- Folha de S. Paulo
Dinheiro novo mesmo é R$ 210 bilhões, mas longe da fantasia do trilhão
O governo disse que está perto de destinar R$ 1 trilhão para atenuar a catástrofe sanitária e socioeconômica da epidemia. Não é verdade. Muita vez é besteira mesmo.
Isto posto, não se trata de pouco dinheiro, em boa parte arrancado por pressão social e parlamentar. Por exemplo, o governo estima gastar, em três meses, R$ 98 bilhões no auxílio a autônomos e informais e outros R$ 51,6 bilhões para compensar reduções de salário, via seguro-desemprego.
Seriam R$ 149,6 bilhões. Equivale a um mês de todos os rendimentos do trabalho pagos no país, excluídos os ganhos de empregadores e funcionários públicos (contas feitas com base na Pnad do IBGE). Ou seja, o governo vai pagar o equivalente a um terço do total dos rendimentos de trabalhadores, afora aqueles de quem emprega ou é servidor.
O pacote do trilhão é bobagem porque mistura picolé com asfalto: dinheiro novo, antecipação de despesas inevitáveis, adiamento de impostos, empréstimos e aumento de dinheiros possivelmente emprestáveis no sistema financeiro.
É bom ressaltar que as antecipações são importantes (do abono salarial e do 13º de beneficiários do INSS), assim como o adiamento de impostos. Sem isso, muitas famílias e empresas naufragariam. Mas não é dinheiro extra.
O gasto novo, incluindo despesas em saúde, auxílio a estados e municípios, diminuição de impostos e uns quebrados, anda pela casa estimada de R$ 210 bilhões. Enorme. É 15% da receita que o governo federal teve o ano passado inteiro; é quase quatro vezes o que o governo gastou em 2019 em investimentos (em obras, equipamentos etc.).
Essa é uma estimativa de despesa extra, nova. Não inclui, por exemplo, o crédito de até R$ 34 bilhões que o governo vai oferecer para que pequenas e médias empresas paguem salários. Crédito não é gasto, ainda que exista algum pequeno subsídio aí, pois esse e outros empréstimos do pacote são subsidiados (juros baixos) e deve haver calote.
Um mistério grande está em outra parte. O Banco Central deve ser autorizado a comprar dívidas privadas e títulos do Tesouro. É o que prevê emenda constitucional do “Orçamento de Guerra”, aprovada na sexta-feira (3) pela Câmara, a ser votada no Senado.
O BC poderá comprar dívida privada desde que o Tesouro entre com 25% do dinheiro (mais dívida). Sabe-se lá quanto o BC vai comprar de dívida privada, mas assim reduziria taxas de juros na praça e ficaria com algum calote.
A conta desse gasto é, além de complexa, por ora mera especulação. Importante: vamos saber de quem o Banco Central comprou dívida e em quais condições? Hum?
Ainda mais extraordinária é a possibilidade de o BC comprar títulos do Tesouro. Trocando em miúdos uma história comprida, na prática o BC assim ajudaria a reduzir juros da dívida pública de médio e longo prazos, no fim das contas criando dívida pública de curto prazo. Em certa medida, o BC também vai acabar financiando o governo. Enfim, caso acabe achatando as taxas de juros de prazo mais longo, pode aliviar o custo do dinheiro na praça em geral.
Quando vivíamos nos anos a.C., antes do corona, o governo já gostava da fantasia do trilhão: R$ 1 trilhão na reforma da Previdência, na venda de patrimônios ou em um pote no fim do arco-íris, como alardeou Jair Bolsonaro, no início do governo.
Por ora, não há trilhão na mesa, nem de longe. Mas há recursos importantes, ainda assim insuficientes, e uma medida novíssima para acompanhar, as compras de dívida do Banco Central.
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