quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Desperdício e má gestão explicam falta de vacinas

O Globo

Enquanto governo Lula jogou fora 59 milhões de doses, em quase metade dos estados há carência nos postos

Em quase dois anos de governo, o Ministério da Saúde não resolveu os problemas de logística que prejudicam o abastecimento de vacinas e levam ao desperdício. Responsável pela compra e distribuição das doses aos estados, a pasta tem argumentado que não há escassez generalizada e que tem comprado novos lotes. Mas a todo momento vêm à tona casos de estoques zerados, em especial nas vacinas contra Covid-19. O cidadão que vai aos postos em busca de vacina é quem acaba punido.

Reportagem do GLOBO feita por meio da Lei de Acesso à Informação revela que o governo Luiz Inácio Lula da Silva deixou vencer 58,7 milhões de vacinas desde 2023, a maior parte delas — 45,7 milhões — contra Covid-19. O total jogado fora apenas nos dois primeiros anos do governo Lula supera todo o desperdício na gestão Jair Bolsonaro, que já descartara inacreditáveis 48,2 milhões de doses.

A perda ocorre devido a compras próximas ao vencimento e à baixa procura, que acarreta encalhe. O governo alega que, em 2023, já recebeu milhões de doses próximas do vencimento e que foi obrigado a descartá-las. Independentemente do motivo, a inépcia causou prejuízo de R$ 1,75 bilhão apenas no governo Lula, valor escandaloso num país em crise fiscal aguda.

Enquanto se joga vacina no lixo, a escassez nos postos tem sido rotina. Faltam vacinas em 11 estados e no Distrito Federal, entre elas a contra Covid--19, segundo levantamento do portal Metrópoles. Não se pode dizer que seja um problema ocasional. Em setembro, um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) identificou que 65% das cidades brasileiras relatavam falta de vacinas, em alguns casos por mais de 90 dias. Na época, o ministério alegou que alguns lotes próximos do vencimento precisaram ser substituídos, atrasando a entrega.

Os problemas não se resumem à inépcia na gestão dos estoques e ao desperdício. Há decisões incompreensíveis. Recentemente, o Ministério da Saúde recusou um lote de 3 milhões de doses contra a Covid-19 atualizadas para a variante JN.1. Elas seriam entregues pela farmacêutica Moderna até dezembro em substituição às antigas. Mas o governo optou por receber a vacina para a cepa XBB — desatualizada a ponto de nem ser mais produzida. A pasta alegou que a nova ainda não tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ora, o problema poderia ser resolvido com a própria Anvisa, como já ocorreu ao longo da pandemia. Aplicar vacina desatualizada não é uma alternativa aceitável.

O Ministério da Saúde precisa regularizar os estoques, corrigir problemas na distribuição e calibrar as compras de acordo com a demanda. O Brasil acaba de recuperar o certificado de país livre do sarampo, como resultado dos esforços de vacinação. Assim como nos casos do sarampo ou da Covid-19, a vacinação é a arma mais eficaz — quando não a única — para combater diversas doenças.

A imunização já enfrenta obstáculos de toda sorte para assegurar o patamar de cobertura necessário para deter a circulação de vírus e outros patógenos: desinformação, dificuldade de acesso ou a noção equivocada de que, por estar controlada, uma doença não representa mais risco. O mínimo a exigir do governo é que haja vacina nos postos. Nada mais frustrante do que chegar lá e não encontrá-la. Pior: porque a validade expirou e teve de ser jogada fora.

Cooperação de militares é essencial para garantir a segurança do G20

O Globo

Em meio a crise de violência, integração entre diferentes forças contribuirá para manter ordem

Foi acertada a decisão do governo federal de incluir as Forças Armadas no esquema de segurança do G20, encontro de cúpula que reunirá no Rio, nos próximos dias, representantes de 40 países, 15 organismos internacionais e líderes das maiores economias do mundo, entre eles o americano Joe Biden, o chinês Xi Jinping e o francês Emmanuel Macron. O decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que respalda a atuação dos militares, foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sexta-feira e valerá de hoje até 21 de novembro. Mais que o temor por protestos comuns nesses eventos, o reforço ganha importância diante das explosões de ontem em Brasília e da crise aguda que o crime organizado tem trazido à segurança pública.

O esquema envolverá 9 mil militares, que trabalharão em conjunto com outras forças federais e estaduais. Eles atuarão essencialmente na segurança das comitivas, nas instalações que receberão eventos oficiais e paralelos e nos locais de hospedagem de chefes de Estado. A Força Aérea Brasileira (FAB ) ficará responsável pelo controle do espaço aéreo e pela vigilância nos aeroportos Tom Jobim/Galeão e Santos Dumont. A Marinha atuará na Baía de Guanabara e controlará o acesso ao porto. O Exército cuidará de escoltas, da segurança nos locais de eventos e do patrulhamento das vias principais.

Não há dúvida de que o megaesquema impactará a rotina dos cidadãos. O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), decretou feriado nos dias 18 e 19 de novembro, com o objetivo de facilitar o deslocamento das delegações. Com os feriados dos dias 15 (Proclamação da República) e 20 de novembro (Consciência Negra), a cidade viverá um "feriadão" de seis dias, com restrições por toda parte. Áreas de lazer nas imediações das instalações dos eventos serão interditadas, e ruas sofrerão bloqueios. São sacrifícios necessários para que tudo transcorra sem problemas.

São conhecidos os desafios brasileiros na segurança. Só no mês passado, a reação de traficantes a uma operação policial na Zona Norte provocou cenas de terror na Avenida Brasil, principal acesso à capital fluminense. Na última sexta-feira, um empresário que delatara uma facção criminosa e policiais corruptos foi executado à luz do dia na área de desembarque do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, o mais movimentado do país.

O Brasil, é verdade, tem experiência acumulada em grandes eventos, como a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), a Copa do Mundo de 2014 ou a Olimpíada Rio 2016. Todos contaram com esquemas de policiamento com a participação integrada das forças de segurança dos três níveis de governo. E todos transcorreram sem sobressalto. Como noutras ocasiões, a GLO tem prazo determinado. As Forças Armadas retomarão suas atribuições, e a rotina voltará ao que era. O esforço conjunto aponta, contudo, um caminho. Planejamento, cooperação, compartilhamento de informações e, principalmente, participação ativa do governo federal são fundamentais para conter as ameaças.

Emendas de qualquer natureza precisam de total transparência

Valor Econômico

É legítimo os parlamentares poderem direcionar recursos para suas bases, mas é preciso que as emendas beneficiem regiões ou conjunto de cidades e supram carências reais da população, não necessidades eleitorais

Relatórios da Controladoria Geral da União (CGU) sobre a aplicação dos recursos destinados a municípios por meio das emendas parlamentares mostram falta de transparência, de senso de prioridade, um direcionamento fora dos padrões legais e falhas na execução - embora o dinheiro tenha sido enviado desde 2020, boa parte das obras sequer começou. Esses defeitos são mais evidentes nas verbas enviadas por meio de emendas do relator, que foram proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e que se trasvestiram depois em emendas de comissão. Essas emendas motivaram as auditorias da CGU, ordenadas pelo ministro Flavio Dino, do STF, que suspendeu os repasses.

Houve um acordo para que Executivo e Legislativo colocassem um fim à obscuridade que cerca as emendas de comissão e as Pix, que sequer precisam de objeto determinado e podem ser usadas para qualquer finalidade. A Câmara elaborou e aprovou um projeto de lei que está no Senado e pode ser aprovado em breve. Ele ameniza algumas das falhas mais evidentes, ao determinar a separação da conta que receberá os recursos e tornar obrigatórios a finalidade do uso do dinheiro e o andamento de sua aplicação, mas ainda apresenta lacunas quanto à identificação dos autores das emendas.

Em setembro, a CGU fez auditoria nos dez municípios que mais receberam emendas do relator, depois de comissão. Metade deles era do Amapá, território político do senador Davi Alcolumbre (União Brasil), que comandou o Senado em 2019 e 2020, no governo Bolsonaro, e deve dirigi-lo nos próximos dois anos, sob o governo Lula. Uma das constatações é que não havia urgência a requerer as verbas e, em alguns casos, nenhuma prioridade. Pracuúba, município com apenas 3,2 mil habitantes, por exemplo, recebeu recursos desde 2020, para construir quatro campos de futebol, dois deles na mesma comunidade, que não saíram até agora do papel.

A CGU verificou que 43% das obras, fruto de R$ 341 milhões em emendas, não haviam sido sequer iniciadas. Tartarugalzinho, com 12 mil habitantes, recebeu em 4 anos R$ 24 milhões, o dobro do orçamento próprio do município. Foram executados R$ 181 mil e R$ 2,3 milhões teriam sido gastos em saúde, cujos rastros não puderam ser confirmados, pois a CGU não encontrou elementos seguros para isso (Valor, 26 de setembro).

Mais de três quartos (77%) das verbas foram identificadas em nome de prefeitos ou secretários dos municípios, mas não do parlamentar responsável pela emenda. As dez prefeituras que mais se beneficiaram dos recursos têm no conjunto 61 mil habitantes, o que dá uma média de repasse per capita de R$ 5,3 mil, mais de mil vezes o valor atribuído às emendas para São Paulo. Além da ausência de prioridade e baixa execução, o relatório da CGU aponta a compra de equipamentos em pequenas quantidades, com menor concorrência na seleção de fornecedores e valores mais altos. Nem sempre foi possível localizar os bens adquiridos.

Quase todos os graves defeitos encontrados nos casos de recursos enviados pelas emendas de comissão foram encontrados também nos das demais emendas (individuais e de bancadas), auditados posteriormente pela CGU. Relatório recente do órgão aponta que de 256 obras pesquisadas, 38,5% não foram iniciadas. Pior, sete das dez Organizações Não Governamentais (Ongs) que mais receberam recursos, um total de R$ 482,3 milhões entre 2020 e 2024, não tinham capacidade técnica de execução dos projetos para os quais foram escolhidas, e em duas há indícios de prática de sobrepreço. O diagnóstico: mecanismos de governança “inadequados, frágeis e desatualizados”, afetando a “transparência nas operações e tomada de decisões”. Imprecisões no detalhamento da contratação impediram averiguação sobre se os serviços foram prestados de forma adequada.

Nas emendas Pix, saudadas como uma maneira de se evitar a lenta burocracia dos convênios com a Caixa Econômica Federal, a visibilidade de quem fornece os recursos e de seu destino são nulas, já que a finalidade das verbas não é determinada, podendo ser usadas para custeio da máquina.

O projeto aprovado na Câmara ratifica a necessidade de que as emendas sejam direcionadas a “obras estruturantes”, mas criou novas opções nesta categoria, a ponto de na prática tudo se tornar “estruturante”. As emendas de comissão, filhas do orçamento secreto, passaram a ter tratamento de obrigatórias (não são), pois o governo só poderá cortá-las se fizer o mesmo com os gastos discricionários. No orçamento de 2025, foram garantidos R$ 11,5 bilhões para comissões, levando o total das emendas a perto de R$ 50 bilhões, um quarto dos gastos livres do Executivo, uma enormidade na comparação com parlamentos de outros países.

O Senado tem o dever de corrigir o projeto e zelar pela transparência total na identificação, finalidade e destino dos recursos. É legítimo os parlamentares poderem direcionar recursos para suas bases, mas é preciso que as emendas beneficiem regiões ou conjunto de cidades e supram carências reais da população, não necessidades eleitorais.

Toffoli premia a corrupção e pune o erário

Folha de S. Paulo

Decisões monocráticas do ministro do STF contra a Lava Jato derrubam ações em que se cobravam mais de R$ 17 bi dos envolvidos

Reportagem da Folha mostrou que decisões do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, a respeito de casos da Operação Lava Jato derrubaram ações em que o Ministério Público cobrava mais de R$ 17 bilhões de envolvidos.

Ainda que nem todo esse montante viesse a se materializar em decisões da Justiça, a escala de grandeza impressiona. Trata-se de um prêmio à corrupção que impõe mais perdas a um poder público já largamente deficitário.

Toda a sociedade arcará com esse prejuízo na forma de dívida pública sobre a qual incidem juros escorchantes e em alta.

Aos danos materiais para o erário somam-se os danos reputacionais para o Supremo, cujo valor é intangível. Se existe um assunto fundamental com o qual a corte não soube lidar, é a Lava Jato.

Não se trata de negar a complexidade da situação. Depois que determinou a incompetência do foro de Curitiba para julgar Luiz Inácio Lula da Silva (PT), bem como a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, o STF previsivelmente recebeu centenas de pleitos de defensores para reavaliar a situação de réus e investigados.

No mais significativo desses casos, Toffoli decidiu monocraticamente tornar imprestáveis todas as provas derivadas da colaboração premiada da empreiteira Odebrecht. Foi a partir dessa decisão deletéria que o próprio magistrado determinou boa parte das anulações e arquivamentos que vão erodindo os bilhões de reais pretendidos.

Os executivos da Odebrecht que decidiram cooperar com a Justiça, cumpre recordar, confessaram seus crimes. Mais do que isso, apresentaram provas materiais dos malfeitos.

Para contornar essa dificuldade, o ministro recorreu a uma interpretação exuberante. Comparou a situação dos executivos à de torturados, que não teriam agido de livre e espontânea vontade, como exige a legislação de colaborações premiadas.

Acredite quem quiser nessa tese. Os empresários que confessaram eram assistidos por alguns dos melhores advogados do país, que não costumam fechar os olhos para situações de tortura.

De qualquer modo, se Toffoli está tão convicto de que suas decisões monocráticas apenas traduzem decisões coletivas anteriores da corte, deveria ter levado esse e outros casos de maior repercussão para o plenário ou pelo menos para a turma. Como não o fez, acaba atraindo para si mesmo especulações e suspeitas.

Tampouco ajuda o magistrado —que chegou ao posto graças a suas ligações com Lula e o PT— o fato de sua mulher advogar para um dos grupos empresariais beneficiados por suas decisões. Há juízes que se declaram impedidos quando vivem esse tipo de conflito de interesses.

Já passa da hora de os 11 ministros do Supremo se darem conta de que, principalmente nos processos de maior octanagem política ou econômica, decisões monocráticas são um mal a evitar, não um veio a explorar.

Vantagens atestadas do ensino médio em tempo integral

Folha de S. Paulo

Pesquisa demonstra que há ganhos na aprendizagem e abre portas para a educação superior e o mercado de trabalho

Maior gargalo da educação pública, o ensino médio no país registra mau desempenho em exames de avaliação e altos índices de evasão escolar. São auspiciosos, portanto, os resultados de pesquisa sobre os impactos do período integral na vida acadêmica e profissional desses alunos.

O estudo, realizado pelos pesquisadores Naercio Menezes Filho e Luciano Salomão, em parceria com o Instituto Natura, demonstrou ganhos significativos para estudantes submetidos a carga superior a 35 horas semanais (7 diárias) em relação a egressos da jornada parcial, com 20 horas semanais (4 por dia).

Os jovens com mais tempo de estudo alcançaram maior participação no Enem (16,5% a mais); melhores notas (em média, 29 pontos a mais na redação); mais matrículas no ensino superior (5,8%, no geral, e 7,7% se consideradas as instituições públicas); e até vagas de trabalho (3% a mais nos empregos formais para o mesmo município avaliado).

De 2017 a 2019, a pesquisa acompanhou mais de 1 milhão de jovens que ingressaram no ensino médio em ambas as modalidades. Após os anos de pandemia, voltou a monitorá-los em 2022.

Os pesquisadores ressaltam que as vantagens incluem avanços nos indicadores educacionais e socioeconômicos. O período prolongado intensifica as conexões entre professores e estudantes, possibilita que ambos qualifiquem suas tarefas e amplia o leque de disciplinas eletivas.

De modo geral, a etapa educacional que antecede o ensino superior —e aqui, registre-se, apenas 25% dos jovens de 18 a 24 anos o alcançam— está estagnada.

Mesmo considerando a somatória de escolas públicas e privadas (8 em 10 alunos estudam em unidades do Estado), o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) registrou, de zero a 10, nota média de 4,2 em 2019 e 2021 e 4,3 em 2023 —ainda longe da nada ambiciosa meta de 4,9.

A disseminação do tempo integral também avança a passos lentos e de forma desigual pelos estados —apenas quatro atingiram a meta de que o país adentrasse 2024 com pelo menos metade das escolas nesse formato e 25% das matrículas do ensino infantil ao médio. Essas proporções atingem hoje, respectivamente, apenas 30,5% e 20,6%.

Realidade há décadas nas nações desenvolvidas, a jornada estendida proporciona ganhos em todos os níveis da vida escolar. No ensino médio, em particular, pode ser a diferença entre uma formação incompleta e a universidade, entre o subemprego e uma carreira profissional.

 Segurança começa com policial honesto

O Estado de S. Paulo

Execução de delator do PCC no Aeroporto de Guarulhos expôs a ligação entre maus policiais e a facção. Urge uma depuração das polícias, sem a qual não há plano de segurança que funcione

A execução pública de Antonio Vinicius Gritzbach no Aeroporto de Guarulhos, na tarde do dia 8 passado, ganhou contornos de vendeta, ao estilo mafioso. A depender do curso das investigações daquele brutal assassinato, o caso pode servir como uma oportunidade de ouro para o governo de São Paulo depurar as Polícias Civil e Militar (PM), expurgando de seus quadros alguns maus policiais que se aproveitam do poder e da credibilidade das forças de segurança do Estado para cometer crimes.

Pelo fato de Gritzbach ter operado um milionário esquema de lavagem de dinheiro para o Primeiro Comando da Capital (PCC), uma das linhas de investigação de sua morte é, obviamente, a “queima de arquivo”. Afinal, por se tratar de um criminoso ligado ao PCC em um ponto nevrálgico das atividades da facção – o controle financeiro –, Gritzbach sabia de muita coisa e decerto conhecia muita gente que seus comparsas não gostariam de ver reveladas. Essa hipótese, é evidente, tem de seguir como um dos horizontes da investigação a cargo da força-tarefa criada pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) de São Paulo para apurar a autoria e a motivação do crime.

Todavia, a íntegra dos anexos do acordo de colaboração premiada firmado pelo dublê de empresário e criminoso com o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), à qual o Estadão teve acesso, revela que, se Gritzbach era um “arquivo vivo”, este arquivo já havia sido escancarado às autoridades paulistas bem antes de sua morte por meio de uma série de depoimentos gravados pelo MP-SP e provas documentais entregues pelo réu colaborador aos promotores, o que reforça a hipótese de vingança.

Um grupo de policiais de duas delegacias e dois departamentos da Polícia Civil de São Paulo estão entre as figuras centrais da delação de Gritzbach ao parquet. Em um dos anexos, consta a acusação contra agentes do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e dos distritos policiais (DPs) de Ermelino Matarazzo (24.º DP) e Tatuapé (30.º DP). Segundo os registros deixados por Gritzbach, alguns policiais lotados nessas unidades teriam interferido na condução de inquéritos, cujos números foram fornecidos pelo colaborador, para impedir a identificação de membros do PCC como autores de uma pletora de crimes.

Essa guarida, é claro, teria sido regiamente remunerada pelo PCC. Consta que apenas um dos criminosos protegidos por esses policiais suspeitos de estarem a serviço do crime organizado teria pagado, segundo Gritzbach, nada menos que R$ 70 milhões a título de propina. A SSP, como não poderia deixar de ser, afastou todos os policiais citados na delação até que as investigações sejam concluídas.

Outra questão a ser esclarecida pela SSP é a razão de ao menos oito policiais militares da ativa terem sido contratados por Gritzbach para servirem de seguranças particulares, o que é proibido pelo regimento da PM. Ainda que o indigitado fosse o mais imaculado dos cidadãos, e não um criminoso, policiais militares não podem prestar serviços de segurança privada. A bem da verdade, esses policiais já eram investigados por isso pela Corregedoria da PM. Agora, passaram a ser investigados também pela suspeita de envolvimento na morte do “patrão”.

Como se vê, são gravíssimos os indícios de conluio entre policiais civis e militares de São Paulo e o PCC, o que não chega a ser novidade, haja vista que a facção só acumulou tanto poder porque contou com a leniência ou a cumplicidade de agentes do Estado para chegar aonde chegou. Este jornal espera, porém, que a investigação da desabrida execução de Gritzbach, um teste para a colaboração entre as polícias estaduais e a Polícia Federal, como deseja o governo federal, sirva como um ponto de inflexão nessa promiscuidade entre policiais supostamente a serviço da lei e aqueles que a violam de forma atrevida.

A sociedade não exige muito no que concerne à segurança pública: só espera que policiais ajam como policiais, não como bandidos. Sem o básico, não há política nessa área que dê resultado.

Geopolítica na montanha-russa

O Estado de S. Paulo

Linhas mestras do primeiro mandato de Donald Trump se mantêm. Mas um Trump imprevisível como sempre encontrará um mundo imprevisível como nunca

O gabinete de Donald Trump está sendo formado mais rápida e ordenadamente do que em 2016. Ainda faltam indicações importantes para completar o quadro, como a equipe econômica, para inferir até onde ele pretende levar suas ideias heterodoxas. Já o time da política externa está escalado, assim como o futuro responsável pelo Departamento de Justiça, um trumpista radical de quatro costados.

Há uma linha de continuidade com seu primeiro mandato: a guerra comercial com a China, a hostilidade ao multilateralismo, a diplomacia transacional – além do embaraçoso apreço por “homens fortes”. Mas há duas grandes diferenças em relação a 2016.

Internamente, sua equipe é mais ideologicamente homogênea, ou seja, mais leal ao movimento MAGA (Make America Great Again). Isso vale para os republicanos, que já têm maioria no Senado e devem alcançá-la na Câmara. Mais importante: o mundo mudou, a começar por duas guerras em que os EUA estão profundamente envolvidos.

No confronto com a China, Trump retoma o bastão que passou a Biden. A diferença é de estilo. Biden investiu em alianças no Pacífico. As armas de Trump estão no comércio. Os membros de sua equipe claramente favorecem uma linha-dura. Se as promessas de uma ofensiva tarifária, a pretexto de segurança nacional, intensificarem a dissociação das duas maiores economias do mundo, os americanos pagarão literalmente um preço alto, e o enfraquecimento das demandas chinesas por commodities custará aos exportadores para a China, incluindo vizinhos e aliados dos EUA.

Em um Oriente Médio muito mais volátil, saem as tentativas pouco frutíferas de Biden de desescalada e volta a “pressão máxima” sobre o Irã. Isso não significa que Israel terá luz verde. Não porque Trump vá derramar uma só lágrima pelos palestinos, mas ele não quer os soldados americanos tragados em mais “guerras intermináveis”, buscará revitalizar uma das conquistas de seu primeiro mandato – os Acordos de Abraão entre Israel e os sunitas – e deve evitar distrações à disputa com a China.

Este último ponto tem implicações para a Ucrânia. Trump sugeriu que terminaria a guerra antes até de tomar posse. Muitos republicanos consideram um desperdício de dinheiro o apoio a uma Ucrânia que, a seu ver, não tem como vencer. Seu vice, J. D. Vance, sugeriu um acordo em que a Ucrânia cederia territórios e permaneceria neutra, ou seja, não aliada à Otan ou à União Europeia. Em outras palavras, tudo o que Vladimir Putin quer. Mas, por isso mesmo, esta proposta não está garantida. Trump quer se livrar do estorvo, mas ceder a Putin ameaça seu valor maior: a imagem de si mesmo como um “vencedor”.

A Europa, de todo modo, terá de cuidar da própria segurança em um momento em que seus principais governos, a França e a Alemanha, enfrentam uma crise de credibilidade e são pressionados por facções nacional-populistas afins ao trumpismo. Bruxelas e a Otan provavelmente serão ignoradas em favor de transações bilaterais. Quanto à economia global, a reeleição de Trump abre um novo capítulo na degradação da globalização. A dúvida é quão acelerada ela será.

Isto posto, qualquer pessoa que diga saber com confiança o que Trump fará não merece confiança. Seu interesse por política externa e seus instintos diplomáticos são voláteis. O Trump “isolacionista” é refratário às ambições “neocons” de imiscuir o país em todo tipo de conflito em lugares distantes, mas o Trump “unilateralista” gosta de se exibir como uma figura poderosa capaz de intervir em grandes questões globais. Ele não só tem uma personalidade errática, cuja disciplina e foco estão sendo visivelmente erodidos pela idade, mas vê a imprevisibilidade como um ativo estratégico. No primeiro mandato, era mais fácil entregar essa imprevisibilidade à retórica e travesti-la de “doutrina”. Agora, ele pode ser forçado a reagir no improviso aos eventos de um mundo muito mais instável.

Ninguém pode saber se suas promessas e ameaças são blefes ou convicções até o jogo começar. Mas agora o jogo é outro. Trump segue instável como sempre, mas o mundo está instável como nunca desde o pós-guerra.

Autoridade Climática em ponto morto

O Estado de S. Paulo

COP-29 começou e órgão prometido por Lula da Silva em 2022 continua no gogó do petista

O Brasil chegou à 29.ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-29), em Baku, no Azerbaijão, e a Autoridade Climática segue no umbral das promessas vãs do presidente Lula da Silva. Enquanto líderes de vários países já estão à frente e discutem sofisticados mecanismos de financiamento de ações de mitigação dos efeitos da mudança do clima, o petista nem sequer consumou a criação de um órgão que aparentemente teria essa finalidade no País – e que, ademais, fora prometido por ele ao longo da campanha eleitoral de 2022.

O governo, ao que parece, não sabe exatamente o que será nem como será estruturada a tal Autoridade Climática, pressupondo, é claro, que algum dia o órgão sairá do papel. Consta que ela serviria, em linhas gerais, para direcionar as ações de adaptação às mudanças do clima no âmbito do Poder Executivo federal e conduzir essa agenda de forma transversal entre todos os Ministérios, o que seria positivo para o País e, em boa medida, para o mundo. Mas uma plêiade de entraves, a começar pela falta de convicção do presidente da República sobre a questão, tem mantido a Autoridade Climática em ponto morto até agora.

A cada dia que passa, fica mais claro que a promessa de criação da Autoridade Climática parece ter sido uma espécie de chamariz para a adesão de Marina Silva ao primeiro escalão do governo que ainda se formava no fim de 2022, um movimento de Lula da Silva para sinalizar que sua nova administração representaria a chamada “frente ampla” que o elegeu. Ademais, o movimento pode ter se prestado a evidenciar que um tema de importância global teria lugar de destaque em seu terceiro mandato presidencial.

Marina Silva, como se sabe, preferiu o ministério, mas quer que o órgão seja parte da estrutura de sua pasta. Na vida real, porém, a criação da Autoridade Climática não tem passado de uma cartada do presidente da República sempre que ele se vê às voltas com uma crise ambiental para administrar e/ou é instado a demonstrar compromisso e, principalmente, ação nessa seara.

Recentemente, a ministra condicionou a criação da Autoridade Climática à aprovação prévia do arcabouço legal sobre emergências climáticas, ora em tramitação na Câmara (PL 3961/2020). O próprio presidente já indicou que editaria uma medida provisória de mesmo teor. O fato é que ambas as iniciativas – a criação da Autoridade Climática e a aprovação do chamado Estatuto Jurídico das Emergências Climáticas – poderiam perfeitamente caminhar pari passu. Afinal, é de “emergência” que se está tratando.

Tanta procrastinação escancara entraves políticos que contaminam um debate que não pode ignorar suas imposições de ordem técnica. Vale dizer, sem vontade política não haverá defesa genuína da agenda ambiental. Sem ações eficazes para enfrentar tantos desafios na proteção do meio ambiente, Lula da Silva só demonstra que muito fala e pouco faz. O que, para lhe fazer justiça, é coerente. Afinal, a chamada “questão ambiental” nunca interessou ao petista, a não ser quando a conveniência de seus interesses eleitorais se impôs com a força dos fatos da natureza.

 

 

 

 

 

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