quinta-feira, 13 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Não dá mais para cumprir meta fiscal ampliando receitas

O Globo

É urgente desvincular os benefícios do INSS do salário mínimo e as despesas com saúde e educação da arrecadação

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz bem em levar medidas de contenção de despesas para apreciação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É urgente controlar os gastos públicos. Sem isso, a credibilidade já desgastada do arcabouço fiscal aprovado há menos de um ano continuará a deteriorar-se.

Duas ideias deveriam ser prioridade. Primeiro, desvincular do salário mínimo os benefícios temporários pagos pelo INSS. Desde o ano passado, o mínimo passou a ser regido por uma lei que pressupõe aumento real, acima da inflação, semeando alta descontrolada nas contas da Previdência. Segundo, é preciso voltar a desvincular do aumento das receitas os gastos constitucionais obrigatórios com saúde e educação. Essa é mais uma fonte de crescimento acima da inflação, e gastos obrigatórios como esses pressionam todas as demais despesas discricionárias, de investimentos em infraestrutura a verbas para combater tragédias climáticas.

Merval Pereira - O futuro, agora

O Globo

O país tem um desafio fiscal não resolvido e gasta em torno de 12% do PIB com Previdência Social

Quando, em maio, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, aventou a possibilidade de desvincular as aposentadorias e os benefícios previdenciários do salário mínimo, a reação negativa dos políticos, especialmente da base do governo, foi imediata. Como vem acontecendo nos últimos anos, sempre que se fala em reforma previdenciária, pontos fundamentais para alcançar o equilíbrio fiscal das contas públicas são deixados para depois, por pressão política.

É o caso do papel do salário mínimo no custo previdenciário, que deixaria de ser repassado automaticamente ao piso de benefícios, como previsto na Constituição. Essa e outras alterações fazem parte do livro “A reforma inacabada — o futuro da Previdência Social no Brasil”, recém-lançado por dois dos maiores estudiosos do tema, Paulo Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), e Fabio Giambiagi, pesquisador associado da FGV/Ibre e colunista do GLOBO.

Malu Gaspar - A frente ampla pelas máfias

O Globo

Em meio ao tratoraço operado pela oposição contra o governo no Congresso, brotou uma pauta que uniu o sistema político como a frente ampla de Lula não foi capaz: o projeto proibindo que se fechem acordos de delação premiada com réus presos, alterando uma lei aprovada em 2013, durante o governo Dilma Rousseff.

O texto foi apresentado por um deputado aliado do presidente da Câmara dos DeputadosArthur Lira (PP-AL), e apensado a uma proposta protocolada em 2016 pelo petista Wadih Damous.

Se lá atrás o objetivo era blindar o governo Dilma de uma possível delação do senador e líder do governo Delcídio do Amaral, preso em flagrante dias antes, agora a iniciativa poderia servir para anular a delação do ex-ajudante de ordens de Jair BolsonaroMauro Cid — ou ainda invalidar o testemunho de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle Franco, que apontou como mandantes os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão.

A manobra colocou o governo Lula numa saia justa e fez os petistas se apressarem a acusar os bolsonaristas de oportunismo — como se a proposta original não tivesse sido, ela mesma, oportunista.

Luiz Carlos Azedo - Quanto mais Lula reza, mais assombrações aparecem

Correio Braziliense

Segundo relatório da CGU, em mais um exemplo de patrimonialismo oligárquico, 80% da estrada custeada pela emenda beneficiou propriedades de Juscelino e de seus parentes

O ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), foi indiciado ontem pela Polícia Federal (PF), por crimes como corrupção passiva, fraude em licitações e organização criminosa. A denúncia é mais uma dor de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mal o governo acabou de anular um leilão para compra emergencial de estoques de arroz por suspeitas de fraude. É mais uma assombração que aparece.

Maranhense, Juscelino Filho tem 40 anos e assumiu o cargo desde o início do governo Lula, como parte do acordo com o União Brasil. Responde pela política de telecomunicações, radiodifusão e serviços postais do governo (Correios). É deputado federal desde 2014, tendo sido reeleito em 2018 e 2022.

Maria Hermínia Tavares - As escolas reprovadas

Folha de S. Paulo

Não é o que se vê com a lei aprovada em SP sobre escolas cívico-militares

Para cada problema complexo a extrema direita tem a proverbial resposta: simples e errada.

É o caso do Programa Escola Cívico-Militar, que o bolsonarismo, com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, à frente, conseguiu transformar em lei em fins de maio último.

Destinado às escolas públicas do estado que a ele queiram aderir, o tal programa prevê atividades que caibam no figurino, complementares ao currículo escolar.

A gestão da coisa caberá à Secretaria de Segurança; a execução a PMs da reserva, promovidos a monitores. Os colégios que aderirem ao esforço patriótico receberão apoio financeiro para executá-lo. Professores civis e monitores militares embolsarão adicionais à sua paga: afinal, ninguém é de ferro.

Bruno Boghossian - Campos Neto veste a camisa

Folha de S. Paulo

Hipótese de dobradinha com Tarcísio é traçada enquanto chefe do Banco Central ainda está na cadeira

Quando apareceu para votar com uma camisa da seleção brasileira, Roberto Campos Neto tinha a certeza de que continuaria no cargo mesmo que seu candidato favorito perdesse a eleição. A autonomia do Banco Central foi criada para dar estabilidade ao presidente da instituição, mas também abriu margem para certos atrevimentos particulares.

Campos Neto nunca demonstrou a intenção de esconder seus aliados, amigos e afinidades partidárias. Sem subordinação formal ao governo desde 2021, almoçava rotineiramente com Paulo Guedes e participava de um grupo de WhatsApp com a equipe de Bolsonaro. Na eleição, segundo a revista Piauí, preparou um modelo matemático para ajudar a campanha do então presidente.

Philippe Legrain* - A Europa deve enfrentar a extrema direita

Valor Econômico

Risco da complacência ou da acomodação é que a extrema direita coopte a centro-direita, em vez do contrário

Partidos de extrema direita tiveram um desempenho excepcional nas eleições para o Parlamento Europeu. Ganharam quase 25% dos assentos, pouco atrás da centro-direita.

Diante de uma Europa já cambaleante com a guerra na Ucrânia, a ameaça de um retorno de Donald Trump nos EUA, a estagnação dos padrões de vida, o sobrecarregamento dos sistemas de bem-estar social e eventos climáticos extremos, os nacionalistas representam grave ameaça. Esses partidos nutrem simpatia por Vladimir Putin e são abertamente hostis às políticas verdes, aos migrantes e às instituições da União Europeia.

Maria Cristina Fernandes - O governo dentro da panela de pressão

Valor Econômico

Lula não menciona ao PT a perspectiva de o seu partido ter que se dobrar a um ajuste

Um presidente pode esfriar crises ao viajar ou levá-las a bordo. Luiz Inácio Lula da Silva decolou rumo a Genebra desincumbido de ambas as tarefas. O impacto de sua ausência, depois da humilhação causada pela devolução de uma medida provisória, é quase nulo.

Lula associou-se ao gesto desde a véspera, quando conversou sobre a MP do PIS/Cofins com o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Prosseguiu na toada ao antecipar a devolução da MP ao presidente da CNI, Ricardo Alban, e ao autorizar seu líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a aplaudir o gesto do presidente da Casa.

Se pretendia deixar claro que a devolução da medida tinha no ministro da Fazenda seu único responsável foi bem sucedido, mas o gesto não aproxima seu governo de uma solução. A MP foi enviada ao Congresso durante viagem de Fernando Haddad ao exterior sem que os ministros dos setores mais atingidos por seus efeitos tivessem tido conhecimento de seu teor.

Míriam Leitão - Tensão fiscal no meio do caminho

O Globo

O debate fiscal é polarizado e o economista Bráulio Borges aponta que existe caminho do meio no tema que ontem agitou mais uma vez a economia

O governo não sabe de onde virá o ajuste das suas contas. Essa convicção do mercado é uma das razões da alta do dólar, que ontem bateu em R$ 5,40, um salto no ano de 11,38%. Parte da tensão veio do sinal dado pelo FED de que os juros terão apenas um corte até o fim do ano, mas a parte brasileira da preocupação veio de uma declaração do presidente Lula de que o equilíbrio das contas públicas viria do aumento da arrecadação e da queda dos juros. Coube à ministra Simone Tebet avisar que os gastos obrigatórios do orçamento são insustentáveis. Como resolver?

Vinicius Torres Freire - Governo Lula 3, primeira parte: fim

Folha de S. Paulo

Tumulto com Haddad, déficit, juros, dólar, Congresso etc. tem origem antiga

A confusão em que se meteu o governo de Luiz Inácio Lula da Silva parece agora apenas uma crise centrada na desconfiança na capacidade de Fernando Haddad levar adiante um plano crível qualquer de conter a degradação das contas públicas.

Mas esse é apenas o resultado crítico de um acúmulo de equívocos que começam no governo de transição. É possível consertar estragos, mas Lula já perdeu apoio e tempo políticos para fazer governo bem melhor.

Primeiro, Lula optou por desconsiderar parte seu slogan: "União e Reconstrução". A "união" possível seria pouca, dado o conflito raivoso no país. Ainda assim, Lula poderia manter aquele pequeno centro que o ajudou a vencer a eleição e obter algum apoio adicional, além do pessoal que aderiu à "frentinha ampla".

William Waack – Expectativas frustradas

O Estado de S. Paulo

Setores variados da economia estão rompendo publicamente com o governo Lula 3

Não existe “o” empresariado que fale com uma voz, a não ser quando o governo Lula 3 provoca algum tipo de unanimidade entre setores que têm interesses às vezes antagônicos, vivem fases distintas de expansão e rentabilidade e dependem em diferentes graus do poder público.

Foi o caso com a MP que alterava regras do sistema tributário, parte da qual acabou devolvida pelo Congresso depois de repúdio unânime vindo dos mais variados segmentos da economia (e da política). A questão é saber como Lula e seu círculo político mais próximo entenderam a natureza dessa “unanimidade”.

Eugênio Bucci - Sobre a ignorância artificial

O Estado de S. Paulo

O que temos agora não é mais a ignorância da vacuidade, mas uma outra, a da overdose, a ignorância fabricada por algoritmos gelados e por tentáculos de silício

Quando alguém tenta imaginar o que seja a ignorância, a primeira imagem que lhe ocorre é o vazio. De fato, enquanto o saber tem para nós o aspecto de casa cheia e feliz, o não saber é seu oposto: um lugar macambúzio, desocupado e triste. O conhecimento lembra uma constelação de fagulhas inspiradoras, como um salão de janelas amplas, ensolaradas, cheio de gente bonita indo de um lado para o outro; a estultice é sombra e mutismo, um galpão deserto, escuro, sem ninguém e sem utilidade. O espírito dos sábios cintila em signos vibrantes, representações abstratas e sensibilidade de muitas claves; a massa cinzenta de quem não sabe nada é só um pedaço de carne amorfa, incapaz de qualquer contemplação. Portanto, é com acerto que temos o costume de dizer que as pessoas cultas têm uma vida interior rica e ativa, ao passo que os boçais têm a cabeça oca. Nada mais justo. Nada mais preciso. Nada mais óbvio.

Celso Ming - Lula e seu jogo fiscal temerário

O Estado de S. Paulo

Sede de gastança do presidente Lula tem pressionado o dólar e empurrado o ministro Haddad para a fritura pública

Até há algumas semanas, via-se que, além de não ter estratégia, o presidente Lula enveredava para o caminho da gastança.

Embora às vezes dê a entender que preze a responsabilidade fiscal e se comprometa com o equilíbrio das contas públicas, parece convencido de que essas coisas não são para ser levadas a sério: “A gente não cuida do pobre se ficar olhando política fiscal” – já disse ele. É ponto de vista que ignora a lógica de que é só com as contas em ordem que se pode cuidar da política social.

As condições políticas em que se deram a rejeição da medida provisória que metia a mão nos créditos de PIS-Cofins das empresas de modo a garantir recursos extras de R$ 29,3 bilhões para cobrir a perda de arrecadação com a desoneração de alguns setores e das prefeituras estão agora encurralando o presidente Lula.

Alvaro Gribel - Lula insiste no erro

O Estado de S. Paulo

Dólar chega a passar de R$ 5,40, se aproximando da maior cotação do atual governo após Lula ignorar agenda de redução de despesas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não se cansa de errar na economia. Ele, diretamente, ou seus assessores mais próximos, que elaboraram um discurso completamente inapropriado para o momento atual dos mercados de câmbio e juros.

O resultado da fala desta quarta-feira, 12, em evento no Rio de Janeiro – que, em outro momento, poderia ter pouco impacto – foi mais uma disparada do dólar, que chegou a bater em R$ 5,42, se aproximando do pior momento de seu governo, R$ 5,48, logo nos primeiros dias de 2023.

Cláudio Carraly* - Revolução Permanente no Sistema Educacional Brasileiro

Na atualidade, em meio à revolução da informação e da tecnologia, a educação se depara com um dilema premente: persistir em métodos seculares ou abraçar uma transformação indispensável para preparar os alunos aos desafios contemporâneos. Exploramos aqui a urgência de reformar o sistema educacional, apresentando ideias inovadoras e exemplificando experiências bem-sucedidas globalmente, além de evidenciar iniciativas no cenário educacional brasileiro. Ao longo de séculos, o modelo educacional tem resistido à mudança, mantendo-se, em diversos aspectos, vinculado a estruturas e métodos que já não conseguem atender às demandas de uma sociedade em constante evolução, o desafio consiste em superar a inércia de uma tradição arraigada e repensar os fundamentos da educação.

Fernanda Torres - Sejamos conservadores, até o tsunami passar

Folha de S. Paulo

A indignação que tomou Paris em 1968 hoje lota a Paulista para pedir a volta da ditadura

Quando jovem, o imortal Antônio Cícero decidiu estudar filosofia na Europa. Maio de 1968 mal completara um ano e o moço sonhava ser aluno de Gilles Deleuze, na Universidade de Vincennes, em Paris.

Proibido pelo pai de se meter no epicentro do movimento estudantil, que sacudia a tradição acadêmica da época, o poeta, a contragosto, se inscreveu na Universidade de Londres. Enquanto esperava pela aprovação da matrícula, Cícero quis ver de perto o que o zelo paterno lhe negara e foi escondido à cidade luz.

A visita foi o oposto do esperado. A faculdade parisiense, trincheira da revolução juvenil, lhe pareceu pecar pela falta de rigor, fervilhando em assembleias, reivindicações e banheiros quebrados para abolir a divisão de gêneros. Cícero voltou para Londres aliviado. Lá, teve a sorte de usufruir o melhor dos dois mundos. De um lado, a convivência com os tropicalistas exilados, do outro, a austeridade do juízo analítico.

Poesia | O mar e o canavial, de João Cabral de Melo Neto

 

Música | Alceu Valença, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo - Frevo Mulher

 

quarta-feira, 12 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anulação de leilão de arroz não encerra o caso

O Globo

É necessário investigar as suspeitas de irregularidade que levaram governo a cancelar o certame

Diante das suspeitas que rondavam os vencedores do leilão realizado na semana passada para importação de arroz em consequência das chuvas no Rio Grande do Sulnão restava ao governo federal outra alternativa a não ser anular o certame, como fez ontem. Não bastasse o impacto negativo que terá para os produtores de arroz gaúchos, o leilão estava cercado de estranhezas, que, mesmo com a anulação, exigem explicações e investigação.

Uma loja de queijos no centro de Macapá, identificada como Wisley A. de Souza, venceu o maior lote do leilão, comprando 147,3 mil toneladas por R$ 736,3 milhões. Até maio, ela tinha capital social de apenas R$ 80 mil, subitamente aumentado para R$ 5 milhões antes do leilão. Além da empresa do Amapá, participaram do pregão a Zafira Trading, a locadora de máquinas ASR e a fabricante de sorvetes Icefruit, que arremataram 90 mil toneladas pelas quais o governo pagaria R$ 468 milhões. As três estão vinculadas a Robson Almeida França, ex-assessor parlamentar do ex-deputado Neri Geller, secretário de Política Agrícola, demitido após a confusão. Ele foi responsável por dar sinal verde ao leilão. Ambos negam irregularidades.

Vera Magalhães - O semestre perdido de Lula

O Globo

Não há nada a apontar de positivo na ação do governo no Congresso e em sua comunicação com a sociedade

Depois de um primeiro ano de vitórias, que começou ainda antes da posse com a PEC da Transição, o governo Lula carimbou o semestre perdido no Congresso com a lambança da edição da Medida Provisória natimorta que pretendia limitar o uso de créditos tributários de PIS e Cofins para pagar outros impostos. E da pior forma possível: dobrando a aposta no rol de erros que cometeu noutra MP, a 1.202, aquela editada na virada do ano que simboliza o início das agruras de Lula no Congresso.

Nos dois casos, está um expediente equivocado de Fernando Haddad: apostar em medidas unilaterais, não explicadas nem negociadas, para tentar sanar problemas de arrecadação.

Bernardo Mello Franco – Uma professora no Congresso

O Globo

Deputada por um mandato, Conceição Tavares combateu FH e o liberalismo tucano e errou ao prever fracasso do Plano Real

Em 1994, Maria da Conceição Tavares decidiu trocar a sala de aula pela tribuna. Candidatou-se a deputada federal pelo PT. Apesar da campanha modesta, recebeu 40 mil votos. Foi sua primeira e única experiência na política institucional.

Ao debutar na Câmara, a professora já deu uma amostra de seu estilo. “Sei que ninguém me está ouvindo, mas Vossa Excelência pelo menos está”, disse ao presidente Luís Eduardo Magalhães. “É minha estreia neste Congresso, e não tinha a menor intenção de que fosse desta maneira.”

Além de estranhar a balbúrdia, Conceição estava irritada com mudanças na Previdência que aumentariam a mordida nos salários dos trabalhadores. “Sou uma pessoa séria, honesta, amiga de muitos que compõem o governo. Mas o que está sendo proposto é um absurdo”, protestou.

Elio Gaspari - O desequilíbrio de Eduardo Leite

O Globo

A conta do governador fechou, mas havia outra

Em maio, durante uma entrevista, os repórteres Paula Soprana e Matheus Teixeira perguntaram ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite:

— Estudos já apontavam a possibilidade de aumento significativo nas chuvas no RS. O governo do estado se preparou mal para lidar com as enchentes?

Ele respondeu:

— Bom, você tem esses estudos, eles de alguma forma alertam, mas o governo também vive outras pautas e agendas. (...) A agenda que se impunha ao estado era aquela especialmente vinculada ao restabelecimento da capacidade fiscal do estado para poder trabalhar nas pautas básicas de prestação de serviços à sociedade gaúcha.

Roberto Medronho* - Ataque à ciência e aos professores

O Globo

Objetivo de audiência pública na Câmara dos Deputados é inibir os estudos sobre desinformação do NetLab UFRJ

Na última semana, fomos surpreendidos com o requerimento de uma audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados que visa a questionar os resultados de pesquisas conduzidas pelo NetLab, nosso renomado laboratório da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. O requerimento leva professores à comissão com o objetivo de censurar a ciência no Brasil, criminalizando professores. Portanto esse não é um ataque apenas à UFRJ, mas a toda a comunidade acadêmica brasileira.

Wilson Gomes - O declínio do debate parlamentar

Folha de S. Paulo

Episódios da semana passada mostram a deterioração do debate parlamentar

Tenho falado muito sobre a degradação do debate público nacional e como isso reflete tanto uma espécie de "balcanização" da esfera pública quanto a perda da crença coletiva em valores como tolerância e pluralismo.

De um lado, vemos um claro processo de fragmentação política que desagrega grandes blocos ideológicos em unidades menores e altamente hostis entre si; do outro, assistimos à substituição dos valores fundantes da democracia pela ilusão de que o outro lado, o lado "errado" da força, ainda pode ser vencido, neutralizado ou incapacitado.

Episódios ocorridos na semana passada, entretanto, mostram outra face, complementar, dessa história: a deterioração do debate parlamentar.

Bruno Boghossian - O governo girou em falso

Folha de S. Paulo

Leilão anulado e medida provisória devolvida são sintomas de uma ação política atabalhoada

No último mês, o governo abriu a caixa de ferramentas para encarar dois problemas. Primeiro, Lula anunciou um leilão para segurar o preço do arroz após as enchentes gaúchas. Depois, a equipe econômica bolou uma medida que deveria cobrir um buraco bilionário em seu cofre.

Algumas horas foram capazes de fazer o presidente e seus auxiliares voltarem todas essas casas. Com a anulação da compra de arroz e a devolução da medida provisória que deveria compensar a prorrogação da desoneração da folha, o governo girou em falso.

Hélio Schwartsman - Imigração é solução

Folha de S. Paulo

Rejeição ao estrangeiro é o ponto que une a maioria dos partidos de direita nos países ricos

Não acho que Deus exista, mas, se há um criador, ele tem senso de humor. O traço comum que ele imprimiu à maior parte dos grupos de direita, em especial os dos países ricos, é a recusa à imigração. É o que une a ampla variedade de partidos da direita radical europeia, do Irmãos da Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, ao mais extremista Alternativa para a Alemanha, que se desentendem em vários outros assuntos.

Paulo Delgado - Ordem e desordem tributária

O Estado de S. Paulo

Se a carne não é coisa de pobre, e por isso não entra na cesta básica, é um ardil inverso dizer que cerveja não é coisa de álcool, para fazê-la barata

Viver é que vai virar pecado se proteína não entrar na cesta básica, cerveja for considerada menos álcool e o mantra “chegou na sua mão, andou de caminhão” perder o sentido pela associação do diesel com transgressão sanitária e ambiental. Enquanto o ministro vai a Roma convencer o papa de que tributos cobrados por César devem ser maiores do que os devidos a Deus, lembro o zelo da mãe de Manoel de Barros para com o filho sensível: “Menino, você vai carregar água na peneira a vida toda”. Imposto frágil com desculpa dá desordem à exceção.

Martin Wolf - Um mundo mais protecionista

Valor Econômico

Existem excelentes razões pelas quais podemos querer intervir na economia, mas estes impostos dificilmente serão a melhor maneira

Estamos caminhando para um mundo protecionista, liderado pelos Estados Unidos, assim como no início da década de 30. Donald Trump é, obviamente, um protecionista empenhado - um verdadeiro sucessor do senador Smoot e do deputado Hawley, que instigaram a infame tarifa Smoot-Hawley em 1930.

Mas, exceto pelos padrões de Trump, Joe Biden também não é desleixado quando se trata de proteção, mais recentemente, com suas tarifas sobre US$ 18 bilhões em importações chinesas. A tarifa dos EUA sobre os veículos elétricos, em particular, será quadruplicada para 100%. “Onde você esteve por três anos e meio? Eles deveriam ter feito isso há muito tempo”, respondeu Trump.

O ex-presidente propõe tarifas de 10% sobre todas as importações, com exceção das provenientes da China, sobre as quais ele espera impor tarifas de 60%. Essas novas tarifas, espera ele, também compensariam parcialmente a perda de receitas resultante da sua altamente dispendiosa Lei do Emprego e Redução dos Impostos de 2017.

Fernando Exman - Devolução de MP é ato raro que deve ser compreendido

Valor Econômico

Experiente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia ter poupado a si e ao seu governo do vexame de ter parte de uma medida provisória devolvida pelo presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

É a segunda vez que ele se depara com uma encruzilhada nas relações com o Legislativo por causa de uma MP rejeitada. A primeira foi em 2008, em seu segundo mandato. E os episódios guardam alguma semelhança: assim como fez nessa terça-feira (11), o Parlamento decidiu dar sinais de insatisfação ao Poder Executivo.

A confusão estava instalada no plenário do Senado naquele fim de tarde de 19 de novembro de 2008, quando o então presidente da Casa, Garibaldi Alves Filho (MDB-RN), anunciou a decisão de devolver uma medida provisória que alterava as regras para concessão e renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas).

Com voz inconfundível e um característico ritmo pausado ao falar, Garibaldi argumentou que a MP continha dispositivos inaceitáveis e, portanto, não poderia ser votada em sua forma original. O centro das críticas era o fato de ela tornar automática a aprovação de pedidos de renovação de certificados de filantropia já feitos ao Conselho Nacional de Assistência Social. Para a oposição, a possibilidade abria brechas para fraudes.

Lu Aiko Otta - 55 dias para mudar as despesas obrigatórias

Valor Econômico

Fim das eleições municipais é janela para proposta de revisão das regras de aumento das despesas com saúde, educação e benefícios atrelados ao salário mínimo

Os técnicos mais otimistas da área econômica enxergam uma estreita janela de oportunidade para o avanço, no Congresso Nacional, de uma proposta de revisão das regras de aumento das despesas com saúde, educação e benefícios atrelados ao salário mínimo. São os 55 dias que separam o fim das eleições municipais e o início do recesso parlamentar.

A aposta se concentra no fim de 2024 porque os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) estarão no fim de seus períodos à frente das casas legislativas. É uma situação menos ruim para debater temas impopulares - como é o caso - do que o início dos mandatos das novas mesas diretoras.

Nilson Teixeira - IPCA caiu mesmo com menor desemprego

Valor Econômico

Embora a melhoria no mercado de trabalho não seja uma boa justificativa, a interrupção do ciclo de baixa de juros na próxima reunião do Copom é a resposta correta

As condições do mercado de trabalho têm melhorado desde 2021. A força de trabalho era de 109 milhões de pessoas em abril de 2024 - aumento de 1,8% frente ao mesmo mês de 2023, com a população ocupada de 100,8 milhões de pessoas - crescimento de 2,8 milhões de pessoas em um ano. A taxa de desocupação diminuiu de 14,8% (15,2 milhões de pessoas) em abril de 2021 para 7,5% (8,2 milhões de pessoas) em abril de 2024, um recuo de 9,7% frente ao mesmo mês de 2023. Ao mesmo tempo, o rendimento médio mensal real alcançou R$ 3.151 em abril de 2024, alta de 4,7% frente ao mesmo período de 2023, com a massa salarial real expandindo 7,9%.

Zeina Latif - Quando a baixa tolerância é boa notícia

O Globo

Recomendar a contenção de gastos é o grande teste de Haddad. Caberá a Lula avançar ou não. O cálculo, como sempre, é político

Afirmei algumas vezes que a agenda de contenção de gastos pelo governo se imporia cedo ou tarde, independentemente da regra fiscal utilizada. O problema é que o horizonte está se encurtando.

O desenho inconsistente do arcabouço fiscal, identificado já na largada, ficou claro. Confirmou-se equivocada a ideia de que não seria necessário o controle de despesas, bastando o aumento das receitas. E como o arcabouço tem papel central na credibilidade do governo, acelera-se a necessidade de mudanças na estratégia fiscal.

Vinicius Torres Freire – Batata, arroz e juros

Folha de S. Paulo

Tubérculo, leite, luz e plano de saúde pesaram mais no IPCA; mau humor geral afeta preços e juros

O preço do arroz aumentou em maio. Mas a comida que pesou mesmo na inflação do mês foi a batata, que deu a maior contribuição para a alta do IPCA entre todos os 387 tipos de produtos acompanhados pelo IBGE ("subitens").

Batata (alta de 20,61%) e arroz (de 1,47%) ficaram mais caros especialmente por causa da catástrofe no Rio Grande do Sul, como era esperado.

Além dos efeitos do desastre, a inflação média veio um tico pior por outros motivos. Nada nem de longe perto de dramático. Mas o ambiente de mau humor na economia pesa; a inflação de serviços resiste.

Desde abril, o dólar esteve quase sempre acima de R$ 5,10; anda agora na casa dos R$ 5,30. É risco de alta para produtos com cotação internacional, como petróleo, mas também alimentos.

Paul Krugman - Liberdade é apenas mais uma palavra para não pagar impostos*

The New York Times / Folha de S. Paulo

Por que os oligarcas da América estão se unindo em torno de Trump

Após Donald Trump ser condenado por 34 crimes graves, a Heritage Foundation —um think tank de direita que produziu a agenda Project 2025, um plano de políticas caso Trump vença— voou uma bandeira americana de cabeça para baixo, que se tornou um emblema de apoio ao MAGA (Make America Great Again, principal slogan de Trump) em geral e à negação das eleições em particular.

Essa ação pode ter chocado alguns conservadores antigos que ainda viam a Heritage como uma instituição séria, mas a Heritage é, afinal, apenas um think tank. Não é como se bandeiras de cabeça para baixo estivessem sendo voadas por pessoas que esperamos que defendam nossa ordem constitucional, como os juízes da Suprema Corte.

Ah, espera.

Luiz Carlos Azedo - Pacheco devolve parcialmente MP do PIS-Pasep

Correio Braziliense

"O governo esperava arrecadar R$ 29,2 bilhões com a MP, para compensar, com sobras, as desonerações da folha de pagamento, estimada em R$ 26,3 bilhões", lembra o jornalista

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou, ontem, ao lado do líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA), que devolverá parcialmente a medida provisória que mudou as regras de utilização dos créditos do PIS-Cofins das empresas, impedindo que fossem utilizados para pagar outros impostos. A decisão foi uma resposta à forte reação dos meios empresariais contra a MP, que tem impacto na competitividade e no lucro das empresas.

Lideranças empresariais de todos os setores atingidos se mobilizaram contra a medida e receberam apoio de 27 frentes parlamentares, que representam os setores produtivos atingidos. Enviada ao Congresso na semana passada, politicamente a matéria foi mais um tiro no pé da equipe econômica do governo, que tenta compensar o aumento de gastos da administração federal com aumento de arrecadação. Os técnicos da Fazenda resolvem o problema nas planilhas, mas não na vida real.

Rodrigo Craveiro - Ventos sombrios da Europa

Correio Braziliense

As eleições do Parlamento Europeu atestaram a tendência de crescimento da extrema direita e expuseram o completo descrédito no establishment

Forças ultraconservadoras brasileiras estão em polvorosa com o avanço de seus homólogos na Europa. As eleições do Parlamento Europeu atestaram a tendência de crescimento da extrema direita e expuseram o completo descrédito no establishment, na política mainstream, mas também a falsa noção de que ideologias radicais e divisivas são o remédio para crises econômicas. Na França, a Reunião Nacional — a antiga Frente Nacional —, partido de Marine Le Pen, obteve quase um terço dos assentos do Parlamento Europeu e forçou o presidente Emmanuel Macron a dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas, mesmo ante o risco de uma surra nas urnas e de solidificar a ascensão da extrema direita.

Poesia | O Tempo, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Gilberto Gil e Elba Ramalho - Festa do interior / Pagode russo / Onde tu tá neném

 

terça-feira, 11 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Avanço da ultradireita traz riscos para a EU

Folha de S. Paulo

Moderação ainda predomina nas eleições para o Parlamento Europeu, mas radicais mostram força; França é país mais afetado

A eleição para o Parlamento Europeu é evento marcado pela natureza burocrática da instituição, uma das três que compõem o arcabouço da governança do bloco de 27 nações. Apenas metade do eleitorado potencial foi às urnas no processo encerrado no domingo (9).

Os debates do órgão centrado em Estrasburgo (França) costumam ser vistos como alheios às realidades locais, e os 720 deputados não têm palavra decisiva sobre temas como defesa, hoje vital em meio à Guerra da Ucrânia.

Isso dito, o pleito serve como um barômetro político, e o que foi aferido neste fim de semana sugere uma renovação da onda conservadora dos anos 2010, cujos efeitos deletérios se fazem presentes até hoje, como o brexit.

Merval Pereira - Há a direita no caminho

O Globo

A ascensão da direita no mundo, com a possibilidade de vitória de Trump nos Estados Unidos, é fator que certamente influenciará na política interna brasileira, numa região em que também a direita vem crescendo

A comemoração da direita brasileira pelo resultado das eleições para o Parlamento Europeu, com a ascensão da direita em suas várias versões, especialmente a extremista, tem razão de ser. Mas não significa que a União Europeia esteja à beira de ser dominada pelos direitistas, nem que o mundo vá inexoravelmente nessa direção. Esse ambiente político, porém, de embate na Europa, pode ter consequências no Brasil, que desde 2018 é palco de uma disputa entre esquerda e direita, representando um retrocesso político de graves consequências.

Durante cerca de 25 anos, superada a disputa entre Collor e Lula, o PSDB, de centro-esquerda, enfrentou a esquerda representada pelo PT de Lula, oferecendo ao eleitor uma visão social da disputa presidencial. Nesse período, não havia político que quisesse ser identificado com a direita, que se abrigou sob as asas dos tucanos.