sábado, 16 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC que impõe escala de trabalho 4x3 seria um erro

O Globo

Mudança traria mais despesas para empresas, maior informalidade e queda no rendimento do trabalhador

Não, a sexta-feira não deve ser o novo sábado, como quer a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). O texto pretende impor uma semana de quatro dias de trabalho e três de descanso (4x3), com redução no limite de horas trabalhadas de 44 para 36, sem aumento da carga diária de oito horas nem redução de salário. Apresentada sem nenhum embasamento técnico, a PEC recolheu assinaturas suficientes para ser discutida, ganhou apoio de ministros, parlamentares e do vice Geraldo Alckmin. Quem defende a mudança parece crer que o avanço da tecnologia permitiria à força de trabalho uma rotina menos intensa, sem perda de produtividade. Imagina que, para dar conta do trabalho, as empresas contratariam mais funcionários, reduzindo o desemprego. Na teoria, parece bonito. Na prática, o resultado seria outro.

A Constituição e o milagre da democracia - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

A sobrevivência do regime democrático depende do compromisso de vencedores e derrotados de se submeterem às regras do jogo

Democracia e constitucionalismo são conceitos políticos distintos. À democracia importa que o poder seja exercido pela maioria dos cidadãos. Já ao constitucionalismo, preocupa que o poder seja exercido dentro de certos limites, mesmo que esse poder decorra da vontade da maioria. Há, portanto, uma tensão permanente entre democracia e constitucionalismo.

Nos regimes democráticos os governos são escolhidos por meio do voto. Os postulantes que receberem mais votos, devem assumir o poder. Os que perderem, vão para a oposição. A sobrevivência do regime depende do compromisso de vencedores e derrotados de se submeterem às regras do jogo. O que não é tarefa fácil, dados os incentivos a abusar do poder por parte de quem está no governo e de subverter a ordem por quem está fora dele. Como pontua o cientista político Adam Przeworski, "o milagre da democracia é que forças políticas conflitantes obedeçam aos resultados das votações".

Vencer os extremos é preciso – Dora Kremer

Folha de S. Paulo

É de se desconfiar da facilidade com que defensores de anistia a Jair Bolsonaro decretaram o 'enterro' da ideia

A tentativa de atentado a bombas na praça dos Três Poderes mostrou que o espaço síntese da representação da República ainda é um lugar vulnerável a ação de extremistas, sejam dementes ou agentes conscientes de orquestração liberticida.

A radicalização está presente, ativa, ataca em qualquer lugar e em qualquer momento sem que possamos dizer que somos pegos de surpresa, embora um tanto desprevenidos. A intolerância incorporou-se ao cotidiano. Instalou-se como um tumor que se não for combatido o quanto antes ameaça o país de metástase.

Aceitem a prisão - Alvaro Costa e Silva

Folha S. Paulo

Ex-presidente quer jogar o país na fogueira, que já começou a queimar com o corpo em frente ao STF

Da frustração e ódio curtidos e expostos nas mídias ao terrorismo trapalhão (mas não menos perigoso) é um pulo. O segurança do Supremo Tribunal Federal testemunhou o momento em que, próximo à estátua da Justiça, o homem se deitou, colocou o artefato na cabeça e esperou a explosão.

A vítima foi identificada como Francisco Wanderley Luiz, dono do carro que também explodiu no estacionamento da praça dos Três Poderes. Era mais um brasileiro confuso, enganado e teleguiado, cujo corpo ficou horas no chão.

Conhecido como Tiu França, trabalhava como chaveiro em Rio do Sul, Santa Catarina. Nas eleições municipais de 2020, candidatou-se pelo PL, campeão de verbas no fundo de campanha, e não conseguiu se eleger; gastou do próprio bolso R$ 500 e teve 98 votos.

Conta que não fecha - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Reduzir jornada de trabalho faz sentido, mas texto da PEC contém erro de tabuada que explica em parte a baixa produtividade do Brasil

O que me impressionou no caso da PEC do fim da escala 6x1 é que cerca de duas centenas de parlamentares tenham chancelado uma proposta que contém um erro grotesco de tabuada.

texto da PEC fala em semana de trabalho de 36 horas, com oito horas diárias ao longo de quatro dias por semana. Non sequitur. 8x4=32. Se a ideia é perfazer 36 horas em quatro dias, é necessário que a jornada tenha 9 horas.

Errar é humano, mas instituições precisam desenvolver mecanismos de correção do erro. Surpreende-me que nenhum dos signatários tenha solicitado a retificação do texto antes de a história crescer tanto.

Um fim para a escala 6x1 – Pablo Ortellado

O Globo

É uma jornada exaustiva e desumana, em que os trabalhadores têm um único dia de descanso

Em setembro do ano passado, o balconista de farmácia Rick Azevedo publicou um vídeo no TikTok desabafando contra a opressiva escala 6 por 1, pela qual o funcionário trabalha seis dias consecutivos para poder descansar um. O vídeo teve enorme repercussão nas mídias sociais e deu origem a um abaixo-assinado, a mobilizações de rua e, mais recentemente, a uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) prestes a ser apresentada na Câmara dos Deputados. A PEC quer reduzir a jornada de trabalho no Brasil. Desde a greve dos entregadores em 2020, conhecida como “breque dos apps”, o país não assistia a uma mobilização tão genuína de trabalhadores exigindo direitos e melhorias nas condições de trabalho.

A demanda pela redução da jornada de 44 horas é antiga, e passou da hora de o Brasil adotá-la. Ela gerará algum inconveniente para as empresas e a economia, mas o benefício para a vida dos trabalhadores é maior que as dificuldades. Estas são passageiras e serão assimiladas em um ano ou dois.

Os despertos e os sonâmbulos – Eduardo Affonso

O Globo

Lavagem cerebral levou um fanático a se explodir em frente ao STF. É a sina dos militantes extremados

Foram dois golpes no período de apenas nove dias. O primeiro fez “tchan” em 27/10, com a consumação da derrota nas eleições municipais. O segundo fez “tchum” em 5/11, na recondução triunfal de Trump à Casa Branca. E... “tchan tchan tchan tchan!”. O movimento woke completou com sucesso seu projeto de harmonização facial da esquerda (a brasileira, a americana), deixando-a desfigurada e (espera-se) com vergonha de se olhar no espelho.

Para onde terá refluído a maré virtuosa que arrastou multidões na marcha pelos direitos civis, em 1963, com Martin Luther King compartilhando seu sonho de que “os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes de donos de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade”? Ou a que lotou a Praça da Sé e tantas outras do Brasil, em 1984, exigindo o voto direto para presidente e o retorno pleno à democracia?

A economia cresce; inflação e juros também – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Trump deve mesmo impor o pesado aumento de tarifas de importação que prometeu. Isso provocará forte elevação de preços

Setembro, conhecidos agora todos os dados, foi um mês bom para a atividade econômica. Setembro foi também o mês do Rock in Rio. Não se trata de simples coincidência. Grandes espetáculos movimentam amplos setores da economia, especialmente serviços: hotéis, restaurantes e bares, viagens, para citar os mais evidentes.

Há algumas semanas, na Inglaterra, o Banco Central notou uma inesperada alta na inflação quando se esperava estabilidade. Procura daqui e dali, a única coisa de diferente que acontecia eram os shows de Taylor Swift, por diversas cidades. Era isso mesmo, inflação de serviços.

Por aqui, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) mostrou sólida expansão de 0,84% em setembro, na comparação com agosto. O número saiu nesta semana. Na comparação com setembro do ano passado, a expansão foi de 5,1%, melhor resultado desde julho de 2022. Todos os setores cresceram: indústria, vendas no varejo, prestação de serviços. E isso combina com os dados do IBGE sobre o mercado de trabalho.

Um pacote salva-emenda - Carlos Andreazza

O Estado de S. Paulo

O Supremo tem a obrigação de derrubar a fraude em que consiste o projeto de lei por meio do qual o Congresso finge dar transparência à gestão de emendas parlamentares.

Leia o troço, ministro Dino. O bicho esculacha princípios constitucionais criando a categoria-concessão “mais transparência”, com o que pretenderá convencer trouxas (ou trouxas de ocasião) de que uma luzinha acesa no canto do breu absoluto resultaria em claridade e clareza.

Se ainda norteado pela guarda da Constituição, o STF não pode manter o controle de constitucionalidade subordinado a acordo político que só produziu “me engana que eu gosto”. Ou se terá deixado enganar. Os maledicentes lembrarão que o autor do projeto, deputado petista do Maranhão, é aliado do senador-togado Dino.

Surpresa esperançosa - Cristovam Buarque

Veja

A realização de um Enem para os professores é boa ideia

Quando a proposta de um piso nacional para o salário dos professores foi apresentada no Senado, sugeria-se também um piso nacional para o conhecimento dos professores. A ideia do piso salarial foi aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente Lula em 2008, mas a ideia do piso do conhecimento ficou esquecida. Em um dos artigos deste espaço em VEJA, “Aos mestres, com carinho”, publicado em agosto, sugeri a ideia desse piso do conhecimento sob a forma de um Enem do professor. Seria um passo para criar um nível mínimo de qualificação docente em todo o território nacional. Ainda que décadas após a proposta inicial, foi uma surpresa esperançosa saber que alguns meses depois o governo adotaria a ideia. Seria positivo complementar a proposta do Enem de mestres com um outro projeto, aprovado pelo MEC em 2003 e suspenso a partir de 2004, de certificação federal com gratificação federal para os professores estaduais ou municipais.

Um manifesto certeiro - Luiz Gonzaga Belluzzo

CartaCapital

Sindicatos e partidos condenam a pressão do mercado para o governo cortar despesas sociais e investimentos

“Mercado financeiro e mídia não podem ditar as regras do País” proclama o Manifesto assinado por sindicatos, movimentos sociais e partidos políticos.

Já no parágrafo de abertura, o ­texto dos inconformados vai ao cerne da orquestração financeira e midiática: “­Temos acompanhado, com crescente ­preocupação, notícias e editoriais na mídia que têm o objetivo de constranger o governo federal a cortar ‘estruturalmente’ recursos orçamentários e outras fontes de financiamento de políticas públicas voltadas para a saúde, a educação, os trabalhadores, aposentados e idosos, bem como os programas de investimento na infraestrutura para o crescimento”.

Mal-estar da civilização e a democracia em xeque (II) - Marcus Pestana

Há uma agenda desafiadora a ser enfrentada nesses últimos três quartos de Século XXI, englobando crescimento econômico, combate às desigualdades, sustentabilidade ambiental, solução para conflitos regionais como os da Ucrânia e do Oriente Médio, redesenho da globalização com a geração de soluções compartilhadas envolvendo problemas complexos como as grandes correntes de imigração e a integração econômica menos excludente e concentradora.

Enquanto governos autoritários avançam em soluções, já que conseguem unilateralmente adotar medidas sem nenhum debate democrático, freios, contrapesos e controles sociais, a democracia patina em produzir resultados para a população, entre outros motivos, pela dificuldade de governabilidade, num ambiente caracterizado pela fragmentação social e a consequente pulverização partidária e parlamentar, o que impossibilita ações mais assertivas, ousadas e profundas, proporcionais à complexidade da agenda que nos desafia.

O som e a fúria de Othon Bastos - Pablo Spinelli*

No momento vivemos tempos explosivos, desafios à democracia, a elegia à ignorância, ao sectarismo. Bombas explodem na capital federal, central do Brasil, dias depois do lançamento do filme sobre a morte e a morte de Rubens Paiva. Donald Trump é eleito. Dentre outros motivos, por falta de história e por murros em pontas de facas equivocadas – a mais especial, o papel coadjuvante do tema da paz pelos democratas e pelos analistas políticos. O arauto da paz foi Trump. Uma velha pergunta ressurge: O que fazer?

Eis que surgem lições, sugestões e um sopro de esperança com a peça “Não me entrego, não!”, de autoria de Flávio Marinho, a partir da biografia de Othon Bastos, que aos 91 anos, mostra seu amor ao teatro, à profissão de ator, sem firulas quanto à dureza do ofício de interpretar tantos que pode se perder em si mesmo, uma dialética entre o ego e o outro, numa conjuntura da supremacia do primeiro sobre o segundo.

Poesia | A espantosa realidade das coisas, de Fernando Pessoa

 

Música | Claudinor Germano - Madeira que cupim não rói (Capiba)

 

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Atentado expõe os riscos da radicalização

O Globo

Mesmo que sejam ato isolado, explosões em Brasília mostram que as autoridades não aprenderam todas as lições do 8 de Janeiro

É grave o atentado na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O autor parou um carro carregado de explosivos num estacionamento da Câmara, incendiou o veículo, caminhou em direção ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), arremessou outros explosivos contra o prédio ao lado da escultura que representa a Justiça, depois se matou em nova detonação. O mais preocupante é que tenha chegado tão perto do Supremo e do Palácio do Planalto, expondo mais uma vez a vulnerabilidade do coração da República.

Tal fragilidade ficara evidente no trágico 8 de janeiro de 2023, quando, tentando tomar o poder, golpistas invadiram a Praça dos Três Poderes e depredaram Congresso, Palácio do Planalto e STF. As novas explosões mostram que, aparentemente, as autoridades não aprenderam todas as lições que deveriam ter aprendido no episódio.

Nem foi a primeira vez que atos terroristas abalaram a capital. Em 2022, no ambiente polarizado depois da eleição, radicais tentaram explodir um caminhão de combustível perto do Aeroporto de Brasília. A tentativa só não deu certo porque o motorista percebeu um objeto estranho e chamou a polícia. Houve também sabotagens a torres de transmissão de energia e mobilização armada em acampamentos.

Vera Magalhães - Terrorista explode farsa da anistia

O Globo

Extremistas não querem conciliação, mas vingança contra aqueles que seu líder máximo trata como traidores da pátria

Chama a atenção a desfaçatez com que os principais líderes bolsonaristas, alguns dos quais estavam no Congresso na noite de quarta-feira e puderam ouvir as explosões, rapidamente se puseram a minimizar a gravidade do novo ataque à Praça dos Três Poderes, menos de dois anos depois do 8 de Janeiro. Pudera. O ato, não importa se planejado por Francisco Wanderley Luiz de forma isolada, explodiu não só um carro e seu perpetrador, mas a indecente defesa da tal anistia para os golpistas de 2023 — que, na verdade, nunca teve a ver com a preocupação legítima com aqueles que são réus ou já foram condenados, mas com a vindoura fase da responsabilização dos financiadores, insufladores e idealizadores das sucessivas tentativas de golpe urdidas por Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

Não que o roteiro traçado pelo ex-presidente e reverberado por deputados e senadores a ele vinculados tivesse chance de prosperar. Mas o sucesso eleitoral de alguns dos candidatos da direita, o crescimento da ala mais estridente do bolsonarismo em câmaras municipais e, depois, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos deram gás ao discurso de que os ventos sopravam pela “conciliação” nacional.

Bernardo Mello Franco – Pacifismo de ocasião

O Globo

A polícia ainda vasculhava os arredores do Supremo em busca de explosivos quando Jair Bolsonaro, logo ele, fez um apelo à “pacificação nacional”. “Já passou da hora de o Brasil voltar a cultivar um ambiente adequado para que as diferentes ideias possam se confrontar pacificamente”, escreveu.

O capitão classificou o atentado de quarta-feira como um “fato isolado”, executado por alguém com “perturbações na saúde mental”. “Isso tem de ser tratado como o que foi: um ato de loucura de uma pessoa”, reforçou seu escudeiro Ciro Nogueira.

As investigações dirão se o chaveiro Francisco Wanderley Luiz agiu mesmo sozinho ao levar bombas para a Praça dos Três Poderes. O ato pode ter sido solitário, mas não foi isolado. Está ligado à espiral de violência política que começou com faixas pedindo um novo AI-5 e culminou na intentona golpista do 8 de janeiro.

Bomba implodiu a anistia de Bolsonaro – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O uso da violência por extremistas de direita no Brasil pode, sim, ser enquadrado como terrorista, porque visam desestabilizar a ordem pública e atacar instituições democráticas

O objetivo de Francisco Wanderley Luiz, autor das explosões na Praça dos Três Poderes, era matar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, segundo depoimentos de familiares à Polícia Federal (PF). Ele também havia revelado à ex-mulher, Dayane Dias, que pretendia se matar após o atentado, o que acabou ocorrendo durante o confronto com a segurança do STF. Chaveiro, de 59 anos, Wanderley fora candidato a vereador do PL, em 2020, no município de Rio do Sul (SC). Era um bolsonarista fanático.

Desde a derrota de Jair Bolsonaro, em 2022, Wanderley falava que pretendia matar o ministro Moraes, tendo se preparado para isso longamente. Fez viagens a Brasília, visitou o plenário do Supremo, percorreu corredores da Câmara e rondou a Praça dos Três Poderes, tudo registrado em postagens nas redes sociais. No começo da noite de quarta-feira, impedido de entrar no prédio do STF, lançou uma bomba contra a estátua da Justiça, duas contra os seguranças do Supremo e se matou, ao acionar uma quarta bomba sob a cabeça, após se deitar no chão.

Medos e pânicos do Brasil com Trump - Janaína Figueiredo

O Globo

Nomeação de Marco Rubio para comandar a política externa americana foi a confirmação de um dos piores cenários imaginados para um governo Trump 2

Quando o nome do senador da Flórida Marco Rubio foi confirmado como a escolha de Donald Trump para chefiar o Departamento de Estado, a sensação no governo brasileiro foi a de que os piores cenários imaginados para um governo Trump 2 estavam se confirmando. “A cada nomeação, só piora”, comentou uma fonte diplomática, que enumerou alguns dos medos e pânicos do Brasil em relação ao republicano que se tornou líder da extrema direita global.

Os medos do governo Lula são muitos e incluem eventual sabotagem da agenda ambiental brasileira, até mesmo da COP 30, que será realizada em 2025 em Belém. O evento é uma das grandes apostas do governo em sua estratégia de inserção nos grandes debates globais, e o negacionismo climático de Trump, temem em Brasília, poderia enfraquecer o encontro.

Jornada necessária – Flávia Oliveira

O Globo

O clamor por qualidade de vida inundou as redes sociais, tomou o debate público, alcançou Congresso Nacional, empresariado, Palácio do Planalto. Por trás da insatisfação com a escala que impõe a empregados seis dias de trabalho, um de folga, está o bem-viver, sinônimo de mais tempo para família, estudo, formação profissional, lazer, saúde, consumo. Um século atrás, quem anunciou isso aos quatro ventos, com outras palavras, foi Henry Ford, pioneiro da indústria automobilística dos Estados Unidos. Ele fundou a Ford Motor Company; foi o primeiro a aplicar a montagem em série para produzir carros maciçamente; dobrou para US$ 5 diários o salário mínimo dos operários; e, em 1926, implementou a escala de cinco dias de trabalho, dois de folga, 40 horas semanais de jornada. Fez tudo isso em prol do capitalismo.

Tiro pela culatra – Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Autor das explosões conseguiu o oposto do que pretendia: fortaleceu Moraes, enfraqueceu Bolsonaro

O tiro saiu pela culatra e as explosões na Praça dos Três Poderes produziram efeitos opostos aos pretendidos pelo seu autor, Francisco Wanderley Luiz. Se ele planejou enfraquecer o Supremo e fortalecer o golpismo, acabou unindo as instituições e as forças democráticas e isolando bolsonaristas e radicais em geral. E, afinal, foi a única vítima do seu próprio ato terrorista.

As duas explosões, uma à frente do STF, a outra próxima ao Congresso, confirmam o poder da internet, o quanto o discurso do ódio está disseminado e como cidadãos e cidadãs estão reféns da guerra ideológica.

Louco ou golpista? - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas se apressam a pintar autor de ataque como lobo solitário; apenas investigações dirão se ele agiu só ou se teve apoio material

Só o aprofundamento das investigações dirá se o homem que desferiu o ataque com bombas a Brasília e morreu numa das explosões é um louco que agiu sozinho ou se fazia parte de uma trama golpista mais ampla.

O vídeo do sistema de segurança do STF que mostra os instantes finais do agressor é sugestivo de uma ação suicida, o que favorece a hipótese do desequilíbrio mental. Mas as imagens não descartam a possibilidade de ele ter contado com apoio logístico e/ou financeiro de atores com uma agenda mais política que psicológica. O homem tinha história de militância na extrema direita. É preciso aguardar o resultado das apurações.

Bolsonaro e seus sequazes não querem esperar. Eles se apressam em pintar o perpetrador como um desvairado que agiu só. Fazem-no por um motivo bem concreto. Não querem ser relacionados a mais um ataque contra a democracia.

O país tratar radicais como radicais - Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Naturalidade das discussões sobre anistia era o delírio coletivo de um país que inscreveu o fanatismo na cultura política

O atentado na praça dos Três Poderes foi o quarto ataque político radical no país em dois anos. Desde dezembro de 2022, bolsonaristas depredaram Brasília no dia da diplomação de Lula, tentaram explodir um caminhão no aeroporto da capital e protagonizaram a invasão golpista de 8 de janeiro. Para os padrões brasileiros, não é pouca coisa.

Os detalhes do ataque de quarta-feira (13) sugerem que o responsável pelas explosões era um homem desequilibrado, encharcado por um conspiracionismo violento, uma doutrina de radicalização e o mais puro fanatismo antipolítico. Um distúrbio grave pode ter sido o gatilho para a execução do plano, mas o conspiracionismo, a radicalização e o fanatismo estão aí.

Bolsonaro e os terroristas - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Ataque do suposto lobo solitário resulta de movimento de golpe inspirado pelo ex-presidente

Um item central do projeto golpista de Jair Bolsonaro era o ataque ao Supremo Tribunal Federal, o STF, e ao Tribunal Superior Eleitoral. Um terrorista tentou atacar também o STF nesta quarta. Colocou explosivos na praça dos Três Poderes, alvo de multidões da intentona bolsonarista de 8 de Janeiro de 2023. Em dezembro de 2022, depois da eleição, a capital do país já havia sido objeto de outras tentativas terroristas.

O suposto lobo solitário que atacou a praça dos Três Poderes é sobra de um movimento antigo e amplo, o golpe pregado por Bolsonaro e organizado por seguidores e assessores, sob inspiração do ex-presidente.

Atentado explode momento Trump de Bolsonaro - Igor Gielow

Folha de S. Paulo

DNA do grupo do ex-presidente se revela novamente, obrigando malabarismos verbais

O bolsonarista que tentou atacar o Supremo prestou um duplo desserviço à causa a que servia. Primeiro, jogou um balde de fogo quente no ímpeto pela anistia do 8 de Janeiro. Segundo, renovou a exposição do DNA da turma no momento em que ela procura normalização.

Com isso, perde acima de tudo Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente que havia tentado emprestar a legitimidade das urnas americanas a seu ídolo, Donald Trump, e empregá-la em seu próprio favor.

No raciocínio de Bolsonaro, se tal coisa é estruturada assim, a vitória inequívoca de Trump antecipava o clima de 2026 e a inevitabilidade da reversão não da pena dos condenados pela intentona de 2022 em Brasília, mas sim de sua própria inelegibilidade.

O argumento da anistia tem eco até no PT, como prova a fala do vice-presidente da sigla, Washington Quaquá, de que ela poderia "reconciliar o país" —sugerindo aí a utilidade de ter Bolsonaro no páreo em 2026 para Lula.

Os povos sempre se ressentem de suas origens - Ricardo José de Azevedo Marinho*

O saudoso cientista político norte-americano Ronald Inglehart (1934-2021) não se enganou quando chamou o século XXI da era das reações, da desconfiança (como também aponta Pierre Rosanvallon), da dissolução dos laços e tecidos sociais que são, juntamente com o respeito pelas regras, tanto por parte dos cidadãos como por aqueles que exercem o poder, a base da coexistência democrática. A vitória clara, embora não esmagadora, de Donald Trump nas eleições norte-americanas é a confirmação disso.

O que torna a nação mais avançada do mundo em termos econômicos, com a democracia moderna mais antiga do planeta, imperfeita desde a sua criação até hoje, na vanguarda da ciência e da tecnologia, das artes e da cultura popular, polo de atração para aqueles que sonham em mudar seus destinos pessoais, faz seus cidadãos votar em Donald Trump? É um enigma difícil de desvendar pela razão.

Poesia | Palavra Mágica, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Alceu Valença - Hino de Pernambuco (a República é filha de Olinda)

 

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desperdício e má gestão explicam falta de vacinas

O Globo

Enquanto governo Lula jogou fora 59 milhões de doses, em quase metade dos estados há carência nos postos

Em quase dois anos de governo, o Ministério da Saúde não resolveu os problemas de logística que prejudicam o abastecimento de vacinas e levam ao desperdício. Responsável pela compra e distribuição das doses aos estados, a pasta tem argumentado que não há escassez generalizada e que tem comprado novos lotes. Mas a todo momento vêm à tona casos de estoques zerados, em especial nas vacinas contra Covid-19. O cidadão que vai aos postos em busca de vacina é quem acaba punido.

Reportagem do GLOBO feita por meio da Lei de Acesso à Informação revela que o governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou vencer 58,7 milhões de vacinas desde 2023, a maior parte delas — 45,7 milhões — contra Covid-19. O total jogado fora apenas nos dois primeiros anos do governo Lula supera todo o desperdício na gestão Jair Bolsonaro, que já descartara inacreditáveis 48,2 milhões de doses.

Federação é pacto e não ilhas - Fernando Abrucio

Valor Econômico

O Brasil precisa urgentemente da institucionalidade e fortalecimento do SUSP na segurança pública, bem como da criação um sistema nacional com articulação intergovernamental na política de mudança climática

Dos principais e mais complexos problemas brasileiros, dois são centrais e não têm ainda uma governança mínima para seu tratamento: a segurança pública e a mudança climática. Em outras questões fundamentais, como a saúde, a educação e o combate à desigualdade social, certamente há muitas tarefas a realizar. Porém, tais setores já construíram políticas governamentais com avanços importantes e, sobretudo, sistemas básicos que os organizam. Em todos esses casos, as soluções passam inexoravelmente pela estrutura federativa. Se o país quiser lidar melhor com os desafios do século XXI, seus líderes terão de entender para que serve uma federação.

Os debates recentes sobre mudança climática e segurança pública revelam que muitas lideranças com postos elevados na República brasileira não compreenderam ainda o significado do federalismo. A palavra federação vem do latim “foedus”, cujo significado etimológico é pacto. Foi com essa ideia que no final do século XVIII os federalistas americanos criaram um novo experimento político que buscava garantir a autonomia e as liberdades locais e, ao mesmo tempo, construir uma nação governada por uma interdependência equilibrada entre as partes territoriais.

O ajuste que pode definir rumo de Lula em 2026 - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Colheita do presidente terá que ficar para o último ano do governo se quiser salvá-lo

Na manhã desta quinta-feira, dona Norma (nome fictício) chegou danada da vida à casa em que trabalha como empregada doméstica. “Se Lula mexer no meu salário, não voto mais nele. Acordo às 4h da manhã e [Fernando] Haddad e Simone [Tebet] querem cortar meu salário”. Sua patroa tentou lhe explicar que a proposta em curso manterá o ganho real, mas acabou convencida de que ela tem razão.

Naquela manhã, Dona Norma havia recebido mensagem num grupo de WhatsApp com a “notícia”. Católica, mora em Formosa, a 78 km de Brasília, onde trabalha. Votou no presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2022, mas tem filha e genro policiais militares e eleitores de Jair Bolsonaro, que agraciou um parente com o “Auxílio Brasil”, nome que o ex-presidente deu ao Bolsa Família.

Dois dias antes, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) subiu à tribuna no Senado para criticar a escala 6x1 de trabalho, movimento nascido no Psol. Disse que o pai, comerciante no sacolão de Divinópolis (MG), morreu aos 70 anos fazendo uma escala 7x0 e, por isso, nunca lhe levou a um jogo de futebol nem lhe ajudou nas lições da escola.

Cleitinho chegou ao Senado no bonde bolsonarista depois de derrotar o atual ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), em 2022, numa campanha feita com paródias, para as redes sociais, sobre corrupção e petistas.

A sombra de Trump no Brasil - José de Souza Martins

Valor Econômico

De repente, o presidente eleito dos EUA está sendo cortejado como cabo eleitoral em terra alheia

É rica e reveladora a entrevista de Jair Bolsonaro a Camila Mattoso e Ranier Bragon, da “Folha de S. Paulo”, sobre a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA. Suas respostas indicam que a fala é sobre ele e não sobre Trump. Nela, este aparece mais como um ajudante de ordens do brasileiro na obra de transformação do mundo num mundo de direita.

A figura de Bolsonaro tem sido enigmática. Figura de manipulação de subentendidos, nunca fica claro quem ele realmente é. Não se assumiu como presidente de uma república democrática, constituída por três poderes independentes entre si. A república de Bolsonaro é singular, de um poder só.

Fica claro que o mundo de Bolsonaro é hierárquico, definido por concepções de quartel. Para ele, Trump não é apenas o homem mais poderoso do mundo. Mas o é de um poder duplicado pelo fato de que terá por quatro anos a responsabilidade de tomar decisões sobre o país mais rico do mundo, com o arsenal mais poderoso do mundo, mas também porque ele é pessoalmente senhor de imensa riqueza.

Uma escolha reveladora - Merval Pereira

O Globo

O uso do X por Musk para fazer a campanha de Trump, e a favor de valores da direita internacional, até no Brasil, para defender Bolsonaro e atacar o STF, mostra claramente que ele comprou o antigo Twitter para fazer política e defender seus interesses

Entre as escolhas de Donald Trump para seu futuro governo nos Estados Unidos, uma chamou a atenção pelo inusitado da situação: a indicação do homem mais rico do mundo, Elon Musk, para uma secretaria criada para ele com intuito de melhorar a eficiência do governo. Seria o caso de cortar todos os contratos que suas empresas têm com o governo americano, para evitar conflitos de interesse. Mas isso não acontecerá, e a falta de escrúpulos do presidente eleito e do futuro secretário denota uma disposição de implementar a todo custo medidas drásticas, com pessoas de confiança absoluta.

O uso da plataforma X por Musk para fazer a campanha de Trump, a favor de valores da direita internacional, até no Brasil, para defender Bolsonaro e atacar o STF, mostra claramente que ele comprou o antigo Twitter para fazer política e defender seus interesses. Não tem qualquer responsabilidade sobre o que publica, desde que seja a seu favor. Agora, Musk indo para o governo, o X perde completamente a credibilidade.

Armínio: cortar na saúde seria crime - Míriam Leitão

O Globo

Ex-presidente do BC salienta que não é de hoje que o SUS é subfinanciado e seria criminoso cortar recursos da Saúde

O economista Armínio Fraga, que sempre trata com rigor a questão fiscal e defende a redução das despesas públicas, acha que o corte não pode ser feito no orçamento da Saúde. “Mais do que um erro, seria um crime”, diz ele. Armínio, ex-presidente do Banco Central, é também conhecido por se envolver na defesa de políticas públicas na área da saúde. Eu o entrevistei sobre a economia brasileira, mas também sobre a conjuntura americana depois da eleição presidencial. “Só ouvir o nome de Trump nesse momento, sugere que vamos entrar em rota de alta turbulência”.

Armínio disse que todas as indicações de Donald Trump, até agora, mostram com muita clareza que ele pretende implantar o programa de altas tarifas comerciais contra os outros países, especialmente a China. Uma lição da história, que ele lembrou, foi da lei Smoot-Hawley que elevou tarifas americanas durante o crash da Bolsa de Nova York, em 1929.

— Foi um fator que aprofundou a recessão tremendamente. Espalhou a crise no mundo, fez com que a Grande Depressão, que nasceu nos Estados Unidos, acabasse se tornando uma crise mundial. O Brasil naquela época se isolou um pouco do mundo, mas eu não creio que isso seja possível hoje.

A escala 6 x 1 emparedou o governo - Malu Gaspar

O Globo

O presidente Lula já tinha problemas suficientes para resolver, com seus ministros se digladiando internamente em torno dos cortes de gastos, quando ganhou as redes sociais e a atenção do Congresso a proposta da deputada do PSOL Erika Hilton que acaba com a escala de seis dias trabalhados para um de folga, a famosa 6 x 1.

Saudada como uma lufada de ar fresco, capaz de superar a reconhecida desconexão da esquerda com as novas demandas do mundo do trabalho, a pauta também foi encarada no governo como uma forma de dispersar a atenção da opinião pública e do mercado sobre sua própria incapacidade de definir onde e como enxugar o Orçamento para caber nos limites do arcabouço fiscal.

Motta unifica o “Centrão” com desistência de Brito - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Consolidou-se a hegemonia do chamado Centrão na Câmara, mas é um erro tratar as forças políticas de centro e centro-direita como um bloco monolítico

O deputado Antônio Brito (PSD-BA) anunciou, nesta quarta-feira, a retirada de sua candidatura a presidente da Câmara e o apoio da bancada do PSD ao deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), o que fecha uma grande aliança partidária, que vai do PT ao PL, para compartilhar o poder na Mesa Diretora e nas comissões legislativas da Casa. Com isso, o atual presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), mantém sua influência no Legislativo e terá cacife para negociar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma eventual reforma ministerial, da qual faça parte.

Motta terá uma liderança compartilhada com Lira, que o ungiu candidato diante do fracasso de outros aliados que pleiteavam sucedê-lo, como Elmar Nascimento (União-BA), Marcos Pereira (Republicanos) e, agora, o baiano Brito. O “dedazo” evitou uma disputa que também não interessava ao Palácio do Planalto nem ao ex-presidente Jair Bolsonaro, uma vez que a derrota do PT ou do PL, em caso de racha no bloco de Lira, poderia resultar na perda de controle de comissões importantes, como as de Constituição e Justiça e de Fiscalização Financeira e Controle, para quem perdesse a disputa.

O governo Lula corre atrás dos fatos - William Waack

O Estado de S. Paulo

Não há escolhas fáceis para o atual governo de Lula 3; haja fôlego para se correr tanto assim

A tramitação da PEC que prevê o fim da escala 6 x 1 é apenas o mais recente exemplo de como o governo Lula 3 corre atrás dos fatos, dentro e fora do País. No caso da redução da jornada de trabalho é patente a tentação no Planalto de surfar o impacto nas redes sociais com a promessa de fácil ganho eleitoral mais adiante. Mas corre atrás do fato muito sério da estagnação da produtividade no Brasil em relação às economias mais avançadas. Coisa chata de tratar que dá pouca visualização nas redes.

A utopia e o fim do regime 6x1 - Celso Ming

O Estado de S. Paulo

A proposta de redução da jornada de trabalho a 36 horas semanais vai produzindo um montão de espuma com pouca possibilidade de substância.

A ideia da deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP) é aprovar Projeto de Emenda da Constituição (PEC), que já contaria com 194 assinaturas (apoio de mais de 1/3 da Casa Legislativa) para protocolar a proposta. Instituiria o regime obrigatório de duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias por quatro dias por semana, sem redução dos salários.

Hoje, a Constituição define uma jornada de trabalho não superior a oito horas diárias por seis dias na semana. É a escala 6X1, ou seis dias trabalhados com um de descanso, que seria revogada pela PEC, se aprovada.