- O Estado de S. Paulo
Não há uma coordenação na resposta do governo federal à crise
Como já colocamos no nosso último artigo, a expansão rápida do coronavírus provocou uma parada súbita nas principais economias do mundo, o que já garante que 2020 será um ano de recessão global, apesar dos grandes esforços das autoridades sanitárias e econômicas para deter a pandemia e suportar a economia.
A percepção da gravidade da situação está chegando aos poucos, o que faz com que as projeções mais recentes sejam sempre piores do que as anteriores.
O desconhecimento do vírus e de como lidar com ele gera uma enorme incerteza. Mas algumas coisas parecem claras. A crise será longa. Nos locais onde a contenção tem sido bem sucedida, decretou-se uma quarentena ampla e testagem em larga escala.
Na política econômica, a incerteza levou a lançar sobre a mesa todas as fichas fiscais e monetárias. É certo que o PIB do primeiro semestre será francamente negativo na maior parte dos países. Quedas de 3% a 10%, em bases anuais, para as principais regiões não devem surpreender.
Desde que não haja uma segunda onda da doença, todos esperam alguma recuperação no segundo semestre, em resposta aos esforços sanitários, à política fiscal expansionista e a uma política monetária agressiva. A dúvida aqui é qual será a velocidade da recuperação, se em formato de um V ou de um U. Muita gente espera o primeiro caso para a China e Estados Unidos e o segundo caso para a Europa.
Acho pouco provável que se confirme a expectativa otimista da recuperação rápida, dados os efeitos fortes sobre a saúde financeira das empresas, levando a muitas falências, e sobre a disposição de compra de um consumidor sofrido e assustado, tendo muitos vivido tragédias familiares recentes. Tudo indica que não seremos mais exatamente os mesmos.
O Brasil está atrasado na resposta ao vírus em várias frentes. Em primeiro lugar, e por incrível que possa parecer, o presidente ainda acredita e age como se o vírus fosse uma pequena gripe (caso único no mundo!), brigando com os Estados e prefeituras que decretaram o isolamento, medida universalmente aceita como necessária. Em consequência disso, não há uma coordenação na resposta do governo federal à crise, o que evidentemente resulta numa baixa eficiência da gestão.
Temos apenas uma coordenação na área de saúde, apesar do Planalto, onde um trabalho profissional está sendo realizado e é digno de apoio. Entretanto, mesmo aí temos de salientar o atraso de um mês na compra e aplicação de testes, bem como no suprimento de equipamentos, inclusive de proteção individual e outros materiais para a saúde, num mundo em que a oferta está curta.
Na frente econômica, após várias semanas, vai tomando forma um conjunto mais articulado de ações, embora em estágios muito diferentes de aprovação e com baixíssima taxa de execução. As medidas podem ser organizadas em seis áreas:
– Manter a logística e o abastecimento;
– Ações do Banco Central para garantir liquidez;
– Elevação dos gastos com saúde;
– Apoio aos mais vulneráveis: pobres e trabalhadores informais;
– Apoio às pequenas empresas, com manutenção de emprego;
– Flexibilização de certas condições contratuais: trabalho e outros.
As ações nas duas primeiras áreas andaram bem.
A elevação de gastos com saúde é certamente correta, mas, na sua maior parte, ainda não chegou na ponta final.
As ações nas áreas de apoio a pessoas e empresas mais vulneráveis estão muito lerdas, com baixa taxa de entrega. Aqui também não há uma liderança efetiva na discussão das medidas, prevalecendo um caráter algo burocrático.
Como muita gente, sinto falta de uma liderança equivalente àquela empoderada e exercida por Pedro Parente na ocasião do apagão de energia.
Olhando o conjunto, e mesmo considerando-se a efetiva colaboração do Congresso, as políticas federais de suporte à população irão tardar ainda um bocado de tempo.
Em consequência, a população vulnerável depende neste momento muito mais das ações locais, especialmente do grande movimento de solidariedade que a crise detonou, incluindo organizações não governamentais, pessoas e empresas.
De forma dramática estamos vendo o que significa a má distribuição de renda e a imperiosa necessidade de enfrentá-la.
A frase tem sido muito usada, mas é ainda assim verdadeira: nós e o País nunca mais seremos os mesmos.
*Economista e sócio da MB Associados.
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