domingo, 5 de abril de 2020

Opinião do dia – Keynes* (Recado II)

Dei a minha teoria o nome de teoria geral. Com isso quero dizer que estou preocupado principalmente com o comportamento do sistema econômico como um todo - com a renda global, com o lucro global, com o volume global da produção, com o nível global de emprego, com o investimento global e com a poupança global, em vez de com a renda, o lucro, o volume da produção, o nível do emprego, o investimento e a poupança de ramos da indústria, firmas ou indivíduos em particular. E afirmo que foram cometidos erros importantes ao se estender para o sistema como um todo as conclusões a que se tinha chegado de forma correta com relação a uma parte desse sistema tomada isoladamente.

Acredito que economia em toda parte, até recentemente, tinha sido dominada, muito mais do que compreendida, pelas doutrinas associadas ao nome de J.B. Say. É verdade que a lei dos mercados dele já foi abandonada há tempo pela maioria dos economistas, mas eles não se livraram de seus postulados básicos, particularmente de sua ideia errônea de que a demanda é criada pela oferta. Say estava supondo implicitamente que o sistema econômico está sempre operando com sua capacidade máxima, de forma que uma atividade nova apareceria sempre em substituição e não em suplementação a alguma outra atividade. Quase toda a teoria econômica subsequente tem defendido, no sentido de que ela tem exigido, esse mesmo pressuposto. No entanto, uma teoria com essa base é claramente incompetente para enfrentar os problemas do desemprego e do ciclo econômico. Talvez eu possa exprimir melhor a meus leitores franceses o que apregoo sobre este livro dizendo que na teoria da produção ele é uma ruptura radical com as doutrinas de J. B. Say e que na teoria dos juros ele é um retorno às doutrinas de Montesquieu.

*John Maynard Keynes (1883-1946). A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, - Prefácio à Edição Francesa, p. 10-1. Nova Cultura, S. Paulo, 1985.

Fernando Henrique Cardoso* - Durante e depois da crise

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Abra-se o Tesouro para garantir a sobrevivência das pessoas e empresas, depois se vê como pagar

Estamos atravessando tempos bicudos. Não só por causa do coronavírus, mas também porque há um vazio político no mundo. Quando não, há uma histeria direitista sem que se veja o “outro lado” do espectro. Ou sumiu, ou os tempos são outros e mesmo a antiga divisão, que persiste, entre esquerda e direita - com suas variantes ao redor de um centro abstrato - não dá mais conta das reais adversidades do mundo contemporâneo: aquecimento global, substituição de mão de obra por “máquinas inteligentes” e agora, como se fossem poucas as tormentas, as pandemias.

Estou, como bom cidadão - e idoso -, fazendo esforço para me isolar. Confesso que ando cansado de ouvir tanta gente, a toda hora, falando de doenças e mortes. Não me refiro aos especialistas, como o ministro da Saúde, que precisam mesmo falar. Ele tem sido competente, claro e sensível às necessidades do momento. Certos presidentes melhor que não falem, pois falam e “desfalam” ao sabor das circunstâncias, despreparados para entender o presente e, mais ainda, para projetar o futuro.

Sei que é difícil. Na última sexta-feira, assisti no Zoom (ah, quantos inventos de interlocução sem a presença das pessoas foram criados no mundo e como são úteis...) a uma discussão, organizada pela Fundação FHC, entre o ex-embaixador do Brasil na China Marcos Caramuru e um especialista americano em economia chinesa, Arthur Kroeber.

Além dos impactos econômicos da pandemia, discutiram o que poderá acontecer com a geopolítica mundial depois da crise. Kroeber afirmou que a crise reforça a posição dos setores mais duros da sociedade e do governo americano, que veem na China uma ameaça, um vírus a ser contido. O embaixador Caramuru acredita que, se essa visão prevalecer nos Estados Unidos, crescerá a influência chinesa no mundo. Para ele, só os Estados Unidos veem a China como adversária implacável da paz e da prosperidade. Os demais países - nós incluídos - deveriam aproveitar os espaços econômicos no futuro para aumentar nossas exportações e induzir os chineses a fazerem mais investimentos aqui.

É certo que é preciso pensar no depois. Os países e seus povos não vão acabar. A crise virótica, por mais difícil e custosa que seja em termos de vidas e de recursos, um dia vai passar. Mas, e antes disso, durante a pandemia? O óbvio já disse acima e a maioria das pessoas sabe e compartilha: nada, se possível, de ir à rua ou juntar-se com outras pessoas. Estamos todos (os que podemos...) como prisioneiros, não por ordem da Justiça ou pelo arbítrio dos poderosos, mas para tentarmos nos salvar e salvar os outros.

Merval Pereira - Seguro destrabalho

- O Globo

Tão imediato quanto o desafio da Saúde, são os desafios social e econômico, sob risco alto e crescente de convulsão

A crise do Covid-19 destampou a panela da pressão social que iria explodir em algum momento, sobretudo em países com tanta desigualdade quanto o Brasil, mas não apenas aqui. Tão premente quanto o desafio da saúde, são os desafios social e econômico, sob risco alto e crescente de convulsão e desordem pública.

Com base nesse diagnóstico, o economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), um dos formuladores da Lei de Responsabilidade Fiscal e, agora, do orçamento de guerra montado pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia, adverte que o Estado brasileiro tem que se adaptar às mudanças ocorridas no mercado de trabalho.

Os trabalhadores independentes, formalizados como microempreendedores (MEI) e como empresas individuais, ou até coletivas de um grupo de profissionais, se somaram ou substituíram os registrados como autônomos. Ele ressalta que no final de 2019, segundo dados do IBGE, os empregados com carteira de trabalho correspondiam a apenas 37,5% dos trabalhadores ocupados, enquanto os donos de negócios já respondem por 30,7%.

“Uma parcela enorme, crescente e majoritária dos trabalhadores já não é abrangida pela proteção social clássica – mesmo antes de se saber o que é Covid-19. Sem emprego, sem previdência, sem estado”. É preciso, inicialmente, proteger e, depois, reinserir na sociedade e na economia, os milhões que já estavam vivendo à sua margem, e que agora foram expostos ao mundo em suas dificuldades para necessidades básicas.

Luiz Carlos Azedo - A guerra invisível

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A epidemia atingiu primeiro a classe média alta, disseminada por pessoas que viajaram ao exterior. Com a transmissão comunitária, chegará aos pobres”

Não me saem da cabeça as cenas dos médicos e paramédicos combatendo as epidemias na África. Qual é a semelhança com o novo coronavírus (Covid-19)? A febre hemorrágica Ebola é uma doença muito mais grave, com taxa de letalidade que pode chegar até os 90%, enquanto a do coronavírus gravita em torno dos 5%. É uma zoonose cujo reservatório mais provável é o morcego. O vírus foi transmitido para seres humanos a partir de contato com sangue, órgãos ou fluidos corporais de animais infectados, como chimpanzés, gorilas, antílopes e porcos-espinho, na África subsaariana, ocasionando surtos esporádicos.

O novo coronavírus foi identificado pela primeira vez na China, é transmitido pelo ar e pelo contato físico, de forma muito mais rápida, antes mesmo de as pessoas manifestarem os sintomas da doença. Presume-se também que o hospedeiro de origem seja algum espécime de morcego. Os coronavírus humanos mais comuns causam infecções respiratórias de brandas a moderadas, de curta duração. Os sintomas podem envolver coriza, tosse, dor de garganta e febre. O novo coronavírus é mais letal, porque também ataca violentamente as vias respiratórias inferiores, como pneumonia. Esse quadro é mais comum em pessoas com doenças cardiopulmonares, com sistema imunológico comprometido ou em idosos.

Ricardo Noblat - Bolsonaro ignora a lição de que as consequências vêm depois

- Blog do Noblat | Veja

Péssimo aluno de História, mas não só

Façam suas apostas: quanto tempo mais levará o presidente Jair Bolsonaro para detonar uma nova confusão capaz de alvoraçar seus devotos cativos em número cada vez menor, e despertar os instintos mais rudes dos seus desafetos que só fazem crescer?

Se não acordar, hoje, de maus bofes, caso continue a ouvir a opinião dos militares que o detém, Bolsonaro completará três dias de silêncio externo e de fúria represada no Palácio do Planalto onde dá expediente e no Palácio da Alvorada onde mora.

Ah, se as paredes falassem. Elas contariam sobre a paranoia de Bolsonaro que só fez se agigantar desde que o coronavírus desembarcou no país. Por que chegou tão rápido e com qual intenção? Quem garante que fará o mal alardeado?

Em grupo de WhatsApp, Bolsonaro referiu-se ao Covid-19 como “o vírus chinês”. O filho Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, copiou o pai e desatou uma crise diplomática para lá de dersastrosas com a China logo na hora que o Brasil mais precisa da sua ajuda.

Nem por isso desagradou ao pai. Bolsonaro não tira da cabeça que o vírus faz parte de uma grande conspiração para abreviar seu atual mandato. Conspiradores são todos os que o criticam aberta ou veladamente, e até mesmo alguns dos que o aconselham.

O general Braga Neto, chefe da Casa Civil, está no comando das ações contra o coronavírus. Paulo Guedes, ministro da Economia, parece ter acordado para o que lhe cabia fazer. Mandetta, ministro da Saúde, ainda está nos cascos – mas até quando?

Vera Magalhães - O capitão em seu labirinto

- O Estado de S.Paulo

Isolado, Bolsonaro parece crer que narrativa pode substituir realidade

A semana que se encerra neste domingo começou com o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, dobrando a aposta no negacionismo e saindo para um rolê pelas cidades-satélites de Brasília. Termina com sua autoridade ainda mais desgastada e sua figura reduzida à do capitão da reserva que sempre foi.

Assim como grande parte dos brasileiros e do resto do mundo, e por mais que esperneie contra ele, Bolsonaro está em isolamento radical. Está confinado num labirinto, cada vez mais solitário e sem contato com a realidade. Que outro chefe de Estado conseguiu a proeza de se indispor, em maior ou menor grau e quase simultaneamente, com o próprio ministro da Saúde, a Organização Mundial da Saúde, os governadores de quase todos os Estados, os presidentes da Câmara e do Senado, a imprensa e o Supremo Tribunal Federal em plena pandemia do novo coronavírus?

Por que a insistência quase obsessiva em trazer para o centro da discussão o fim do distanciamento social, as pesquisas com hidroxicloroquina, jejum e oração quando o foco deveria ser fazer os recursos já aprovados pelo Legislativo chegarem à ponta, aos mais necessitados?

Por que as redes ligadas e guiadas pelos Bolsonaro insistem em conclamar para este domingo manifestações que vão contra um consenso global, de que só o distanciamento social (que por ora no Brasil não é radical, aliás, longe disso) pode nos fazer aproveitar a grande vantagem comparativa que temos em relação ao resto do mundo: o fato de estarmos algumas semanas atrasados na epidemia e podermos aprender com o que tem dado certo e errado nos outros países?

Eliane Cantanhêde - Pedra e pedradas

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro quer isolamento só acima dos 50 e Mandetta lista 19 condicionantes para saída

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde) não se suportam mais, mas não têm alternativa: Bolsonaro não pode demitir Mandetta e Mandetta não pode se demitir. Estão atrelados um ao outro pelo coronavírus. Unidos na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. E se detestando.

Entre os dois, há um muro: o isolamento social, única vacina possível para reduzir a audácia e a letalidade do vírus. Mandetta não pode cruzar esse muro, porque sua ação é “técnica e científica” e porque médicos “não abandonam o paciente”. Seu paciente é o Brasil. E Bolsonaro não pode dar uma canetada e criar o tal “isolamento vertical”, que, de isolamento, não tem nada. Não tem apoio para isso.

Cada lado prepara seu arsenal sob sigilo. Bolsonaro, que já falou duas vezes em editar um decreto e nunca editou, trabalha com um corte etário para relaxar o isolamento. O grupo de (maior) risco é acima dos 60 anos, mas ele estuda dar dez anos de lambuja. Abaixo dos 50, volta ao trabalho! Cola? Até agora não, tanto que a ideia está entre as quatro paredes do gabinete presidencial.

Já Mandetta propõe nos bastidores um desmame gradual do isolamento, listando 19 condicionantes técnicas a serem consideradas uma a uma, dependendo do cenário. A cada recuo da doença, um grau de relaxamento. Entretanto, o começo da implementação pode demorar 30 dias e o próprio ministro perguntou para sua equipe: “Ele vai ter paciência?” Quem será “ele”? Enquanto os dois se digladiam, as instituições assumem um lado e isolam Bolsonaro. Ministros do Supremo fazem fila e parlamentares se revezam para advertir o Planalto e apoiar o isolamento social. Até o vice Hamilton Mourão e o ministro Sérgio Moro (este sempre tão reverente à hierarquia) defendem publicamente a medida que o presidente rechaça.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro, presidente decorativo

- O Globo

Isolado, Bolsonaro passa a impressão de que deixou de governar. Enquanto ele anima a claque, uma junta de ministros decide sobre o que importa

No início de março, quando o país ainda discutia problemas menores, o deputado Eduardo Bolsonaro usou sua vocação diplomática para atacar a colega Bruna Furlan. Após semanas de negociação sobre a partilha do Orçamento, o Congresso havia mantido um veto presidencial por 398 a 2. Era uma boa notícia para o governo, mas o filho do capitão preferiu ir para cima de quem se opôs ao acordo.

“A senhora acha mesmo que os 57 milhões de brasileiros que elegeram Jair Bolsonaro querem um presidente decorativo?”, provocou, atiçando a milícia virtual contra a tucana. Um mês depois, o temor do Bananinha parece se materializar.

Os fatos dos últimos dias reforçam a impressão de que Bolsonaro deixou de governar. Na crise do coronavírus, uma junta de ministros passou a tomar as decisões que importam. Enquanto os auxiliares trabalham, o presidente se ocupa em animar a claque do Alvorada e esbravejar contra as medidas de distanciamento social.

Na segunda-feira, o general Braga Netto assumiu o papel simbólico de interventor. Recém-nomeado para a Casa Civil, passou a comandar entrevistas diárias com grupos de ministros no Planalto. A maioria dos participantes só faz figuração, mas transmite-se a ideia de que há alguma coordenação no governo.

Dorrit Harazim - Saindo dos trilhos

- O Globo

Mandetta e Fauci conquistaram o respeito e a confiança de quem os ouve pela abordagem científica e realista

Dias atrás, um engenheiro da malha ferroviária do porto de Los Angeles, na Califórnia, pirou. Eduardo Moreno, de 44 anos, convencera-se de que a missão oficial do navio-hospital USNS Mercy,enviado pela Marinha para aliviar a profusão de infectados na Costa Leste, era mera operação de fachada. A embarcação seria, na verdade, parte de um golpe de Estado em curso. Por isso, ele resolveu agir: manteve um trem não tripulado da zona portuária em velocidade máxima, para muito além do final dos trilhos, e causou um estrondo/estrago monumental — a composição destruiu primeiro uma barreira de concreto, atropelou uma proteção de aço, e prosseguiu por vasta área de cascalho até parar. À polícia o autor justificou assim o rompante que pode lhe valer uma pena de até 20 anos: “Era a chance que eu tinha para chamar a atenção das pessoas sobre o que está realmente acontecendo aqui”.

Não se pode atribuir a insanidade do engenheiro ao coronavírus. Mas, à medida em que a humanidade sai dos trilhos pré-Covid 19, é de se prever que o planeta se torne mais propício a insânias individuais e coletivas.

Daí a importância de se manter sob rédea curta governantes inseguros no poder, destemperados por índole e/ou despreparados para apontar o rumo em tempos de perigo e medo global. As limitações e inclinações inerentes a cada dirigente tendem a se acentuar à medida que a espiral da calamidade for adquirindo forma mais cruel. Por enquanto, em países onde essa espiral está apenas começando, a real capilaridade do vírus e seu potencial de destruição apontam em uma única direção: dias piores virão.

Ricardo Rangel* - A esfinge e o precipício

- O Globo

Bolsonaro não percebe que mortes terão impacto maior sobre suas chances de reeleição do que a recessão?

No mito grego, a esfinge era um monstro que lançava um enigma aos passantes e os devorava se não o decifrassem. A esfinge brasileira, o “mito” de conduta indecifrável, é Jair Bolsonaro. O presidente recomendou o cancelamento da manifestação do dia 15, e compareceu. Combinou com seus ministros de se isolar, e foi visitar a periferia de Brasília. Fez um pronunciamento radical e alucinado; depois fez outro, negando o primeiro; em seguida voltou a atacar o isolamento e os governadores e ameaçou reabrir o comércio com uma “canetada”. Impossibilitado de convocar os fãs para mais uma manifestação, conclamou-os a um patriótico jejum contra o vírus (dado que a má alimentação reduz a imunidade, o vírus agradece).

Bolsonaro ataca seu ministro da Saúde em plena crise e ameaça demiti-lo — instado a comentar a ameaça, Mandetta respondeu que quem “tem mandato, fala”, e quem não tem, como ele próprio, “trabalha”. Deve ter sido a primeira vez na história em que um ministro chama o presidente de boquirroto e preguiçoso: Mandetta parece que aceitou o conselho do general Heleno e ligou o dane-se.

Elio Gaspari - Jair Bolsonaro é um ponto fora da curva

- O Globo / Folha de S. Paulo

O astucioso e explícito ataque público de Jair Bolsonaro contra seu ministro da Saúde revelou a extensão dos tormentos de sua alma. Luiz Henrique Mandetta é uma solução, mas seu chefe vê nele um problema. Mesmo que ele tivesse dito que a Covid-19 seria uma “gripezinha”, o presidente deveria poupá-lo de ostensivas frituras.

Há pouco mais de um mês morreu o ex-ministro Gustavo Bebianno. Tinha 56 anos e foi levado pela tristeza, menos de um ano depois de ter sido demitido da Secretaria-Geral da Presidência em circunstâncias humilhantes pelo presidente por quem trabalhou quando os bolsonaristas cabiam numa Kombi. Na carta que Bebianno lhe escreveu, disse: “O senhor cultiva e alimenta teorias de conspiração, intrigas e ódio”.

Pouco depois, Bolsonaro demitiu o general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz da Secretaria de Governo. Ele pouco falou, mas deixou uma frase críptica: “Tem que ter noção de consequência.”

Como disse o sábio Marco Maciel, “as consequências geralmente vêm depois”. Quando Bolsonaro diz que “o Mandetta quer fazer muito a vontade dele. Pode ser que ele esteja certo. Pode ser. Mas está faltando um pouco mais de humildade para ele” e que “a gente tá se bicando há um tempo”, o que ele faz é fritá-lo.

A fritura de Mandetta serve ao coronavírus e a ninguém mais. Bolsonaro sabe desidratar colaboradores e secou o ex-juiz Sergio Moro, mas a importância do Ministério da Justiça não pode ser comparada à da Saúde durante uma epidemia.

Desde o inicio da crise, Bolsonaro oscilou do negacionismo ao Apocalipse. O que pode parecer um comportamento errático, foi uma constante e equivocada defesa de seus interesses: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo, acaba o meu governo”.

O negacionismo da “gripezinha” menosprezava a epidemia supondo que com isso poderia preservar a economia. Com a Covid-19, Bolsonaro passou a flertar com o caos do vídeo da central de abastecimento de Belo Horizonte às moscas. (Era mentira e ele se desculpou por não ter checado, quando devia ter pedido desculpas por ter acreditado.) As duas posturas nasceram de um só medo: “Acaba meu governo”.

Seu governo só deve acabar no dia 31 de dezembro de 2022, porque é isso que diz a Constituição. Até lá, ele terá que governar um país em em séria dificuldade, sem inventar “gripezinhas” ou estimular tensões e situações caóticas.

Janio de Freitas - Questão de desordem

- Folha de S. Paulo

Renúncia de governante costuma ser um gesto espontâneo à força

É uma necessidade premente, não a convicção, que faz Bolsonaro desafiar as evidências, o saber científico, a indignação do bom senso e o coronavírus. Se está convencido, mesmo, do que acusa no isolamento contra o vírus, não é irrelevante. Mas é outra questão, não o que o move.

É para salvar sua pele que Bolsonaro, contraditoriamente, a expõe à contaminação. “Há gente poderosa em Brasília que espera um tropeço meu”, disse na última quinta. Engana-se, não com a gente poderosa, mas com o motivo da espera.

E tropeço é uma imagem modesta para o que menos falta em cada dia, vá lá, presidencial.

Entre os que esperam, renúncia é a palavra da moda. Mais sussurrada do que sonora, pode ser vista como a transferência, para o próprio Bolsonaro, da iniciativa desejada contra ele. O cúmulo do comodismo. Ainda assim, indício de esgotamento.

O alarme soou para os Bolsonaros com sinais acumulados na semana entre 15 e 21 de março, ao se acentuarem os choques com governadores e as acusações de “histeria” à prevenção e ao noticiário.

Até então, tratava-se de seguir Trump na contestação às recomendações contra o vírus já fulminante na Europa. A percepção da fuga de apoios políticos abalou os Bolsonaros e suas redondezas.

Carlos, o 02, abandonou os melindres que o distanciaram do pai e voltou para Brasília. Dos três filhos maiores, é o mais ouvido para condutas políticas de Bolsonaro. Vieram novos pronunciamentos na linha de acirrar os ataques, em vez da esperável busca de reduzir as reações. À distância em quarentena de idoso contaminado, o irado general Augusto Heleno deu-se alta para recompor às pressas o chamado Gabinete do Ódio. Da outra parte, um sinal eloquente: o general-vice Hamilton Mourão também saiu do seu retiro, com renovada receptividade a microfones e câmeras.

Bruno Boghossian – Bolsonaro e a âncora evangélica

- Folha de S. Paulo

Entre esses fiéis, 41% aprovam trabalho do presidente, contra 31% dos católicos

Os atritos produzidos por Jair Bolsonaro na crise do coronavírus reforçaram o papel dos evangélicos como âncoras de seu governo. A última pesquisa Datafolha mostra que nenhum grupo social com peso relevante tem uma visão tão positiva do presidente quanto esses fiéis.

Entre os evangélicos, que representam quase um terço da população, 41% consideram ótimo ou bom o desempenho de Bolsonaro em relação ao surto da Covid-19. Para os católicos, que são metade dos brasileiros, essa aprovação é de 31%.

A variação supera diferenças nos perfis econômicos das duas religiões. A conduta de Bolsonaro provocou um aumento da rejeição a seu trabalho na população de baixa renda (40%), que compõe parte considerável do segmento evangélico. No grupo religioso, porém, a reprovação ao presidente é de apenas 28%.

O vínculo com os evangélicos, cimentado pela pauta conservadora, foi realçado na crise do coronavírus. O presidente editou um decreto para reabrir templos religiosos e, na última semana, evocou a fé para convocar um jejum contra a pandemia.

O pastor Silas Malafaia se alinhou ao presidente para atacar medidas de isolamento social, e o bispo Edir Macedo disse que o coronavírus era inofensivo, uma “tática de Satanás”.

Hélio Schwartsman - As regras do contágio

- Folha de S. Paulo

Não devemos ignorar os enormes ganhos que estudos observacionais já nos proporcionaram

A essa altura, muitos leitores já não devem aguentar mais ouvir falar em curvas de contágio, R (número de reprodução), imunidade de rebanho e outros termos da epidemiologia. Ainda assim, ouso recomendar "The Rules of Contagion" (as regras do contágio), de Adam Kucharski, ao qual já fiz alusão aqui.

O livro foi finalizado antes da pandemia de Covid-19, então não trata da ameaça que enfrentamos. Mas Kucharski, que é matemático por formação, conta a história da epidemiologia, que surgiu com o teorema do mosquito de Donald Ross no início do século 20, e consegue explicar com didatismo e sabor literário os princípios sobre os quais ela se assenta.

O resultado é uma fascinante combinação de matemática com biologia, psicologia e várias outras ciências. Até arquitetura entra, quando se avaliam condições de moradia que podem fazer muita diferença numa epidemia.

Ruy Castro* - Longe do centro do universo

- Folha de S. Paulo

O planeta pode passar sem a 'Divina Comédia', 'Hamlet' e 'O Pato Donald'

Em meio às estatísticas macabras do coronavírus, leem-se notícias que fazem pensar. Pela primeira vez em séculos, os golfinhos voltaram aos canais de Veneza. Alguém fotografou pavões nas ruas desertas de Madri. Os gatos de Roma passeiam fagueiros pela Via Veneto. Numa Nova York em silêncio, ouvem-se rouxinóis na Quinta Avenida. E, no Rio, veem-se raias no Arpoador e gaivotas explorando as areias do Leblon.

Com a quebra do consumo, a produção de lixo plástico diminuiu, para alívio dos rios e mares que o recebem, com o que os peixes, aves e tartarugas ganharam uma chance. Com fábricas inativas e chaminés apagadas, a qualidade do ar também melhorou, inclusive para quem o empesteia. Sem a presença do homem, era inevitável que nossos companheiros de planeta se sentissem seguros para deixar suas tocas e vir dar uma olhada aqui fora. Mas tolos serão se acharem que isso durará para sempre. Tudo ficará sem efeito assim que a vida entrar de novo em ação, de mãos dadas com sua velha parceira —a morte.

Indústria de guerra pela vida

Setor precisa garantir que não falte 'munição'

José Serra, Barjas Negri, Humberto Costa, José Gomes Temporão, Saraiva Felipe, Alexandre Padilha, Arthur Chioro, Marcelo Castro, Agenor Álvares / Ex-ministros da Saúde | Folha de S. Paulo

O maior de todos os desafios que a pandemia de Covid-19 nos impõe diz respeito à nossa capacidade de organização solidária para minimizar a carga de sofrimento associada ao adoecimento, ao colapso dos sistemas de saúde e à morte de muitos. Além do evidente papel de liderança e de coordenação dos governos, do trabalho heroico dos profissionais de saúde e da comunidade científica na busca de um protocolo de tratamento, precisamos de uma indústria de guerra para enfrentar o novo coronavírus.

O setor produtivo tem demonstrado enorme capacidade criativa e de resolubilidade para diversos problemas enfrentados pelo mercado. A oportunidade agora é de se reorganizar internamente e de se posicionar entre os parceiros estratégicos da sociedade, produzindo os insumos essenciais para a proteção das equipes de saúde e hospitais: respiradores, testes laboratoriais, máscaras, lençóis, luvas, uniformes, álcool em gel.

A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil dá competência ao governo para estimular a reorganização do setor produtivo e econômico das áreas atingidas por desastres. Ou seja, já dispomos dos instrumentos legais para o governo definir prioridades e coordenar as ações. É hora de a indústria juntar-se em um único esforço e fortalecer a saúde pública representada no Brasil pelo Sistema Único de Saúde, o SUS.

Míriam Leitão - O presidente perde poderes

- O Globo

Presidente causa perturbação em meio à grave crise. Ainda assim, Congresso, Justiça, médicos, imprensa, prefeitos e governadores buscam uma saída

O presidente Bolsonaro está perdido em seu labirinto e isso ele mostra explicitamente nos atos do dia a dia. A última semana foi um bom exemplo. No domingo, ele foi às ruas estimular as pessoas a desobedecerem às orientações das autoridades de saúde. Na terça-feira, o conselho de governo, em longa reunião, conseguiu polir o pronunciamento que ele faria à noite. Amanheceu na quarta disposto a derrubar a obra dos seus conselheiros e postou vídeo falso que dizia haver desabastecimento na Ceasa de Minas. Na quinta, ele falou em demitir o ministro da Saúde, cujo trabalho tem alta aprovação popular. Várias vezes atacou governadores e, claro, culpou a imprensa. O presidente é um elemento perturbador no meio de uma crise devastadora.

Desde o início desta crise, Bolsonaro piorou. No episódio em que ele estimulou manifestações contra o Congresso, no domingo, 15 de março, o presidente foi aconselhado por várias pessoas do governo a não fazer isso, principalmente porque o surto do coronavírus estava entrando numa espiral. A uma das pessoas mais fiéis a ele no governo, e que sugeriu que ele desmobilizasse o ato, Bolsonaro deu uma resposta que revela bem o delírio persecutório em que vive mergulhado:

– Eu só tenho as ruas, a mídia quer me derrubar, o Rodrigo quer me derrubar, o Dória quer me derrubar. Eu não posso dizer para as ruas: vão pra casa. Eu preciso das ruas. Eu não estou estimulando, mas eles estão lá e eu abraço eles.

Vinicius Torres Freire – Fotos e fantasias do gasto no corona

- Folha de S. Paulo

Dinheiro novo mesmo é R$ 210 bilhões, mas longe da fantasia do trilhão

O governo disse que está perto de destinar R$ 1 trilhão para atenuar a catástrofe sanitária e socioeconômica da epidemia. Não é verdade. Muita vez é besteira mesmo.

Isto posto, não se trata de pouco dinheiro, em boa parte arrancado por pressão social e parlamentar. Por exemplo, o governo estima gastar, em três meses, R$ 98 bilhões no auxílio a autônomos e informais e outros R$ 51,6 bilhões para compensar reduções de salário, via seguro-desemprego.

Seriam R$ 149,6 bilhões. Equivale a um mês de todos os rendimentos do trabalho pagos no país, excluídos os ganhos de empregadores e funcionários públicos (contas feitas com base na Pnad do IBGE). Ou seja, o governo vai pagar o equivalente a um terço do total dos rendimentos de trabalhadores, afora aqueles de quem emprega ou é servidor.

O pacote do trilhão é bobagem porque mistura picolé com asfalto: dinheiro novo, antecipação de despesas inevitáveis, adiamento de impostos, empréstimos e aumento de dinheiros possivelmente emprestáveis no sistema financeiro.

É bom ressaltar que as antecipações são importantes (do abono salarial e do 13º de beneficiários do INSS), assim como o adiamento de impostos. Sem isso, muitas famílias e empresas naufragariam. Mas não é dinheiro extra.

José Roberto Mendonça de Barros* - Da parada súbita à recessão global

- O Estado de S. Paulo

Não há uma coordenação na resposta do governo federal à crise

Como já colocamos no nosso último artigo, a expansão rápida do coronavírus provocou uma parada súbita nas principais economias do mundo, o que já garante que 2020 será um ano de recessão global, apesar dos grandes esforços das autoridades sanitárias e econômicas para deter a pandemia e suportar a economia.

A percepção da gravidade da situação está chegando aos poucos, o que faz com que as projeções mais recentes sejam sempre piores do que as anteriores.

O desconhecimento do vírus e de como lidar com ele gera uma enorme incerteza. Mas algumas coisas parecem claras. A crise será longa. Nos locais onde a contenção tem sido bem sucedida, decretou-se uma quarentena ampla e testagem em larga escala.

Na política econômica, a incerteza levou a lançar sobre a mesa todas as fichas fiscais e monetárias. É certo que o PIB do primeiro semestre será francamente negativo na maior parte dos países. Quedas de 3% a 10%, em bases anuais, para as principais regiões não devem surpreender.

Desde que não haja uma segunda onda da doença, todos esperam alguma recuperação no segundo semestre, em resposta aos esforços sanitários, à política fiscal expansionista e a uma política monetária agressiva. A dúvida aqui é qual será a velocidade da recuperação, se em formato de um V ou de um U. Muita gente espera o primeiro caso para a China e Estados Unidos e o segundo caso para a Europa.

Roberto Romano* - Política e falsificação

- O Estado de S.Paulo

Com ódio à liberdade de oposição e à imprensa, Bolsonaro segue a via da pequenez no mando

Em livro pouco discutido no Brasil, Jean Pierre Faye analisa um documento diplomático, bélico e político da Alemanha em conflito com a França no século 19. Falo do Despacho de Ems, que se liga a Bismarck. Em 13 de julho de 1870, Guilherme I reuniu-se com o embaixador francês. Do encontro resultou um comunicado em forma de telegrama, de imediato remetido ao Chanceler de Ferro. O político tomou o texto, cortou-o em pedaços e fez de certa declaração anódina um insulto à França. Rápido, ele enviou o documento falso para a imprensa europeia. Os dirigentes da Europa tiveram em mãos no dia seguinte uma bomba poderosa contra os tratos pacíficos. O suposto insulto à França nos trechos manipulados levou-a a declarar guerra à Alemanha.

Apenas 20 anos mais tarde Bismarck reconheceu ter falsificado o telegrama. Ele mesmo apresentou o seu truque. Mas já em 1873 um deputado alemão dizia claramente que o autor da mentira era o dirigente do país. Um jornal de Viena, em 1892, contou a maneira como foi deturpado o telegrama e citou as próprias sentenças de Bismarck sobre a proeza: do texto, diz ele, “deixei apenas a cabeça e a cauda. Assim o telegrama parecia algo completamente distinto. Li-o para Moltke e Roon segundo a nova versão. Ambos exclamaram: ‘Esplêndido, causará efeito!’. Almoçamos com o maior apetite”. Faye comenta: que uma falsificação tenha sido tomada pelos adversários como insulto, compreende-se. Mas que o rei prussiano, conhecedor do texto original, tenha acolhido a patranha é algo que mostra o poder das manipulações quando os ânimos assumiram a guerra da propaganda que antecede o morticínio de seres humanos.

O que a mídia pensa – Editoriais

A pandemia junta-se à pobreza- Editorial | O Estado de S. Paulo

Enquanto o capital foge e exportações encolhem, países pobres têm de enfrentar a pandemia com recursos escassos e ajuda de instituições como o FMI

Enquanto o vírus se espalha, o capital foge e as exportações encolhem, os governos da América Latina e de outras áreas pobres e emergentes têm de enfrentar a pandemia com recursos próprios – agora ainda mais escassos – e com a ajuda preciosa de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Cerca de 80 países pediram socorro ao Fundo até o fim de março. Os governos latino-americanos, com raras exceções, impõem o isolamento social, com maior ou menor rigor, como primeira forma de resistência à covid-19. Aprenderam com a experiência, e especialmente com os erros, dos primeiros países ocidentais atingidos pela doença. Tiveram a seu favor a aproximação pouco mais lenta da pandemia.

A solidariedade além fronteiras, pregada com insistência pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vem sendo exercida principalmente por meio do FMI, de forma quase imperceptível para a maioria dos governos e das pessoas. Já empenhado na tarefa de socorro, o Fundo tenta mobilizar dinheiro para manter em US$ 1 trilhão sua capacidade de empréstimo. O governo dos Estados Unidos já se comprometeu com esse esforço.

Música | Teresa Cristina - Anjo da Velha Guarda (Moacyr Luz & Samba do Trabalhador)

Poesia | João Cabral de Melo Neto - A mulher e a casa

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

Publicado no livro Quaderna (1960).

In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa: volume único. Org. Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.241-242. (Biblioteca luso-brasileira. Série brasileira

sábado, 4 de abril de 2020

Opinião do dia – Montesquieu* (igualdadade)

O amor pela república, numa democracia, é o amor pela democracia; o amor pela democracia é o amor pela igualdade.

O amor pela democracia é também o amor pela frugalidade.

Nesse regime, devendo todos gozar da mesma felicidade e das mesmas regalias, devem fruir dos mesmos prazeres e acalentar as mesmas esperanças, coisa que só se pode esperar da frugalidade geral.

O amor pela igualdade, numa democracia, limita a ambição unicamente ao desejo, à felicidade prestar à sua pátria serviços maiores que os outros cidadãos. Todos não podem prestar-lhe serviços iguais; mas todos devem igualmente prestar-lhos. Ao nascer contraímos para com ela uma imensa divida da qual nunca podemos desobrigar-nos.

Assim, nas democracias, as distinções nascem do princípio da igualdade, mesmo quando essa parece destruída por serviços excepcionais ou por talentos superiores.

*Montesquieu (1689-1755), foi um político, filósofo e escritor francês. Ficou famoso pela sua teoria da separação dos poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições internacionais; ‘Do Espírito das Leis’ p. 84. Editora Nova Cultura, 2005 (tradução de Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Marins Rodrigues

Merval Pereira - Estado inteligente

- O Globo

Países poderosos e vulneráveis se deram conta de que dependem muito mais da China do que é desejável

Parece haver consenso em torno da ideia de que o mundo será outro depois da crise do Covid-19, não apenas porque a humanidade deu-se conta de sua fragilidade, e da necessidade de solidariedade nas relações sociais, como os problemas sociais, em maior ou menor escala, foram escancarados.

O capitalismo terá que rever conceitos, em busca de uma economia mais sustentável e menos desigual. E mesmo as relações internacionais serão alteradas, pois o mundo de repente despertou para uma realidade preocupante: a China produz 90% dos equipamentos de saúde, criando um mercado internacional selvagem de compra de produtos essenciais (máscaras, ventiladores) em que o peso do dinheiro vale mais que vidas humanas em países periféricos como o Brasil. Coisa parecida acontece em outros setores.

Os países, dos mais poderosos como os Estados Unidos, aos mais vulneráveis, se deram conta de que dependem muito mais da China do que é desejável, e terão que mudar suas relações geopolíticas, cuidando de setores essenciais, não apenas a saúde, mas também estratégicos como a Defesa, o Meio-Ambiente, a agricultura.

Ciência e Tecnologia tiveram suas importâncias realçadas durante a crise, e a reação do presidente Bolsonaro às advertências dos cientistas, tentando confrontar a doença primeiro com negacionismo, depois com orações e jejuns, mostra bem como estamos ameaçados de um retrocesso profundo em um setor que merece muito mais importância do que recebe e precisa.

Ascânio Seleme - Uma geração traumatizada

- O Globo

Minhas duas filhas mais novas nasceram em 1995 e 1998 e cresceram numa casa mais ou menos tranquila de classe média. Mas, desde que começaram a entender a vida, o mundo e o Brasil, se depararam com uma série de crises de diversas naturezas que deve moldar seus caráteres por toda a vida. Clara tinha três anos e Laura seis quando o maior atentado terrorista da História colocou no chão os dois prédios do World Trade Center, em Nova York, atingiu outros alvos nos Estados Unidos e mudou a História do planeta.

O que se seguiu foram anos de guerra transmitida ao vivo pela televisão. As meninas acompanharam, mesmo que a certa distância emocional, os bombardeios e invasão americana ao Afeganistão e ao Iraque. Mas logo começaram a ver as explosões e as fuzilarias que transformaram cidades em alvos de ataques sangrentos do terror. Abismadas como todo mundo, assistiram aos atentados em Londres e Paris e passaram a ter medo de viajar.

Ainda na primeira década dos anos 2000, um abalo sísmico na credibilidade da economia americana produziu a maior crise econômica global desde o “Crack da Bolsa” de 1929. Embora à época as duas não tenham entendido direito a extensão do terremoto, por serem muito jovens, com tempo e estudo passaram a internalizar também aquela mega crise e seus desdobramentos sobre todos os países e todos os setores da economia.

Enquanto o mundo se debatia com seus superproblemas, no Brasil as jovens viam se desenrolar sob os seus olhos um escândalo de corrupção que alcançava uma figura icônica da política nacional. O mensalão do primeiro governo Lula não permitiu que crescesse em muitos meninos daqueles dias a esperança numa alternativa de esquerda. Logo neles, que por natureza devem nascer contestadores. Porque, você sabe, as pessoas nascem revolucionárias e envelhecem conservadoras.

Logo em seguida, as duas garotas viram que o mensalão não foi apenas um desvio momentâneo. Desvendou-se então o maior escândalo de corrupção da História do país: o petrolão, que nasceu sob Lula e cresceu sob Dilma. Foi uma avalanche. O caso era tão sério que alcançou todas as esferas da política nacional. Foi para a cadeia todo tipo de gente. Um ex-presidente, governadores, prefeitos, senadores, deputados e empresários. Elas ouviram e gritaram “Fora, Cunha!”, e viram o ex-presidente da Câmara ser cassado e depois preso. E mais adiante viram um impeachment de presidente.

Não bastasse isso, acompanharam a um outro grande escândalo no governo Temer e, em seguida, viram a eleição de um presidente de extrema direita, reconhecido no mundo inteiro como racista, homofóbico e misógino. Sob Bolsonaro, elas e todos os jovens de 20 e poucos anos assistem apavorados ao festival diário das bobagens produzidas pelo presidente. Muitas delas apenas tolas, outras graves, e algumas gravíssimas.

Míriam Leitão - Economia revolvida

- O Globo

Economias de todo o mundo estão sendo reviradas pela crise. No Brasil, a falta de um líder provoca ruídos e aumenta a desconfiança

A economia virou uma grande mesa de negociação entre as partes dos contratos. Lojistas de shoppings fechados há 10 dias negociam com os administradores o não pagamento de taxas, inquilinos avisam aos proprietários que é preciso reduzir aluguéis, lobbies vão a Brasília e entram indevidamente em Medidas Provisórias que tratam de questões urgentes, devedores avisam que não pagarão suas contas, e bancos elevam juros em tempos de maior liquidez. E o dólar só sobe, alterando custos. Economistas de bancos e consultorias refazem cada vez para pior o número do PIB de 2020, o ano que não se sabe como vai terminar.

Glauco Humai, presidente da Abrasce, que representa os shoppings centers, vive uma situação inédita. Os 577 shoppings estão 100% fechados, todos os do Brasil. Ele nem defende a reabertura, porque em contato com os administradores em outros países ouviu que mesmo após a normalização as pessoas não vão. Estão receosas. O consumo de certos itens despenca, de outros, dispara. Combustíveis caíram 60%. Vestuários tiveram recuo de 90% pelo cartão de crédito. Já a compra de alimentos e de remédios cresceu. A BRF viu as vendas para restaurantes despencar e para supermercados crescer. Humai se preocupa é com os projetos estranhos que começam a ser pendurados nas propostas que tramitam em regime de urgência no Congresso:

Ricardo Noblat - Está por um fio a convivência de Bolsonaro com Mandetta

- Blog do Noblat | Veja

Um manda, o outro não obedece

Quem um dia imaginou ver um ministro ameaçado de demissão por excesso de apoio popular; um presidente da República que governa orientado pelos filhos e divulga vídeos falsos; e um país às vésperas de um ataque de nervos ao pressentir que logo atravessará um dos períodos mais sombrios de sua história…

O presidente Jair Bolsonaro não seria culpado pela recessão econômica que virá, o aumento do desemprego, o buraco nas contas públicas se tivesse se comportado à altura do cargo. Como não se comportou, toda a desgraça provocada pelo vírus lhe será atribuída – e, em boa parte com razão.

A situação do ministro Mandetta, da Saúde é inversa. Se a desgraça produzida pelo vírus for pequena, mérito dele. Se for grande, não teve culpa. Como poderia se sair melhor sem meios para isso e sabotado o tempo todo pelo presidente da República? Mandetta irá para o céu. O destino de Bolsonaro será outro.

Que governo esquisito, esse. Tem três ministros indemissíveis no momento – Mandetta, Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, e Paulo Guedes, da Economia, o ex-Posto Ipiranga que sofreu um apagão, mas que ainda está aí, embora parecendo perdido. E um presidente perfeitamente demissível.

Mal militar no passado quando foi expurgado do Exército por indisciplina e conduta antiética, tornou-se o pior presidente da história recente do país com o apoio das Forças Armadas. Para Bolsonaro, isso não fará a menor diferença. Ele quer é rosetar. Mas para a imagem das Forças Armadas será um desastre.

Miguel Reale Júnior* - O universo paralelo

- O Estado de S.Paulo

Importante é todos se unirem na luta contra a pandemia, nos planos da saúde e da economia

Em 30 de janeiro a OMS decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional. Em 24 de fevereiro recomendou o isolamento. Em 11 de março decretou a pandemia, declarando o seu diretor Ghebreyesus: “Reduzam o ciclo de transmissão, adotem ações para conter a disseminação”.

Em conferência virtual de 25 de março, a OMS defendeu a tese de que a última coisa a ser adotada deveria ser a abertura de escolas. O diretor da OMS, em 26 de março, reafirmou perante os líderes mundiais na reunião do G-20, da qual participou Bolsonaro, que o único caminho para proteger a vida e a economia é parar o vírus, com restrições drásticas nas escolas e nos negócios, pedindo ao povo que fique em casa.

A OMS não deixou de atentar para a questão social em face do isolamento, sensível à situação terrível dos países em sua economia. Mas alertava ter-se de focar primeiro em parar a doença e salvar vidas. Esse trecho da prioridade à saúde, mencionado pelo diretor da OMS, foi, contudo, distorcido pelo nosso presidente, a pretexto de dizer que a OMS seguia Bolsonaro. A OMS respondeu realçando de novo a importância do isolamento social.

No Brasil, já em 3 de fevereiro, pela Portaria n.º 188, o Ministério da Saúde declarou Emergência de Saúde Pública, planejando articulação com gestores estaduais e municipais. A toque de caixa, o Congresso Nacional editou a Lei n.º 13.979, de 6 de fevereiro, dispondo sobre medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. No seu artigo 3.º se determina a adoção de medidas como isolamento e quarentena, que poderão ser impostas, segundo o § 7.º do artigo 3.º, pelos gestores de saúde locais autorizados pelo Ministério da Saúde, resguardando-se serviços essenciais.

Bolívar Lamounier* - Pandemia e pandemônio

- O Estado de S.Paulo

Regime totalitário da China e desacertos de Trump e Bolsonaro agravaram a situação

Sobre a pandemia que o mundo está vivenciando dúvidas não faltam, mas podemos tranquilamente afirmar que a dimensão que ela alcançou se deve a uma combinação de fatores epidemiológicos e políticos.

Embora pouco protocolar, fez bem o embaixador chinês em Brasília em repreender um parlamentar que se referira ao coronavírus como o “vírus chinês”. De fato, a expressão do referido parlamentar foi infeliz e poderia alimentar a absurda teoria de que a China propositalmente criara e facilitara a propagação do vírus. É, porém, inegável que a China não alertou o mundo no devido tempo. Em meados de novembro do ano passado, a situação na cidade de Wuhan (situada na província de Hubei) já era crítica e o governo central chinês não se empenhou em prestar esclarecimentos ao mundo, de forma solene e oficial, como conviria a um país com as responsabilidades internacionais da China. Com certeza informou à Organização Mundial da Saúde (OMS), em data que desconheço.

Há quem pense que os chineses demoraram a prestar informações à comunidade internacional porque, nas primeiras semanas, nada sabiam, portanto, nada tinham para informar. Começaram a procurar uma vacina, mas tardaram a entender que o vírus sofrera uma mutação, era, portanto, algo novo, e então passaram a interagir com cientistas e médicos de outros países, facilitando o acesso deles aos dados que possuíam.

Adriana Fernandes - Ruptura federativa

- O Estado de S. Paulo

Estados e municípios dependem mais do que nunca da União; a falta de uma coordenação nacional pode custar caro

A polêmica fala do presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, conclamando para que brasileiros “caiam na real”, recheada de críticas à atuação dos governadores e prefeitos no enfrentamento da covid-19, diz muito sobre o delicado momento das relações federativas no País e o que está por trás das ações (e inações) do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Sem meias palavras, Novaes acusou Estados e prefeitos de impediram a atividade econômica oferecendo, em troca, “esmolas” com o dinheiro alheio. “Esmolas atenuam o problema, mas não o resolvem. E pessoas querem viver de seu esforço próprio. Depois que se monta um grande Estado assistencialista fica difícil desmontá-lo”, disparou Novaes em conversa com o Estado.

As declarações geraram uma reação imediata do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, (DEM-RJ), com réplica seguida de tréplica. Novaes expôs em praça pública o que pensa o seu chefe direto, o ministro Paulo Guedes.

A verdade é que Moraes verbalizou o que pensa não só o presidente, mas o comando do Ministério da Economia. Por isso, não recebeu nenhum tipo de reprimenda do chefe diante do desgaste com Congresso e governadores.

Hélio Schwartsman - Bolsonaro virou o bobo da corte

- Folha de S. Paulo

A piada em que Bolsonaro se transformou poderá custar vidas

Jair Messias Bolsonaro tornou-se um bobo da corte, com uma diferença importante: bobos da corte costumavam dizer verdades.

Os sinais de que o presidente da República deixou de ser levado a sério são numerosos e inequívocos. Prefeitos e governadores, alguns dos quais eleitos na mesma onda conservadora que impulsionou Bolsonaro, fazem exatamente o contrário do que ele recomenda —e não hesitam em explicitar isso.

Até ministros de Estado, que foram por ele escolhidos e são demissíveis "ad nutum", se articulam para fazer o by-pass do chefe. Além de Mandetta, Moro e Guedes já disseram, ainda que tentando esboçar alguma diplomacia, que apoiam as medidas de isolamento social que Bolsonaro renega. Há notícias de que o núcleo militar tenta enquadrá-lo, mas a persuasão, quando surte efeito, é transitória. Só dura até a próxima declaração ou postagem, quase sempre uma combinação de mentiras com delírios.

É bastante sintomático que empresas de mídia social como Twitter e Instagram tenham decidido censurar manifestações de Bolsonaro, por julgar que se tratam de falsidades que colocam pessoas em risco.

Julianna Sofia – Demora colossal

- Folha de S. Paulo

Ministro resistiu o quanto pôde a medidas de enfrentamento da Covid-19

A atonia da equipe econômica em destravar o auxílio emergencial de R$ 600 aos informais tornou-se objeto de reações vocalizadas por autoridades do Congresso, do STF e do TCU, por uma ala expressiva do mundo político e econômico e, nos bastidores, até por gente do governo.

Os dados do Datafolha desta sexta-feira (3) são reveladores de como também bateu na população a demora do Ministério da Economia em responder, entre outras situações, à deplorável condição que enfrentam 54 milhões de brasileiros —segundo cálculos oficiais. A avaliação da pasta na crise é reprovada por 20% dos ouvidos e considerada regular por 38%. Para 37%, a atuação é boa/ótima.

Paulo Guedes entrou em negação e resistiu o quanto pôde a medidas de enfrentamento do tsunami provocado pelo coronavírus. À Folha, em 15 de março, declarou que poucos dias antes fora surpreendido por um estudo do Banco Central indicando que a velocidade de contágio do vírus no Brasil seria maior do que a da Itália. Até então, não tinha um plano e previa que, se a pandemia fosse severa, ainda assim o PIB poderia crescer 1% no ano. Estamos oficialmente em 0,2% e ladeira abaixo.

Alvaro Costa e Silva - No pódio dos negacionistas

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro queria ser Viktor Orbán, que se aproveitou da pandemia para governar por decreto

É briga de cachorro grande, mas Bolsonaro sempre dá seu jeito. No momento, ele está disputando cabeça a cabeça com outros folclóricos e autoritários líderes mundiais para saber quem assume o lugar mais alto no pódio dos negacionistas.

Em matéria de desprezar a gravidade da pandemia, o ditador do Turcomenistão, Gurbanguly Berdymukhamedov, por enquanto está na frente: proibiu o uso da palavra coronavírus —atitude bem mais eficiente, convenhamos, do que se referir a ele como gripezinha ou resfriadinho. No páreo, seguem o chefe de Estado da Belarus, Aleksandr Lukashenko, que indicou beber vodca como hábito eficaz no combate à doença, e o ex-guerrilheiro Daniel Ortega, da Nicarágua, que convocou a população para participar da marcha "Amor nos Tempos da Covid-19".

No fundo, Bolsonaro queria ser Viktor Orbán. Beneficiando-se da crise, o premiê da Hungria conseguiu aprovar uma lei que lhe dá o direito de governar por decretos por tempo ilimitado e impor mordaças à mídia e à oposição.

Demétrio Magnoli* – A mentira, nos EUA e na China

- Folha de S. Paulo

Trump mente ininterruptamente; já o regime de Xi Jinping fabrica 'verdade' paralela da pandemia

“Na guerra, a primeira vítima é a verdade.” Essa verdade célebre, cuja autoria atribui-se tanto ao senador americano isolacionista Hiram Johnson (1918) quanto ao grego Ésquilo, o pai da tragédia, no século 5º a.C., vale também para a Peste Negra em curso. Mas as mentiras são diferentes: nos EUA, luzem sob o sol; na China, seguem escondidas abaixo da superfície.

Donald Trump mentiu ininterruptamente, retardando a preparação dos EUA para enfrentar a pandemia.

No fim de janeiro, disse à rede CNBC: “Temos isso sob controle total. É uma pessoa vinda da China, e a temos sob absoluto controle”. No início de fevereiro, gabou-se na Fox News: “Nós basicamente desligamos isso, que vinha da China”.

No final de fevereiro, garantiu que “isso é mais ou menos como a gripe; logo teremos uma vacina” e, referindo-se ao número de infecções, acrescentou: “Vamos substancialmente para baixo, não para cima”. Os EUA tinham, então, 68 casos; hoje, são 240 mil.

No meio de março, quando finalmente admitiu que o vírus “é muito contagioso”, ainda adicionou: “Mas temos tremendo controle sobre isso”.

A mentira trumpiana é uma narrativa política em constante mutação. Apoia-se nas muletas dos “jornalistas” chapa-branca e do aparato de difusão de fake news da direita nacionalista nas redes sociais.

Marcus Pestana - Depois da tempestade virá a bonança?

O texto bíblico está dito: “depois da tempestade vem a bonança”. Mas não é sequência automática. Depende de como cada um vivencia os momentos de sofrimento, do aprendizado que cada um faz e da mudança de atitude posterior aos tempos de angústia.

O mundo inteiro está mergulhado em momento desafiador. A presente crise promove a combinação perversa entre a violenta pandemia e o fantasma de uma crise econômica inédita e devastadora.

O vírus, além de seu efeito voraz sobre vidas humanas, produz uma lição de humildade aos governantes. O quanto ilusório é o poder? Seu alcance pretensamente ilimitado esbarra, às vezes, quase na impotência. Até os mais autoritários líderes mundiais dobraram o joelho. Recomendo o filme “FLU”, na Netflix, do diretor sul-coreano Bong Joon-ho – ganhador do Oscar: uma reflexão, no ambiente de uma epidemia, sobre como, em situações limites e radicais, decisões políticas dramáticas podem salvar ou sacrificar vidas.

Quem sabe as crises e não a violência sejam as parteiras da história? Em linguagem corrente: “como fazer do limão a limonada”? A meu juízo, tudo vai depender do aprendizado pessoal, familiar e social que construirmos.

Entrevista | FHC Critica visão "Tosca" de Bolsonaro da presidência

Veja o vídeo abaixo, a entrevista na íntegra

Tales de Faria | Uol

O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso afirmou hoje, em entrevista para o colunista Tales Faria, do UOL, que falta capacidade de liderança ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no momento em que o Brasil enfrenta a crise mundial da pandemia do coronavírus.

"Liderar um país não é dar ordens ao país, é fazer com que as pessoas sigam junto com você", disse FHC.

"Não é uma gripezinha, tem que dizer a verdade", ele afirma.

No entanto, FHC se mostrou cauteloso ao comentar a possibilidade da abertura de um processo de impeachment.

"Eu sempre fui muito cuidadoso em matérias de tirar quem teve o voto. É uma situação delicada. Eu acho que no caso atual, não é de se buscar motivos para criminalizar. Eu não sei se ele ouve as pessoas, se ele tem essa abertura. Eu sou institucional, enquanto ele for presidente ele é o presidente. E se sair tem que ver o vice. Não sei se já chegou o momento para isso", disse.

Para o ex-presidente, o importante agora é que Bolsonaro acalme o povo. Mas ele não se furtou a comentar a possibilidade de uma renúncia.

"Importante seria que o Bolsonaro entendesse o papel dele e acalmasse o povo. Eu acho que [uma renúncia] vai complicar mais ainda um quadro já muito difícil. Quando você renuncia? Quando não tem mais condições de governar. Não acho que seja o caso. Mas sou realista, se tiver um momento que chegar, ele pode renunciar, aí o vice assume", afirmou.

"Se ele perder a condição de governar, o que se vai fazer? Muda" diz FHC.

O ex-presidente elogiou o vice-presidente Hamilton Mourão e disse defender a postura "institucional" de que na ausência do presidente, quem deve assumir é seu vice.

"Eu sou institucional. Enquanto ele for o presidente, ele é o presidente. Se houver uma situação em que ele perca as condições de governar, vamos ver o que acontece", disse FHC.

"E a meu ver, tem que ser o vice-presidente. Goste ou não goste. Até tenho uma simpatia pelo vice-presidente. O conheci em Harvard, ele é uma pessoa normal. É melhor ter alguém normal no comando do que alguém que a toda hora perde a rédea", ele afirmou.