quarta-feira, 12 de junho de 2024

Martin Wolf - Um mundo mais protecionista

Valor Econômico

Existem excelentes razões pelas quais podemos querer intervir na economia, mas estes impostos dificilmente serão a melhor maneira

Estamos caminhando para um mundo protecionista, liderado pelos Estados Unidos, assim como no início da década de 30. Donald Trump é, obviamente, um protecionista empenhado - um verdadeiro sucessor do senador Smoot e do deputado Hawley, que instigaram a infame tarifa Smoot-Hawley em 1930.

Mas, exceto pelos padrões de Trump, Joe Biden também não é desleixado quando se trata de proteção, mais recentemente, com suas tarifas sobre US$ 18 bilhões em importações chinesas. A tarifa dos EUA sobre os veículos elétricos, em particular, será quadruplicada para 100%. “Onde você esteve por três anos e meio? Eles deveriam ter feito isso há muito tempo”, respondeu Trump.

O ex-presidente propõe tarifas de 10% sobre todas as importações, com exceção das provenientes da China, sobre as quais ele espera impor tarifas de 60%. Essas novas tarifas, espera ele, também compensariam parcialmente a perda de receitas resultante da sua altamente dispendiosa Lei do Emprego e Redução dos Impostos de 2017.

Politicamente, essas medidas são atraentes. O impacto das tarifas sobre aqueles que são prejudicados é relativamente invisível; as vítimas geralmente são impotentes; e - aleluia! - as tarifas podem ser justificadas como uma maneira de corrigir os erros cometidos por estrangeiros detestáveis. No entanto, ainda são políticas ruins.

Para compreender isso, é necessário fazer uma distinção introduzida na economia no começo dos anos 1960 e justificada empiricamente em algumas análises clássicas sobre o papel das políticas comerciais no enorme sucesso do desenvolvimento orientado para as exportações de Taiwan, Coreia do Sul e, posteriormente, a China.

A questão é simples. Sim, há excelentes motivos pelos quais podemos querer intervir na economia. Podemos querer reduzir a desigualdade e a insegurança, promover indústrias nascentes, limitar a instabilidade macroeconômica e minimizar vulnerabilidades estratégicas. Mas a política comercial, especialmente a proteção, raramente será a melhor maneira de alcançar o objetivo. O argumento a favor do comércio liberal não é um argumento a favor do laissez faire. É um argumento a favor do uso de instrumentos que não as barreiras comerciais sempre que possível.

As tarifas são impostos sobre os consumidores cujas receitas vão para o governo e em grande parte para os produtores. Existem argumentos sólidos a favor da intervenção nos mercados, mas regressar às políticas comerciais da década de 30 é uma loucura

Para entender por que as tarifas raramente são o melhor instrumento de política, é preciso entender o que elas fazem. As tarifas são impostos sobre os consumidores cujas receitas vão em parte para o governo, mas em grande parte para os produtores. Portanto, são exemplos de “imposto e gasto”, mas a tributação está oculta no preço elevado do produto e o gasto está oculto nas elevadas recompensas aos produtores.

Essas políticas não são bem orientadas para nada, a não ser esses objetivos. Como qualquer outro imposto, as tarifas pioram a situação das pessoas que compram o bem, sejam elas consumidores ou produtores. Mas elas também têm efeitos mais amplos sobre a economia. Acima de tudo, elas impõem um “viés de mercado interno”. Em termos gerais, um imposto sobre as importações é também um imposto sobre as exportações.

Como isso funciona? Bem, tome por exemplo a tarifa de 10% sobre todas as importações proposta por Trump. Isso pode ser considerado inicialmente uma desvalorização, mas apenas para os substitutos das importações. As importações desses produtos cairão - afinal, esse é o objetivo. Mas não há razão para que isso afete diretamente o balanço em conta corrente, a menos que também altere a renda agregada e os gastos na economia. Assim, com a menor demanda por importações, a necessidade de comprar moeda estrangeira diminuirá. Isso vai fortalecer o dólar, tornando as exportações menos competitivas. Elas, então, encolherão. Os exportadores são os produtores mais competitivos do país. Proteger os produtores de substitutos importados não competitivos à custa deles não parece sensato.

Isso não é teoria. Aqueles de nós que trabalharam em países com políticas altamente protecionistas viram esse resultado. Trabalhei na China no Banco Mundial na década de 70. A política comercial protecionista não tornou o país autossuficiente. Ela esmagou as exportações, tornando o país muito mais vulnerável.

Isso está longe de ser tudo. Também há efeitos distributivos adversos. Um excelente estudo recente, “Why Trump Tariff Proposals Would Harm Working Americans” (“Porque as propostas de tarifas de Trump prejudicariam os trabalhadores americanos”), de Kimberly Clausing e Mary Lovely, para o Peterson Institute for International Economics, analisa as evidências de que a agenda de Trump para outro mandato “equivale a cortes de impostos regressivos, apenas parcialmente compensados por aumentos de impostos regressivos. Uma estimativa mínima dos custos para os consumidores indica que as tarifas reduziriam os rendimentos líquidos em cerca de 3,5% para aqueles na metade inferior da distribuição de renda”.

Da mesma forma, um estudo publicado pelo National Bureau of Economic Research (NBER) em janeiro de 2024 concluiu que a guerra comercial de 2018-2019 iniciada por Trump “não forneceu até agora ajuda econômica ao coração dos EUA: as tarifas de importação aos produtos estrangeiros não aumentaram nem reduziram o emprego nos EUA em setores recentemente protegidos; as tarifas retaliatórias tiveram claros impactos negativos sobre o emprego, principalmente na agricultura; e esses danos foram apenas parcialmente mitigados por subsídios agrícolas compensatórios dos EUA”. No geral, uma má política comercial e uma boa política eleitoral.

Será que o apoio mais direcionado de Biden à produção de veículos elétricos se sairá melhor? Isso é improvável por uma simples razão. A política não protegerá os produtores no mercado americano, mas o mercado americano é pequeno demais para tornar os produtores nacionais globalmente competitivos. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), em 2023 o mercado americano de veículos elétricos a bateria e híbridos “plug-in” representou 17% do mercado da China. Os consumidores americanos não dominam mais o consumo mundial. Este é um grande obstáculo a uma política industrial orientada para o mercado interno.

Será necessário algo muito mais sutil e esse algo são os subsídios. Biden teve toda razão em usá-los. A réplica será que os impostos necessários para financiar os subsídios são um anátema. Mas tarifas são impostos mais altos. Sim, existem argumentos perfeitamente sólidos a favor da intervenção nos mercados. Mas regressar às políticas comerciais da década de 30 é uma loucura. (Tradução de Mário Zamarian)

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