quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Vera Magalhães: O que Bolsonaro ganha com o caos?

O Globo

Há dois dias, no nosso quadro diário na CBN, Rodrigo Bocardi me pergunta: o que Jair Bolsonaro ganha com o caos que promove na vacinação, ou ao sair de férias pela segunda semana consecutiva enquanto a Bahia se afoga em chuvas?

A pergunta diz respeito à lógica eleitoral mais básica, estratégica mesmo. Pesquisas, conversas com aliados, uma passada rápida nas redes sociais, qualquer termômetro poderia mostrar ao capitão que a balbúrdia que ele fomenta em seu próprio governo, dia após dia, ano a ano, só acaba por minar suas próprias chances eleitorais. Pelo menos um substrato positivo em tanto retrocesso, diga-se.

O Brasil tem adesão histórica à vacinação, que se confirmou na pandemia de Covid-19. Os ataques nonsense perpetrados pelo presidente às vacinas não levaram a que as pessoas deixassem de se vacinar.

Só a vacinação, como diz até seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitirá que se inicie alguma tentativa de recuperação econômica — ademais profundamente comprometida pelas outras barbeiragens feitas pelo governo, como a implosão da responsabilidade fiscal.

Elio Gaspari: O ano em que o Brasil nasceu

O Globo

A máquina do tempo leva a um grande momento

No sábado, 1º de janeiro de 2022, começa o ano do bicentenário do nascimento do Brasil. Parece pouca coisa, mas será uma oportunidade para pensar numa terra que resolveu andar para a frente com seus 4,7 milhões de habitantes. Nela viviam duas grandes figuras: o príncipe Dom Pedro, de 23 anos, e José Bonifácio de Andrada, de 59 anos.

Passados dois séculos, o país tem 213 milhões, convive com a cavalaria do atraso e, dia sim, dia não, é obrigado a conviver com o negacionismo e as batatadas do “coronel” Marcelo Queiroga e do capitão Jair Bolsonaro. Ninguém se livra do presente, mas o ano do bicentenário traz um refresco. Quem quiser, numa hora vaga, poderá entrar na máquina do tempo para reviver o grande ano de 1822. Por alguns minutos, graças à rede, voltará a um tempo em que o Brasil olhou para o futuro.

Fernando Exman: Pré-campanha já constrange militares

Valor Econômico

Ocupação de espaços na máquina pública será alvo de críticas

No início de setembro, quando a Câmara se preparava para votar o projeto de lei complementar que reforma o Código Eleitoral, oficiais das Forças Armadas não escondiam a satisfação com um determinado trecho da proposta. Apoiavam, com entusiasmo, a inclusão dos militares entre as carreiras que precisariam passar por uma quarentena antes de ingressar na política.

A proposta, claro, não teria o condão de impedir o uso da imagem das Forças Armadas por candidatos e partidos. Isto era lamentado e já estava na conta, por ser considerado inevitável, mas, pelo menos, a iniciativa legislativa era vista como um instrumento adicional para a missão dos altos comandos de impedir a politização das tropas. “Quando a política entra num quartel por uma porta”, ouvia-se nas conversas sobre o assunto, “a disciplina sai pela outra”.

Daniel Rittner: Três fatos econômicos que vão além de 2021

Valor Econômico

Saneamento, novo marco das ferrovias, fim de era no pré-sal

Retrospectivas costumam ser compilações de personagens, episódios, frases marcantes de um ano. Sem delongas, eis três tendências econômicas com origem em fatos ocorridos em 2021, mas que não se encerram com a virada de calendário e terão desdobramentos relevantes ao longo do restante de década.

1) Saneamento: tornou-se a estrela dos leilões de infraestrutura, com estreantes no mercado e investidores estrangeiros capitalizando empresas já bem posicionadas. Questionamentos sobre a viabilidade do modelo envelheceram rapidamente. O Supremo Tribunal Federal (STF) afastou incertezas jurídicas.

O leilão de três blocos da Cedae (RJ), em abril, foi o pontapé inicial da transformação. Um bloco remanescente está sendo licitado hoje e recebeu pelo menos duas propostas Houve certames bem- sucedidos no Espírito Santo e na região metropolitana de Maceió.

Vinicius Torres Freire: Uma década de salário e emprego ruins

Folha de S. Paulo

Tendência à precarização talvez venha a ser reforçada por mudanças causadas pela epidemia

Os rendimentos do trabalho, "salários", não eram tão baixos desde 2012 –desde que se tem um registro comparável nas estatísticas do IBGE. Em 2022 vão continuar assim tão baixos, afora milagres. Será uma década de pobreza.

Um motivo dessa pobreza é o fato de que os novos postos de trabalho são ruins: de baixa qualificação, pagam pouco, são inseguros. Esse quadro piorou na recessão de 2015-2016, mas já vinha de antes, indicam estudos de economistas. Na epidemia, a situação deve ter se agravado.

Hélio Schwratsman: Orçamento arcaico

Folha de S. Paulo

O problema maior da corrupção é que ela perverte a lógica dos investimentos

A corrupção tem dois problemas práticos (a discussão moral fica para outra ocasião). No que podemos chamar de menor deles, ela desvia para bolsos privados o que deveria ter destinações públicas. Digo que é menor porque, exceto em cleptocracias plenas, o volume de recursos surrupiados não costuma representar uma fatia muito grande do Orçamento. O problema maior da corrupção é que ela perverte a lógica dos investimentos. Você faz a obra A no local B não porque é dela que a população mais precisa no momento, mas porque esse é o interesse da empreiteira C que entrou em conluio com o político D. É difícil calcular o custo dessas oportunidades perdidas, mas ele é enorme.

Bruno Boghossian: O voto conservador

Folha de S. Paulo

Presidente ganha impulso desse segmento, mas alinhamento não é automático

Um dia antes de sair de férias pela segunda vez, Jair Bolsonaro comemorou o aumento do número de armas de fogo no país. Apesar de restrições impostas pelo Congresso e pelo STF, o governo entregou a seu eleitorado mais fiel uma flexibilização considerável neste item da agenda conservadora. A celebração sugere que o presidente deve transformar o tópico numa peça de propaganda.

Poucos pontos da pauta bolsonarista unem tanto a base do presidente como o acesso às armas. Entre os brasileiros que consideram mais segura uma sociedade com a população armada, 53% declaram voto em Bolsonaro no primeiro turno da próxima eleição. Só 25% votam em Lula, 8% em Sergio Moro, 4% em João Doria e 2% em Ciro Gomes.

Mariliz Pereira Jorge: O ano do 'Fora Bolsonaro!'

Folha de S. Paulo

Felizmente, 2022 não será um ano bissexto

A contagem regressiva mais importante agora que 2022 se aproxima não é aquela tradicional com duração de dez segundos, mas a que dá início ao último ano de Jair Bolsonaro na Presidência. Mais 365 dias. Felizmente, não será um ano bissexto. Em dezembro de 2019, escrevi neste espaço que meu palpite sobre 2020 era o seguinte: "Será, oh, uma bosta. Como nesta época sempre fico mais otimista, quero acreditar que serão só mais três anos. Longos e duros anos. Mas apenas mais três".

Troca de siglas deve movimentar 40 deputados

Maior bancada do Centrão e terceira maior da Câmara, sigla do presidente deve receber em torno de 20 deputados bolsonaristas

Camila Zarur / O Globo

RIO — A escolha do presidente Jair Bolsonaro de se filiar ao PL desencadeará uma série de trocas de legenda por parlamentares na última janela partidária antes das eleições do ano que vem, entre 3 de março e 1º de abril. Entre deputados que deixarão o partido por incompatibilidade com o presidente, o ingresso da bancada bolsonarista hoje abrigada no PSL, e outros rearranjos na antiga sigla de Bolsonaro, em processo de fusão com o DEM, líderes partidários calculam que ao menos 40 parlamentares já estejam de malas prontas para trocar de sigla. O número deverá ser maior, considerando legendas sem ligação direta com o passado recente ou a atual filiação do presidente.

A janela partidária é o período em que deputados federais ou estaduais podem trocar de sigla sem serem punidos por infidelidade. O PL, atualmente com 43 deputados, é a maior bancada do Centrão e a terceira maior da Câmara. A expectativa é que o partido receba em torno de 20 deputados bolsonaristas que ainda estão no PSL — ultrapassando, assim, o PT (53 deputados) e, eventualmente, até mesmo o futuro União Brasil, que surgirá da fusão entre o PSL (55 deputados antes da debandada bolsonarista) e o DEM (27).

Federação pode ampliar bancada da esquerda

Consultor político projeta ganho de pelo menos 15 cadeiras com agrupamento de siglas oposicionistas

Cristiane Agostine / Valor Econômico

SÃO PAULO - A proposta de federação negociada por PT, PSB, PCdoB, PV, Psol e Rede tende a ampliar o espaço da esquerda e da centro-esquerda na Câmara dos Deputados na próxima legislatura. Juntos, esses partidos poderiam eleger 15 deputados a mais do que elegeriam se disputassem separados a eleição de 2022, segundo estimativa do consultor político Antonio Augusto de Queiroz.

Sem a possibilidade de coligação para a próxima disputa eleitoral, a federação é a principal aposta de partidos de centro-esquerda para aumentarem suas bancadas e escaparem de punições a quem não cumprir a cláusula de barreira. O acordo prevê que cada legenda mantenha sua autonomia, mas obriga as siglas a ficarem unidas por quatro anos e disputarem juntas as duas próximas eleições, em 2022 e 2024. As conversas entre os partidos estão em andamento e há entraves sobretudo entre PT e PSB (leia mais nesta página).

Consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Queiroz explica que as legendas que se unirem na federação poderão se beneficiar do chamado “sistema de sobras eleitorais”. As chamadas “sobras” são as vagas não preenchidas pelos critérios do sistema proporcional. Pela legislação aprovada neste ano, poderão concorrer à distribuição das “sobras” os candidatos que receberem votos equivalentes a pelo menos 20% do quociente eleitoral e os partidos que conquistarem um mínimo de 80%.

Por que partidos de esquerda querem se juntar em federações em 2022

PT e PSB discutem 'casamento' até 2026 e há conversas também envolvendo PSOL, PCdoB, PV e Rede; partidos maiores miram aumento da bancada enquanto pequenos tentam escapar da cláusula de barreira

André Shalders e Julia Affonso / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA  — Nas últimas semanas, partidos de esquerda passaram a discutir a possibilidade de criar federações partidárias a partir de 2022. Diferentemente das coligações, as federações vão muito além da disputa eleitoral: criam uma “fusão” temporária entre as siglas envolvidas, que precisa durar pelo menos quatro anos. Para legendas menores, como a Rede Sustentabilidade e o PCdoB, o objetivo da federação é escapar das punições aplicáveis a quem não cumprir a chamada cláusula de barreira nas próximas eleições. Já partidos com mais representação no Congresso, como o PT e o PSB, veem no mecanismo uma possibilidade de obter mais cadeiras no Legislativo.

As federações partidárias serão uma das novidades das disputas de 2022. Foram criadas pelo Congresso em setembro deste ano, e regulamentadas por uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) publicada no último dia 14 de dezembro, sob a relatoria do presidente da Corte eleitoral, o ministro Luís Roberto Barroso. Assim como as coligações, a federação permite que os partidos atuem em conjunto no período eleitoral, inclusive somando os votos para conquistar mais vagas na Câmara e nas assembleias. Mas as semelhanças acabam por aí: a federação exige que as siglas continuem juntas, por, no mínimo, mais quatro anos.

Hoje, os partidos de esquerda somam 131 deputados federais, considerando as bancadas do PT (53 nomes), do PSB (31), do PC do B (8), do PSOL (9), do PDT (25), do PV (4) e da Rede (1). Por enquanto, a discussão mais avançada é sobre um bloco com PT, PSB, PC do B e PV; outra possibilidade é a união de PSOL, Rede e PCdoB. Dirigentes dessas legendas consideram que é possível alcançar o número de 200 deputados se o bloco incluir todas as siglas do campo, inclusive o PDT – que por enquanto está fora das conversas.

Memória | Por Eduardo Rocha - A Internacional: 150 anos

 

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Bolsonaro entra no ano eleitoral em má posição

Valor Econômico

Nunca um incumbente esteve em situação tão ruim quando tentou a reeleição a um ano antes do pleito

O presidente Jair Bolsonaro chega ao ano final de seu mandato colhendo o que plantou: instituições desfazendo diariamente decisões ilegais de seu governo, inquéritos para apurar fake news em que o mandatário está envolvido e queda de popularidade. A mais recente pesquisa Datafolha revela aspectos relevantes para um candidato à reeleição - 53% consideram o governo Bolsonaro ruim ou péssimo, 48% julgam que ele é o pior presidente que o país já teve e 60% afirmam que nunca confiam no que ele diz.

O prestígio de Bolsonaro já começara a descer ladeira abaixo logo no início de seu governo, quando decidiu, ao lado de generais que presumiam entender de política, que não precisaria ter uma base de apoio no Congresso. Os legisladores aprovaram uma reforma já amadurecida anteriormente, a da previdência, e barraram todas as pautas conservadoras com que Bolsonaro anima a minoria radical que o admira nas redes sociais. Veio a pandemia e houve mais entendimento entre governo e Congresso diante da catástrofe. Mesmo assim, o protagonismo nunca foi do Planalto.

Poesia | João Cabral de Melo Neto: Pregão Turístico do Recife

 

Música | Beth Carvalho: O que é o que é ( Gonzaguinha)

 

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Luiz Werneck Vianna*: O futuro dura muito tempo para chegar

O futuro dura muito tempo para chegar em nosso país, às vezes chega perto, roça mesmo o limiar do horizonte como se aprestasse a aportar, mas recua sem forças de ir em frente sem conseguir se desvencilhar das pesadas correntes que o atam ao passado. Três décadas atrás, com a entrada em cena da Carta de 88 teve-se a sensação que o caminho estava aberto para ele, mas debalde, apetites mórbidos pelo poder, inclusive com origem nos setores subalternos da sociedade, nos conduziram ao desastre da eleição de Collor, do qual nos soubemos livrar sem que tivéssemos aprendido com os equívocos que nos desapartaram da política que nos levaram a derrotar o regime autoritário em 1985. Se antes combinamos os temas e a agenda da democracia política com os da questão social, desde aí a pauta do social passa a dominar com a implícita concepção de que os valores e as instituições democráticas instrumentalmente estariam a seu serviço.

Os efeitos nefastos dessa separação não tardaram a se fazer sentir, especialmente no fosso aberto, a partir da conquista da hegemonia na esquerda pelo PT, entre a memória da política das lutas pela democratização orientadas por amplas alianças e a política levada a cabo pelo PT que desconsiderou os nexos dos temas sociais com o aprofundamento da democracia, especialmente no governo Dilma Roussef. Em equívoco igualmente grave, os governos do PT passaram a conceder primazia à conquista de posições no interior do Estado, em que logo se insinuaram práticas não republicanas na administração pública, em detrimento do seu enraizamento na sociedade civil.

Merval Pereira: Votos (in)úteis

O Globo

Nunca o voto útil terá tanta importância quanto na eleição presidencial do ano que vem. Isso porque serão vários votos úteis, à esquerda e à direita, que podem decidir a votação logo no primeiro turno, a favor do ex-presidente Lula, ou fortalecer o presidente Bolsonaro para que chegue ao segundo turno com mais chances. Ou mesmo substituir Bolsonaro por um candidato da terceira via (no momento o ex-juiz Sergio Moro parece o mais provável nesse caso).

À medida que surge, segundo as pesquisas de opinião, a possibilidade de Lula vir a ser eleito ainda no primeiro turno, abrem-se dois caminhos. No primeiro, o ex-presidente pode assustar os que temem sua vitória e reforçar os candidatos alternativos. Ou os eleitores podem abandonar Moro e outros menos votados no momento para fortalecer Bolsonaro contra Lula. Os que não querem a continuação de Bolsonaro podem, por outro lado, decidir votar em Lula ainda no primeiro turno, para resolver logo a eleição e evitar que o atual presidente tenha chance de vencer no segundo.

Pedro Cafardo: Há algo de bom previsto para a economia em 22?

Valor Econômico

Cenário macroeconômico deve permanecer nebuloso para a maioria, com poucos sinais positivos para o país

O editor de Brasil do Valor, Marcos de Moura e Souza, propôs um desafio ao colunista: que tal uma visão otimista para o novo ano neste último texto de 2021, só uma, em meio à maré de pessimismo prevista em várias frentes da economia?

Desafio aceito, o colunista transferiu a pergunta a 14 economistas não ortodoxos, chamados ora de heterodoxos, ora de progressistas, estruturalistas ou keynesianos. Dez responderam. A maioria deles aparece pouco na grande mídia. Quase todos são acadêmicos e não ligados ao mercado financeiro, mas costumam ser os mais críticos da atual política econômica. Por isso, pareceu interessante descobrir se enxergam algo de positivo para o ano que começa sábado.

A pergunta foi direta: Poderia fazer previsão de uma coisa boa que deverá acontecer na economia brasileira em 2022? José Luiz Oreiro, da UnB, crítico feroz da política econômica neoliberal, respondeu de pronto, mas fugiu da macroeconomia. Disse que não deve haver racionamento de energia elétrica em 2022, porque as chuvas até o fim de novembro vieram quase 50% acima da média histórica. Isso deve levar a uma redução da bandeira tarifária. “É a única coisa boa que consigo esperar com algum grau de confiança. Todo o resto é chute”, disse.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor da FGV, preferiu enfoque político: “A melhor coisa prevista para 2022 na área econômica é a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições”. Além disso, sugeriu que seria ótimo que os empresários brasileiros de ponta, como Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, repensassem o Brasil. Compreendessem que o neoliberalismo, dominante no mundo desde 1980, começou a morrer em 2008 e morreu com a covid-19 e o governo Joe Biden. E que a alternativa é o desenvolvimentismo com o controle fiscal e a rejeição dos déficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabilizam a indústria.

Raphael Di Cunto: A vez da agenda de costumes na Câmara

Valor Econômico

Plenário focará em temas que geram comoção popular

Se em 2021 a pauta econômica foi o foco da Câmara dos Deputados, em 2022 os temas setoriais dos deputados e relacionados aos costumes ganharão mais espaço, avisa o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Dois fatores devem provocar isso: o esvaziamento da agenda econômica legislativa do governo e o redirecionamento para assuntos que chamem a atenção dos eleitores e criem “marcas” para os mandatos - porque nem só de “orçamento secreto” se faz uma reeleição.

É uma mudança de foco que também interessa ao governo. O presidente Jair Bolsonaro (PL) tem pouco para mostrar na economia, com as privatizações travando, a inflação disparando e o PIB crescendo pouco. Mas fideliza sua base eleitoral e evita o crescimento da “terceira via” ao fomentar o debate em torno da pauta conservadora de costumes e outras polêmicas.

Paulo Rodrigues Pereira*: “Revolução liberal’, ilusão ou bravata

Valor Econômico

Guedes cumpriu o velho papel de vender sonhos a uma elite econômica desiludida

O debate econômico marcou profundamente o último século da política brasileira. Isso se deu de forma tão acentuada que existiram momentos, raros, em que Ministros da Fazenda foram tão importantes, que acabaram emprestando legitimidade ao Presidente da República. No regime militar, quando mesmo os setores mais conservadores começavam a ver abalada sua fé na ditadura, Delfim Neto usava o seu "milagre" para dar uma sobrevida ao governo dos generais. Até Getúlio Vargas buscou acalmar as elites produtivas no seu governo constitucional, dando a chave do tesouro a Horácio Lafer, um príncipe progressista da indústria paulista que prometia uma conciliação entre desenvolvimentismo e liberalismo. Paulo Guedes entrou nessa seleta lista ao ingressar na "Aventura Bolsonaro", descendo do pedestal de uma posição consolidada no mercado financeiro para endossar uma candidatura, no mínimo, curiosa. Justificou sua escolha, prometendo uma revolução.

A sua tese era simples. Com a redemocratização, o Brasil teria parado de crescer pelo aumento do seu custo de produção, cujo principal fator seria justamente a carga tributária. Dobrado, o custo tributário sugaria recursos da sociedade, a impedindo de investir e crescer. A solução era retomar ao patamar fiscal dos anos 80, reduzindo os tributos a algo perto dos 20% do PIB. Ao ser perguntado como faria isso, Guedes costumava subir o tom e acusava seus entrevistadores de serem pouco ousados, atribuindo, talvez aos jornalistas, as máculas da macroeconomia brasileira. A sua promessa, um pouco abstrata, era de redução dos gastos do governo e dos déficits fiscais com reformas, privatizações e liberalizações de setores da economia. Com um custo menor, os tributos poderiam ser gradativamente reduzidos.

Míriam Leitão: Duas luzes que não se apagam

O Globo

As lutas que o arcebispo sul-africano Desmond Tutu e o biólogo americano Thomas Lovejoy encarnaram continuarão vivas. Os dois morreram neste Natal, deixando uma sensação de luto em quem sonha com um mundo que elimine o racismo, os preconceitos e proteja a biodiversidade. São causas irmãs. Nem sei se algum dia eles se conheceram, mas a última semana do ano começa com essa orfandade dupla. Não há futuro sem o combate às distâncias sociais entre pretos, brancos e indígenas que compõem a multiétnica nação brasileira. Não há futuro sem a proteção ambiental principalmente da Amazônia. Então Desmond Tutu e Thomas Lovejoy permanecerão como inspiração de lutas vivas.

Zuenir Ventura: A vez das crianças

O Globo

No domingo passado, ao comentar em sua coluna a crise na Receita Federal, onde centenas de auditores entregaram seus cargos de direção, Míriam Leitão relatou o clima de “indignação” e citou alguns exemplos do “plano de demolição” de Bolsonaro imposto a outras áreas, como Ibama, ICMbio, Iphan, Funai, Fundação Palmares, Ministério da Educação. A essa lista, eu acrescentaria a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Quem tinha dúvidas sobre as segundas intenções de Bolsonaro ao pressionar para que se publicasse o nome de servidores da Anvisa que aprovaram a imunização de crianças entre 5 e 11 anos perdeu a inocência ao tomar conhecimento de que as ameaças de violência e até de morte foram tantas que a agência teve de pedir proteção policial aos ameaçados. A situação chegou a tal ponto que o diretor-presidente da Anvisa, o almirante Antonio Barra Torres, confessou em entrevista a Melissa Duarte, aqui no GLOBO: “Temo pelos servidores da Anvisa”. Ele ressalvava que, por mais que haja um esquema de proteção, “quem está nas pequenas cidades ou nos aeroportos com colete da Anvisa é alvo fácil”. Segundo ele, já há “mais de 170 ameaças compiladas”.

Hélio Schwartsman: O que Bolsonaro pensa da vacina?

Folha de S. Paulo

Candidatos a presidente deveriam passar pelo psicotécnico

O que o presidente Jair Bolsonaro pensa da vacinação contra a Covid-19? Há evidências de que ele não é exatamente um fã dos imunizantes. Algumas de suas declarações sobre vacinas ganharam lugar de destaque no bestialógico nacional. "Se você virar jacaré, é problema seu". "Se crescer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles [Pfizer] não têm nada com isso".

O presidente, porém, não é consistente em sua insensatez. Houve momentos em que ele tentou tomar para si o crédito pela vacinação. Especialmente em março, o mandatário e seus filhos ensaiaram uma mudança de discurso pela qual o Brasil seria, graças aos esforços do governo federal, o país que mais vacinava no mundo. Essa inflexão, contudo, não foi para a frente. Imagino que as revelações da CPI da Covid, instalada em abril, tenham tornado a narrativa insustentável.

Cristina Serra: Orçamento da fome

Folha de S. Paulo

Mais da metade da população (117 milhões) não consegue comer o que precisa

O Orçamento de 2022, recentemente aprovado, mostra como o Brasil está do avesso. O fundo eleitoral é uma obscenidade de R$ 4,9 bilhões e o aumento salarial de apenas três categorias de servidores (PF, PRF e Departamento Penitenciário), de interesse pessoal de Bolsonaro, mordeu R$ 1,7 bilhão do "meu, do seu, do nosso" dinheiro.

Duas reportagens desta Folha também ilustram o desatino da inversão de prioridades com o dinheiro do contribuinte. Ana Luiza Albuquerque revelou que 13 motociatas do genocida, para apregoar o golpismo, levaram R$ 5 milhões dos cofres públicos. E Constança Rezende mostrou que o Ministério da Defesa usou dinheiro de combate à Covid para comprar filé mignon, picanha, bacalhau, camarão, salmão e bebidas. O cardápio de luxo para os fardados custou R$ 535 mil.

Joel Pinheiro da Fonseca: Morte por politização

Folha de S. Paulo

É sempre positivo lembrar que a vida tem muito mais do que política

2022 será violento. Bolsonaro fará o que for preciso para se manter no poder. E se os números nas pesquisas não melhorarem, ficará cada vez mais desesperado.

De uma forma ou de outra, todos seremos dragados por essa disputa, que pode separar amigos, parentes, colegas de trabalho e até namorados. Cresce o número de pessoas que não vão para a cama com alguém sem antes saber direitinho em quem a pessoa votou em 2018 e como pretende votar em 22.

O filósofo político Robert Talisse vem acompanhando esse fenômeno e vê razões para nos preocuparmos. É o que ele argumenta em "Overdoing Democracy" (Oxford University Press, 2019, ainda sem tradução), lançado pouco antes da pandemia, mas cujos pontos centrais se tornaram mais fortes desde então.

Carlos Andreazza: Matou o Orçamento e foi às férias

O Globo

Pouco haverá de mais constrangedor do que o ministro da Economia plantando que trabalhou e trabalha ainda por resistir, mui inconformado, ao assalto patrimonialista contra o Orçamento; isso enquanto todas as suas gestões de defesa fiscalista — se fossem reais — fracassam, e ele, mui contrariado, reage evadindo-se em férias.

Talvez seja uma modalidade liberal de protesto. Mata o Orçamento e vai às férias. Passeio que antecedeu a carga de outras corporações por aumento salarial a partir da concessão de reajuste, negociada por Paulo Guedes, a policiais federais, policiais rodoviários federais etc. Mas ele, aborrecido, viajou. Loteou o Orçamento — operador na partilha — e foi esfriar a cabeça.

Lembremos essa parte do teatro — mais um ato em que o bode aboletou-se na sala. Bolsonaro, nalguma ditadura árabe, prometendo aumento a todo o funcionalismo federal. Então a sociedade, sacrificada sob a peste, protestou, Guedes difundindo seus incômodos — e logo o presidente a recuar, tirando o bicho do cômodo, para chegar ao lugar pretendido. Reajuste apenas para as categorias que compõem a base social bolsonarista.

Eliane Cantanhêde: Totalmente irracional

O Estado de S. Paulo.

Nem o Ministério da Saúde suporta mais o negacionismo do presidente Bolsonaro

A pergunta que não quer calar é por que, raios, o presidente Jair Bolsonaro mantém a obsessão em combater o combate à pandemia de covid 19, voltando suas baterias no finalzinho do ano contra o passaporte de vacina e a imunização de crianças de 5 a 11 anos. Todo mundo sabe o quanto o Brasil perde com isso, mas ninguém, ou ninguém em sã consciência, consegue entender o que ele ganha com isso. É um jogo de perde-perde.

O País, Estados, municípios, Supremo, Anvisa, a ciência, a medicina e a opinião pública andam para um lado, Bolsonaro anda para o outro com sua legião de negacionistas e o dr. Marcelo Queiroga, que encarna o espírito do general da ativa Eduardo Pazuello.

A pandemia vai cedendo, com o índice de totalmente vacinados chegando a 70% e com a correspondente queda de internações e mortes, mas a covid, suas variantes e a danada da Ômicron ainda estão no ar. Não é hora para brincadeira.

Em todo o mundo civilizado foram retomadas medidas da fase aguda e implementadas novas, como a terceira dose, o passaporte de vacinas e a imunização de crianças, para protegê-las e conter o ciclo de contaminação. Aqui, a guerra é para driblar Bolsonaro, que nem tomou a primeira dose e está obcecado em impedir o comprovante de vacinas e que as crianças se protejam.

Como achar normal o presidente exigir a lista dos técnicos da Anvisa que autorizaram a vacinação para os pequenos? E o ministro da Saúde inventar consulta pública e exigência de receita médica? Até os médicos da pasta não suportam mais, como mostra o parecer a favor da Anvisa e da vacina para crianças e contra o ministro e o presidente.

O que pensa a mídia: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

O pior corporativismo

Folha de S. Paulo

Bolsonaro favorece militares e policiais, mas sem respeitar o serviço público

Em sua carreira parlamentar, Jair Bolsonaro foi um líder sindical de militares e policiais. Em seu mandato como presidente, procurou intervir nas Forças Armadas e na Polícia Federal, o que ficou evidente em atritos de motivação política indevida e em decorrentes trocas de comando nessas instituições.

Não deixou, no Planalto, de ser representante dos interesses dessas corporações —que, no entanto, tenta aliciar ou subjugar.

Esse jogo entre mandonismo e militância explica o desejo presidencial de conceder benefícios salariais para a PF —Bolsonaro se empenhou em conseguir recursos para tanto no Orçamento de 2022, oficialmente solicitados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Não se sustenta a leitura de que tal benesse tenha motivação eleitoral, uma vez que as categorias favorecidas somam poucos milhares de integrantes. O mandatário quer, o que é pior, a fidelidade de boa parte da tropa, por motivos entre obscuros e espúrios.

Poesia | Mário Quintana: Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

Música | Casuarina / Moyseis Marques: Linha de Passe (João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emilio)

 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Fernando Gabeira: Papai Noel no Congresso

O Globo

Orçamento é um tema muito pesado para o período de festas de fim de ano. Vamos traduzir assim: Papai Noel passou pelo Congresso e foi muito generoso, deixando um presente de R$ 37 bilhões em emendas parlamentares, das quais R$ 16,5 bilhões naquele famoso orçamento secreto. Aliás ficou apenas meio secreto para ganhar autorização do Supremo Tribunal Federal, que o havia bloqueado. Meio secreto, como as meio grávidas, ele é arma da reeleição de deputados.

Papai Noel foi muito generoso com os partidos e deixou para eles um fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões. Será uma rica campanha num país empobrecido e faminto.

Papai Noel contemplou os policiais federais com um aumento e deixou de fora o restante do funcionalismo.Não cabia presente para todos no seu famoso saco vermelho, ou talvez as renas não aguentassem o peso.

Carlos Pereira*: Como eles pretendem governar?

O Estado de S. Paulo.

Candidatos à Presidência precisam esclarecer como vão montar e gerenciar coalizões

Um dos problemas cruciais em qualquer sistema político é como gerar governabilidade para que um governo eleito tenha condições de implementar sua plataforma. Se tiver maioria no Legislativo, essa tarefa é facilitada. Mas, em sistemas multipartidários, chefes do Executivo necessitam governar por meio de coalizão por não desfrutarem de maioria.

A forma como se gerencia a coalizão impacta decisivamente na performance do governo.

Não sabemos ainda como alguns candidatos à Presidência pretendem lidar com tais restrições, mas já sabemos que os modelos e estratégias de gerência implementados tanto pelo petismo como pelo bolsonarismo fracassaram.

Demétrio Magnoli: Como o Ocidente perdeu a Rússia

O Globo

Trinta anos atrás, em 25 de dezembro de 1991, Mikhail Gorbachev renunciou à Presidência da URSS e, no dia seguinte, o Estado Soviético cessou de existir. A Rússia renasceu, fora do envelope comunista, querendo ser Europa. Contudo, na década seguinte, o Ocidente perdeu a Rússia. Vladimir Putin, ou seja, a reversão russa a uma autocracia belicista, é o fruto do maior erro cometido pelos EUA e pela União Europeia no pós-Guerra Fria.

O erro estratégico derivou de algo que o Ocidente não fez, nos domínios da economia, e de algo que fez, nos domínios da geopolítica. Em síntese: a ausência de um “Plano Marshall para a Rússia” e a expansão da Otan.

Casa Comum Europeia — a expressão, de Gorbachev, cartografava um rumo histórico para a URSS. Depois da implosão, a Rússia continuou sonhando ser Europa. Sob a Presidência de Boris Yeltsin, na primeira metade da década de 1990, Yegor Gaidar conduziu a controversa “terapia de choque” que transformou a arruinada economia estatal numa precária economia de mercado.

Ariel Dorfman*: Ascensão de Boric ocorre em boa época

O Estado de S. Paulo.

Ascensão de Boric ocorre em um momento auspicioso para a esquerda latino-americana

Há muitas razões pelas quais a retumbante vitória de Gabriel Boric, um congressista millennial de esquerda, nas eleições presidenciais do Chile ecoa muito além das fronteiras desse país andino.

Nesses tempos que têm testemunhado a alarmante ascensão do autoritarismo em todo o mundo, é motivo de celebração que os eleitores chilenos tenham rejeitado não apenas o oponente de Boric, o ultraconservador e falso populista José Antonio Kast, que é admirador do ex-ditador do país, o general Augusto Pinochet, mas também as mensagens de medo e intolerância transmitidas por suas posições contra a imigração, o aborto e em defesa da tradição, da lei e da ordem.

Tão significativo globalmente foi o fato de meus compatriotas escolherem um líder de 35 anos, que será o mais jovem presidente chileno da história, um indivíduo que encarna os anseios da nova geração de nosso conturbado planeta. As causas em que Boric acredita são as mesmas que jovens de todos os cantos têm defendido cada vez mais nas ruas de cada vez mais países: igualdade de gênero, empoderamento de mulheres e povos indígenas, fim da brutalidade policial e das políticas neoliberais, aprofundamento da democracia e dos direitos civis e, acima de tudo, uma ação urgente a respeito do meio ambiente.

Bruno Carazza*: A elite e seu próprio umbigo

Valor Econômico

Pressão por reajuste de servidores evidencia distorções

Jair Bolsonaro abriu a caixa de Pandora. Ao decidir conceder um reajuste salarial para policiais federais, despertou a inveja, a cobiça e o ciúme das demais carreiras do topo do serviço público brasileiro. Imediatamente, auditores da Receita entregaram seus cargos comissionados, assim como associações de servidores anunciam para janeiro uma paralisação dos trabalhos.

Existem inúmeras razões para se pagar bem aos empregados do Estado. Altos salários atraem bons profissionais, o que em tese melhora a qualidade dos serviços prestados. Um corpo técnico bem remunerado, também na teoria, é menos propenso a ser capturado pelos interesses do setor privado ou por políticos poderosos, protegendo as políticas públicas dos vícios do patrimonialismo, do lobby ou da corrupção pura e simples.

No Brasil, porém, bons princípios são sempre distorcidos pelo corporativismo e utilizados para justificar o injustificável.

Sergio Lamucci: A situação da economia e as contas públicas

Valor Econômico

Para que uma retomada mais firme da atividade em 2023 seja viável, será necessário que o eleito em 2022 tenha uma proposta crível para a sustentabilidade fiscal

O ano termina com inflação na casa de 10%, juros que se encaminham para superar os dois dígitos e um PIB que patina desde o segundo trimestre. Para 2022, o cenário que se desenha tampouco é animador. As fortes altas da Selic, que estava em 2% até março deste ano, vão afetar a economia ao longo do ano que vem, minando uma atividade que já está fraca. Isso deve levar à queda da inflação, mas não a ponto de trazer o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para a meta perseguida pelo Banco Central (BC) em 2022, de 3,5%. As incertezas fiscais e políticas num ano de eleições presidenciais tendem a manter o câmbio num nível desvalorizado, dificultando a tarefa do BC de combater as pressões inflacionárias.

Esse quadro delicado deverá colocar a economia como um das principais preocupações dos eleitores. Pesquisa do Datafolha divulgada neste mês mostra que 14% apontam o desemprego como principal problema do país, enquanto 12% citam a economia, 8%, a fome ou miséria e 7%, a inflação, empatada com educação. Ficaram atrás apenas da saúde, com 24%, que tradicionalmente é apontada como a grande questão a ser resolvida no país. A corrupção foi mencionada por 4%. Nesse ambiente, tende a ganhar a eleição quem for percebido como o mais capaz de reverter a situação negativa na economia.

Tony Volpon*: Ambiguidade estratégica

Valor Econômico

O impulso fiscal, que já decaiu bastante em 2021, deve ser negativo em 2022, apesar dos gastos adicionais com a aprovação da PEC dos precatórios

A última ata do Copom foi lida pelo mercado como bastante “dura”. Sobre a economia, apesar das seguidas frustrações dos últimos dados, o BC alega que isso mostra somente um nível de atividade “ligeiramente abaixo do esperado”. A inflação “segue elevada”, e “questionamentos” e “desenvolvimentos” sobre o arcabouço fiscal fizeram o Copom assimilar esses riscos em suas projeções, que agora se encontram acima da meta, tanto em 2022, como em 2023. Assim, o Banco Central deve “perseverar” em avançar “significativamente em território contracionista” na sua postura monetária.

Com a inflação rompendo dois dígitos, a postura do Copom parece ser muito justificada, e foi muito elogiada no mercado, que também, reflexivamente, aumentou suas projeções para a taxa Selic.

O único problema é que a inflação de hoje é uma janela no passado. Fora a questão da inércia, o que vale para a inflação futura são seus fatores condicionantes de hoje.

Celso Rocha de Barros: Os livros de política de 2021

Folha de S. Paulo

'Casta: as Origens de Nosso Mal-Estar', de Isabel Wilkerson, é o livro do ano

Antes de mais nada, um aviso: a partir deste ano, livros publicados no fim do ano anterior concorrem no ano seguinte. O motivo é simples: posso demorar para descobrir que um livro existe. Dito isto, aqui vai minha lista de melhores livros de política de 2021.

"Portas Fechadas", do historiador Adam Tooze, é a primeira grande obra sobre a reação dos governos à crise econômica da pandemia. Vale acompanhar se as mudanças que identificou nas ideias subjacentes às políticas implementadas serão duradouras.

Depois da eleição brasileira de 2018, a resposta deveria ser óbvia, mas "Por que Eleições Importam?", de Adam Przeworski, oferece uma defesa da democracia especialmente boa se você não acredita nos argumentos idealistas normalmente utilizados em sua defesa.

Em "O Brasil contra a Democracia", Roberto Simon reconta, com base em novos documentos, o apoio da ditadura brasileira ao golpe contra Allende e à ditadura de Pinochet. "O Ano da Cólera", de Sylvia Colombo, discute a turbulência na América Latina após o fim do ciclo das commodities. Espero que as duas obras nos ajudem a discutir nossos problemas com mais atenção à dinâmica do continente.

Catarina Rochamonte*: Lula e o manto da impunidade

Folha de S. Paulo

Jantar promovido pelo grupo Prerrogativas comemorou o êxito da destruição da operação Lava Jato

No jantar promovido pelo grupo Prerrogativas (braço jurídico de Lula e seu entorno) houve jubilosa confraternização na exposição da possível chapa presidencial Lula-Alckmin. Porém, para além de uma aliança política heterodoxa, o que ali se comemorava era o êxito da destruição da operação Lava Jato, o sucesso da campanha difamatória e de retaliação contra seus integrantes e o retrocesso cívico-moral que consolidou no STF a jurisprudência do garantismo do colarinho branco: era a celebração da impunidade.

Olhando para Geraldo Alckmin, que em 2018 o acusou de querer se eleger para voltar à cena do crime, Lula perorou: "Não importa se no passado fomos adversários [...], o tamanho do desafio que temos pela frente faz de nós aliados de primeira ordem". O enorme desafio é manter o sistema de corrupção funcionando a pleno vapor, é manter as prerrogativas de impunidade da casta de políticos que se acredita acima da lei e que não quer ser importunada por aqueles que acreditam que a lei se aplica a todos.