domingo, 23 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Produtividade baixa é raiz da pobreza brasileira

O Globo

Crescimento de apenas 0,3% ao ano desde 2010 é insuficiente para aumentar renda da população

Há cinco anos o Brasil está entre as dez piores posições no ranking de competitividade do International Institute for Management Development (IMD), da Suíça. Na última edição, ocupa a 62ª posição num total de 67 países, à frente apenas de economias desajustadas como Nigéria ou Venezuela. Um olhar sobre o histórico recente da produtividade mostra onde estão as deficiências. Em 1980, eram necessários dois brasileiros para produzir tanta riqueza quanto um americano. Hoje é preciso quatro.

Quando se discute a pobreza persistente no Brasil, muito se fala na necessidade de ampliar e aprimorar programas sociais. Eles são necessários no presente, mas insuficientes para o futuro. Pouco se discute o principal indicador que traduz o atraso da nossa economia: a produtividade. Desde 2010, ela cresceu 0,3% ao ano, acima apenas da década perdida nos anos 1980. Nos últimos 13 anos, o investimento na produção aumentou pouco, e a alocação de recursos perdeu eficiência.

Luiz Sérgio Henriques - A bússola que resta

O Estado de S. Paulo

Circunstâncias críticas tornam especialmente claro o lugar que cabe à esquerda na defesa das instituições e na busca das alianças que tal defesa requer

As democracias típicas da “onda” que se espraiou nas décadas finais do século 20 resistem mais do que se supõe. Essa é a boa notícia que estudiosos respeitados, a exemplo de Steven Levitsky, têm buscado ressaltar, ainda que com todas as cautelas que o argumento requer. A hora permanece difícil, mas a ideia básica desses autores é de que a modernização das sociedades implica a constituição de uma ordem política plural e o surgimento de contrapoderes sociais que diminuem as possibilidades de generalização das autocracias, ao contrário do que aconteceu há cerca de cem anos.

O quadro daí decorrente seria, portanto, mais compatível com uma árdua e continuada guerra de posições entre regimes democráticos e autoritários em escala global. Choques duros de absorver, como a posição “central” que adquiriram movimentos antes marginais, como o Reagrupamento Nacional na França e a Alternativa para a Alemanha, são de certo modo compensados com a relativa frustração eleitoral de Narendra Modi, na Índia, ou do partido governante na África do Sul, hoje distante do legado conciliador de Nelson Mandela. Ou então, tomando o caso italiano, a primazia de Giorgia Meloni e seus Fratelli d’Italia, de equívoca raiz neofascista, não deixa de ter como contraponto o Partido Democrático, no qual, com contida nostalgia, é possível recolher fragmentos do mais criativo dos antigos partidos comunistas.

Merval Pereira - A direita mostra sua cara

O Globo

Seria preciso uma vitória econômica vigorosa para que o eleitor acreditasse que o PT, sem Lula, terá vida própria

A careta que a primeira-ministra da Itália Geórgia Meloni fez ao ser cumprimentada pelo presidente francês Macron, e a conversa amistosa que ela teve com o presidente argentino Javier Milei, que por sua vez declarou ter amizade pelos Bolsonaro, mostra como a direita internacional sente-se à vontade no atual confronto com as forças do centro, e da esquerda, no mundo.

O ex-presidente brasileiro não hesitou em impor um candidato de extrema direita ao prefeito paulistano Ricardo Nunes, que tentou até o fim um companheiro de chapa menos bandeiroso, mas teve que ceder à força de Bolsonaro, que parece estar disposto a acelerar a polarização com Lula. Ricardo de Mello Araújo (PL), ex-coronel da Polícia Militar e ex-presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), será seu companheiro de chapa, mesmo que sua escolha tenha irritado parte do MDB, partido do prefeito, e outros partidos da coligação.

Dorrit Harazim - Cara ou coroa

O Globo

Tanto o ocupante da Casa Branca quanto seu antecessor parecem convencidos de que a comparação direta lhes será favorável

Vale acertar os relógios e calcular fusos horários. Na próxima quinta-feira, 9 da noite pelo horário local, Joe Biden e Donald Trump se enfrentarão no Q.G. da CNN em Atlanta, capital da Georgia. Será o primeiro debate eleitoral da História entre dois presidentes dos Estados Unidos — um titular e um ex —, ambos em busca de uma nova eleição. No cara ou coroa para definir o lugar de cada um no pódio, deu “coroa”, e Biden optou por ficar à direta do adversário. Em compensação, Trump ganhou o direito de ter a última palavra. Serão dele as conclusões finais do embate.

Míriam Leitão - A inútil briga com o Banco Central

O Globo

Se Lula propuser o fim da autonomia do BC terá duas derrotas: no Congresso e com aumento de preços da economia real

Banco Central autônomo não é de esquerda, nem de direita. O Partido Trabalhista aprovou a independência do Banco da Inglaterra, no governo Tony Blair, em 1997, e agora os conservadores é que falam em rever a lei. Donald Trump brigou ferozmente com o presidente do FED, Jerome Powell, e chegou a postar nas redes: “minha única dúvida é: quem é o maior inimigo, Powell ou o presidente Xi”. Já o presidente Joe Biden manteve o indicado por Trump. Não é exclusividade do presidente Lula escolher como alvo o Banco Central. Mas o PT tem uma curiosa história com o BC.

Bernardo Mello Franco - O homem que assinou o real

O Globo

Em memórias, ex-ministro da Fazenda relembra a relação com Itamar, o escândalo da parabólica e a tensão antes do lançamento da moeda

Às vésperas do lançamento do real, o presidente Itamar Franco mandou chamar o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Tinha uma notícia inesperada: contrariando o combinado, ia decretar um congelamento dos preços.

Surpreso, o embaixador usou a diplomacia para tentar desarmar a bomba. Com cuidado para não melindrar o chefe, lembrou que o tabelamento já havia levado à derrocada de outros planos econômicos, como o Cruzado.

“Minhas razões não bastaram. Ele não se sentia seguro”, lembra Ricupero, 30 anos depois. Ao fim da conversa, o presidente devolveu o problema: “Não estou convencido. A responsabilidade é do senhor”. O ministro manteve a palavra com sua equipe, salvando a nova moeda da morte prematura.

Elio Gaspari - Juízes estimulam ações impróprias das PMs

O Globo

Contam-se às centenas os casos em que magistrados deferem pedidos de busca e apreensão solicitados pelas corporações

Em outubro do ano passado o advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, representando a Associação de Delegados do Estado de São Paulo, pediu ao corregedor nacional de Justiça que recomende aos magistrados o respeito ao dispositivo constitucional que delimitou as jurisdições das polícias Civis e Militares.

O artigo 144 da Constituição é claro:

“Às polícias Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto a militares.”

“Às polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos Corpos de Bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”.

Cacá Diegues - As diferenças não somem assim com facilidade

O Globo

Uma mesa na Rua do Comércio, em Maceió, foi um pilar do modernismo nordestino

Em 1930, a escritora Rachel de Queiroz, uma menina, mal saída do curso superior e tendo recém-lançado “O Quinze”, abriu fogo contra um tal “manifesto” formulado e assinado pelo que havia de mais reacionário no governo de então. Da noite pro dia, Rachel se tornou musa, estrela que iluminava nosso curto céu democrático.

Mas não foi apenas a ação intempestiva dela que influenciou. Rachel começou a escrever artigos sobre liberdade de expressão que mandava publicar nos jornais mais à mão.

Na mesma época, numa mesa da Rua do Comércio, em Maceió, se reunia um grupo de amigos que, embora não se expressasse de um só modo, tinha algumas ideias em comum. E uma dessas era a ideia de liberdade. Eles achavam que sem liberdade não era possível construir alguma coisa que valesse à pena, sobretudo no campo cultural.

Eliane Cantanhêde - De bandeja para a oposição

O Estado de S. Paulo

Lula sobre Juscelino Filho, vacina escondida, licitação de arroz, BC, Petrobras e cultura

Não há dúvidas de que o governo tem muito o que mostrar, como na economia e na área social, mas é impressionante a capacidade do presidente Lula de dar munição para a oposição, principalmente para Jair Bolsonaro. Os casos se acumulam, deixando a sensação de que, no seu terceiro mandato, Lula está se sentindo acima do bem e do mal, imunizado contra críticas e pode cometer erros à vontade.

Por que raios Lula esperou nove dias para se manifestar sobre o indiciamento do ministro Juscelino Filho (Comunicações) pela PF, por corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa? Pior: para, no fim, aparecer num evento ao lado do ministro, dizer que tem “muito orgulho” da sua equipe e está “feliz” com Juscelino, alvo de uma lista de suspeitas desde o primeiro mês de governo. Lula aguarda a PGR e o STF para ver o óbvio.

Rolf Kuntz - 30 anos do real, uma celebração necessária

O Estado de S. Paulo

Um presidente mais preocupado com a dignidade de seu cargo tornaria mais fácil a comemoração do início da recuperação econômica do Brasil

Terremoto na economia: o dólar sobe, o mercado se agita e o presidente Lula briga com o Banco Central num momento de inflação em alta e temor de um buraco maior nas contas públicas. As projeções hoje inquietantes – inflação próxima de 4% e rombo fiscal de 0,7% do PIB neste ano – seriam festejadas há 30 anos. Naquele momento, o governo implantava um novo plano para tentar, mais uma vez, conter os preços disparados e arrumar a bagunça nos mercados. Em 1993 o aumento do custo de vida havia batido em 2.477%. Era urgente deter a onda inflacionária. Mas um sucesso duradouro dependeria de uma reordenação financeira em todos os níveis da administração pública. A grande mudança, no entanto, havia começado. Um programa de ajuste e reconstrução seria implantado sem mágicas, sem grandes truques e sem tentativas de contornar a realidade. Uma economia renovada poderia surgir a partir de 1994.

Luiz Carlos Azedo - O supremacismo branco disfarçado na política

Correio Braziliense

A baixa representatividade de negros na política é um problema para toda a população e impede um desenvolvimento social necessário a todos

A baixa representatividade de negros na política é um problema para toda a população e impede um desenvolvimento social necessário a todos. Por isso mesmo, a anistia às multas impostas aos partidos por não cumprirem as cotas destinadas ao financiamento das candidaturas de mulheres e de negros autodeclarados (pretos e pardos) seria um desserviço do Congresso à democracia brasileira. A proposta foi aprovada na Câmara, por iniciativa de seu presidente, Arthur Lira (PP-AL), cujo legado legislativo, se insistir nas pautas que vem apresentando, será um dos mais reacionários da história da Casa. Felizmente, o projeto de anistia das multas subiu no telhado do Senado, depois da insurgência do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que apontou o caráter regressivo da proposta.

Celso Rocha de Barros - Ajuste de meio de governo

Folha de S. Paulo

Turbulências devem obrigar equipe econômica de Lula a antecipar discussão sobre gastos públicos

A vida da equipe econômica de Lula está mais difícil. As derrotas no Congresso, os juros nos Estados Unidos e a turbulência no mercado financeiro devem obrigar a equipe econômica a antecipar, ao menos em parte, a discussão sobre gastos públicos que só pretendia fazer em 2025.

As medidas mais controversas, que ainda não sabemos se serão mesmo apresentadas, seriam a desvinculação do piso da previdência do salário-mínimo e a revisão dos mínimos constitucionais de gasto com saúde e educação.

O economista Bráulio Borges, que já teve suas propostas elogiadas por Haddad, defende que o piso da previdência seja reajustado pelo índice de inflação da terceira idade (IPC3-i) calculado pela Fundação Getúlio Vargas, e que os mínimos para saúde e educação sejam substituídos por pisos de gasto per capita que poderiam subir com o tempo.

Vinicius Torres Freire - O que Lula disse sobre o futuro do governo

Folha de S. Paulo

Presidente não falava tanto desde março, quando começou onda de azares, crises e erros

Luiz Inácio Lula não dava entrevistas exclusivas desde março. Foi quando o caldo engrossou. No Congresso, ainda mais. Também na inflação e nos juros dos EUA, o que teve efeito ruim sobre juros e dólar no Brasil, piorado pela mudança de metas fiscais. Sobreveio a catástrofe no Rio Grande do Sul. Discursos e decisão desastrada do Banco Central azedaram o caldo grosso.

Foi um trimestre de inversão de expectativas na finança, embora menos em relação a PIB e emprego neste ano.

Na semana que passou, talvez o pico da crise recente, o presidente deu entrevistas exclusivas às rádios CBN (São Paulo), Verdinha (Ceará), Meio (Piauí) e Mirante (Maranhão) e ao jornal "O Imparcial" (Maranhão).

Bruno Boghossian - As farsas da operação antiaborto

Folha de S. Paulo

Operação cheia de oportunismo político pôs proposta na boca de uma votação no Congresso

A operação que levou adiante o projeto de lei Antiaborto por Estupro tomou impulso numa sequência de farsas. Para chegar até a boca de uma votação no Congresso, os defensores da proposta lançaram mão de abusos, artimanhas e uma boa dose de malandragem política.

A primeira trapaça foi armada pelo Conselho Federal de Medicina. Em março, o órgão aprovou uma resolução que impedia médicos de usarem a assistolia fetal para o aborto em gestações acima de 22 semanas, mesmo em casos de estupro. Os doutores devem ter achado que estavam acima da lei, que não proíbe a interrupção da gravidez nesse estágio e não veda o uso da técnica, recomendada pela OMS.

Hélio Schwartsman - Liberalismo como modo de vida

Folha de S. Paulo

Livro prega transformação de liberalismo numa religião civil, que preencha necessidades metafísicas do homem

Pelo menos no Ocidente, nós respiramos liberalismo —não apenas as instituições políticas que nos acostumamos a associar a essa corrente de pensamento, como eleições livres, império da lei e livre mercado, mas também seu sistema de valores, que inclui noções como igualdade, equidade e respeito.

Esses elementos estão tão entranhados na cultura que nossa tendência é tomá-los como dados da natureza, não como resultado de um movimento filosófico. E, por estarmos tão imersos no liberalismo, deixamos de apreciar quanto ele molda nossa psicologia e influencia os mais diversos aspectos de nossa sociedade, da moral à estética.

Muniz Sodré - Direita, volver

Folha de S. Paulo

Extremistas se apoiam no anonimato da desinformação das redes e na blindagem parlamentar

Repercutiu uma discussão sobre se a universidade deveria abrir-se mais para o pensamento de direita. Houve quem enxergasse no argumento laivos de "Sobre a Liberdade", de John Stuart Mill, com sua ênfase no valor inerente da individualidade e da liberdade de expressão. Para o influente filósofo inglês oitocentista, uma opinião silenciada pode conter boa parte de verdade. Logo, diversidade e debate são eticamente saudáveis numa democracia, onde a razão estaria sempre com o povo, suposta expressão da vontade coletiva.

Mas argumento como intervenção racional no pensamento político precisa ser validado por prova prática. Isso ganha urgência nas mutações da experiência concreta, em que razão e percepção podem deixar de coincidir. São, portanto, viáveis alguns reparos empíricos à alegada ausência de direita no campo universitário.

Aldo Fornazieri - O baixo clero no poder

CartaCapital

O “PL do Estupro” e a PEC que criminaliza os usuários de drogas são reveladores da degradação moral e política do Congresso

Dois episódios maiores, um na Câmara dos ­Deputados e outro no Senado, e vários menores são reveladores da degradação moral e política do Congresso Nacional como um todo. São reveladores também do oportunismo e da mediocridade política dos presidentes das duas Casas Legislativas. Explicitam claramente a perda de significado e de sentido da representação política, que deveria guiar-se por critérios de prioridade dos interesses da sociedade e do País, diante de tantas urgências e necessidades que a maioria dos brasileiros padece.

Poesia | Graziela Melo - Poema para o filho morto

(José de Moura Cavalcanti de Melo, falecido em 23/6/1972, no exílio, em Santiago, Chile)

O Filho
perdido
na noite
da eternidade
estranha
sem
que possa
guardá-lo
no colo

vive,
no meu
desconsolo

como um
condor
desgarrado
no alto
de uma
montanha

Voa
à noite
as estrelas
são
ternas
brilhantes
e belas!!!

Voa,
Pequeno
Condor!!!

Na infinita
eternidade,
nas asas
da minha
saudade,

nas nuvens
do meu amor
nas pedras
da minha dor!!!

Graziela Melo
Santiago, ago./1972

Música | Alceu Valença - Meu querido São João (Ao Vivo na Fundição Progresso)

 

sábado, 22 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Corte de verbas em meteorologia deixa país vulnerável

O Globo

Catástrofe gaúcha mostra que, enquanto governo gasta onde não é preciso, corta o indispensável

As chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul no mês passado impuseram uma lição contundente: União, estados e municípios precisam se preparar melhor para lidar com fenômenos climáticos extremos, que, em razão do aquecimento global, se tornaram e se tornarão mais frequentes e mais intensos. Para isso, previsões meteorológicas são críticas. Paradoxalmente, neste momento de demanda crescente, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) vem sendo esvaziado.

Como mostrou reportagem do GLOBO, o orçamento empenhado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária ao Inmet vem caindo. Foram R$ 29,1 milhões em 2020, R$ 27,6 milhões em 2021, R$ 22,1 milhões em 2022, R$ 16,1 milhões no ano passado e R$ 11,5 milhões no primeiro semestre. Quando observados os valores para a área de meteorologia (e não apenas para o Inmet), também houve queda. Em 2022, foram empenhados R$ 24,7 milhões e pagos R$ 22,7 milhões. Em 2023, R$ 18,4 milhões e R$ 18,3 milhões. Neste ano, R$ 15,5 milhões e R$ 12 milhões até agora.

Fareed Zakaria - Lição dos trabalhistas aos democratas

O Estado de S. Paulo

Iminente derrota dos conservadores britânicos não se deve à preferência pelas ideias da esquerda

Ao ocupar o centro, o líder do Partido Trabalhista forçou os conservadores a irem mais à direita

Em junho de 2016, o referendo do Brexit alertou a todos sobre o poder crescente do populismo e sinalizou que Donald Trump tinha uma chance real de vencer. Ao visitar o Reino Unido agora, às vésperas da eleição geral, tive outro vislumbre do rumo que a política está tomando nas democracias avançadas. Os democratas, que enfrentarão um Trump ressurgente, devem prestar muita atenção.

Independentemente da pesquisa que você analisar, o Partido Conservador, no poder, caminha para uma derrota catastrófica. Uma pesquisa em particular chamou a atenção de todos. Conduzida pela Savanta para o Telegraph, ela prevê que os trabalhistas vencerão os conservadores (também conhecidos como Tories) por 21 pontos. A análise da empresa de pesquisa sugere que os trabalhistas poderão conquistar mais de 500 cadeiras (de 650 na Câmara dos Comuns), com os conservadores obtendo apenas 50.

Pablo Ortellado – França em alerta

O Globo

Bardella é um símbolo perfeito para a nova imagem desejada pela Reunião Nacional

Depois que a extrema direita elegeu o maior número de deputados franceses nas eleições para o Parlamento Europeu, no começo de junho, o presidente Emmanuel Macron dissolveu a Assembleia Nacional e convocou novas eleições parlamentares para o fim deste mês. Em seu discurso ao anunciar a medida, afirmou que a vitória dos “demagogos” e “populistas” da “extrema direita” representa um “perigo para a nação” e que era necessário “esclarecer” a vontade do povo.

Analistas divergem sobre a motivação de Macron para dissolver a Assembleia: se apostou que o voto na extrema direita nas eleições europeias foi um voto pontual de protesto, se espera que o sistema eleitoral distrital em dois turnos favoreça o centro ou se pretende que o exercício do poder desgaste o partido de extrema direita Reunião Nacional (RN). Se espera que as novas eleições reforcem seu apoio parlamentar, a manobra parece estar dando errado: as pesquisas de opinião apontam vitória do RN.

Eduardo Affonso - À deriva

O Globo

‘A gente não vai permitir que nos roubem a criação da inteligência artificial, assim como foi roubada a criação do avião’

‘Eu desafiei os nossos cientistas’:

— Vamos criar vergonha. Vai ter uma conferência nacional em julho, e vocês tratem de me apresentar um produto de inteligência artificial em língua portuguesa, criado pelos brasileiros. Porque a gente não vai permitir que nos roubem a criação da inteligência artificial, assim como foi roubada a criação do avião. (11/6/24)

— Se o Zelensky diz que não tem conversa com o Putin, e o Putin diz que não tem conversa com o Zelensky, ou seja, é porque eles estão gostando da guerra, porque senão já tinham sentado para conversar e tentar encontrar uma solução pacífica. (13/6/24)

Alvaro Costa e Silva - Salvando a pátria do crime

Folha de S. Paulo

Candidatos hoje trocaram os marqueteiros por advogados criminalistas

Nunca tantos deputados federais, mais de uma centena, tornaram-se alvo de ações e processos criminais. Eles respondem de corrupção e peculato a violência contra a mulher. O levantamento foi realizado pelo site Congresso em Foco e mostra que a lista de investigados e réus ocupa um amplo mapa ideológico, perfazendo 16 partidos. O campeão de irregularidades é o PL, do ex-presidente Bolsonaro.

Para consolidar seu enorme poder, com faturamento estimado em US$ 1 bilhão por ano, a facção criminosa PCC conseguiu se infiltrar em atividades legais, como fazem as milícias e máfias. Um dos caminhos foi fraudar licitações usando o esquema de entrega de propina em pacotes de dinheiro a vereadores e agentes públicos de prefeituras e câmaras municipais no estado de São Paulo.

Carlos Andreazza - Censurando e andando

O Estado de S. Paulo

É ler as oito páginas da decisão e constatar a inexistência de outra fundamentação

Alexandre de Moraes censurou e descensurou. A liberdade do onipotente produz relaxamentos; o “juízo de cognição sumária” baixando já sem tentativa de envernizar a ordem com Direito.

Ordenou a censura porque pleito de Arthur Lira. Em 2019, na origem dos inquéritos xandônicos, censurara a Crusoé a pedido de Dias Toffoli. É ler as oito páginas da decisão e constatar a inexistência de outra fundamentação. Periculum in Lira.

Ordenou a descensura porque, entre os censurados, estava jornalão. Talvez tenha sabido só depois... “Ih! A Folha.” Ministro do Supremo flagrado mui à vontade para censurar distraidamente, copiando e colando trechos de censuras anteriores.

Demétrio Magnoli - Governar as mentes

Folha de S. Paulo

Atrás de PL antiaborto está estratégia baseada na ideia de que governo deve administrar as mentes

"É a economia, estúpido!". O slogan, criado pelo marqueteiro James Carville, que orientou a campanha presidencial vitoriosa de Bill Clinton, em 1992, ficou célebre, mas era política convencional: o governo deve administrar as coisas. Há, porém, um outro tipo de ação política que desafia a tradição democrática. O PL antiaborto não é (só) sobre aborto nem (apenas) um problema das mulheres. Avulta, atrás dele, uma estratégia política baseada na ideia de que o governo deve administrar as mentes.

Carlos Alberto Sardenberg - Haddad e Lula são liberais?

O Globo

O fisiologismo de direita e de esquerda adora usar dinheiro público para beneficiar negócios amigos

Era só o que faltava: o ministro Fernando Haddad tornar-se um liberal e carregar Lula nessa virada. Pode parecer provocação, mas não é. Quer dizer, é um pouco. Mas faz sentido.

Tem a ver com os tais gastos tributários — dinheiro que o governo deixa de arrecadar ao isentar ou reduzir impostos devidos por empresas e cidadãos. Neste ano, chegam a R$ 524 bilhões, ou 4,5% do PIB — valor que surpreendeu o presidente, como ele mesmo confessou. Obviamente, Lula não se inteirou nem dos pontos principais do Orçamento que ele mesmo assinou. Pois os bilhões estão lá relacionados e comentados pela Receita Federal, que vive procurando maneiras de conter esses gastos.

Dora Kramer - A realidade condena

Folha de S. Paulo

Lula quer soluções simples e rápidas para situações complicadas e duradouras

Soluções simples e rápidas nunca deram certo no enfrentamento a situações complicadas e duradouras na economia brasileira. Foram várias tentativas frustradas na primeira década de redemocratização, justamente pela preferência de governantes por medidas de impacto imediato. Daqueles erros emergiu o aprendizado de economistas liderados por um político de visão avesso a imediatismos que resultou no acerto do Real, um plano de 30 anos bem vividos.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Na corda bamba do equilíbrio fiscal

CartaCapital

Um livro reúne um valioso conjunto de textos escritos ao longo de três décadas pelos criadores do Plano Real

Enrascada nas obsessões com o equilíbrio fiscal, a alma dos economistas brasileiros poderia ousar uma aventura pelos caminhos (e descaminhos) do Plano Real.

Organizado por Gustavo Franco, o livro 30 Anos do Real exibe artigos de Pedro Malan e Edmar Bacha publicados entre 1996 e 2024. A coletânea inicia a caminhada em 1996 e oferece ao leitor um valioso conjunto de indagações (e respostas) de três autores do Plano a respeito da trajetória político-econômica do ­Real. Faltou André Lara Rezende.

Em sua concepção essencial, o Plano Real seguiu o método básico utilizado para dar fim à maioria das “grandes inflações” do século XX: recuperação da confiança na moeda nacional pela garantia de seu valor externo.

Um dos exemplos é a economia alemã, que sucumbiu à impossibilidade de gerar as divisas necessárias para honrar as reparações de guerra impostas pelo Tratado de Versalhes. A fuga sistemática do marco para o dólar e a libra disparou a hiperinflação e não escassearam analistas de prestígio, como o italiano ­Brescianni-Turroni, dispostos a ­acusar o Reichsbank de destempero monetário. A “âncora” para escapar das maldições da hiperinflação repousou na estabilização da taxa de câmbio nominal, garantida pelo financiamento em dólares feito pelo Banco Morgan.

Carlos Drummond - Cerco total

CartaCapital

Aumenta o poder dos mais ricos sobre os recursos públicos

Em 12 meses, os gastos com juros da dívida somaram 776 bilhões de reais

A afirmação veemente de Lula, em entrevista na terça-feira 18 à rádio CBN, de que os ricos tomaram conta do orçamento, retrata a situação real, de alto risco para o País, do cerco quase total dos recursos públicos por interesses privados, nem sempre defensáveis. O setor financeiro, a mídia, o Banco Central e parcela do setor produtivo agem como se estivessem todos diante de um balcão, a cobrar da política econômica juros altos sem limite e benefícios fiscais sem-fim, e o governo tivesse a obrigação de atendê-los, documenta o noticiário dia após dia. O preço do atendimento às demandas privadas inclui, entretanto, a ampliação e a perpetuação das iniquidades, além do aprofundamento das disfuncionalidades da economia brasileira.

Marcus Pestana - Equilíbrio fiscal: um desafio global

A IFI - Instituição Fiscal Independente brasileira participou do 16o. Encontro Anual das IFIs e Assessorias Parlamentares de Orçamento, promovido pela OCDE, nos últimos dias 16, 17 e 18 de junho, em Atenas, Grecia. Foram 41 países representados. A IFI brasileira esteve ao lado de países como EUA, Reino Unido, Austrália, Coreia, Canadá, França, Grécia, Israel, Itália, Holanda, Portugal, Espanha, Argentina, Turquia, Peru, África do Sul, entre tantos outros países.

Na abertura tivemos a presença dos ministros gregos da Economia e da Educação, que expuseram a vigorosa recuperação da economia grega e o programa de reformas adotado após décadas de recessão e crise fiscal. O país recebeu recentemente grau de investimento.

Cristovam Buarque - Universidade não é fábrica

Veja

A greve pode ser legítima, mas não é compatível com a educação

Greves são instrumentos necessários, eficientes e justos para forçar patrões ao diálogo nas lutas dos trabalhadores. Para retomar o trabalho, os donos podem reduzir o lucro da empresa ou elevar os preços de suas mercadorias. A atual greve de professores e servidores das universidades e institutos federais são justas ao reivindicar reajuste salarial, mas é desnecessária porque o atual presidente e seus ministros não precisam de paralisação para dialogar com sindicatos, e ineficiente quando se considera que governo não é patrão, apenas administrador do orçamento do Estado, e a educação não é fábrica com mercadoria para venda. Para atender às reivindicações, o governo precisaria reduzir outros gastos, sacrificando setores essenciais da sociedade ou enfrentando poderosos na política. Tudo indica não haver neste momento margem para sacrifício, nem enfrentamento. Quando dispõe de recursos ou de força, um governo comprometido socialmente não precisa de greve para aumentar salário de professores, e não adianta greve se não tem esses recursos.

Poesia | Soneto XLIV, de Pablo Neruda

 

Música | Simone e Marcos Valle - Viola Enluarada | Um Som Pro Sul

 

sexta-feira, 21 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Unanimidade em manter juros dissipa dúvidas sobre BC

O Globo

Decisão endossada por todo o Copom — inclusive pelos diretores indicados por Lula —traz alívio para o futuro

Em decisão unânime, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) interrompeu o ciclo de queda da taxa básica de juros. Depois de sete cortes seguidos, a Selic ficou imóvel em 10,5% ao ano. A decisão de manter os juros em patamar alto é sempre custosa, mas a autoridade responsável por combater a inflação não tinha opção melhor. Diante da alta do dólar e das incertezas internas, era a hora de uma política mais restritiva. Senão, seria muito mais difícil depois.

A unanimidade fortaleceu a credibilidade do BC, que, na véspera da reunião do Copom, voltara a ser alvo de ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À investida de Lula contra a autoridade monetária — uma tentativa indevida de interferir na definição dos juros —, somava-se o resultado da reunião de maio, quando os quatro integrantes do comitê indicados no atual governo votaram por um corte de 0,5 ponto percentual, mas acabaram vencidos pelos demais cinco votos a favor de um corte de 0,25.

Ruy Castro - O novo planeta Portugal

Folha de S. Paulo

Quem vibra com Portugal hoje não o imagina o país triste e atrasado de apenas 50 anos atrás

Leitores habituados a ir a Portugal nos últimos tempos e a se encantar com a vida e a euforia de suas cidades parecem acreditar que sempre foi assim. Daí estranharem quando o classifiquei outro dia ("Desmemória coletiva") de ser, antes do dia 25 de abril de 1974, o país "mais triste e atrasado da Europa". "Como assim?", perguntaram. "Que milagre aconteceu nesses 50 anos?" É uma resposta que deixo aos economistas. Só posso descrever como era naquele tempo —porque eu estava lá.

Era o país dos homens de cinza e das mulheres de preto, em permanente luto por uma vida sem expectativas. Uma ditadura de 48 anos dependente da receita colonial e fascista. A polícia política por toda parte. Ninguém era estimulado a investir, a se arriscar. O analfabetismo batia os 60%. O congelamento dos táxis e dos aluguéis, de décadas, dizia tudo —os carros e os imóveis caíam de velhos, assim como o país.

Bruno Boghossian - Lula estica a queda de braço

Folha de S. Paulo

Disputa obriga presidente a enfrentar flutuação amarga no mercado a cada declaração

Depois da briga com o Banco CentralLula esticou sua queda de braço. Primeiro, deu uma entrevista em que atribuiu a manutenção da taxa de juros aos interesses de especuladores e do "sistema financeiro". Depois, durante um evento, disse que vê os ricos "mamarem naquilo que o povo paga de Imposto de Renda".

O choque com a elite econômica e o mercado financeiro é uma página conhecida da cartilha do presidente. Ainda assim, o petista reconheceu a voltagem daquelas declarações: "As pessoas podem dizer: 'Mas o Lula está radical'. Eu não estou radical. Eu estou apenas tentando contar uma história para vocês".

Vinicius Torres Freire - Onde está o imposto que Lula quer tirar de ricos para dar a pobres

Folha de S. Paulo

Presidente descobre valor brutal da isenção de tributos, que cresceram nos anos petistas

Ministros disseram que Luiz Inácio Lula da Silva ficou "mal impressionado" ao saber na segunda-feira do tanto de imposto que se deixa de pagar no país, os de repente famosos "gastos tributários", isenções de tributos para cidadãos, empresas e outras instituições.

Na previsão da Receita Federal, o valor do gasto tributário neste ano deve ser de R$ 524 bilhões. É o equivalente a mais de um quinto da arrecadação bruta do governo federal e a 4,59% do PIB.

É brutal. Durante a campanha e na elaboração do programa de governo, em 2022, ninguém havia relembrado a Lula o tamanho do problema? Até aqui, quando discutia imposto com ministros, não se tratava do assunto?

Luiz Carlos Azedo - Toffoli embanana julgamento do porte de maconha

Correio Braziliense

Presidente do Supremo, Barroso fez questão de esclarecer que o STF considera, “tal como a legislação em vigor”, que o porte e consumo pessoal de drogas são atos ilícitos

Quando parecia que o Supremo Tribunal Federal (STF) caminhava para descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal, pois o julgamento estava 5 a 3, o ministro Dias Toffoli embananou a decisão da Corte, com seu voto para manter o porte de drogas como um crime, depois de uma longa intervenção, que parecia seguir na direção contrária. O julgamento agora está 5 a 4. Ainda não votaram os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia, que decidirão a questão.

Pelo voto de Toffoli, as punições ao usuário continuam valendo e permanecem socioeducativas, mas não há prisão. Entretanto, basta mais um voto para formar maioria e transformar o ato em ilícito administrativo, com sanções mais leves e na esfera administrativa, não penal. O julgamento foi provocado pela Defensoria Pública de São Paulo, que recorreu da condenação de um jovem que portava 2,5 gramas de maconha. Caso prevaleça a tese que considera o porte de drogas um ilícito administrativo, a prestação de serviços, por exemplo, deve cair. O ministro Flávio Dino não vota porque Rosa Weber já votou nesse julgamento, antes de se aposentar.