Corte de verbas em meteorologia deixa país vulnerável
O Globo
Catástrofe gaúcha mostra que, enquanto
governo gasta onde não é preciso, corta o indispensável
As chuvas que devastaram o Rio Grande do Sul
no mês passado impuseram uma lição contundente: União, estados e municípios
precisam se preparar melhor para lidar com fenômenos climáticos extremos, que,
em razão do aquecimento global, se tornaram e se tornarão mais frequentes e
mais intensos. Para isso, previsões meteorológicas são críticas.
Paradoxalmente, neste momento de demanda crescente, o Instituto Nacional de
Meteorologia (Inmet)
vem sendo esvaziado.
Como mostrou reportagem do GLOBO, o orçamento empenhado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária ao Inmet vem caindo. Foram R$ 29,1 milhões em 2020, R$ 27,6 milhões em 2021, R$ 22,1 milhões em 2022, R$ 16,1 milhões no ano passado e R$ 11,5 milhões no primeiro semestre. Quando observados os valores para a área de meteorologia (e não apenas para o Inmet), também houve queda. Em 2022, foram empenhados R$ 24,7 milhões e pagos R$ 22,7 milhões. Em 2023, R$ 18,4 milhões e R$ 18,3 milhões. Neste ano, R$ 15,5 milhões e R$ 12 milhões até agora.
Para efeito de comparação, no ano passado o
governo empenhou R$ 51 milhões e gastou R$ 43 milhões no Centro de Tecnologia
Eletrônica Avançada (Ceitec), estatal de semicondutores destinada à liquidação
no governo Jair Bolsonaro, mas resgatada no governo Lula, apesar de
irrelevante. O orçamento do Ceitec para este ano é de R$ 46,2 milhões. Num país
em que Judiciário e Ministério Público custaram à sociedade 1,6% do PIB em
2022, onde o fundo eleitoral praticamente dobrou de uma eleição municipal a
outra (de R$ 2,5 bilhões para R$ 4,9 bilhões) e os gastos obrigatórios são
engessados, falta dinheiro onde ele é mais necessário. É o lado perverso da
crise fiscal.
Com orçamento curto no Inmet, os problemas de
gestão se agravam. Contratos com terceirizados são cancelados e equipes
reduzidas. No Rio de Janeiro, contam funcionários, não há mais meteorologista
em campo. Em Porto Alegre, apenas dois servidores tomam conta das previsões.
Belo Horizonte mantém uma única servidora. Como mostrou o Jornal Nacional,
algumas repartições nem têm mais telefone, ainda essencial em situações de
emergência. Atualmente só a sede em Brasília recebe ligações, e a população é
orientada a usar o site.
A catástrofe no Rio Grande do Sul e suas
cenas de horror deveriam levar à reavaliação de prioridades. Um dos fatores que
tornam os desastres climáticos mais letais é a falta de ações preventivas. A
previsão de chuvas permite que a Defesa Civil crie estratégias e rotas de
salvamento com antecedência. Mesmo que a previsão não se confirme, é essencial
estar preparado para o pior cenário. Evidentemente, a previsão meteorológica é
apenas parte de uma estrutura maior que precisa ser acionada em momentos críticos.
Quando essa engrenagem funciona, aumentam as chances de salvar vidas. Mas tudo
depende de previsões corretas e de comunicação ágil. E isso depende de o
dinheiro público ser despendido onde é necessário.
Câmara precisa votar projeto do ensino médio
antes do recesso de julho
O Globo
Só assim haverá tempo para reforma de 2017
entrar em vigor no ano que vem. Não dá para esperar mais
Cabe à Câmara votar com celeridade o Projeto
de Lei sobre o novo ensino médio,
alterado no Senado. É fundamental que o texto esteja aprovado antes do recesso
parlamentar, na segunda quinzena de julho. Só assim haverá tempo para as
secretarias de Educação começarem
a implementar as mudanças a partir do ano que vem. Do contrário, as novas
normas só poderão entrar em vigor em 2026, quase dez anos depois de aprovado o
projeto original, em 2017.
O novo ensino médio tem muitos méritos. Além
de ampliar a carga horária de formação básica, adota uma parte flexível no
currículo, tornando-o mais próximo dos jovens. Hoje os currículos são
desconectados da realidade. Despertam pouco interesse nos alunos e não têm
sintonia com as demandas do mercado de trabalho. A proposta também estimula e
valoriza o ensino profissionalizante.
É urgente promover a reforma para preparar
melhor os alunos às demandas da sociedade e do mercado contemporâneos. Apesar
disso, pressionado por entidades de classe e partidos de esquerda, o ministro
da Educação, Camilo Santana, suspendeu em abril do ano passado a implementação,
sob o argumento de que o projeto precisava de ajustes. É verdade que havia
problemas na proposta original. Mas a demora se tornou injustificável.
Um dos principais problemas era a carga
horária deficiente para a formação geral básica (1.800 horas), com tempo
excessivo para a parte flexível do currículo (1.200 horas). Na versão aprovada
na Câmara, as disciplinas tradicionais passaram a ter 2.400 horas, do total de
3 mil. Como isso comprimiu o tempo do currículo flexível, a relatora no Senado,
Professora Dorinha Seabra (União-TO), decidiu aumentar a carga horária dos
cursos técnicos, a partir de 2029, para até 3.600 horas. A ideia é torpedeada
por profissionais e pesquisadores, pois de difícil execução. Outro ponto
criticado é a obrigatoriedade do ensino de espanhol, em detrimento do inglês —
a língua franca do planeta deixaria de ser obrigatória. Secretários de Educação
alegam que as escolas não têm condições de cumprir a exigência. Por fim, o
texto impõe que o Enem exija apenas a formação básica.
Em vez de contribuir para sanar as
divergências, o projeto do Senado suscitou mais controvérsia e atrasou a
implementação. O ideal é que sejam retomadas as linhas gerais propostas pelo
relator na Câmara, Mendonça Filho (União-PE). O texto que seguiu de lá para o
Senado era fruto de um consenso costurado entre governistas, oposição,
secretários de Educação e o MEC. “É um texto sólido, que atende aos secretários
que implementarão as mudanças e aos pesquisadores que estudam o assunto”, diz
Priscila Cruz, presidente da ONG Todos Pela Educação. “É preciso aprová-lo
logo, para que as escolas tenham tempo de se preparar.”
Não há dúvida de que debate é importante, mas
já se debateu demais. O projeto vai para a quinta modificação. Passou da hora
de chegar a um consenso. Quanto antes a reforma for implementada, melhor para
os alunos, para as empresas e para o país.
Fraude na história e tiro no pé com Petrobras
Folha de S. Paulo
Lula tenta reescrever história de corrupção
nas gestões do PT; ímpeto intervencionista se volta contra o próprio governo
Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
insiste em tentar reescrever a história para apagar os malfeitos de
administrações petistas anteriores. A esta altura de seu governo está claro que
nem ele nem o PT se preocuparam em refletir sobre os fracassos passados ou em
considerar as necessidades atuais do país.
A semana que passou foi pródiga em evidências
de sua conduta sectária. Na cerimônia de
posse da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, escolhida
para novamente tornar a companhia caudatária de projetos caros ao partido, Lula
se pôs a atacar gestões anteriores —que resgataram a estatal de uma crise sem
precedentes.
Entre 2016 e 2022, não houve conluio de
elites para desmontar a empresa. O que houve foi uma paciente reconstrução
financeira após anos de desvios e incompetência administrativa, que legaram os
maiores prejuízos da história, durante os mandatos petistas.
No período, a gigante petroleira voltou a
obter lucros elevados que propiciaram polpudos dividendos para seus acionistas,
em especial o Tesouro Nacional, ou, vale dizer, para toda a sociedade.
"O que queriam eles mesmo era entregar
esse extraordinário patrimônio nas mãos de petrolíferas estrangeiras",
discursou o mandatário, em retórica populista desabrida, sobre as investigações
da Operação Lava
Jato na empresa —que, por sinal, também o atingiram.
Em uma mesma tacada, Lula procura tanto
desqualificar as revelações de corrupção nas
administrações petistas quanto culpar terceiros pelo desastre econômico da
correligionária Dilma
Rousseff. São fatos incontestáveis, não alterados pelos erros da
Lava Jato que levaram à anulação das condenações do líder petista.
Por fim, a surrada demonização das
privatizações é uma busca por inimigos imaginários, dado que nenhum governo
propôs a venda da Petrobras. No entender desta Folha, esse tabu político é
um erro que prejudica a produtividade da empresa e da economia, para nem falar
de desvios criminosos.
Felizmente, a Lei das
Estatais, de 2016, trouxe
melhorias de governança também incorporadas ao estatuto da
petroleira. Foram esses aperfeiçoamentos que impediram Lula e seu
antecessor, Jair
Bolsonaro (PL), de mandar nos preços
da gasolina e dos demais derivados do petróleo como
gostariam.
Espera-se que o ímpeto
intervencionista conheça nova frustração sob o novo comando da
Petrobras. Se Lula for bem-sucedido, não terá ninguém mais a quem culpar por
consequências ruinosas —mas isso nunca o constrangeu.
Putin e Kim
Folha de S. Paulo
Acordo entre Rússia e Coreia do Norte altera
balanço geopolítico e desafia EUA
Protagonizando uma cena insólita, Vladimir
Putin tomou o volante da limusine Aurus Senat em que embarcaria
com Kim Jong-un e levou o
ditador norte-coreano para um passeio pelas ruas de Pyongyang.
O carro de fabricação russa foi dado a Kim, mas a real troca entre os líderes
era outra, com profundas consequências geopolíticas.
Putin foi à cidade pela primeira vez em 24
anos para reverter um caminho trilhado após o fim da União Soviética, que
bancava a bizarra mistura de dinastia familiar e regime stalinista vigente na
porção norte da península coreana.
De lá para cá, o apoio de Moscou escasseou.
Entre 2006 e 2017, os russos votaram nove vezes a favor de sanções contra os
norte-coreanos na ONU, incluindo o acesso a bens de luxo como a limusine.
Mas o mundo mudou. Com a implosão das
negociações nucleares entre Kim e os EUA, em 2019, e a invasão russa da Ucrânia em
2022, os antigos aliados se reaproximaram.
Na visita, Putin
anunciou um pacto militar que revive os termos do principal
acordo entre os norte-coreanos e os soviéticos, de 1961, segundo os quais os
países se comprometem a defender-se mutuamente em caso de agressão.
Até aqui, a Coreia do
Norte não tinha um seguro externo de tal magnitude. Já os
sul-coreanos têm 25 mil soldados americanos e o guarda-chuva nuclear de
Washington à sua disposição contra as talvez 50 ogivas atômicas de Kim.
Putin ainda anunciou que poderá enviar
mísseis de precisão ao aliado para empatar o jogo com os EUA, que autorizaram a
Ucrânia a empregar tais armamentos contra solo russo. Em troca,
deverá receber munição para sua artilharia contra o vizinho e ganha um novo
instrumento de pressão política na Ásia.
Incógnito é o papel da China,
maior aliada da Rússia e
maior apoiador de Pyongyang no pós-Guerra Fria.
Parece improvável que o pacto tenha sido firmado sem conhecimento de Pequim.
Como ainda tem poderosos laços econômicos com o Ocidente, é possível que Xi Jinping tenha
deixado a instrumentalização de Kim para Putin.
A história é pródiga em exemplos de como tais arranjos podem levar a crises graves, como a sucessão que gerou a Primeira Guerra Mundial. Não se espera tanto agora, mas adiciona-se tensão à já conturbada relação entre as Coreias.
Ânimo censório
O Estado de S. Paulo
Espanta a facilidade com que o STF suspende a
liberdade de expressão, chegando às raias do absurdo: até os entreveros
conjugais de um deputado tornaram-se risco às instituições
Na terça-feira, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, atendendo a um pedido dos advogados
do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ordenou a remoção de
reportagens da Folha de S.Paulo, Mídia Ninja, Terra e Brasil
de Fato em que sua ex-mulher, Jullyene Lins, o acusava de ameaças e
agressão. No dia seguinte, Moraes recuou. Menos mal. Mas o ânimo censório da
Corte e a naturalidade com que ela está normalizando o recurso à censura são
alarmantes.
O caso ecoa a censura imposta por Moraes em
2019 a uma reportagem da revista Crusoé que revelava o codinome do
ministro Dias Toffoli nos arquivos da Odebrecht. A ordem foi expedida no âmbito
de inquéritos abertos pela Corte para apurar fake news e a atuação de
milícias digitais. Na ocasião, Moraes também recuou, mas esses inquéritos
intermináveis, elásticos e secretos já correm há cinco anos e a sociedade ainda
não sabe quem supostamente ameaça as instituições, como são articuladas essas ameaças
nem os seus propósitos. Mas eles têm servido de pretexto para toda sorte de
intimidação e arbitrariedade.
Foi no âmbito desses inquéritos que Moraes
determinou a censura de redes sociais que criticaram o projeto de lei das fake
news, bloqueou perfis de influenciadores ou indiciou o dono do X, Elon Musk,
por se queixar de suas decisões. As fundamentações, quando vêm à público, são
sempre genéricas e opacas.
No caso das reportagens com Jullyene Lins,
não foi diferente. Lins acusou o ex-marido de agressão em 2006 e depois, no
processo, recuou das acusações. Lira foi absolvido em 2015. Em entrevista
à Folha em 2021, ela alega ter sido coagida a recuar por meio de
novas ameaças e agressões. Os textos censurados reportavam esses depoimentos,
os fatos relevantes e as declarações do acusado.
Se há calúnia por parte de Jullyene Lins, que
seja apurada e ela, julgada e punida. Mas o pedido da defesa alegou que as
reportagens fariam parte de um “movimento orgânico, encadeado, de divulgação de
notícia mentirosa”, com o “claríssimo propósito de desestabilizar não apenas a
figura política” de Lira, como “atingir o exercício da elevada função da
Presidência da Câmara dos Deputados”.
Foi a senha para ativar os apetites
salvacionistas de Moraes: “Torna-se necessária, adequada e urgente a
interrupção da propagação dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da
ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática mediante
bloqueio de contas em redes sociais”, disse no despacho. Por alguma curiosa
hermenêutica, os entreveros conjugais de Lira tornaram-se um risco ao Estado
Democrático de Direito. Só faltou acusar Jullyene Lins e as mídias de
“extremistas” ou “golpistas”.
Na raiz de mais essa arbitrariedade está a
confusão espúria entre as autoridades e as instituições que representam.
Pessoas que supostamente ofendem juízes ou políticos são agora investigadas por
“ataques às instituições” ou até por crimes que nem sequer existem como
“desinformação” ou “discursos de ódio”.
Para piorar, a censura não só era descabida,
como o STF não tinha competência para determiná-la. Deputados têm foro
privilegiado se forem autores de crimes, não vítimas. Não bastasse isso, a
demanda apresentada nem sequer era criminal, e sim cível. Mas com essas táticas
Lira já logrou a censura de 15 conteúdos jornalísticos sobre este tema.
Neste último caso, Moraes recuou, mas as
marcas da arbitrariedade ficaram. Mulheres devem pensar mais de uma vez antes
de denunciar agressões de autoridades e poderosos, assim como a imprensa antes
de reportá-las.
Mesmo a censura de conteúdos caluniosos é
excepcionalíssima e exige certeza além de qualquer dúvida razoável. Ao receber
um pedido desse gênero, o ímpeto inicial deveria ser preservar a liberdade de
expressão, mas os ânimos no STF vão na direção oposta. Como diz o bordão, para
quem tem um martelo, tudo é prego. Para quem se autoatribui uma jurisdição
universal de defesa da democracia e da verdade, qualquer coisa pode virar
“subversão da ordem” ou “quebra da normalidade institucional”, até briga de
marido e mulher.
A ‘surpresa’ de Lula com os subsídios
O Estado de S. Paulo
Proporção de benefícios tributários no PIB
pode até impressionar leigos, mas jamais deveria impressionar Lula da Silva,
que contribuiu muito para ampliá-los em seus mandatos anteriores
O presidente Lula da Silva ficou
“extremamente mal impressionado” com o aumento do peso dos subsídios nos
últimos anos, segundo relato da ministra do Planejamento, Simone Tebet. Lula
participou nesta semana de reunião da Junta de Execução Orçamentária, ocasião
em que teria finalmente tomado conhecimento sobre o tamanho do problema. “De
repente, você descobre que tem R$ 646 bilhões de benefícios fiscais para os
ricos desse país”, disse Lula da Silva, em entrevista à Rádio CBN.
Considerando benefícios tributários,
financeiros e creditícios, o valor chegou a R$ 646,6 bilhões no ano passado, o
equivalente a 5,96% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo relatório do
Tribunal de Contas da União (TCU). Desse total, R$ 127,6 bilhões eram
benefícios financeiros e creditícios. A maior parte, R$ 519 bilhões, era de
gastos tributários, que incluem renúncias de receita, isenções ou redução de
alíquotas de impostos, entre outros instrumentos que livram empresas e setores
de pagar impostos.
Os números podem até impressionar leigos, mas
não deveriam impressionar um presidente da República em seu terceiro mandato,
mesmo porque ele contribuiu muito para o quadro. Entre 2003 e 2010, durante o
primeiro e o segundo mandatos de Lula da Silva, os benefícios tributários,
financeiros e creditícios avançaram de 3,02% para 4,24% do PIB – um
comportamento puxado justamente pelos gastos tributários, elevados em resposta
à crise financeira de 2008 e jamais retirados.
O ápice do período foi em 2015, primeiro ano
do segundo mandato de Dilma Rousseff, quando eles alcançaram 6,65% do PIB. Lula
3, no entanto, já tem subsídios para chamar de seus. Não pode, portanto,
dizer-se impressionado pelo resultado de suas próprias ações. A indústria
automotiva receberá R$ 19 bilhões no enésimo programa, o Mover, lançado no ano
passado a pretexto de estimular investimentos na descarbonização da frota.
Não seria justo atribuir toda a
responsabilidade por essas ações ao Executivo. O Legislativo deu aval a muitas
dessas medidas e, mais recentemente, passou a propor novos benefícios de
autoria dos próprios parlamentares, como no caso do Perse, criado para ajudar o
setor de eventos a se recuperar das perdas da pandemia de covid-19 e que, como
todo programa temporário, já foi renovado.
À revelia do governo, o Congresso discute
ampliar os limites de enquadramento no Simples para micro e pequenas empresas e
microempreendedores individuais, já bastante generosos. Líder no ranking de
renúncias, o programa deve chegar a quase 24% do total dos benefícios
tributários deste ano, mas, ao longo do tempo, tornou-se praticamente
intocável.
Manter o Simples e a Zona Franca de Manaus
fora do alcance da reforma tributária foi parte da estratégia bem-sucedida do
governo para garantir o avanço da proposta no Congresso. E, embora o Executivo
tenha proposto a redução dos gastos com a desoneração da cesta básica, um
programa sabidamente regressivo e que proporcionalmente beneficia os mais
ricos, os parlamentares resistem à iniciativa.
Tentar reduzir os gastos tributários é mexer
em vespeiro, como percebeu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quando
tentou acabar com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores econômicos
por meio de uma medida provisória. Antes dele, seus antecessores também
tentaram impedir a prorrogação do benefício, sem sucesso. No governo Temer, a
lista de beneficiários até foi bastante reduzida, mas para compensar o subsídio
concedido ao diesel após a greve dos caminhoneiros.
É legítimo que os setores pleiteiem
benefícios tributários para suas áreas. Cabe ao governo analisar as
solicitações com profundidade, avaliar seus custos e benefícios, estabelecer
objetivos e metas quantificáveis, monitorar sua execução e, sobretudo, estabelecer
um prazo para que eles possam acabar.
Não basta, como Lula diz, estabelecer
contrapartidas aos subsídios, como a criação ou manutenção de empregos.
Enfrentá-los exige mais que discursos fáceis que não passam de tentativa de se
livrar da premente necessidade de fazer um ajuste fiscal.
Israel precisa decidir
O Estado de S. Paulo
O Hamas está quase neutralizado, mas, sem uma
alternativa séria em Gaza, voltará mais forte
A legitimidade da estratégia do premiê
israelense, Benjamin Netanyahu, se decompõe a olhos vistos. “Estamos lutando em
vários fronts”, disse à sua coalizão. Mas poderia estar descrevendo a si mesmo.
A frustração de aliados se transmuta em animosidade. Rusgas com Washington, com
membros de seu partido e de outros na coalizão são cada vez mais frequentes.
Nesta semana, seu adversário centrista Benny
Gantz, que integrara o governo de emergência, renunciou à sua posição no
gabinete de guerra ante a relutância de Netanyahu em apresentar um plano para o
pós-guerra. Logo depois, o gabinete foi dissolvido, numa manobra de Netanyahu
para se esquivar das reivindicações dos ortodoxos e ultranacionalistas, que
sustentam o governo, de ter mais influência no comando para avançar suas
ambições maximalistas.
O racha agora é com as Forças Armadas. A
tensão cresceu por meses. Seu chefe, Herzi Halevi, admitiu sua parte da
responsabilidade pelo fracasso no 7 de Outubro. Netanyahu nunca admitiu a sua e
tenta transferi-la para os militares, que se frustram com suas manobras para
manter a isenção do serviço militar dos ortodoxos.
Nesta semana, contrariando Netanyahu, os
militares instituíram pausas num corredor para escoar suprimentos a Gaza. O
porta-voz do Exército, Daniel Hagari, torpedeou a retórica de “vitória
absoluta” do governo. Segundo ele, o Exército está próximo de derrotar o Hamas,
mas “a ideia de que é possível destruir o Hamas, fazê-lo desaparecer, é jogar
areia nos olhos da população”, disse. “Se não trouxermos alguma outra coisa
para Gaza, no fim das contas, teremos o Hamas.”
Uma patada como essa é sem precedentes em
Israel e expõe o tamanho da crise. “Os militares veem uma falta de estratégia
geral, uma rusga crescente com os EUA e incitação contra seus comandantes”,
disse o general da reserva Gaid Shamni.
Para não contrariar seus aliados extremistas,
Netanyahu continua a dizer “não” a um cessar-fogo e um governo da Autoridade
Palestina em Gaza, e “não” a uma ocupação permanente, para não desagradar aos
EUA e à oposição. Mas, à medida que as Forças Armadas se aproximam da
neutralização do Hamas, essa ambiguidade se prova insustentável.
Seu ministro da Defesa, Yoav Gallant, de seu
partido, o Likud, tem vocalizado essa irritação. A relutância de Netanyahu,
disse, está movendo Israel a dois resultados autodestrutivos: ou uma ocupação
militar em Gaza ou o retorno do Hamas. “Pagaremos com sangue e muitas vítimas à
toa, e com um preço econômico pesado.”
As justificativas de Netanyahu derretem, expondo sua intenção de perpetuar a guerra para sobreviver no poder e se furtar à prestação de contas pelo desastre no 7 de Outubro. O Exército está próximo de destruir as capacidades militares do Hamas. Mas sempre foi nonsense a parolagem sobre destruí-lo enquanto uma “ideia”. Essa ideia só existe em contraponto à agressividade israelense contra os palestinos, e voltará mais forte sem uma alternativa séria em Gaza. Se esse governo não é capaz de viabilizá-la, então é literalmente vital para Israel eleger outro.
Unanimidade do Copom deve ser valorizada
Correio Braziliense
Manter a taxa de juros foi uma forma de
afastar temporariamente o temor de interferência do Executivo no Copom a partir
de dezembro, quando acaba o mandato de Roberto Campos Neto
O Comitê de Política Monetária (Copom) do
Banco Central (BC) interrompeu o ciclo de queda da taxa básica de juros, por
unanimidade, depois de sete cortes. Manteve-se a taxa Selic em 10,5%. É uma das
mais altas do mundo, porém, as razões para isso são de ordem objetiva: o
desequilíbrio fiscal e um cenário internacional carregado de incertezas. O fato
de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promover ataques sistemáticos ao BC —
antes, durante e depois da reunião do Copom —, somente reforçou a importância
da decisão tomada.
Na reunião anterior, em maio, a intenção de
reduzir o ritmo de corte da taxa de juros de 10,75% para 10,5% foi adotada por
5 a 4, com o voto a favor do presidente do BC. Essa votação poderia até ser
considerada normal pelo mercado, em se tratando de um colegiado, não houvesse,
à ocasião, uma nítida divisão entre os integrantes mais antigos do Copom,
indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, a maioria, e os novos diretores
alçados ao posto por Lula. Agora, a unanimidade fortaleceu a credibilidade do BC.
Manter a taxa de juros foi uma forma de
afastar temporariamente o temor de interferência do Executivo no Copom a partir
de dezembro, quando acaba o mandato do atual presidente do BC, Roberto Campos
Neto. Uma diretoria partidarizada, sob comando direto de Lula, seria um golpe
de morte na autonomia da autoridade monetária e sua capacidade de manter o
controle inflacionário por meio da política monetária. Lula acredita que o
controle da inflação virá pela via do aumento da arrecadação, para alcançar o
equilíbrio fiscal, e dos investimentos públicos, cujo objetivo seria acelerar o
crescimento.
Essa é uma política que foi testada
várias vezes ao longo da história e não deu certo. A última tentativa foi um
desastre econômico e político para o país, porque nos levou à recessão
econômica e à deposição da então presidente Dilma Rousseff. Não por acaso, o
comunicado do Copom sinaliza outra direção, "destacando que o cenário
global incerto e o cenário doméstico marcado por resiliência na atividade,
elevação das projeções de inflação e expectativas desancoradas demandam maior
cautela".
O impacto positivo da decisão refletiu
imediatamente na queda dos juros futuros e na alta da Bolsa, mas as declarações
de Lula contra a decisão voltaram a gerar turbulências no mercado, o que
favoreceu a alta do dólar. Por mais que o presidente da República minimize esse
efeito, o fato é que a moeda brasileira é a quarta a mais se desvalorizar no
ano.
A grande preocupação do Copom é com o mercado
externo, muito instalável em razão das guerras em Ucrânia e Gaza, da
aproximação das eleições nos EUA e do impacto dos eventos climáticos extremos
nas economias. O que pode ser controlado são as variáveis internas da economia
sob responsabilidade do governo, entre as quais as contas públicas.
Se o governo não adotar uma política de
controle de gastos, a demanda de produtos e serviços pressionará a inflação,
além de expandir a dívida pública. Vem daí a causa da elevação dos juros
futuros e do dólar, pois os investidores ficam inseguros e passam a operar com
mais cautela.
Lula não pode ser um fator de instabilidade da economia, como a sua retórica atual sinaliza. Ele cria um nevoeiro no horizonte econômico ao afirmar que pretende indicar, para o lugar de Campos Neto, um substituto "maduro", impermeável às influências do mercado financeiro e que leve em conta o crescimento da economia, além da inflação. Por isso mesmo, a unanimidade do Copom é muito importante. Sinaliza que os quatro diretores já indicados pelo atual governo vão adotar critérios técnicos e manter autonomia do BC.
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