Avanço da ultradireita traz riscos para a EU
Folha de S. Paulo
Moderação ainda predomina nas eleições para o
Parlamento Europeu, mas radicais mostram força; França é país mais afetado
A eleição para o Parlamento
Europeu é evento marcado pela natureza burocrática da
instituição, uma das três que compõem o arcabouço da governança do bloco de 27
nações. Apenas metade do eleitorado potencial foi às urnas no processo
encerrado no domingo (9).
Os debates do órgão centrado em Estrasburgo (França)
costumam ser vistos como alheios às realidades locais, e os 720 deputados não
têm palavra decisiva sobre temas como
defesa, hoje vital em meio à Guerra da Ucrânia.
Isso dito, o pleito serve como um barômetro político, e o que foi aferido neste fim de semana sugere uma renovação da onda conservadora dos anos 2010, cujos efeitos deletérios se fazem presentes até hoje, como o brexit.
O golpe foi sentido com mais força na França,
onde o presidente Emmanuel
Macron reagiu à derrota fragorosa para o partido da
ultradireitista Marine Le Pen dissolvendo o
Parlamento e convocando eleições antecipadas.
É uma tentativa algo afoita de galvanizar o
eleitorado para o que ele percebe como um risco existencial para a democracia
francesa. Se fracassar, poderá ter de conviver no restante de seu derradeiro
mandato até 2027 com uma Assembleia Nacional fragmentária ou dominada por
radicais.
Mas Le Pen, filha de um ícone da ultradireita
no pós-guerra, já não se vende como tão radical. Ela é a face mais visível do
retrofit promovido pelo movimento na Europa,
buscando tornar-se palatável para as franjas mais centristas.
É também o caminho da maior vencedora do
domingo, a premiê italiana, Giorgia
Meloni. De herdeira presumida do fascismo, ela firmou-se como uma
rara ilha de estabilidade no seu país e abraçou a pauta pan-europeia, isolando
extremistas de sua aliança.
Meloni agora será decisiva para a permanência
ou não da centro-direitista Ursula von der Leyden como presidente da Comissão
Europeia, o Executivo do bloco.
Críticos apontam o caráter cosmético e o
oportunismo de tais mudanças. Le Pen, por exemplo, só afastou-se da Rússia após
o início da guerra, em 2022.
É salutar, de todo modo, o predomínio de
agremiações tradicionais, sejam no dominante bloco de centro-direita do Partido
do Povo Europeu, seja na enfraquecida centro-esquerda que o segue.
O cenário fica mais incerto —e sombrio—
quando se observa a ascensão da
ultradireita menos contida, a começar pela AfD (Alternativa
para a Alemanha).
O partido de notória associação com o neonazismo ficou em segundo lugar, além
de vencer eleições estaduais.
É um voto antissistema e antiglobalização,
com tons xenofóbicos, que ajudou a desidratar o Partido Verde ao associá-lo à
perda de empregos, ameaçando metas de descarbonização. Indica, como comprova a
posição firme de radicais na Hungria, na Áustria e na Espanha, que há espaço
para a ressonância desses discursos em meio à temperança sancionada pela
maioria.
Bruno e Dom, 2 anos
Folha de S. Paulo
Impunidade estimula violência na Amazônia,
que exige políticas contínuas
Os assassinatos brutais do indigenista Bruno
Araújo Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na Terra Indígena Vale do
Javari, no Amazonas, exigiam resposta célere do Estado brasileiro.
Passados dois anos, entretanto, os acusados
pelos crimes, ligados à pesca ilegal na região, ainda não
foram a julgamento. Em abril deste 2024, a Justiça acatou um pedido
de adiamento por parte da defesa, sem prever nova data.
É imprescindível, por óbvio, que executores e
mandantes do crime sejam punidos, respeitando-se o direito à defesa e ao
contraditório.
Em 2022, o Brasil figurava em 2º lugar na
lista de países mais letais para ambientalistas, elaborada pela ONG britânica
Global Witness, com 34 casos. Entre junho de 2022 e maio de 2023, foram
registrados 62 ataques a jornalistas na Amazônia, segundo a
organização internacional Repórteres sem Fronteiras.
A violência no
território é um problema histórico devido a conflitos fundiários, exploração
ilegal de madeira e outros recursos naturais, garimpo e
grilagem, que afetam notadamente a população indígena com fome, doenças e
mortes. Nos últimos anos, a expansão do
narcotráfico pela região tem piorado a situação já calamitosa.
É urgente que o Estado brasileiro desenvolva
políticas para conter a violência na Amazônia.
Deve-se fazer um diagnóstico das zonas mais
afetadas e alocar recursos de acordo com necessidades específicas, estipulando
prazos e metas para resultados, que exigem avaliação contínua.
Para combater facções criminosas, é preciso
investir em fiscalização e inteligência policial para desmantelar fontes de
financiamento e fortalecer o controle de armas.
Também é inadmissível permitir que a
morosidade de Justiça e a impunidade verificadas no caso de Bruno e Dom
continuem a estimular atos infames como os que ceifaram suas vidas.
Centro resiste a avanço da ultradireita na
eleição europeia
O Globo
Expectativa é continuidade de políticas
moderadas, embora radicais tenham ganhado força para influir na pauta
Apesar do avanço
da direita mais radical em vários países, como França, Itália e
Alemanha, o novo Parlamento Europeu, que tomará posse em 16 de julho, manterá a
maioria de deputados alinhados ao centro democrático. Dados preliminares da
eleição nos 27 países do bloco mostraram que a coalizão centrista que tem comandado
o Legislativo da União
Europeia (UE) permanecerá no controle no próximo mandato.
O Partido Popular Europeu (PPE), de
centro-direita, não apenas manteve o posto de maior legenda, mas ganhou dez
cadeiras, somando 186. A Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas
(S&D), de centro-esquerda, perdeu quatro deputados, mas continua com 135,
na segunda posição. O liberal Renovar a Europa perdeu mais espaço, caiu de 102
para 79 cadeiras. Mesmo assim, os três partidos que formam o eixo do Parlamento
Europeu preservaram uma maioria moderada em torno de 400 cadeiras, ou 55% do
total. É quatro pontos abaixo do que tinham, mas o bastante para manter o
controle. Os principais derrotados das eleições deste ano foram os Verdes,
normalmente aliados do bloco centrista. Eles tinham 71 deputados e
provavelmente só elegeram 53.
A expectativa, portanto, é a continuidade na
maioria das políticas, entre elas o apoio à Ucrânia na guerra contra a Rússia,
maior conflito em solo europeu desde a Segunda Guerra. Mesmo antes do resultado
oficial, é possível afirmar que os eleitores desmentiram as previsões de erosão
irremediável do centro. É verdade, contudo, que partidos da ultradireita
conquistaram terreno e chegaram perto de um quarto dos assentos, ante um quinto
no pleito de 2019. Embora não tenham força para impor sua agenda, certamente
influirão na pauta da discussão.
Na França, o Reunião Nacional, liderado por
Marine Le Pen e Jordan Bardella, ficou com 31% dos votos, mais que o dobro do
percentual dado à aliança apoiada pelo presidente Emmanuel
Macron ou aos socialistas liderados por Raphaël
Glucksmann. Diante da
derrota, Macron anunciou a dissolução da Assembleia Nacional francesa e
convocou eleições legislativas. O primeiro turno ocorrerá em 30
de junho. A reação é uma aposta arriscada de Macron, atualmente num governo de
minoria. Ele acredita que, em razão das peculiaridades do sistema eleitoral
francês, a ultradireita não terá o mesmo êxito nas eleições locais. Na
Alemanha, os três partidos da coalizão do primeiro-ministro Olaf Scholz
perderam para os radicais de direita do Alternativa para a Alemanha (AfD).
Mesmo assim, com 16% dos votos, o AfD ficou abaixo dos 22% previstos por
pesquisas e atrás dos conservadores da coalizão CDU/CSU (30%). Na Itália, os
Irmãos da Itália, legenda de ultradireita da primeira-ministra Giorgia Meloni,
ficou com 29% dos votos, acima do resultado obtido nas eleições de 2022.
O espaço conquistado pela ultradireita deve
resultar em políticas mais restritivas à imigração na UE, antiga demanda do
eleitorado. Mas é cedo para saber qual será o nível de coesão do bloco mais
radical. Desde eleita, Meloni tem adotado medidas mais sensatas do que suas
promessas eleitorais faziam crer. Não é certo que aceite fazer pacto com Le Pen
e os demais radicais. O primeiro teste tem data marcada. Presidente da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen, de centro-direita, está em busca de um segundo
mandato. A eleição será no dia 18 de julho.
Não cabe à AGU buscar aval do TSE para atuar
na campanha eleitoral
O Globo
Iniciativa criaria desequilíbrio ao fornecer
a candidatos da situação o apoio do braço jurídico do governo
É preocupante a iniciativa da Advocacia-Geral
da União (AGU)
de buscar aval do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
para atuar contra o que considera desinformação envolvendo políticas públicas
federais. A AGU fez uma consulta à Corte para saber se cabe à Justiça
Eleitoral julgar ações que visam a restringir ou remover
propaganda eleitoral em casos desse tipo. Na consulta, a própria AGU reconhece
não ter legitimidade para propor ação eleitoral (isso cabe apenas a candidatos,
aos partidos e ao Ministério Público). Mas alega, para justificar seu pleito,
que “não é de interesse da União quem poderia se beneficiar da fake news, mas
sim a integridade e defesa de sua política pública”.
Há vários problemas em um braço do Executivo
querer dizer que políticas públicas podem ser divulgadas nas campanhas
eleitorais. Se a AGU, representante jurídica do governo federal, pudesse
acionar a Justiça Eleitoral contra propagandas que lhe parecessem inverídicas,
isso certamente causaria efeito cascata nas advocacias públicas estaduais e
municipais. Candidatos que disputam a reeleição seriam naturalmente
beneficiados, uma vez que suas defesas ganhariam, além dos advogados que cuidam
de suas campanhas, o reforço das procuradorias, o que violaria o princípio da
paridade de armas. É difícil distinguir o que é Estado e o que é governo ao
avaliar uma política pública.
Não se questionam os males causados pela
desinformação em campanhas eleitorais, como diversos exemplos mundo afora têm
comprovado. Foi essa, por sinal, a principal preocupação demonstrada pela
ministra Cármen Lúcia em seu discurso de posse como presidente do TSE no início
do mês (o destaque recente é o uso de ferramentas de inteligência artificial
que multiplicam o potencial nocivo). Mas não cabe à Justiça Eleitoral defender
políticas públicas contra críticas, ainda que mal-intencionadas. Isso abriria portas
ao arbítrio, ameaçando as liberdades de expressão e de informação. Da mesma
forma, não cabe à AGU o papel de censora de propaganda das candidaturas. Os
próprios candidatos que se julguem prejudicados por desinformação têm o direito
de recorrer à Justiça Eleitoral se quiserem.
Ainda que disfarçada de boas intenções, a iniciativa da AGU parece apenas uma tentativa do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de controlar o que se diz a seu respeito — obsessão recorrente não apenas de gestões petistas. Na tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul, o governo reagiu mal às críticas, classificando opiniões contrárias como desinformação. Foi uma atitude sem cabimento. Já existem canais para tratar do assunto na Justiça. Seria um absurdo que a AGU se transformasse numa espécie de “departamento da verdade” durante as eleições.
A ousadia do PT
O Estado de S. Paulo
Pioneiros da desinformação, petistas se assenhoram da comunicação estatal para tentar melhorar a imagem do governo, confundindo interesses partidários com os do Estado brasileiro
O Estadão revelou que servidores da
Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência têm se reunido diariamente com
equipes do PT para “pautar as redes que o partido alcança”. Batizado de
“gabinete da ousadia” – uma espécie de contraposição supostamente debochada ao
“gabinete do ódio” bolsonarista, também revelado por este jornal –, esse
conciliábulo deveria se chamar “gabinete da petulância”, dada a descarada
apropriação da estrutura do Estado para fins político-partidários.
A iniciativa, embora indecente, nem
surpreende. Trata-se da reedição da manjada máquina petista especializada em
difundir versões dos fatos que agradam ao Palácio do Planalto, não
necessariamente verdadeiras, e desqualificar e perseguir os críticos do governo
federal, sobretudo a imprensa profissional.
Tão naturalizada foi essa mixórdia que ambas
parecem ser uma coisa só, mas convém lembrar que não são. A Secom é um órgão
público, responsável pela comunicação institucional da Presidência. Obviamente,
deve ser apartidária. Já a estrutura de comunicação do PT é privada, ainda que
financiada pelos vultosos recursos dos contribuintes que enchem o caixa dos
partidos no Brasil – uma excrescência por si só. Portanto, se ousadia há, é o
fato de o presidente Lula da Silva seguir recalcitrando contra o princípio republicano
da separação do público e do privado, misturando deliberadamente os interesses
de seu partido com os do Estado brasileiro.
A bem da verdade, o tal “gabinete da ousadia”
não funciona nos mesmos moldes do “gabinete do ódio”, ainda que ambos, ao fim e
ao cabo, usem os mesmos artifícios para alimentar a cizânia entre os cidadãos,
mentir ou distorcer a realidade. O “gabinete do ódio” foi alçado à condição de
estrutura de governo, com servidores dedicados e remunerados pela administração
pública. Ademais, operava ao lado do gabinete de Jair Bolsonaro no Palácio do
Planalto, sob as ordens diretas de um de seus filhos, o vereador carioca Carlos
Bolsonaro. A dinâmica do “gabinete da ousadia” é um pouco mais informal, como
mostrou o Estadão, malgrado também se prestar a intoxicar o debate público
– prática da qual o PT, aliás, é pioneiro na história recente.
Há mais de uma década, o PT olhou para a
internet – ainda tateando o universo da política – e viu no ambiente virtual
uma nova trincheira de sua batalha política contra adversários e críticos. O
busílis é o que o partido passou a entender por “batalha política” nessa
ramificação da esfera pública, então em ascensão. Em 2011, é bom lembrar, o PT
criou os famigerados núcleos de Militância em Ambientes Virtuais (MAVs), origem
do que há de pior no debate público, chamemos assim, travado nas redes sociais
hoje em dia.
Ao que parece, nada disso mudou. Hoje é ainda
mais promíscua a relação entre o PT e o governo Lula 3 no que concerne à
comunicação, ao arrepio da Constituição – em particular dos princípios que
regem a administração pública. Quem revelou isso foi o próprio secretário
nacional de Comunicação do partido, Jilmar Tatto. Ao Estadão, Tatto
admitiu a realização das “reuniões de pauta” envolvendo sua equipe, uma agência
de comunicação contratada pelo PT e servidores da Secom. Só contemporizou
afirmando que a participação destes últimos seria esporádica, “às vezes,
dependendo do horário” – como se a frequência dos encontros fosse o problema
central, e não o fato de servidores da Secom, que, repita-se, deveria ser
apartidária, discutirem a comunicação do governo com membros do PT.
Como qualquer partido, o PT pode dizer o que
quiser sobre Lula, sobre o País e o mundo. A Secom, por sua vez, está a serviço
de todos os brasileiros, não só dos petistas. E tem uma missão pública clara e,
principalmente, regida por lei. Mas, para um demiurgo que não admite ser
falível nem como hipótese, o inferno são sempre os outros. Logo, para Lula,
qualquer desgaste perante a opinião pública se resume a mera questão de
comunicação. E vale tudo nessa “guerra” para fazer prevalecer a sua versão dos
fatos, até rasgar a Constituição e sapatear sobre a moralidade pública.
Cheiro de naftalina
O Estado de S. Paulo
Sem consultar o setor e por meio de um jabuti
em um projeto de lei para a indústria automotiva, o governo tenta retomar a
desastrosa política de conteúdo local para petróleo e gás natural
O governo parece realmente disposto a
reeditar todos os erros cometidos por administrações petistas no passado
recente e remoto. Para isso, conta com o apoio do Legislativo e a desatenção da
sociedade. Se colar, colou; do contrário, recua-se até que haja uma
oportunidade melhor.
Às vésperas do feriado, a Câmara dos
Deputados aprovou o enésimo pacote para estimular a indústria automotiva. O
governo deve oferecer quase R$ 20 bilhões em benefícios fiscais às montadoras
até 2028 – dessa vez, a pretexto de descarbonizar o setor por meio do programa
Mobilidade Verde e Inovação (Mover).
Não foi a única medida com cheiro de
naftalina aprovada pelos deputados. No mesmo texto, os parlamentares incluíram
o retorno da política de conteúdo local para o setor de petróleo e gás natural.
Como se diz em Brasília, jabuti não sobe em árvore, e este contou com a mão do
deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) e o apoio do líder do governo na
Câmara, José Guimarães (PT-CE), que orientou a base a votar a favor da
proposta.
A reação do setor, previsivelmente, foi
péssima. O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) disse que a emenda
representava grave barreira para os projetos, deteriorava o ambiente de
negócios e poderia inviabilizar os próximos leilões. É o oposto do que o País
precisa neste momento, em que a taxa de investimentos atingiu 16,9% do Produto
Interno Bruto (PIB).
De repente, tudo mudou. O ministro das
Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo não tinha
compromisso com a sanção da proposta. O vice-presidente Geraldo Alckmin, também
ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, defendeu a
retirada da emenda pelo Senado, enquanto interlocutores do Ministério de Minas
e Energia manifestaram preocupação com o afastamento de investidores
internacionais.
A grita foi tamanha que a retirada do jabuti
não precisou nem mesmo ir a voto. Felizmente, o relator, Rodrigo Cunha
(Podemos-AL), suprimiu o trecho no parecer que foi submetido ao plenário do
Senado, e são baixas as chances de que a emenda volte na votação da Câmara.
De tudo, no entanto, o que mais impressionou
foi o jogo duplo do governo. Da forma como os ministros reagiram ao jabuti, até
parece que a ideia de resgatar a política de conteúdo local para o setor de
petróleo e gás e cravá-la em lei tinha sido gestada pela oposição. Ora, o
Solidariedade é um partido do Centrão e tem uma bancada de apenas cinco
deputados que, tradicionalmente, votam com o governo. Sem a orientação
favorável de José Guimarães, a emenda jamais conseguiria alcançar os 174 votos
que alcançou.
Ao contrário do que os ministros sugeriram,
tal política não representa nenhuma afronta ao governo. No fim do ano passado,
em reunião extraordinária, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE),
colegiado formado por vários ministros, entre os quais Alckmin e Alexandre
Silveira, já havia elevado os porcentuais de conteúdo local para o fornecimento
de equipamentos de 18% para 30% na fase de exploração e de 25% para 30% na
etapa de produção.
Pelo que se viu no Legislativo, houve quem
tenha considerado a resolução insuficiente para estimular a indústria nacional.
Para isso, nada melhor que impor porcentuais mais rígidos na lei, bem como
multas pesadas a quem ousar descumpri-los – como era no passado.
Quando a política de conteúdo local foi
flexibilizada pelo governo Michel Temer, em 2017, não foi por complacência com
o setor. As exigências elevaram sobremaneira o custo de produção no País,
afastaram investidores e foram uma das razões pelas quais o País ficou cinco
anos sem realizar leilões de petróleo e gás.
Com as mudanças, os leilões tiveram mais
competição, e investimentos bilionários foram destravados. A Petrobras foi uma
das principais beneficiadas, pois acumulava multas milionárias por não
conseguir cumprir as rigorosas exigências atreladas à política de conteúdo
local.
Chama a atenção a facilidade com que uma
política fracassada quase voltou em uma versão piorada – na forma da lei e por
meio de um jabuti. Desta vez, não passou. Nas próximas, quem sabe.
Uma Europa mais conservadora
O Estado de S. Paulo
A moderação deve prevalecer, conquanto
esquerda e direita façam concessões
Eleições para o Parlamento Europeu costumam
refletir disputas e protestos nacionais sobre ideologias e valores. Como um
referendo sobre o destino da União Europeia (UE), a de 2024 aponta um
robustecimento da direita. A sua extensão ficará mais clara em julho, quando os
parlamentares votarão pela presidência da Casa. Por décadas ela foi conduzida
por grandes coalizões entre a centro-direita e a centro-esquerda. Agora, uma
coalizão da direita moderada à radical é, em tese, possível, mas a manutenção
centrista é mais provável.
A ascensão da direita radical projetada antes
das eleições é relativa. Ela foi marcante em dois países-chave, Alemanha e
França, mas no resto – inclusive em países que vivem essa ascensão, como
Holanda, Portugal e até a Hungria – o desempenho foi pior que o esperado.
Liderada pelos partidos eurocéticos ECR
(Conservadores e Reformistas) e ID (Democracia e Identidade), a direita radical
levou 22% das cadeiras. O resultado impressiona em relação aos 5% de 2009. Mas
desde 2019 o aumento foi de 2 pontos porcentuais, sugerindo um achatamento da
curva. O sonho do bloco reacionário de rivalizar com o bloco centrista ainda é
só um sonho. Até porque, dado o nacionalismo de suas facções, esse “bloco”
sofre muitas dissensões.
A esquerda, especialmente os Verdes, se
desidratou, refletindo irritações com o custo das políticas climáticas e
imigratórias.
Assim, o robustecimento do conservadorismo
talvez se deva menos a um entusiasmo com a direita radical que à descrença nos
progressistas. Alemanha e França ilustram essas tensões. Na primeira, o
extremista Alternativa para Alemanha chegou em segundo e a centro-esquerda
incumbente sofreu perdas duras. Mas os democratas cristãos venceram com boa
margem. Já na França o reacionário Reunião Nacional, de Marine Le Pen, impôs
uma derrota esmagadora (31% dos votos) ao centrista Renascença, do presidente
Emmanuel Macron (14%). Humilhado e debilitado no Parlamento, Macron lançou os
dados e convocou eleições legislativas. Talvez aposte em alianças de repúdio a
Le Pen. Mas em semanas pode ter sua nêmesis como premiê. Neste caso, talvez
aposte que, ao tirá-la da posição de crítica desimpedida de oposição,
conferindo-lhe responsabilidades no governo, sua ascensão se desacelere até as
eleições de 2027. Mas o tiro pode sair pela culatra.
Em Bruxelas, o bloco incumbente liderado
pelos democratas cristãos e conservadores, com a aliança dos liberais do
Renovação (de centro) e dos sociais-democratas, manteve uma leve maioria. A
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, terá a chance de formar
o governo – com sua plataforma “pró-Europa, pró-Ucrânia e pró-Estado de
Direito” –, mas para consolidá-lo precisará de votos à esquerda (por exemplo,
dos Verdes) e/ou da direita dura (por exemplo, do ECR, influenciado pela premiê
italiana, Giorgia Meloni).
A Europa tende ao conservadorismo, mas tudo indica que a moderação se manterá. Muito dependerá das concessões que a esquerda estiver disposta a fazer à direita e das que alguns radicais de direita estiverem dispostos a fazer ao centro.
Centro mantém poder, mas eleição na UE tem
recados
Valor Econômico
Mensagem foi mais forte para os dois
principais países do continente, França e Alemanha
Os grupos radicais de direita fizeram avanços
nas eleições em 27 países para a composição do Parlamento Europeu, mas,
contados os votos, sua força, na representação institucional, é pouco decisiva
- o centro manteve a maioria e será dominante na próxima legislatura. Mas o
avanço é um alerta. Os radicais conseguiram passar de um quinto para um quarto
dos 720 deputados, embora os progressos relevantes desses grupos tenham
ocorrido em algumas arenas nacionais. Como as eleições até certo ponto não têm
influência preponderante na condução das políticas domésticas, os eleitores
mandaram um recado para seus governos ao escolher o congresso transnacional. E
mostraram que mais voto na direita não é escolher a extrema direita.
A mensagem foi mais forte para os dois
principais países do continente, França e Alemanha. Os franceses deram duas
vezes mais votos à coalizão direitista de Marine Le Pen que à do atual
presidente (cerca de 31,4% a 14,6%). Na Alemanha, os partidos que governam em
união, os social-democratas de Olaf Scholz, verdes e os liberais do FDP, foram
batidos pela tradicional centro-direita do CDU/CSU, e pelos radicais da
Alternativa para a Alemanha (AfD), que obtiveram o segundo lugar, com 15,9% dos
votos.
O avanço da extrema direita acrescenta mais
dúvidas à crise existencial europeia. Sob o comando de Ursula von der Leyen, de
centro-direita, liberal e que defende a democracia, a Europa tenta achar um
caminho próprio como potência econômica e militar diante da disputa entre EUA e
China. Procura também liderar as iniciativas para combater as mudanças
climáticas e corre contra o tempo para se recuperar na decisiva corrida
tecnológica. Os ventos dos radicais sopram na direção contrária. Alguns
partidos extremistas, e boa parte de seus eleitores, são contrários à própria
ideia de uma união europeia. Nacionalistas, acreditam que uma burocracia
supranacional, sobre a qual não têm controle, usurpou a maior parte dos poderes
de suas nações, que perderam gradativamente a soberania. Continuarão a ser,
porém, uma minoria barulhenta, sem poder de decisão. “O centro resistiu”,
concluiu Von der Leyen.
As consequências institucionais e nacionais
das eleições têm tempos diferentes. A coalizão de Von der Leyen, o Partido do
Povo Europeu, que forma a união de centro-direita tradicional democrática, com
participação de democratas cristãos, e tem como eixo CDU-CSU alemã, ganhou
cadeiras no parlamento (186 ante 176 antes). Seus principais aliados, que
formam o bloco majoritário atual, no entanto, tiveram menos sorte.
Os verdes foram os grandes derrotados:
obtiveram 53 cadeiras, ante 71 na eleição anterior. Os liberais do Renovação,
aliança na qual se encontra o República em Marcha, do presidente francês
Emmanuel Macron, perderam 21 cadeiras e ficaram com 79. A aliança progressista
de socialistas e democratas, cuja espinha dorsal são os social-democratas
alemães e os socialistas espanhóis, está com 4 postos a menos e 135 deputados.
A esquerda radical não perdeu cadeiras (36). No total, os grupos de extrema
direita podem ter chegado a 180 deputados do total de 720. O comparecimento dos
eleitores ultrapassou por pouco os 50% - quase metade dos eleitores não foi
votar.
Neste desenho parlamentar, haverá mais
oposição para que Von der Leyen execute alguns de seus projetos. A agenda
ecológica sofrerá contratempos com a oposição da direita fortalecida e o recuo
dos verdes, e é possível que a legislação recentemente instituída para que a UE
proteja seu mercado de importações ambientalmente predatórias seja mais
contestada. O Brasil é um dos alvos de leis que taxam vendas de produtos
oriundas de localidades em que haja desmatamento das florestas. Boa parte dos
radicais de direita europeus é negacionista e não vê com bons olhos restrições
à exploração econômica em função de proteção ambiental. Por outro lado, apesar
das divergências que os desunem, eles parecem unidos no protecionismo econômico
e no discurso anti-imigração. O acordo Mercosul-UE, cujo desfecho chegou a
parecer próximo, deve ficar para algum dia do futuro. Mesmo liberais, como
Macron, acreditam que ele será nocivo aos interesses europeus.
Os efeitos imediatos do avanço da
ultradireita podem ter importância na França. A grande vitória de Marine Le Pen
levou Macron a dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas - ele foi
reeleito em 2022 e seu mandato irá até 2027. É uma jogada de alto risco, à qual
os franceses darão uma resposta no fim do mês. Macron perdeu a maioria no
Congresso nas eleições passadas e nova derrota o obrigará a aceitar um
primeiro-ministro de um partido rival. A iniciativa de buscar aliados à
esquerda para enfrentar a ameaça de Le Pen não deu certo antes e não deve dar
agora. Os partidos de esquerda já disseram que o presidente não contará com
eles. Os mercados reagiram mal a essa possibilidade e as incertezas desse
arranjo instável derrubaram bolsas europeias.
Macron joga com o fato real de que eleições nacionais têm dinâmica muito distinta, na qual Le Pen já foi derrotada várias vezes. As eleições mostraram descontentamento com governos das duas maiores economias da região, sem alterar muito o equilíbrio de forças que garante a estabilidade europeia.
Mais eficiência no combate ao tráfico da
cetamina
Correio Braziliense
O efeito alucinógeno e o preço alto fizeram
com que a droga caísse nas graças de traficantes — um problema que exige
respostas urgentes e estratégicas de autoridades de segurança e vigilância
Com forte poder anestésico, a cetamina foi
imperativa na Guerra do Vietnã, em meados da década de 1970. A substância,
sintetizada poucos anos antes, aliviava a assistência aos soldados americanos
feridos no front. Desde então, espalhou-se pelo mundo para tratamentos de saúde
— médicos e veterinários recorrem a ela em cirurgias — e para fins nada lícitos
— é, por exemplo, uma das chamadas drogas do estrupo, que deixa a vítima
desacordada logo após a ingestão. Nos últimos anos, ganhou força no Brasil outra
destinação ilegal para a cetamina. O efeito alucinógeno e o preço alto fizeram
com que a droga caísse nas graças de traficantes — um problema que exige
respostas urgentes e estratégicas de autoridades de segurança e
vigilância.
Segundo levantamento da Polícia Federal, em
dois anos, as apreensões mais que dobraram no país: de 2,45kg em 2022 para
4,5kg no ano seguinte. A maioria dos casos se concentra em São Paulo, mas os
agentes consideram que há uma expansão do tráfico no Brasil — incluindo
Amazonas, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Ceará, Paraná e Distrito Federal
—, com a presença de redes interestaduais e internacionais de
traficantes.
A capital do país desponta como um possível
elo forte desse esquema. Na última sexta-feira, policiais encontraram com um
veterinário uma quantidade de cetamina suficiente para anestesiar 1,2 mil
cavalos, e as apurações sugerem que a quantidade de droga distribuída pode ter
sido o dobro da apreendida. Em dezembro, operação conjunta das polícias de São
Paulo, do DF e do Rio de Janeiro apreendeu frascos para anestesiar 10 mil
animais do mesmo porte. Investigadores trabalham com a hipótese de uma parte
dos anestésicos vir ilegalmente da Argentina, da Holanda e do Canadá.
Casos recentes de prisão e morte sinalizam
que o uso da cetamina no Brasil, até então comum em raves e outras baladas
frequentadas por jovens, esteja começando a se tornar frequente em outros
ambientes e entre públicos com mais idade. No fim do mês passado, Dilemar
Cardoso Carlos da Silva, conhecida como ex-sinhazinha do Boi Garantido, foi
encontrada morta dentro de casa, em Manaus. Investiga-se se a mulher de 32 anos
tenha sofrido uma overdose de cetamina — ela fazia parte de uma seita religiosa
que usava o entorpecente para alcançar plenitude espiritual.
No Brasil, o uso da cetamina só pode ocorrer
com a presença de um profissional de saúde. E a compra também é exclusiva para
quem atua na área. Diante de tamanhas restrições e da disparada dos volumes de
droga apreendidos, não é exagerada a hipótese de que há falhas na fiscalização
da aquisição, do uso e da circulação do medicamento no país. No caso da
apreensão recente no DF, a clínica em que atuava o suspeito de tráfico não
tinha registro no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), que acompanha o uso
veterinário do medicamento.
O Mapa alega que faz fiscalizações de rotina em estabelecimentos e participa de operações especiais com autoridades policiais para coibir o tráfico. O aumento das apreensões no país pode ser consequência dessas operações. Considerando, porém, o poder bélico da cetamina e a crônica dificuldade brasileira em coibir a venda ilegal de medicamentos — como acontece com antibióticos e abortivos, por exemplo —, espera-se uma resposta mais robusta por parte dos governos federal e local.
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