domingo, 5 de abril de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

A pandemia junta-se à pobreza- Editorial | O Estado de S. Paulo

Enquanto o capital foge e exportações encolhem, países pobres têm de enfrentar a pandemia com recursos escassos e ajuda de instituições como o FMI

Enquanto o vírus se espalha, o capital foge e as exportações encolhem, os governos da América Latina e de outras áreas pobres e emergentes têm de enfrentar a pandemia com recursos próprios – agora ainda mais escassos – e com a ajuda preciosa de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI). Cerca de 80 países pediram socorro ao Fundo até o fim de março. Os governos latino-americanos, com raras exceções, impõem o isolamento social, com maior ou menor rigor, como primeira forma de resistência à covid-19. Aprenderam com a experiência, e especialmente com os erros, dos primeiros países ocidentais atingidos pela doença. Tiveram a seu favor a aproximação pouco mais lenta da pandemia.

A solidariedade além fronteiras, pregada com insistência pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vem sendo exercida principalmente por meio do FMI, de forma quase imperceptível para a maioria dos governos e das pessoas. Já empenhado na tarefa de socorro, o Fundo tenta mobilizar dinheiro para manter em US$ 1 trilhão sua capacidade de empréstimo. O governo dos Estados Unidos já se comprometeu com esse esforço.

Na maior economia da América Latina, o Brasil, o governo tenta enfrentar a crise com políticas excepcionais, aumento do gasto e suspensão, até o fim do ano, das normas orçamentárias. Parte do arsenal depende da aprovação, ainda, de um projeto de emenda constitucional para criação de um orçamento “de guerra”. O projeto foi para o Senado.

No Brasil, o isolamento parece estar servindo para frear o contágio. Recomendado por autoridades sanitárias e pela maioria dos governadores, com apoio de prefeitos, esse cuidado foi aceito por milhões de famílias, contra a opinião do presidente da República. O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, também menosprezou inicialmente a pandemia, mas acabou recuando. Decretou estado de emergência sanitária e suspendeu certo número de atividades.

A quarentena foi imposta quase sem exceção nos demais países latino-americanos. Alguns governos, como os da Argentina, do Peru e da Colômbia, logo definiram penalidades, como prisão ou multa para os violadores do isolamento. De modo geral, os procedimentos aconselhados pela OMS vêm sendo seguidos.

Até o governo de Nicolás Maduro se mostra alinhado, mas a situação da Venezuela é uma das mais preocupantes, por causa da enorme escassez de bens essenciais e do enorme empobrecimento da maior parte da população. Na Nicarágua, o presidente Daniel Ortega continua negando a gravidade da pandemia. Até o campeonato nacional de futebol foi mantido. Essa ideia parece ter escapado ao presidente Jair Bolsonaro e a seus seguidores mais entusiasmados. Mas haveria na CBF alguém disposto a apoiar a manutenção dos jogos?

A pobreza, no entanto, pode limitar o alcance da política de isolamento seguida na maior parte dos Estados e nas cidades médias e grandes. Boa parte da população vive em habitações apertadas. Isso ocorre mesmo em grandes capitais, como Rio de Janeiro e São Paulo. No caso das famílias mais pobres, um só quarto pode abrigar até mais de cinco pessoas. As pessoas mais velhas ou mais vulneráveis podem até ficar em casa, mas outras continuam trabalhando ou saem de casa, de toda forma, em busca de alguma oportunidade ou de algum dinheiro. O risco de contágio é bem maior para essas famílias.

A vantagem de conhecer a experiência de outros países – e a importância do isolamento – é diminuída, portanto, pela desigualdade social e pela pobreza encontradas na maior parte da América Latina.

Em mais este aperto, latino-americanos, africanos, asiáticos e europeus (fora da União Europeia) já recorreram ao FMI. Os novos problemas vêm sendo tratados como ameaças muito sérias por entidades como o FMI, o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nenhum dirigente dessas entidades fala em “gripezinha” ou histeria. Todos esses dirigentes têm respeitáveis currículos nas áreas de gestão pública e todos falam corretamente mais de um idioma, a começar, é claro, pelo próprio.

Consenso nacional – Editorial | O Estado de S. Paulo

É consensual que todos os esforços da Nação sejam direcionados à proteção da vida

A despeito das vontades do presidente da República, que segue cada vez mais aferrado a suas convicções sobre a melhor maneira de o País atravessar a pandemia, frontalmente contrárias às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde, a sociedade mostra-se engajada no enfrentamento técnico, e sobretudo solidário, da maior ameaça sanitária dos últimos 100 anos. Os impactos da crise na vida de cada cidadão são variáveis, sendo particularmente severos para as camadas mais vulneráveis da população – os trabalhadores informais, desempregados e moradores de rua, entre outros –, mas todos são atingidos em alguma medida. Neste contexto, é perceptível um consenso nacional sobre a necessidade de superação de diferenças em todos os níveis para que todos os esforços da Nação sejam direcionados à proteção da vida em primeiro lugar.

A expressiva adesão voluntária ao chamado isolamento social – é interessante destacar que o Brasil, ao contrário de alguns países, ainda não decretou lockdown – é sinal eloquente de que, na medida de suas possibilidades, os cidadãos estão dispostos a contribuir com seus esforços individuais para que a travessia desta grave crise seja menos penosa do que essencialmente seria para a coletividade. Em prol do bem comum, a reclusão tem sido respeitada por grande parte da população, mesmo ao custo de importantes alterações sociais que vão desde a separação forçada de familiares e amigos até a mudança repentina dos ritos funerários.

Escolas permanecem fechadas. Comerciantes e prestadores de serviços, com boa dose de criatividade, tentam como podem se adaptar à nova realidade para continuar atendendo seus clientes. Empresas adotaram o home office para todos os funcionários cuja presença física em suas instalações não seja indispensável. “É o momento de sobreviver à crise. E aqui acho importante que haja esse sentimento de solidariedade, de que estamos na mesma trincheira. É o que tenho visto acontecer”, disse Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, em entrevista ao Estado. Não é uma voz isolada.

Os resultados positivos dessa benfazeja união nacional em torno de uma causa comum já podem ser mensurados. Um estudo feito por José Fernando Diniz Chubaci, professor da faculdade de Física da Universidade de São Paulo (USP), com base em dados do Ministério da Saúde, revelou que o isolamento social tem ajudado a “achatar a curva” de disseminação do novo coronavírus em São Paulo. Em que pese a subnotificação de casos, o estudo indica que o Estado poderia estar enfrentando situação muito mais crítica não fossem as medidas restritivas determinadas a tempo pelo governo estadual e a adesão da maioria dos paulistas a elas. São Paulo é o Estado mais afetado pela covid-19. É razoável inferir que o achado do professor Chubaci também seja aplicável a outros entes federativos.

Os brasileiros dão mostras de que compreenderam que “esta é a crise de saúde global que definirá nosso tempo”, como bem asseverou o diretor da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Advém desta compreensão uma miríade de ações solidárias que vão além do compromisso de manter vazias ruas e avenidas dos grandes centros urbanos do País. Com a pandemia parece ter aflorado um espírito de cooperação. Organizações assistenciais registram significativo aumento do número de cidadãos dispostos a ajudá-las. A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, por exemplo, conseguiu ampliar o número de leitos e vagas em UTI para atender pacientes com covid-19 graças às doações que tem recebido. “Tem muita gente grande colaborando, mas o principal é que a população está participando intensamente (do enfrentamento da crise), colaborando, de forma extremamente solidária, dentro de sua capacidade”, disse Antonio Penteado Mendonça, provedor da instituição.

São incertos o desfecho da crise e as transformações que ela imprimirá nas pessoas, empresas e instituições. No entanto, o País será melhor se o legado desses meses difíceis for o resgate de um senso de coletividade que andava esquecido.

Os robôs do presidente – Editorial | O Estado de S. Paulo

É grave ver Bolsonaro perto de milícias virtuais, que se servem de manobras digitais para atacar o ambiente de liberdade


Mais da metade das publicações no Twitter favoráveis ao presidente Jair Bolsonaro, por ocasião das manifestações do dia 15 de março, foi realizada por robôs, revela estudo da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Após analisar mais de 3 milhões de mensagens no Twitter, o levantamento ajuda a dar uma dimensão mais exata do tipo de apoio que o presidente Jair Bolsonaro tem nas redes sociais, bem como a expor os efeitos deletérios da manipulação digital.

Segundo o estudo, a hashtag #bolsonaroday foi a mais compartilhada na plataforma do Twitter no dia 15 de março de 2020, com cerca de 1,2 milhão de menções. “Os dados apontam uma ação expressiva de perfis não humanos – tanto de robôs, contas automatizadas, como de ciborgues, contas semiautomatizadas – nas publicações do Twitter, chegando a atingir picos de 55% de automatização das postagens no dia do evento”, afirma o estudo.

Em geral, as pessoas que usam o Twitter publicam cerca de três a dez tuítes por dia. Os usuários mais ativos chegam a publicar até 50 tuítes por dia. No dia 15 de março, cada robô favorável ao presidente Jair Bolsonaro publicou, em média, 700 mensagens com a hashtag #bolsonaroday. Houve casos de robôs com mais de 1,2 mil tuítes naquele dia.

O porcentual de 55% de interação por robôs é uma taxa incrivelmente alta, que supera amplamente outros casos recentes de manipulação do debate público por instrumentos digitais. Na eleição do presidente Donald Trump, por exemplo, as contas automatizadas geraram aproximadamente 18% do tráfego do Twitter, segundo o Internet Institute da Universidade de Oxford. No caso do Brexit, dois pesquisadores, Samuel Woolley e Bence Kollanyi, avaliaram que 32% das publicações no Twitter favoráveis à saída da Grã-Bretanha da União Europeia foram realizadas por contas desproporcionalmente ativas, o que indica algum grau de automação.

O estudo da FESPSP e da UFRJ relata algumas evidências empíricas sobre o papel desempenhado pelos robôs nas redes sociais. “A disseminação de mensagens e orquestração de campanhas online com o uso de automação e inteligência artificial tem consequências sociais, políticas e culturais relevantes: (a) sequestram a atenção da rede de usuários e ajudam a manipular os algoritmos das plataformas; (b) criam cascatas de informação que tendem a influenciar o comportamento de outros usuários por meio de contágio; (c) contribuem para a distorção e manipulação da opinião pública em constante construção e mutação; (d) pautam o debate e as conversações online e offline”. O uso dos robôs não apenas falsifica o tamanho do apoio ao presidente Bolsonaro, como deturpa todo o espaço público de diálogo, debate e informação.

Outro ponto destacado no estudo é o uso da estratégia de “campanha permanente” nas redes sociais pelos bolsonaristas, “com hashtags e mensagens cujo apelo, frequência e quantidade são típicos de períodos de campanha, incluindo alusão às eleições presidenciais de 2022 e 2026”. Entre as ações da campanha permanente está a “ativação constante da militância virtual para se defender e atacar seus adversários e o uso de narrativas de testemunho de diferentes atores sociais para a construção ‘do bem e do mal’”, diz o estudo. Um dos alvos mais frequentes dos bolsonaristas é o Supremo Tribunal Federal (STF). “Ainda que o Congresso tenha ganhado maior destaque mais recentemente, a campanha permanente se nutre do universo lavajatista que vê no STF um obstáculo para a continuidade da operação, além da questão da prisão em segunda instância”, aponta o estudo.

Os robôs bolsonaristas não só apoiam o presidente Bolsonaro, como atacam as instituições. Se é um alívio saber que muito dessa movimentação contra o Estado Democrático de Direito não vem de pessoas reais – é mera atuação de robôs –, é grave ver o presidente Bolsonaro tão próximo dessas milícias virtuais, que se servem de manobras digitais para atacar o ambiente de liberdade e diálogo próprio de uma democracia.

O subalterno – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro tem autoridade desmoralizada e apoio considerável, mostra Datafolha

Em circunstâncias normais, um subordinado que recebesse críticas públicas como as feitas por Jair Bolsonaro ao ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, estaria a caminho da demissão. Até aqui, porém, é o presidente quem, aos resmungos, abdica de governar.

A explicação, ou grande parte dela, encontra-se no que o Datafolha mensurou entre 1º e 3 de abril: entre os brasileiros, 76% aprovam a atuação da pasta comandada por Mandetta, ante 55% na pesquisa realizada duas semanas antes.

Bolsonaro, que dedicou esse período à tentativa de sabotar as orientações do ministério e das autoridades sanitárias de todo o mundo, colhe 33% de avaliações positivas a seu desempenho na crise, basicamente o mesmo patamar anterior (35%), enquanto a reprovação a seus atos foi de 33% a 39%, no limite da margem de erro.

Note-se que Mandetta —a quem, segundo o chefe, falta reverência às batatadas presidenciais— limita-se a seguir, com boa capacidade de comunicação, os protocolos fixados pela área técnica. Os momentos mais difíceis da epidemia ainda estão por chegar, e o ministro pode ser questionado pela alarmante escassez de equipamentos.

Ainda assim, a credibilidade que conquistou espelha a ampla compreensão de que as duras medidas de confinamento social —aplicadas por estados e municípios, atacadas pelo presidente— mostram-se, sim, imprescindíveis agora. Não por acaso, recebem elevada aprovação as atuações de governadores (58%) e prefeitos (50%).

A maioria (57%) também considera que o mandatário paulista, João Doria (PSDB), acertou ao recomendar que a população não siga os palpites de Bolsonaro.

Vive-se, assim, um momento insólito do presidencialismo nacional. O chefe de Estado, cuja autoridade está desmoralizada na emergência da pandemia, ainda preserva considerável capital político. Conta, tudo indica, com o respaldo convicto de um terço do eleitorado, fatia não muito diferente da que o rejeita abertamente.

Mais da metade dos brasileiros avalia que ele ainda tem condições de liderar o país (52%, na margem de erro) e rejeita a ideia de um pedido de renúncia (59%). A despeito do que podem dar a entender os panelaços diários nas grandes cidades, o pior de seu desgaste se concentra em estratos minoritários de maior renda e escolaridade.

Bolsonaro recolhe-se a um papel subalterno na crise, a espalhar fake news, atazanar autoridades e convocar jejuns —e essa é a melhor das hipóteses por ora. Conta com o senso de responsabilidade de terceiros para que se faça o necessário. Se não impedir esse trabalho, mantém-se como um problema a ser resolvido depois.

Tragédia equatoriana – Editorial | Folha de S. Paulo

Colapso do sistema funerário em Guayaquil mostra potencial destruidor do vírus

Embora a propagação do novo coronavírus ainda não tenha ainda atingido, na América Latina, os níveis trágicos observados na Europa e nos Estados Unidos, a região começa a emitir sinais preocupantes.

Quase todos os países do continente já registram a presença do Sars-CoV-2, com um número de casos confirmados que ultrapassa 30 mil, além de cerca de 1.000 mortes.

Se o Brasil, de longe o mais populoso, ocupa previsivelmente o primeiro lugar nesse ranking, é no Equador que a situação se apresenta de maneira mais trágica.

O país andino possui hoje a terceira maior quantidade de contaminações da região, muito próximo do Chile, que ocupa o segundo lugar. Mas, enquanto este anota pouco mais de 20 óbitos, no Equador são cerca de 150 —pouco menos da metade do número brasileiro, embora sua população represente apenas 8% da nossa.

Lá, o quadro mais calamitoso encontra-se na cidade de Guayaquil, a segunda maior do país, cujos hospitais e necrotérios estão abarrotados, e que, nesta semana, viu colapsar o sistema funerário local.

Famílias têm convivido durante dias com cadáveres de parentes que morreram em razão da Covid-19 ou de outras causas. Muitas delas, nos casos ligados ao novo coronavírus, têm abandonado os corpos em parques ou nas ruas, produzindo cenas chocantes.

O governo precisou organizar uma força-tarefa emergencial para atender a todos os óbitos, e estima que as mortes na província de Guayas, onde fica Guayaquil, venham a ultrapassar as 2.000.

A cidade portuária, onde registrou-se o primeiro caso confirmado da doença no país, concentra atualmente cerca de 70% deles. Especialistas apontam a conexão da região com a Espanha como um dos principais fatores por trás do surto.

Os equatorianos constituem hoje a principal comunidade de migrantes latino-americanos vivendo naquele país europeu —e a maior fatia procede de Guayas. Muitos retornaram à região no começo do ano trazendo consigo o vírus.

Soma-se isso características locais, como a alta taxa de pobreza, o clima quente e a grande quantidade de trabalhadores informais, que levaram parcelas da população a desrespeitar as recomendações de quarentena feitas pelo governo.

A situação em Guayaquil é um exemplo claro, dentro da realidade latino-americana, da potência destruidora do Sars-CoV-2. Que sirva de alerta a todo o continente.

A hora dos governadores e prefeitos – Editorial | O Globo

O que importa nesta crise é uma atuação coordenada, organizada e eficaz do poder público

Regimes democráticos precisam de líderes. Na convulsão provocada pela pandemia é possível perceber que governadores e prefeitos estão, de maneira geral, liderando responsavelmente a mobilização da população. A nova pesquisa Datafolha confirma: a gestão dos governadores é aprovada por 58% e a dos prefeitos, por 50%. É reflexo do esforço nas maiores áreas urbanas para oferecer a retaguarda necessária à população, com promoção do isolamento social e iniciativas emergenciais, como hospitais de campanha.

Essa capacidade de socorro, porém, é limitada. Estados e municípios não imprimem dinheiro. Dependem essencialmente do governo federal, responsável pela condução e execução da política monetária.

O sistema tributário atual centraliza na União 58% da arrecadação nacional, depois das transferências obrigatórias. Aos estados sobram 24% dos tributos coletados, e os municípios ficam com 18% do total. Todos dependem, em maior ou menor proporção, do auxílio federal. Sobretudo, num cenário de emergência sanitária, agravado pela queda disruptiva nas arrecadações.

Não há margem de dúvida sobre o papel de cada um. A Constituição é cristalina nos princípios fundamentais da República Federativa “formada pela união indissolúvel dos estados e municípios e do Distrito Federal”, como diz o texto. Não é acaso. Os constituintes quiseram deixar expressa a definição de federalismo no sentido de negação do conceito histórico de Estado nacional.

Por isso, têm razão os 16 governadores do Sul, Sudeste e Nordeste que na última semana enviaram duas cartas ao Palácio do Planalto cobrando urgência em “ações efetivas” para “prover rendimentos para todos os afetados, sejam indivíduos ou empresas”. Sugeriram, também, aperfeiçoamentos relevantes no socorro federal aos estados e municípios.

Um deles é na forma das operações emergenciais de crédito e securitização de dívidas, que abrangem quase metade dos recursos anunciados como auxílio da União. “O prazo de tramitação não permitirá recebimento de recursos a curto prazo”, ressaltam. Outro é o critério definido em Brasília para recomposição das receitas provenientes dos fundos de participação dos estados e municípios. O alcance da medida tende a ser restrito, advertem, devido à alta concentração regional na distribuição de recursos por esses fundos.

É possível entrever na mobilização dos governadores e prefeitos sinais de projetos de poder, e Rio e São Paulo são casos exemplares. Mas são legítimos, tanto quanto o desejo de reeleição do presidente, até aqui não explicitado. O que importa para a população nesta catástrofe é uma atuação coordenada, organizada e eficaz do poder público na proteção de todos os brasileiros “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, como estabelece a Constituição.

Ditadores deliram e deixam milhões de pessoas expostas à pandemia – Editorial | O Globo

Líderes como Nicolás Maduro e Daniel Ortega minimizam letalidade do novo coronavírus

São 42 milhões de pessoas entregues à loteria da vida na Venezuela e na Nicarágua, porque os ditadores desses países não acreditam na Ciência ou simplesmente resolveram minimizar a pandemia.

Festejados por parte da esquerda latino-americana, o venezuelano Nicolás Maduro e o nicaraguense Daniel Ortega lideram cleptocracias que dilapidaram os cofres públicos, abandonaram o sistema público de saúde e mantiveram seus países expostos à ameaça de uma devastação pelo novo coronavírus.

Maduro acusou os Estados Unidos de terem desenvolvido e usado o coronavírus como arma biológica contra a China. Depois, travestido de cientista, ordenou o uso de cloroquina “com caráter profilático e por via oral”. Trata-se de medicamento contra malária com fortes contraindicações e de uso restrito, até agora sem qualquer comprovação científica de eficácia contra o coronavírus.

Logo transformou-se em curandeiro, ao entender que o remédio contra malária está escasso e, mesmo em situação normal, seus preços seriam inalcançáveis para a quase totalidade dos venezuelanos, que sobrevivem com menos de US$ 20 por mês. Passou a prescrever um coquetel de ervas, em forma de chá, contra o “parasita biológico”. Para ele, tudo não passa de “uma doença de ricos que viajam e trazem o vírus”.

Atitude diferente adotou seu amigo Daniel Ortega. O ditador da Nicarágua, que foi líder de uma guerrilha de esquerda nos anos 70, resolveu se recolher em casa, em Manágua, desde o último 12 de março, depois de uma reunião com representantes da Organização Mundial da Saúde sobre a pandemia. Ortega se tornou o único nicaraguense isolado. Não sai, nem é visto em público, mas seu governo insiste em estimular passeatas, aglomerações e festas nas ruas das maiores cidades, patrocinadas com dinheiro público e, sempre, em apoio ao regime.

Maduro e Ortega integram um clube de ditadores onde, aparentemente, disputa-se um campeonato mundial de ideias delirantes. Dele participam, por exemplo, o bielorrusso Alexander Lukashenko, há 26 anos no poder, para quem a pandemia não passa de uma “psicose” global.

Lukashenko tem sugerido que os 9,5 milhões de habitantes da Bielorrússia “envenenem” o coronavírus com 40 a 50 mililitros de vodca ao dia, além de lavar as mãos com a bebida. Já seu amigo Gurbanguly Berdymukhamedov foi além: decretou o banimento do coronavírus do Turcomenistão, que tem 5,7 milhões de habitantes. Proibiu menções à sua existência em publicações oficiais e no que restou da imprensa nacional.

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