à condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos em 2017. O relatório explicita a determinação deste governo em não incorrer em nova condenação.
A intervenção federal no Rio, em 2018, abriu
as portas para a entrada de uma nova instituição, as Forças Armadas, nesse
teatro de omissões. O relatório cita a nomeação do chefe da Polícia Civil,
Rivaldo Barbosa, preso pela acusação de obstrução da investigação, pelo então
interventor, o general Walter Braga Netto, na véspera do crime.
O texto diz ainda que a sabotagem para o
esclarecimento do crime se iniciou nas horas que se seguiram, quando se
perderam evidências para sua resolução, como as imagens dos circuitos internos
de televisão dos imóveis vizinhos ao local do assassinato.
Braga Netto viria a se tornar ministro do
governo Jair Bolsonaro, candidato a vice-presidente da sua chapa à reeleição e
integrante da comissão de frente do golpismo. Nada no tema se traduz em preto e
branco. O relatório cita ainda o general Richard Nunes, que foi o secretário de
Segurança do Rio durante a intervenção. Legalista e incluído no rol de generais
“melancias”, Nunes diz à PF que Rivaldo Barbosa não era o primeiro de sua lista
para a Polícia Civil. Derrotada a indicação do seu preferido, sem dizer por
que, Nunes prosseguiu com a escolha de Rivaldo, a despeito de parecer contrário
da inteligência do Comando Militar do Leste, que, segundo disse, não apresentou
uma contestação “objetiva” à indicação. A afirmação sugere que Nunes sabe mais
do que falou.
Para ir além e enfrentar a reação da
extrema-direita, o governo terá que reeditar um escudo como aquele que vigia na
gestão Flávio Dino na Justiça. O estreitamento do apoio de Lula na opinião
pública potencializa o risco, mas o enfrentamento pode mostrar um caminho
possível para recuperar a confiança majoritária da sociedade. A aproximação das
eleições municipais, disputa que tem consolidado esta teia entre crime e
política ao longo dos últimos anos - da direita à esquerda do leque partidário
do Rio - impõe urgência.
A amplitude do alicerce que o deputado
federal Chiquinho Brazão (União-RJ) e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de
Contas do Rio, Domingos Brazão, tem nos Poderes da República ficou clara quando
da nomeação do superintendente da Polícia Federal no Rio, Leandro Almada, em
fevereiro do ano passado. A nomeação respondeu ao compromisso do governo em
esclarecer o crime, postergado em um ano em função da investigação do 8 de
Janeiro.
Depois de ouvir o relato do diretor da
Polícia Federal, Andrei Rodrigues, sobre as pressões pluripartidárias, do
Congresso e até de dentro do governo, contra Almada e a equipe que montou no
Rio, Dino foi até o presidente. Lula bancou, e o caso foi adiante, tocado
diretamente pelos delegados Jaime Cândido, que havia desbaratado o esquema de
corrupção que resultou na prisão de Alan Turnowski, ex-secretário de Polícia
Civil do governo Claudio Castro, em 2022, e Guilherme Catramby, que liderou a
operação de inteligência policial que desmontou a pirâmide financeira com
criptomoedas, no ano anterior.
O que estava, e agora, mais do que nunca,
está em jogo, são os vínculos estabelecidos pela família Brazão que garantiram
a sobrevivência - e a ampliação - de seu poder na política fluminense. A
atitude do União Brasil, que abriu processo disciplinar para expulsar Chiquinho
Brazão, resume a reação reinante na política. Não era para ter chegado neles,
mas, agora que chegou, que sejam punidos e o caso seja encerrado para que as
máquinas de votos no Estado continue a ser garantida pelas milícias e pelo tráfico
e por seu comando sobre a economia clandestina no Rio, do “gatonet” à
regularização fundiária na cidade, passando pelo tráfico de drogas, que já
domina 60% da população da cidade e 75% do seu território.
O relatório cita o alcance da máquina de
votos de Domingos Brazão com fotos em que este aparece ao lado do ex-deputado
federal Eduardo Cunha em Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio. Cunha hoje está na
linha de frente da negociação do projeto de lei que modifica a lei de falências
por meio de sua filha, a deputada federal Danielle Cunha (PL-RJ), designada
relatora, e com franco apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Tudo seria mais fácil se as relações da
milícia estivessem circunscritas a Eduardo Cunha ou à família Bolsonaro, com a
qual há fartos registros de colaboração em campanhas eleitorais, em fotos e
vídeos que circularam nas redes sociais no domingo. Ao longo de sua carreira,
porém, os irmãos se aproximaram de todos os matizes da política fluminense. O
relator da indicação do então deputado estadual Domingos Brazão para o Tribunal
de Contas do Rio foi seu ex-colega na Assembleia Legislativa do Rio André Ceciliano
(PT), atual secretário especial de Assuntos Federativos, abrigado no Ministério
das Relações Institucionais. Até o mês passado, Chiquinho Brazão era secretário
de assuntos comunitários do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD).
A oposição à família Brazão na Assembleia
Legislativa do Rio praticamente ficou circunscrita ao Psol. Um ex-expoente do
partido, Marcelo Freixo, político mais próximo de Marielle, hoje no PSB, perdeu
a disputa pelo governo do Rio em 2022 e hoje é presidente da Embratur. O Psol
não terá apoio do governo federal na campanha pela prefeitura da capital.
Parece exagero, mas foi dito por uma autoridade com conhecimento de causa: a
maior dificuldade para o enfrentamento do tema decorre de que quase toda a elite
política do Rio tem as mãos sujas de sangue, seja pelas vias de fato, seja
porque mantém relações de tanta proximidade que se deixa respingar pelo crime.
Um comentário:
Ave Maria!
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