quarta-feira, 12 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Anulação de leilão de arroz não encerra o caso

O Globo

É necessário investigar as suspeitas de irregularidade que levaram governo a cancelar o certame

Diante das suspeitas que rondavam os vencedores do leilão realizado na semana passada para importação de arroz em consequência das chuvas no Rio Grande do Sulnão restava ao governo federal outra alternativa a não ser anular o certame, como fez ontem. Não bastasse o impacto negativo que terá para os produtores de arroz gaúchos, o leilão estava cercado de estranhezas, que, mesmo com a anulação, exigem explicações e investigação.

Uma loja de queijos no centro de Macapá, identificada como Wisley A. de Souza, venceu o maior lote do leilão, comprando 147,3 mil toneladas por R$ 736,3 milhões. Até maio, ela tinha capital social de apenas R$ 80 mil, subitamente aumentado para R$ 5 milhões antes do leilão. Além da empresa do Amapá, participaram do pregão a Zafira Trading, a locadora de máquinas ASR e a fabricante de sorvetes Icefruit, que arremataram 90 mil toneladas pelas quais o governo pagaria R$ 468 milhões. As três estão vinculadas a Robson Almeida França, ex-assessor parlamentar do ex-deputado Neri Geller, secretário de Política Agrícola, demitido após a confusão. Ele foi responsável por dar sinal verde ao leilão. Ambos negam irregularidades.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia cobrado respostas. Ele deveria ter dado mais atenção à tentativa canhestra de transformar o leilão, por meio do qual o governo venderia arroz mais barato para compensar os estragos das enchentes no Sul, numa vitrine de propaganda. Desde o início, sabe-se que se trata de uma solução errada para um problema que não existe.

O governo anunciou que o quilo do arroz importado custará R$ 4. Além do subsídio desnecessário, num momento em que o governo enfrenta um desafio fiscal grave, o tabelamento representa um desincentivo aos produtores para manter o plantio, criando risco de desabastecimento futuro. Pior: não há falta de arroz que justifique a intervenção do Estado. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) informou que 84% da área plantada no Rio Grande do Sul já havia sido colhida antes das inundações. Representantes dos produtores de arroz garantiram que as estradas estavam liberadas para escoar a produção logo depois das chuvas.

Tanto que a Justiça Federal do Rio Grande do Sul, atendendo a um pedido do partido Novo, chegou a suspender o leilão. “Não há indicativo de perigo concreto de desabastecimento de arroz no mercado interno ocasionado pelas enchentes no Rio Grande do Sul, mas apenas um apontamento de uma dificuldade temporária no escoamento da produção local”, afirmou o juiz Bruno Risch Fagundes de Oliveira em seu despacho. A Advocacia-Geral da União (AGU) derrubou a liminar.

A tragédia climática que atingiu os gaúchos exige investimentos para reativar a economia do estado, não subsídio para arroz importado vendido com a logomarca do governo federal. A situação internacional já desfavorecia os importadores. A Índia, maior exportador mundial de arroz, espera a primeira quebra de safra em oito anos devido a chuvas abaixo da média anual. A conjuntura favorece especuladores em busca de lucros fáceis. A decisão apressada de importar arroz criou as condições ideais para ganhos espúrios custeados pelo Tesouro. Por isso, a despeito da anulação do certame, mais do que nunca é necessário investigar quem tentou se beneficiar do leilão.

Senado deve rejeitar relatório sobre reforma do ensino médio

O Globo

Já passaram sete anos desde a promulgação das mudanças. Não dá mais para adiar implementação

Apresentado na Comissão de Educação do Senado, o relatório da senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) sobre o Novo Ensino Médio piora pontos aprovados pelos deputados, atende à pressão indevida de grupos de interesse e apresenta melhorias apenas marginais. Na redação atual, desconsidera a longa e difícil negociação que precedeu a aprovação do Projeto de Lei 5.230/2023 na Câmara em março. Se passar na Comissão e no plenário do Senado, terá de ser reavaliado pelos deputados, com duas consequências preocupantes. Será uma nova oportunidade para quem deseja acabar com a reforma e, mesmo que isso seja evitado, atrasará ainda mais a implementação das mudanças.

Aprovada em 2017, a reforma ampliou a carga horária, redesenhou a arquitetura curricular e valorizou o ensino técnico. Seguindo as melhores práticas internacionais, os alunos passaram a ter um currículo fixo, com disciplinas como português ou matemática, e outro flexível, chamado de itinerários formativos. Quando a implementação ganhou tração em 2022, os problemas ficaram evidentes. Um dos principais era o pouco tempo dedicado à formação tradicional básica (1.800 horas) e a carga horária extensa dos itinerários (1.200 horas), pródigos em cursos desconectados da realidade dos jovens.

O ministro da Educação, Camilo Santana, suspendeu as mudanças em abril de 2023, e somente no fim do ano o governo enviou um Projeto de Lei ao Congresso. O texto aprovado pelos deputados há três meses preservou os princípios da reforma original e a aperfeiçoou. A formação básica ficou com uma carga horária mínima de 2.400 horas e os itinerários, menos dispersos, com 600 horas. Entre os avanços, foram impostas limitações ao uso do ensino à distância.

Ao chegar ao Senado, a expectativa era um trâmite célere, mas a busca por protagonismo tem falado mais alto. Suscetível à pressão de sindicatos, Dorinha incluiu no relatório o espanhol como disciplina obrigatória. Como advertem secretários de Educação, a medida aumenta um currículo já inchado, eleva custos e é de difícil execução. O relatório ainda dificulta a contratação de profissionais com notório saber e muda a divisão da carga horária, com 2.200 horas para a formação básica e 800 para os itinerários, alteração que pode fazer algum sentido do ponto de vista técnico, mas com potencial de causar atrito político. Se a mudança for aprovada pelo Senado e voltar para a avaliação da Câmara, a celeuma continuará.

“As secretarias de Educação precisam de terreno firme logo para avançarem com seus planejamentos”, diz Priscila Cruz, presidente da ONG Todos Pela Educação. Desde a promulgação da lei que mudou o ensino médio, já se vão sete anos. A discussão sobre como melhorar a reforma dura mais de um ano. Em entrevista ao GLOBO, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, Vitor de Angelo, disse que não há mais como implementar todas as mudanças em 2025. De quanto tempo mais o Senado precisa para chancelar o consenso possível?

Balança comercial continua com boas perspectivas

Valor Econômico

Forte acúmulo de divisas ajudou a impedir uma desvalorização mais forte do real

No ano até maio, a balança comercial não tem seguido as projeções para 2024, de uma queda do saldo comercial. Nos cinco primeiros meses do ano, o saldo acumulado atingiu o recorde de US$ 35,9 bilhões. Em 2023, houve o recorde anual de US$ 94,4 bilhões. Para 2024, o Banco Central reduziu suas expectativas de US$ 73 bilhões (o cálculo da autoridade monetária é diferente) para US$ 59 bilhões, e o Ministério da Indústria e Comércio estimou resultado positivo de US$ 73,5 bilhões. Entre as consultorias, os números estão melhores, variando o superávit de US$ 85 bilhões a US$ 90 bilhões.

Além disso, o forte acúmulo de divisas com as vendas externas está ajudando a impedir uma desvalorização mais forte do real. Até maio, apesar de a saída pelo câmbio financeiro ter sido o dobro da do mesmo período do ano passado (US$ 27,6 bilhões ante US$ 13 bilhões), o saldo do câmbio comercial, de US$ 33,7 bilhões, foi mais que suficiente para garantir um fluxo de divisas no início do ano.

As exportações somaram US$ 138,8 bilhões, 2,3% a mais do que em relação ao mesmo período do ano passado; e as importações totalizaram US$ 102,9 bilhões, com alta de 1,8% na mesma base de comparação. O aumento do volume transacionado, de 7,4% das exportações e de 11,5% das importações, garantiu o desempenho, compensando a queda dos preços, de 4,5% e 9,2%, respectivamente.

Mas um novo recorde é ainda incerto. Os resultados mensais oscilaram bastante. Nos dois primeiros meses, houve crescimento de 9% e 9,9%. Em março o resultado caiu mais de 30%, para US$ 7,3 bilhões. Retomou o ritmo em abril e, em maio, caiu 22,3%, para US$ 8,5 bilhões. O principal produto da pauta de exportação brasileira, a soja, mantém a liderança com 15,7% dos embarques, o equivalente a US$ 21,8 bilhões, mas recuou em comparação com os 19,6% do início de 2023, em consequência da redução da safra.

Ganharam espaço os produtos da indústria extrativa, principalmente o petróleo bruto e o minério de ferro, com 14,9% e 9,3%, respectivamente, das exportações. Juntos, os dois somaram 24,2% da pauta exportadora de janeiro a maio, acima dos 19,9% de iguais meses de 2023. O petróleo bruto domina, com 57,7% da exportação do grupo extrativo.

Apesar dos números exuberantes, o setor externo teve contribuição negativa para o Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre, informou o IBGE, diferentemente do que ocorreu em 2023. Ele contribuiu para a redução de 1 ponto percentual do PIB no primeiro trimestre, em consequência de aumento das importações superior ao das vendas externas. Se o PIB agregado cresceu 0,8% no primeiro trimestre, na comparação com os três meses anteriores, com ajuste sazonal, as exportações cresceram 0,2%, e as importações, 6,5%, de acordo com o IBGE.

Pode-se dizer que isso ocorreu por um bom motivo. Parcela importante do aumento das importações se deve à recuperação dos investimentos, além do aumento do consumo. O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) aponta que a decomposição da Formação Bruta de Capital Fixo feita pelo Ipea mostra alta de 19,4% em máquinas e equipamentos importados no primeiro bimestre do ano contra igual período de 2023.

O padrão se repetiu nos dados da balança comercial nos cinco meses. Bens de capital e bens de consumo puxaram as importações com crescimento de 13,4% e 23,4%, respectivamente, na comparação com igual período de 2023. Um destaque foi a importação de veículos, que saltou 59,4% e somou US$ 2,98 bilhões de janeiro a maio, 40% dos quais provenientes da China.

Do lado positivo, há a expansão da produção de petróleo, que cada vez se torna mais importante na pauta de exportações. As receitas com petróleo no acumulado do ano cresceram 31,2%. Os volumes saltaram 32,5%. Entre as incertezas, surpreende a variação de preços do minério de ferro em consequência da redução da demanda chinesa, que enfrenta barreiras para o aço que produz em vários mercados. Como reflexo disso, o minério de ferro exportado pelo Brasil apresentou queda de 11% no preço e de 6,3% em volume embarcado em maio.

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul deverá afetar a balança comercial, pois é o sexto Estado do país que mais exporta e que mais importa. Contribui com 9,4% das exportações de produtos industrializados. Tem uma pauta exportadora composta por soja, calçados, polímeros plásticos e máquinas agrícolas, além de tabaco e carne bovina.

Além disso, um importante mercado, a Argentina, encolheu depois das mudanças econômicas decretadas pelo novo presidente, Javier Milei. De janeiro a maio as exportações caíram 33% e a fatia de vendas para os argentinos é a menor desde 1997 (3,6% do total).

As perspectivas para a balança comercial continuam boas, assim como segue importante sua contribuição para o equilíbrio dos fluxos financeiros, que tem pressionado a favor da valorização do dólar. No front externo, pelo menos, a situação brasileira continua muito confortável.

Câmara quer esterilizar delação premiada

Folha de S. Paulo

Instrumento pode ser aperfeiçoado, mas projeto de lei gera prejuízos tanto para investigados como para investigadores

Câmara dos Deputados anda às voltas com um projeto de lei destinado a esterilizar as chamadas delações premiadas, transformando-as em um instrumento jurídico sem nenhuma aplicação prática.

Iniciativas com esse propósito não são novidade. Em 2016, por exemplo, o então deputado Wadih Damous (PT-RJ) —atual secretário Nacional do Consumidor no governo do petista Luiz Inácio Lula da Silva— propôs vedar delações feitas por acusados ou indiciados que estejam presos.

Em 2023, o deputado Luciano Amaral (PV-AL) apresentou um texto bem mais enxuto e com redação diferente, mas preservando a mesma finalidade: considerar imprestáveis os acordos assinados por colaboradores sob efeito de privação cautelar de liberdade —isto é, prisão preventiva, temporária ou em flagrante.

Nas últimas semanas, líderes de 13 partidos do centro à direita, além do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deitaram olhos compridos ao projeto de Amaral.

Todos podem argumentar que pretendem combater abusos da polícia, do Ministério Público e do próprio Judiciário, mas seriam necessárias doses cavalares de ingenuidade para acreditar nisso. O que eles parecem de fato querer é uma blindagem contra essa importante ferramenta investigativa.

Regulamentada pela Lei das Organizações Criminosas, de 2013, a colaboração premiada se apoia na teoria dos jogos para destrinchar esquemas ilegais que, de outra forma, restariam impunes. Seu mecanismo é simples: oferece-se ao investigado uma recompensa para ele revelar o que sabe.

Logo se vê que a delação cumpre uma função dupla. De um lado, auxilia na apuração do crime, pois o colaborador aponta caminhos e fornece indícios que talvez jamais fossem encontrados; de outro, opera como arma de defesa, já que a barganha inclui vantagens no cumprimento da pena.

A mudança que os deputados cogitam fragiliza os dois polos, porque, se aprovada, tirará do indivíduo preso a chance de amenizar sua própria situação e reduzirá os estímulos para alguém entregar os comparsas, sobretudo os mais poderosos. Ou seja, os parlamentares ameaçam subverter a lógica por trás da colaboração premiada.

Não que inexistam problemas no uso dessa ferramenta no Brasil. Há boas razões para supor que, em alguns casos, prolongaram-se prisões preventivas a fim de forçar a negociação de delações.

Daí não decorre, porém, que a reforma em tramitação na Câmara seja a solução apropriada. Longe disso, aliás. De uso recente, a colaboração é um instrumento jurídico que ainda precisa ser afiado, mas não destruído.

Hora de encerrar a greve

Folha de S. Paulo

Professores e técnicos das universidades federais estão parados por tempo demais

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu uma espécie de saída honrosa para os grevistas das universidades federais. Eles deveriam aceitá-la e encerrar um movimento a esta altura já abusivo.

À moda da administração petista, a tentativa de lidar com o problema envolve gasto público e ampliação do aparato estatal. Foram anunciados um tal PAC para as universidades, com promessa de R$ 5,5 bilhões em investimentos, e aumento de R$ 279 milhões nas verbas de custeio das instituições.

Prevê-se, no pacote lançado na segunda-feira (10), a construção de dez novos campi federais no país. Já haviam sido propostos reajustes salariais de 9% no próximo ano e de 3,5% em 2026.

Embora reivindiquem mais, os grevistas podem dar-se por vitoriosos com as medidas, graças às afinidades entre o governo e o sindicalismo. A sociedade, nem tanto.

Professores já estão parados há dois meses; técnicos administrativos, há três. Essas exorbitâncias, que prejudicam enormemente os estudantes, só são possíveis porque os paredistas têm a segurança de que não terão pagamentos descontados —para nem falar da garantia constitucional de estabilidade no emprego.

Mais dinheiro do contribuinte será injetado numa rede que já contava com R$ 64 bilhões no Orçamento deste ano, sem que sejam debatidas as distorções do ensino superior e do serviço público.

Como a Folha noticiou, os docentes e técnicos das universidades já somam mais da metade dos servidores civis federais (237,2 mil em um total de 443,5 mil). Justos ou não, reajustes salariais para essas categorias têm grande peso nas contas já deficitárias do Tesouro.

Uma reforma administrativa deveria, no mínimo, regulamentar a possibilidade de demissão por mau desempenho, como estímulo à produtividade. Do lado da receita, é preciso abrir as instituições ao financiamento privado, inclusive por parte dos alunos com capacidade de pagamento.

Se não forem superadas as resistências impostas pelo corporativismo acadêmico, as greves voltarão a ser uma triste rotina a comprometer a qualidade do ensino.

Os 12 trabalhos de Haddad

O Estado de S. Paulo

Para convencer Lula sobre a importância do ajuste fiscal, ministro tentará usar as turbulências econômicas para vencer opositores e adotar medidas para desvincular o Orçamento

Se Hércules teve 12 árduos trabalhos – como lutar contra um leão gigante, derrotar uma serpente de nove cabeças e limpar um estábulo com estrume acumulado por anos –, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem um que vale pelos 12: convencer o presidente Lula da Silva sobre a importância da adoção de medidas para desindexar algumas despesas do Orçamento e impedir que elas rapidamente comprimam o reduzido espaço dos dispêndios discricionários, entre os quais se incluem gastos de custeio e investimentos.

Segundo publicou o Estadão, uma das ideias que o ministro deve apresentar a Lula é a mudança no reajuste dos benefícios previdenciários vinculados ao salário mínimo e dos pisos de Saúde e Educação. Ambos sobem à revelia do arcabouço fiscal, e a proposta é submetê-los ao alcance da âncora, que limita o aumento das despesas a 70% do avanço das receitas.

Hoje, os benefícios pagos pela Previdência Social, como aposentadorias, pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos vulneráveis e pessoas com deficiência, têm como piso o salário mínimo, que sobe conforme a inflação do ano anterior, e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Já os gastos com Educação correspondem a 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI); e os com Saúde equivalem a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL).

Essa discussão não vem de hoje, mas voltou à baila na semana passada, quando o mercado reagiu mal a um encontro fechado entre Haddad e representantes de instituições financeiras. Nessa reunião, o ministro teria dito que um crescimento adicional das despesas obrigatórias levaria o governo a ter de contingenciar gastos discricionários – como estabelece o arcabouço fiscal.

Até aí, nada novo. Para os investidores, no entanto, prevaleceu a impressão de que o arcabouço fiscal teria de ser alterado, uma vez que Haddad não se comprometeu de maneira explícita com o cumprimento do limite de despesas e admitiu que o contingenciamento era uma decisão política que dependia do aval de Lula.

Haddad atribuiu esse entendimento a interpretações indevidas de sua fala, mas, até que essa informação fosse negada, houve muito ruído no mercado. A Bolsa caiu, os juros futuros dispararam, o dólar subiu e atingiu a maior cotação em 17 meses. No ano, a moeda norte-americana acumula alta de mais de 10%, muito em razão das dúvidas sobre a trajetória das taxas de juros nos Estados Unidos, mas também por problemas internos da economia brasileira, notadamente as incertezas fiscais.

Haddad, segundo apurou o Estadão, espera que essa conjuntura desfavorável sirva de algo e o ajude a convencer o presidente sobre a urgência de um ajuste fiscal. O problema é que na outra ponta estão o ministro da Casa Civil, Rui Costa, e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), opositores ferrenhos de qualquer medida de contenção de despesas – sejam temporárias, como contingenciamentos, sejam estruturais, como desindexações e reformas.

Para que essa discussão seja profícua, é preciso partir de algumas premissas comuns, que devem ser reconhecidas por todos que desejam participar do debate. Uma delas é a própria existência do déficit previdenciário, negado por ninguém menos que o ministro responsável pela área, Carlos Lupi.

Outra é que não é factível repassar aos benefícios previdenciários os ganhos de produtividade da economia. A eles deve ser garantida a reposição da inflação – como, aliás, a ministra Simone Tebet defendeu em entrevista a este jornal e acabou desautorizada por Haddad.

Quanto à Saúde e à Educação, o ideal seria que as áreas recebessem valor suficiente para cobrir suas despesas, sejam elas quais forem, e não um porcentual das receitas. Atacar as vinculações, aliás, é algo que já deveria ter sido feito no ano passado, dado que elas voltaram a valer no exato momento em que o arcabouço substituiu o finado teto de gastos.

Conter o aumento dessas despesas é o mínimo que se espera de um governo responsável, e é papel de Haddad persuadir o presidente a enfrentar esse dilema. Não enfrentar essa realidade não só sepultará o arcabouço fiscal do ministro, como também condenará o País a um baixo crescimento econômico, um legado que Lula certamente não deseja ter como seu.

Pragmatismo como arma

O Estado de S. Paulo

Visando aos interesses estratégicos do País, o comandante do Exército defende parceria com os chineses, mas mostra que para isso não é preciso confrontar o Ocidente, como faz Lula

Num mundo repleto de tensões – reais e imaginárias –, o Brasil só tem a ganhar quando os arroubos verbais saem de cena, substituídos pelo realismo pragmático das relações comerciais e diplomáticas. A recente entrevista ao Estadão do comandante do Exército, general Tomás Paiva, é uma evidência cristalina dessa certeza. O general defendeu a ampliação de parcerias estratégicas com a China e outros países do Brics, grupo que reúne também nações como Rússia, Índia, África do Sul e, mais recentemente, Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes, Etiópia e Egito. Também destacou o foco da visita que fará aos chineses no próximo mês: capacidades militares e ciência e tecnologia. Os chineses, ele lembrou, estão avançados na defesa cibernética e na base industrial de sistemas de armas – avanços que permitem a um país proteger sua soberania com mais tecnologia e com menos efetivo. Mas Tomás Paiva não precisou seguir a cartilha do presidente Lula da Silva e fazer apologia do tal “Sul Global” nem inscrever o Brasil na vanguarda da luta contra os valores ocidentais, muito menos demonstrar hostilidade aos Estados Unidos e alinhamento a tudo o que lhe é antagônico.

O comandante do Exército fez o que se espera de chefes de instituições de Estado: a observância dos interesses estratégicos do País, sem sectarismo ou politização indevida. Segundo o próprio general, o Ministério das Relações Exteriores tinha interesse na aproximação do Exército com os países do Brics. Seu roteiro do mês que vem, contudo, não envolverá a Rússia. Como deixou claro, não visitará os russos por causa do conflito com a Ucrânia, outro ponto de distância que manteve em relação aos arquitetos da política externa lulopetista. Melhor assim. Na entrevista, demonstrou estar alinhado com o que há de mais qualificado nos quadros técnicos da diplomacia brasileira – hoje, infelizmente, tisnada pela guerra imaginária que Lula parece travar, tendo como companheiros de armas notórias ditaduras, como a própria China, a Rússia, o Irã e a Venezuela. Mas, diferentemente de Lula, o general opta pelo pragmatismo em nome da cooperação militar.

Essa distinção se faz necessária por uma razão: na nova ordem global, características distintivas do Ocidente – democracia, economia de mercado e globalização – têm sido confrontadas por regimes autocráticos que buscam reviver o modelo que põe o Estado e a soberania nacional acima de todas as coisas, à custa de liberdades individuais, direitos humanos e valores universais. Esses valores costumam ser apresentados por essa turma como armas retóricas das democracias liberais para prolongar sua supremacia. Nesse ambiente turvo, o grande risco é o Brasil imiscuir-se numa espécie de aggiornamento do “Terceiro Mundo” dos tempos da guerra fria, em nome da ambição de Lula de credenciar-se como um líder político global do “Sul Global”, em vez de o País colocar a serviço dos seus interesses suas vantagens comparativas, com sutileza e credibilidade, como sugere a tradição diplomática brasileira.

Nossos vizinhos latino-americanos assim costumam definir a ação diplomática brasileira: Itamaraty no improvisa. É uma ideia-força que sintetiza a percepção de que o Itamaraty soube manter a continuidade da política externa e renová-la com o passar do tempo. Com Lula da Silva e Jair Bolsonaro, contudo, interesses nacionais se fundiram com interesses políticos e interferências ideológicas e partidárias. Como o próprio general Tomás Paiva mostrou na entrevista ao Estadão, há um longo caminho de aprendizado e benefícios com o conhecimento chinês em matéria militar. Tal lição serve para outras áreas: o Brasil está atrasado nos avanços científicos e tecnológicos e precisa recuperar o tempo perdido para entrar na corrida da pesquisa e do desenvolvimento na inovação, no 5G e na inteligência artificial – para citar alguns poucos e complexos exemplos. Um campo minado no qual só se prospera com pragmatismo, conhecimento, equilíbrio e equidistância, não com ideologia e confrontação.

A hora da verdade para Bibi

O Estado de S. Paulo

A margem do premiê israelense para decidir entre extremismo e moderação está se fechando

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, já disse repetidas vezes o que não quer em Gaza: nem o Hamas, nem um governo da Autoridade Palestina, nem um cessar-fogo permanente antes da libertação de todos os reféns. Mas a pressão, dentro e fora, de aliados e adversários, está crescendo para que ele diga, afinal, o que quer.

No domingo, Benny Gantz, líder da frente de oposição centrista Unidade Nacional, que, após o 7 de Outubro, aceitou fazer parte do governo de emergência, renunciou à sua posição no gabinete de guerra como um dos três membros com direito a voto (junto com Netanyahu e o ministro da Defesa, Yoav Gallant), cumprindo um ultimato em que exigia de Netanyahu uma estratégia ampla para o fim da guerra. Gallant, do partido de Netanyahu, também criticou a falta de um plano, embora não tenha ameaçado deixar o governo. “Decisões estratégicas cruciais estão sendo bloqueadas pela hesitação e considerações políticas”, disse Gantz em coletiva de imprensa. O general da reserva Gadi Eisenkot, que também abandonou o gabinete, acusou o governo de “falhar completamente” em todos os seus objetivos.

Os EUA também intensificaram a pressão. No final de maio, o presidente Joe Biden, a contragosto de Netanyahu, anunciou publicamente um plano do governo de Israel em três fases: uma trégua de seis semanas em que as forças de Israel abandonariam áreas urbanas e o Hamas libertaria mulheres e idosos em troca de prisioneiros palestinos; depois, negociações para um cessar-fogo duradouro, com a retirada total de Israel e a libertação dos reféns restantes em troca de mais prisioneiros palestinos; por fim, a implementação de um programa internacionalmente financiado de reconstrução de Gaza.

Na segunda-feira, o Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução dos EUA propondo um plano nessas linhas. Netanyahu não admitiu expressamente seu apoio. Em visita ao Oriente Médio, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, tem declarado aos líderes árabes: “Se querem um cessar-fogo, pressionem o Hamas a dizer sim”.

Netanyahu não tem pressa em terminar a guerra. Tampouco quer escalá-la. Mas a margem para sua “ambiguidade estratégica” está se esgotando. Em Israel, o clamor por um acordo de libertação dos reféns cresce. Na fronteira com o Líbano, a troca de hostilidades com o Hezbollah se aproxima de um ponto crítico. No governo, o contraponto moderador de Gantz se foi, e Netanyahu está à mercê dos extremistas que garantem a maioria de seu governo e não aceitam outro desdobramento que não a reocupação permanente de Gaza.

Existe uma alternativa. Gantz e o líder da oposição, Yair Lapid, declararam que apoiariam um governo minoritário caso Netanyahu aceitasse um acordo de cessar-fogo e a liberação de reféns.

Por ora, a relutância do Hamas está permitindo a Netanyahu ganhar tempo. Mas a pressão por todos os lados espreme esse tempo. O momento da decisão está próximo, e ela será determinante para a carreira política de Netanyahu e o futuro da guerra em Gaza.

Governo acerta ao anular leilão

Correio Braziliense

A decisão do governo, tomada no calor da necessidade de se adotar medidas para amenizar os prejuízos da catástrofe no Rio Grande do Sul, começou errada e, por pouco, não se tornou mais um escândalo de favorecimento e corrupção

O governo agiu rápido e de forma acertada ao anular o leilão de importação de arroz e aceitar a demissão do secretário de Política Agrícola, Neri Geller, envolvido no pregão realizado em 6 de junho e cujas empresas vencedoras levantaram suspeitas desde o início. Entre as que venceram o certame, há até mesmo uma empresa de locação de veículos e máquinas de Brasília, uma loja de queijo de Macapá e uma fábrica de polpa de frutas de São Paulo. Todas alegam comercializar alimentos, mas, diante da estranheza, o melhor a fazer é cancelar o pregão, que não contou com nenhuma das grandes comercializadoras de alimentos.

A ausência delas parece ser uma reação ao questionamento dos arrozeiros do Sul do país sobre a necessidade de se importar arroz devido às enchentes no Rio Grande do Sul. Os produtores garantem que a safra já estava colhida e que não há risco de desabastecimento. Ainda assim, o governo decidiu optar pela compra do produto no mercado internacional, segundo o Planalto, para evitar a especulação com os preços do cereal presente na mesa de praticamente todas as famílias brasileiras.

A decisão do governo, tomada no calor da necessidade de se adotar medidas para amenizar os prejuízos da catástrofe ambiental no Rio Grande do Sul, começou errada e, por pouco, não se tornou mais um escândalo de favorecimento e corrupção no Planalto. Errada porque, antes de anunciar a importação, o governo deveria ter se reunido com os produtores para garantir o escoamento da produção que, eventualmente, estivesse retida no Sul e buscar formas de abastecer o mercado sem elevação dos preços ou limitação de compra pelos consumidores.

Errada também porque parece ter atendido muito mais ao interesse político do governo do que propriamente da atividade agrícola nacional. Tabelar preços e colocar o rótulo do governo em produtos são medidas populistas e que em nada contribuem para a estabilização e normalização do mercado. Nesse caso, o efeito é o contrário, e o governo, em lugar de ganhar pontos de popularidade, acabou com um grande problema para resolver. Apesar de o leilão ter sido anulado e o principal envolvido na operação ser demitido, a oposição pode pressionar por uma investigação no Congresso.

Uma eventual negociação com produtores, obviamente, teria que envolver preços. Se eventualmente os preços subirem acima de um patamar razoável e pressionando a inflação, o governo deve, sim, buscar mecanismos para conter a alta, o que inclui a importação de arroz para atender à demanda e evitar que uma redução na oferta interna provoque encarecimento dos produtos. 

O governo já anunciou a intenção de usar o Plano Safra como forma de estimular a produção de alimentos básicos, como arroz, feijão, mandioca e trigo, para formação de estoques públicos. Dessa forma, terá como construir um mecanismo que pode ser usado para conter altas expressivas desses produtos. A decisão de anular o leilão foi acertada, mas não impede que o governo busque produtos no mercado internacional para abastecer o mercado interno. No entanto, é imprescindível que a compra seja feita com mais rigor e critério.

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