- O Globo
Tão imediato quanto o desafio da Saúde, são os desafios social e econômico, sob risco alto e crescente de convulsão
A crise do Covid-19 destampou a panela da pressão social que iria explodir em algum momento, sobretudo em países com tanta desigualdade quanto o Brasil, mas não apenas aqui. Tão premente quanto o desafio da saúde, são os desafios social e econômico, sob risco alto e crescente de convulsão e desordem pública.
Com base nesse diagnóstico, o economista José Roberto Afonso, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), um dos formuladores da Lei de Responsabilidade Fiscal e, agora, do orçamento de guerra montado pelo presidente da Câmara Rodrigo Maia, adverte que o Estado brasileiro tem que se adaptar às mudanças ocorridas no mercado de trabalho.
Os trabalhadores independentes, formalizados como microempreendedores (MEI) e como empresas individuais, ou até coletivas de um grupo de profissionais, se somaram ou substituíram os registrados como autônomos. Ele ressalta que no final de 2019, segundo dados do IBGE, os empregados com carteira de trabalho correspondiam a apenas 37,5% dos trabalhadores ocupados, enquanto os donos de negócios já respondem por 30,7%.
“Uma parcela enorme, crescente e majoritária dos trabalhadores já não é abrangida pela proteção social clássica – mesmo antes de se saber o que é Covid-19. Sem emprego, sem previdência, sem estado”. É preciso, inicialmente, proteger e, depois, reinserir na sociedade e na economia, os milhões que já estavam vivendo à sua margem, e que agora foram expostos ao mundo em suas dificuldades para necessidades básicas.
Para José Roberto Afonso, o desafio não é voltar para onde se estava antes, mas sim caminhar para uma nova realidade socioeconômica, um Estado inteligente, como falamos na coluna de ontem. O caminho mais fácil seria manter e fortalecer o estado do bem-estar social, mas assentado sobre outras bases de financiamento, que não apenas o salário, ou seja, buscar outras fontes de recursos para custear a política social.
O Brasil, ressalta José Roberto Afonso, dentre as grandes economias, é das que menos responde pelo gasto nacional com tal função, apesar de ter um dos maiores sistemas públicos de saúde (SUS) do mundo. De acordo com dados da OCDE, 57% do gasto com saúde no Brasil é privado, em nossa vizinha Colômbia, por exemplo, este percentual é de apenas 26%.
Como só o poder público poderá dar renda e trabalho aos que já estavam isolados, social e economicamente, Afonso acredita que esta é uma oportunidade única para se criar, em poucas semanas, o seguro-destrabalho, uma expansão inevitável e inovadora do seguro-desemprego, ao qual só acessa quem perde um emprego com carteira.
Enquanto receber o seguro-destrabalho, o trabalhador deveria receber formação e treinamento, para melhorar sua qualificação e suas chances de conseguir algum trabalho que lhe permita dispensar o benefício.
Enquanto em tempos normais o FAT financiaria o seguro-destrabalho, agora, em momento de guerra, os recursos seriam complementados a partir do aumento da dívida pública. Desde já cabe buscar alternativas para a previsível automação e digitalização que chegará de forma avassaladora para destruir postos de trabalho.
Individualmente, a integração do trabalhador isolado poderia passar por migrar do seguro-destrabalho para se tornar uma forma de MEI-Social, para o chamado terceiro setor do empreendedorismo social, e mesmo diretamente para empresas privadas. Em país de dimensão continental, as prefeituras poderiam liderar a mobilização local, inclusive com políticas de compras públicas dirigidas aos pequenos produtores e prestadores de serviços de suas redondezas.
Na era da big data não faltam recursos tecnológicos e com poucos recursos financeiros se pode integrar cadastros e criar um que seja realmente único e nacional, com um só número de identificação dos trabalhadores.
A pandemia botou em causa a ideia de concentrar a produção mundial em poucos centros. Muito do que hoje vem do outro lado do planeta poderá e deverá migrar para ser feito dentro do país ou do continente. Resolver de vez e rapidamente a absurda falta de saneamento são oportunidades para obras que impulsionam a economia.
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