segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Saída dos EUA da OMS cria riscos geopolíticos

O Globo

Desestabilização com a perda de verbas da organização global terá impacto maior em países mais pobres

Entre as decisões tomadas por Donald Trump na volta à Casa Branca, a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) é a que deverá ter mais impacto nas populações mais pobres de países onde a ação do Estado em prol dos desassistidos é rarefeita. Em seu primeiro governo, Trump só retirou o país da OMS em 2020, e a medida foi revogada por Joe Biden logo no início de seu governo, em 2021. Por isso os efeitos negativos sobre a estrutura e a ação da OMS não foram sentidos. Agora serão.

Os Estados Unidos são, de longe, os maiores financiadores da organização que reúne 194 países. Com o desembolso de cerca de US$ 1 bilhão anualmente, respondem por algo como um quinto do orçamento. A contribuição financeira americana aumentou com a pandemia, tendo chegado a US$ 1,28 bilhão em 2022 e 2023, quase 40% mais que a segunda fonte de recursos, a Alemanha. O temor é que, sem os aportes de Washington, diversas ações fiquem comprometidas, em especial nas regiões menos desenvolvidas. A revista científica Science afirmou em editorial que, com uma OMS enfraquecida, o mundo ficará mais exposto e menos seguro diante de novas doenças ou pandemias. Como princípio, em organizações dessa natureza, cuja missão é agir em benefício de toda a humanidade, é razoável que a maior carga de recursos recaia sobre os países mais ricos.

A complexa arte de resistir – Fernando Gabeira

O Globo

Mesmo marchando com cuidado num mundo tão difícil, evitar o negacionismo não basta. O Congresso atrasa o país

É preciso remoer os fatos, processá-los. Lembro-me de Samuel Beckett: não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber. Desde que suportemos as dores. Com o apoio de todos os governos, o Acordo de Paris repercutiu pouco na prática. E agora, com a nova saída dos Estados Unidos?

Já estouramos a meta de 1,5°C de aumento na temperatura. Já esgotamos o tempo, é tarde demais. Já extravasamos o espaço; para sustentar o nível de vida americano, precisaremos de cinco planetas Terra.

O drama estará completo se o Brasil cair nas mãos do negacionismo climático. A direita daqui realmente não acredita no aquecimento global. Trump apenas finge, pois está de olho na Groenlândia, que terá outro valor, como terra e como rota.

Aparentemente, e com uma dose de otimismo, podemos dizer que o Brasil ainda é moldado por nós. Mas as coisas aqui não são e nunca foram fáceis. O objetivo estratégico pode até ser comum, mas haja cotoveladas e pontapés no que aparenta ser o mesmo lado da trincheira. 

Apoiar o governo tem vários significados. Um deles é defender tudo o que ele faz, inclusive seus erros. Outro é exigir eficácia, inovação, leitura mais precisa do Brasil moderno. Uma coisa é se contentar com reuniões ministeriais que não são mais do que pajelanças: precisamos, não podemos mais, a partir de agora… Outra coisa é esperar que haja um programa em movimento, saber a quantas anda a transição energética, a política de IA, a reconstrução de uma infraestrutura das pontes que caem ou cairão.

Comédia ideológica brasileira – Miguel de Almeida

O Globo

Depois de ler “Lugar periférico, ideias modernas: aos intelectuais paulistas as batatas”, eu chorei. Ali se enxerga um país esfumaçado nas próprias pernas. É aquilo que perdemos. O denso livro de Fabio Mascaro Querido reconstitui o percurso de personagens seminais do pensamento brasileiro, digamos, uma das gerações mais brilhantes surgidas no Brasil e, ao mesmo tempo, incapaz de dominar seu brilhantismo egoísta e vaidoso. Ah, a soberba.

Para contar a boa história, Querido estabelece o “Seminário d’O Capital”, em 1958, como um marco histórico. A partir de iniciativa do filósofo José Arthur Giannotti, se reúnem nomes como Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Paul Singer, Roberto Schwarz, Michael Löwy e Francisco Weffort, entre outros, para estudar a obra de Karl Marx. O que propicia o encontro quinzenal nas tardes de sábado é o ambiente intelectual instado pela Universidade de São Paulo e sua Faculdade de Filosofia na mítica Rua Maria Antônia.

A USP surge em 1934 como reação das elites paulistas derrotadas na Revolução Constitucionalista de 1932 pelo governo federal de Getúlio Vargas e seu projeto de desenvolvimento. O ditador gaúcho acredita na indução estatista como motor para o crescimento econômico. Os liberais de São Paulo defendem a iniciativa privada como ator principal na modernização. O confronto entre arcaico e moderno vinha já desde o Império, quando a sociedade se dividira entre a manutenção da escravidão como mão de obra e a industrialização dos meios de produção. Durante o governo de Dom Pedro II, um tipo não muito afeito à livre circulação de dinheiro, alguns parlamentares se horrorizam quando o Banco do Brasil, sob gestão do barão de Mauá, começou a emprestar a juros considerados baixos. Aquilo provocaria um mau costume entre a população…

Auschwitz cala políticos para celebrar 80 anos de sua liberação dos nazistas - José Henrique Mariante

Folha de S. Paulo

No campo de concentração em que o regime de Adolf Hitler matou mais de um milhão de pessoas, a maioria judeus, apenas sobreviventes terão voz em cerimônia

Em "Zona de Interesse", filme de Jonathan Glazer de 2023, o cotidiano da família Höss na casa 88 é acompanhado de maneira crua. A ideia do diretor era não fetichizar as imagens, deixá-las limpas, sem que a estética induzisse a qualquer julgamento. A exceção era o que vinha de fora, um ruído fabril, às vezes monótono, às vezes destacado por algo mais agudo, como latidos de cães ou gritos.

O ruído vinha da instalação ao lado, Auschwitz, o campo de concentração nazista que matou 1,1 milhão de pessoas, a maioria judeus.

Há 80 anos, completos nesta segunda-feira (27), Auschwitz e Birkenau, na Polônia, foram liberados pelo Exército Vermelho nos estertores da Segunda Guerra Mundial. A Alemanha de Adolf Hitler capitularia meses mais tarde, e o mundo levaria um tempo para entender o que ocorria naquelas instalações.

Oito décadas depois, a tarefa de não deixar o extermínio e a brutalidade serem esquecidos ganha complexidade. Entre 50 e 60 sobreviventes falarão durante a cerimônia em memória desse período. Apenas eles. Autoridades e políticos presentes não terão voz. O mundo flerta com populismo, extrema direita e saudações nazistas. O ruído fabril agora vem das redes sociais.

Reformas eleitorais e o ocaso tucano - Lara Mesquita

Folha de S. Paulo

Esperança para a sobrevivência do PSDB é apostar em discussões de nova reforma eleitoral

Em setembro de 2017 o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional 97, considerada a mais importante reforma eleitoral desde a Lei das Eleições.

A EC 97 proibiu a formação de coligações nas disputas proporcionais e instituiu a cláusula de desempenho, que condiciona o acesso aos recursos públicos do fundo partidário e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão aos partidos que atingirem um desempenho eleitoral mínimo nas eleições para a Câmara dos Deputados.

A cláusula exigirá, em 2026, que os partidos obtenham pelo menos 2,5% dos votos válidos para deputado federal, distribuídos em pelo menos nove UFs, com um mínimo de 1,5% em cada uma delas, ou alternativamente elejam 13 deputados por nove UFs distintas. Em 2030, a exigência subirá para 3% dos votos nacionais ou 15 deputados eleitos.

Donald Trump e as bravatas - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

Há um paradoxo entre Poder Executivo fraco nos Estados Unidos e o estilo imperial do novo presidente

Em "The Art of the Deal" ("A Arte da Negociação")Donald Trump afirma que: "a chave final para a maneira como eu consigo as coisas é a bravata. Eu jogo com as fantasias das pessoas. Elas nem sempre pensam grande, mas ainda podem se entusiasmar muito com aqueles que pensam. É por isso que um pouco de hipérbole nunca faz mal. As pessoas querem acreditar que algo é o maior, o melhor e o mais espetacular. Eu chamo isso de hipérbole verdadeira. É uma forma inocente de exagero — e uma forma muito eficaz de se conseguir o que quer".

O bizarro episódio do ‘imposto sobre o Pix’ - Gustavo Loyola

Valor Econômico

Mais além dos prejuízos específicos que afetaram o mercado de pagamentos, a hesitação e tibieza com que o governo tratou do assunto deixou claro não apenas sua desorganização interna quanto sua vulnerabilidade a pressões

O vai e vem do governo Lula no caso da Instrução Normativa 2219/2024 da Receita Federal, que valeria a partir de 1º de janeiro do corrente ano, indica não apenas óbvias falhas de comunicação do governo, mas também o poder das “fake news” sobre a grande massa de brasileiros, carentes de educação financeira e ainda marcada pelas barbaridades cometidas no passado, como o Plano Collor e a tributação das transações financeiras, como a famigerada e felizmente extinta CPMF.

BC ganhou tempo para ajustar a dose de juro - Alex Ribeiro

Valor Econômico

Resultado do IPCA-15 em janeiro trouxe notícias bem negativas

Os dados do IPCA-15 de janeiro não foram nada bons e estão levando mais analistas econômicos do mercado financeiro a elevarem as suas projeções de inflação para 2025, que já se encontram acima do intervalo de tolerância da meta. Como o Banco Central vai reagir?

Em tese, a piora do cenário inflacionário deverá exigir como resposta juros ainda mais altos, sobretudo se ela se estender ao horizonte relevante de política monetária. Alguns economistas do setor privado, inclusive, já estão defendendo uma postura ainda mais dura, que leve a taxa Selic para acima dos 15% ao ano.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC, porém, não precisa agir já, para além de reafirmar que vai fazer o que for necessário para cumprir a meta de inflação. Os seus passos futuros mais imediatos já estão amarrados: vai subir a Selic a 13,25% ao ano esta semana e para 14,25% ao ano na reunião de março.

Independência dos bancos centrais será testada - Bruno Carazza

Valor Econômico

Em semana de reuniões do Copom e do FOMC, afloram dúvidas sobre resiliência das instituições

Nos últimos anos ganhou reconhecimento mundial a percepção de que as instituições importam e são fundamentais para o desenvolvimento econômico. Ronald Coase, Douglass North, Elinor Ostrom, Oliver Williamson e, no ano passado, Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson são alguns dos economistas laureados pelo prêmio Nobel, cujas obras baseiam-se na demonstração de que o conjunto de “regras do jogo” influencia o comportamento dos agentes e afeta a qualidade e o resultado final da partida.

Garantir que os campos das pelejas sejam nivelados, cuidar das boas condições dos gramados, exigir que todos os jogadores pratiquem o “fair play” e proporcionar um sistema de disputa justo - tudo isso incentiva a competição e colabora para que, ao final, os melhores vençam e o público saia satisfeito com bons espetáculos.

Como a rejeição de Trump ao multilateralismo pode avançar - Assis Moreira

Valor Econômico

Três posturas diferentes são esperadas dos EUA nas organizações internacionais a partir de agora

O desdém de Donald Trump por alianças multilaterais e seu desejo de mudar unilateralmente as regras do jogo, conforme a exclusiva conveniência dos Estados Unidos, deverão causar mais turbulências na cena global.

Em meio a questões cruciais como mudança climática, crises humanitária e de saúde, mais desigualdade econômica, inteligência artificial, nos últimos tempos começaram a aparecer tentativas de criação de foros plurilaterais (reunindo um certo número de países) para negociar entendimentos e depois tentar expandi-los multilateralmente.

Agora, é preciso ver como isso pode ainda ocorrer com a postura isolacionista e imperial de Trump 2.0.

Pode-se esperar pelo menos três tipos de postura do líder do ‘Make America Great Again’ envolvendo governança global multilateral.

O valor da direita limpinha - Diogo Schelp

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro arrisca-se a cometer o mesmo erro de Lula em 2018, quando Haddad foi opção em cima da hora

O filósofo e sociólogo francês Raymond Aron (1905-1983), referência do pensamento liberal, identificou duas formas de conservadorismo. A primeira, democrática, compreende que as tensões políticas e sociais jamais serão inteiramente sanadas, mas que é possível reduzi-las com reformas graduais. A segunda persegue uma ordem eternamente válida, sustentada por um conjunto de valores absolutos, inquestionáveis. Esse tipo de conservadorismo pode ser tão autoritário quanto as vertentes revolucionárias da esquerda. Ele exige adesão completa, sem concessões e negociações, ao movimento que promete redenção final.

Civilidade, diálogo, respeito à diversidade de ideias e preocupação com o bem comum eram algumas das qualidades que Aron atribuía ao conservadorismo afeito à democracia liberal. Na semana passada, Jair Bolsonaro usou uma expressão lapidar para classificar essa forma de conservadorismo, ainda que ele a tenha pensado como ofensa. A “di r ei t a limpinha” tem “boa vontade” (preocupação com o bem comum), faz “gestinho para lá e para cá” (diálogo), mas “não tem como enfrentar o sistema” (não trocará a ordem estabelecida pela ordem eternamente válida).

A ‘lei’ do mais forte - Denis Lerrer Rosenfield

O Estado de S. Paulo

Dados o caráter não belicista de nosso país e as fronteiras estáveis com nossos vizinhos, a força militar não é uma preocupação central. Deveria sê-lo!

Nas relações internacionais, geopoliticamente falando, embora isso se aplique às relações diplomáticas e comerciais, não há lei no sentido estrito, pela ausência de um poder coercitivo. Há, sim, regras de conduta aceitas de comum acordo por Estados para dirimir os seus conflitos, sem que esses não derivem para a violência. Tratados e mesmo instituições internacionais dependem, para sua execução e operacionalidade, do arbítrio dos Estados signatários, sobretudo os de maior força econômica e militar. Em caso de descumprimento de algum acordo, um Estado determinado pode impor sanções econômicas, a exemplo das sanções americanas e europeias ao Irã e à Rússia. Pode eventualmente recorrer ao confronto militar direto ou indireto.

Uma política externa transacional - Oliver Stuenkel

O Estado de S. Paulo

Trump prefere lidar com autocratas, que enfrentam menos obstáculos para fechar acordos

As semanas que antecederam a posse de Donald Trump foram marcadas pela disputa pública entre dois grupos-chave do novo governo dos EUA – os “tech bros”, liderados por Elon Musk, que defendem facilitar a imigração de quadros qualificados, e o movimento populista Maga (“Make America Great Again”), liderado por Steve Bannon, que defende reduzir todo o tipo de imigração.

No âmbito de política externa, o racha mais relevante ocorre entre conservadores tradicionais, liderados pelo secretário de Estado, Marco Rubio, e um grupo ascendente de diplomatas do movimento Maga, como o embaixador Richard Grenell, que rejeitam os pilares da política externa americana das últimas décadas.

A retórica de Rubio é parecida com aquela dos “águias” do governo Bush e, sobretudo no que diz respeito à América Latina, abraça a visão liberal tradicional dos EUA como defensores da democracia. Rubio recentemente rejeitou qualquer negociação com Maduro e disse que o “narcorregime” precisa chegar ao fim. Ele lamentou que empresas americanas, como a Chevron, estejam despejando bilhões de dólares nos cofres do regime ao explorarem petróleo.

DIVERGÊNCIA. No dia da posse de Trump, porém, Grenell, escolhido pelo presidente como enviado para missões especiais, portfólio que inclui a Venezuela, rejeitou a estratégia de Rubio e anunciou: “Conversei com vários oficiais na Venezuela hoje e começarei reuniões amanhã . A diplomacia está de volta.”

Poesia | Educação pela Pedra - João Cabral de Melo Neto

 

Música | Maria Bethânia - O que é o que é (Gonzaguinha)

 

domingo, 26 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O que aguardar dos novos líderes do Congresso

Correio Braziliense

Por enquanto, a disputa para a presidência das duas Casas tem como favoritos o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP)

Marcada para o início de fevereiro, a eleição para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal representa a oportunidade de continuar os avanços na aprovação de matérias relevantes para o país. Isso passa por uma melhor articulação do Executivo com o Legislativo, mas também pela adoção de um espírito público por parte dos parlamentares, particularmente no que se refere ao Orçamento da União, ainda maculado por interesses paroquiais e falta de transparência, e à regulação das redes sociais, uma lacuna permanente na realidade brasileira.

Por enquanto, a disputa para a presidência das duas Casas tem como favoritos o deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP). Ambos acumulam um bom trânsito entre os pares, o que explica por que despontaram, com meses de antecedência, como os prováveis sucessores de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), respectivamente. Tanto governo quanto oposição estão a calcular o melhor posicionamento nesta troca de turno no Legislativo, com impacto não apenas na votação de matérias de interesse de diversos setores da sociedade, mas também na correlação das forças políticas em Brasília.

Política de frente em tempo de crise - Luiz Sérgio Henriques

O Estado de S. Paulo

A atual crise múltipla requer bem mais do que vitórias eleitorais, ainda que imprescindíveis. Trata-se de reorientar valores e comportamentos

Quando a palavra “fascismo” escapa ao vocabulário militante e encontra guarida entre especialistas, é porque nos encontramos numa época repleta de graves ameaças e possibilidades de involução. Não por acaso, então, começa-se a falar de aliança entre forças rivais, que concordam em suspender provisoriamente suas diferenças diante do que veem como perigo maior. Nos anos 1930, correntes significativas – socialistas, comunistas, liberais, conservadores – aos poucos teceram uma complexa ação unitária para fazer face ao fascismo em marcha aparentemente irresistível.

Nasceram assim as frentes populares, cujo eco ainda reverbera e mobiliza corações e mentes, sem necessariamente ter o ar de coisa antiga. O nouveau front populaire, por exemplo, é um fato da política francesa atual, cujo sentido maior, em tese, só pode ser o de ajudar a estabelecer o cordão sanitário em torno da extrema direita em curso de “normalização” – e se não o fizer, terá contribuído para agravar o drama em curso. Bem antes, na Espanha ou na Itália, e até no Brasil, frentes antifascistas se estabeleceram com resultados muito diferentes. Entre nós, uma promissora “aliança nacional libertadora”, orientada inicialmente para a política de massas, cedeu ao vezo insurrecional, levando ao desastre de 1935 e abrindo espaço para o Estado Novo varguista.

Obstáculos no caminho - Merval Pereira

O Globo

Os erros do governo, e são muitos nesse terceiro mandato de Lula, são aproveitados para neutralizar até mesmo as medidas mais inovadoras e promissoras

O ministro Rui Costa pode pelo menos se consolar de não ter sido, na história, o primeiro - nem será o último - a ser vítima de uma frase que não disse. À rainha Maria Antonieta é atribuída a frase “se não têm pão, comam brioches” como reação à falta de comida para a população pobre do reino, mas historiadores modernos garantem que é improvável que a tenha dito, embora fosse perdulária e ostentatória. Mas tinha uma relação caridosa com os pobres.

Também o ministro, ao sugerir que, por estar a laranja muito cara, que as pessoas escolham outra fruta para comer, não deve ter tido a intenção de menosprezar os consumidores de laranja, nem pensou nos brioches de Maria Antonieta, como acusam os adversários políticos. Mas a frase do ministro, e um outro escorregão quando falou em “intervenção” nos preços dos alimentos, dando margem a que acusassem o governo de querer tabelar preços, mostram bem como é difícil a vida de um governante que tem na sua cola uma oposição afiada.

Quando “a direita” era o PSDB, o PT tinha uma vida boa, pois nem os tucanos eram direitistas, muito menos de extrema-direita, como a oposição ainda era elegante, embora o governo petista não poupasse as críticas a uma suposta “herança maldita”. Agora, os erros do governo, e são muitos nesse terceiro mandato de Lula, são aproveitados para neutralizar até mesmo as medidas mais inovadoras e promissoras, como o programa Pé-de-Meia do Ministério da Educação.

Entre picanha e salsicha, o marketing reverso de Lula – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O preço dos alimentos tem dinâmica própria, influenciado por oferta e demanda, clima, safra, cotações internacionais. Não existe bala de prata para derrubá-lo

Na publicidade, o marketing reverso é uma inversão de perspectivas. O processo mais comum e tradicional é a busca da atenção e dos recursos dos consumidores. O marketing reverso faz com que o consumidor passe a procurar pelo serviço e/ou produto oferecido de forma mais orgânica. É uma estratégia menos invasiva e agressiva, mas, às vezes, dá errado.

presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um comunicador nato e voltou ao poder com uma narrativa ancorada nos seus dois mandatos anteriores. Um dos motes de sua campanha foi uma espécie de marketing reverso: a esperança dos pobres de que voltariam a comer picanha no churrasco do fim de semana.

Governo num mato sem cachorro - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Alimentos: sem intervenção, sem subsídio ou mudança na data de validade e... sem solução

Enfrentando várias frentes de batalha por causa da inflação dos alimentos, o governo Lula conseguiu vencer a primeira, ao impedir que a onda contra “um conjunto de intervenções” virasse tsunami, como no caso do Pix. Mas a guerra continua, e em terrenos mais pantanosos: como reduzir os preços e dar uma resposta principalmente para a baixa renda, sem bater de frente com o mercado e o já arisco agronegócio?

Sidônio Palmeira reagiu rapidamente a uma palavra maldita usada pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, ao anunciar “intervenções” contra a inflação da comida. “Intervenção” remete a “boi no pasto”, “fiscais do Sarney”, “congelamento” e seus efeitos bumerangue nos objetivos, na economia e na popularidade dos invencionistas.

Inflação é mistura na comida caseira - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

Em países como o Brasil, onde as desigualdades são amplas e a alimentação pesa muito no orçamento familiar, a importância política dos preços agrícolas é especialmente grande

No país do feijão com arroz, comer em casa ficou 8,23% mais caro, no ano passado, enquanto o custo de vida subiu em média 5,08%, de acordo com a inflação oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). As mais prejudicadas foram obviamente as famílias de baixa renda, aquelas com maior gasto proporcional em alimentação. Comida mais cara significa menos dinheiro para blusinhas, para um fim de semana mais divertido ou até para o material escolar das crianças, um dos desafios do começo de ano. Para o presidente da República, empenhado na reeleição ou no apoio a um sucessor, inflação acima do teto da meta tende a ser um alerta de emergência.

O alerta soou, nos últimos dias. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva logo reagiu, discutindo medidas para conter os preços e garantir um boa produção neste ano. A resposta seria mais simples, mais pronta e mais eficaz se o governo tivesse estoques para abastecer o mercado. Cuidar da nova safra seria o passo seguinte, dentro da rotina de uma política agrícola normal. Mas essa política tem sido, há alguns anos, bem menos “normal” do que havia sido nas últimas quatro ou cinco décadas.

'Arte cívica' - Dorrit Harazim

O Globo

Trump deu 60 dias para a entidade que gerencia os prédios do governo alinhar a arquitetura oficial aos princípios ‘clássicos’

O último ato do bota-fora de um ocupante da Casa Branca costuma se dar no Salão Oval da Presidência. Ele precisa ser rápido, bem ensaiado e cronometrado. Não foi diferente na segunda-feira 20 de janeiro de 2025, dia da posse de Donald Trump. Faltando menos de duas horas para o juramento do novo mandatário no Capitólio, com Joe Biden ainda perambulando pela residência, o troca-troca de móveis, tapetes, porta-retratos e adereços seguiu marcha célere. Foi dali, sentado na maciça Resolute Desk, presente da Rainha Vitória, que Trump daria sequência, naquela noite, à cinematográfica assinatura de seus quase cem decretos iniciais.

Um ensaio fotográfico divulgado horas depois da posse pelo Wall Street Journal revelou as mudanças mais óbvias. De volta ao Salão Oval estão algumas das peças defenestradas por Biden quando sucedeu a Trump quatro anos atrás. Entre elas, as três imensas bandeiras das armas militares, um lugar de honra para seu ídolo Andrew Jackson (o sétimo presidente americano, que dizia “Nasci para a tempestade, a calmaria não me cai bem”), a popular escultura de bronze de um caubói domando sua montaria, “Bronco Buster”, de Frederic Remington. De serventia mais imediata, foi ressuscitada também a famosa caixa de madeira com campainha, que Trump aciona quando quer mais uma Diet Coke. Saíram de cena o gigantesco retrato do democrata Franklin D. Roosevelt e o busto do líder trabalhista chicano César Chávez.

A primeira delação de Mauro Cid – Elio Gaspari

O Globo

Em seu primeiro depoimento sobre planos golpistas, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro implicou ex-primeira-dama Michelle em ala mais radical

O ministro Alexandre de Moraes mantém sob sigilo os depoimentos do tenente-coronel Mauro Cid na sua colaboração premiada para a investigação dos planos golpistas de 2022/2023. São mais de dez depoimentos. Veio à tona o primeiro, de 28 de agosto de 2023. Tem seis páginas, algum método e menciona mais de 20 pessoas.

Segundo Cid, depois da vitória de Lula, três grupos gravitavam em torno de Jair Bolsonaro.

O primeiro queria que ele mandasse as pessoas para suas casas, tornando-se o grande líder da oposição. Nesse núcleo estavam o senador Flávio Bolsonaro, o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, e o brigadeiro Baptista Júnior, comandante da Força Aérea.

O segundo grupo, ainda mais moderado, dizia que “nada poderia ser feito diante do resultado das eleições”. Uma virada de mesa “representaria um regime militar por mais 20, 30 anos”. Temiam que radicais levassem Bolsonaro a “assinar uma ‘doideira’”. Nele, segundo Cid, estavam os generais Freire Gomes (comandante do Exército), Paulo Sérgio Nogueira (ministro da Defesa) e Júlio César de Arruda.

Entre Davos e a COP30 - George Gurgel*

O Papa Francisco, em fala recente, dias depois da posse do Presidente Donald Trump, chamou atenção para o fato de que todos nós somos imigrantes. Tão oportuna declaração nos leva a refletir sobre uma maior responsabilidade e compromisso de cada ser humano, das nossas Organizações Multilaterais, a exemplo da ONU, FMI, Banco Mundial e das Organizações Mundiais da Sociedade Civil; assim como dos EUA, da Europa, da China e da Rússia - principais economias mundiais, responsáveis pela maior geração dos gases de efeito estufa no planeta – devem implementar medidas efetivas que minimizem as causas e os efeitos das mudanças climáticas ora em curso, atingindo as populações e os ecossistemas do planeta.

No entanto, as declarações e os decretos assinados no início do segundo governo do presidente dos EUA, Donald Trump, não são alvissareiros. Afrontam acordos internacionais, descomprometem o governo americano com o Acordo de Paris e com a Organização Mundial de Saúde; reorientam a economia americana para a produção e consumo de petróleo; além de declarações preocupantes em relação à autodeterminação do Canadá, do México, do Panamá e da Groelândia, diante de um complexo e beligerante cenário internacional, que tem os EUA, Israel, Palestina, China, Rússia, União Européia e os Brics, como atores relevantes.

40 anos de democracia e economia ruim - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Vivemos a ilusão de que em um momento milagroso voltaríamos à terra prometida do crescimento veloz

Em março, vai fazer 40 anos que acabou a ditadura militar. O Brasil não voltou a crescer como se vira na maior parte do século 20.

Dada a experiência dos países que se industrializaram mais na base da força bruta, como nós, e considerados os poucos casos de nações que conseguirem escapar da renda medíocre, não somos caso assim lá extravagante. Atualmente, o Brasil figura lá pelo meião do ranking mundial da renda (PIB) per capita.

Como os dados do crescimento anterior à Segunda Guerra estão sob debate, considere-se o período seguinte. A renda (PIB) per capita dobrou de 1945 a 1961, por aí. Dobrou de novo de 1961 a 1977. Desde então, até 2023, cresceu pouco mais de 60%.

O inferno astral de Haddad - Catia Seabra

Folha de S. Paulo

Adeptos da astrologia podem até enxergar na queda do dólar um sinal de desanuviamento para o novo ano

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, completa 62 anos neste sábado, 25 de janeiro. E o mês que antecedeu seu aniversário faz jus ao conceito popular de inferno astral.

A disseminação de informação falsa sobre taxação de operações via Pix, a partir de uma norma da Receita Federal, abalou o governo e a imagem do ministro. Foi obrigado a recuar.

Às vésperas do aniversário, Haddad foi repreendido, interna e publicamente, pelo presidente Lula (PT), que também cobra dele medidas para redução do preço dos alimentos.

Nomeado em janeiro, o novo chefe da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência), Sidônio Palmeira, chegou ao Palácio do Planalto como mais um conselheiro de Lula em matéria econômica.

O Reich do Silício - Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

O que parecia exagero retórico em 2014 já não é mais o caso

A expressão "Reich do Silício" foi criada pelo jornalista Corey Pein em um texto publicado no site The Baffler sobre ideias autoritárias que começavam a fazer sucesso no Vale do Silício. Em 2014, quando o artigo saiu, parecia um exagero retórico para criar um bom título.

Não é mais o caso.

Elon Musk, o homem mais rico do mundo, aproveitou a posse de Donald Trump, o homem mais poderoso do mundo, para anunciar sua adesão às ideias da extrema direita europeia dos anos 30.

Só há uma interpretação possível para a saudação de Musk, e é a óbvia. Se você discorda, repita o gesto dentro de uma Sinagoga e veja se alguém não entende do que se trata.

Mas Musk não era o único representante do Reich do Silício na posse de Trump. Como mostrou Patrícia Campos Mello em matéria publicada nesta Folha em 24 de agosto, o novo vice-presidente americano, J.D. Vance, é um entusiasta das ideias autoritárias que prosperaram entre os bilionários da tecnologia.

A invenção do bem e do mal - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro combina ciência e filosofia para fazer uma genealogia de instinto moral dos humanos

Gostei de "The Invention of Good and Evil" (a invenção do bem e do mal), de Hanno Sauer. O livro é, literalmente, uma genealogia da moral. O autor combina conhecimentos de vários campos da ciência com filosofia, a sua área de atuação, para nos contar como o instinto moral surgiu em nossa espécie e se desenvolveu.

Sauer começa bem no começo, 5 milhões de anos atrás, quando, por alguma razão geológica, nossos ancestrais se viram sem a proteção de uma frondosa cobertura vegetal e se tornaram muito mais vulneráveis a predadores do que os primos chimpanzés.

Trocando história por histeria - Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Mediado por cultos, o deslocamento dessa afecção patológica para o campo político alojou-se na extrema direita

Passou sem comentários o diagnóstico de histeria, por um ministro do STF, sobre os atos extremistas que culminaram no ataque golpista do 8/1. Referia-se não só às depredações, mas ao desconexo comportamento de massa que oscilava entre orações a pneus de caminhão, marchas patéticas e fragmentos verbais sem contexto.

É provável que a desatenção se deva ao juízo estranho a padrões jurídicos. Magistrados não trafegam na via psiquiátrica. Fato, porém, é que o conceito de histeria perdeu exclusividade freudiana, emigrando para reapropriações no campo socioestético, designáveis como "histeresia". Em "Histeria na Mídia", Raquel Paiva aplica com propriedade essa ideia ao discurso compulsivo e redundante da mídia. Uma visão próxima à análise existencial que demonstra o caráter secundário e inautêntico do falatório (Heidegger).

Histeria é doença da representação, afetada pela repressão sexual.

Teatro pervertido das proibições introjetadas, o corpo é compelido a exibir-se por fala e atuações. Em formas convulsivas se registram possessões ditas "demoníacas". Há relatos de letramentos obscenos esculpidos por sintomas na pele de internas em conventos europeus. Matéria-prima para bispos e Hollywood.

Graziela Melo* - A prisão

Dois de setembro de 1970. Dia terrível. Fatídico. Inesquecível. A essas alturas de nossas vidas já havíamos nos mudado cinco vezes em pouquíssimo tempo. A cada suspeita ou medo de sermos descobertos, nos arrancávamos carregando, além dos filhos, pouquíssima coisa, deixando para trás as estruturas das casas montadas. Carregar mudança era um risco que não se podia correr. Era fornecer nosso roteiro para os olheiros de plantão, tanto da polícia como do Exército. A tensão era tal que contraí uma ulcera. Tensão essa que aumentou quando comecei a desconfiar que estava sendo seguida. No bondinho de Santa Teresa, ao meu lado, sentara um sujeito. Tive a nítida impressão de já tê-lo visto em alguma parte. Desci no meu ponto na Almirante Alexandrino. Ele seguiu. Na outra noite quando desci, às 7h da noite, aproximadamente, lá estava ele no nosso portão. Às 6 horas da manhã do dia seguinte a campainha toca com muita estridência. Eu sabia que eram eles. Tinha certeza. Gilvan acordou assustado. Fui até a porta. Abri o postigo. Pelos vazios entre as grades colocaram uma arma em meu peito. “Abre ou eu atiro”. Não abri. Estranha reação de uma mulher tímida quando se sente na obrigação de proteger. Não cedi a pressão que continuou abre ou atiro, abre ou atiro.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Alguns Toureiros (por ele mesmo)

 

Música | Milton Nascimento e Alaíde Costa - Me deixa em paz

 

sábado, 25 de janeiro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

O valor do nosso cinema

Correio Braziliense

Podemos, sim, sonhar com a premiação para uma obra que mostra ao Brasil e ao mundo um passado que não pode ser esquecido nem tratado com irresponsabilidade

Com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva, o filme Ainda estou aqui, de Walter Salles, concorre ao Oscar de 2025 em três categorias: melhor filme internacional, melhor atriz e melhor filme. Não foram surpresas as indicações para as duas primeiras categorias. Porém, a disputa pela condição de melhor filme é um enorme salto para o nosso cinema, pois trata-se de uma equiparação às melhores produções cinematográficas entre milhares dos Estados Unidos, do Reino Unido, da França e do Canadá.

É um feito histórico que projeta o nosso cinema a um novo patamar, seja de qualidade, seja de audiência, o que nos fará muito bem do ponto de vista da autoestima dos brasileiros, da valorização de nossa identidade cultural e, sobretudo, da importância da democracia para o nosso país. No topo da premiação de maior prestígio nos Estados Unidos, o longa-metragem é uma contundente denúncia política, em forma de drama de família, numa conjuntura muito especial tanto para nós quanto para a sociedade norte-americana.

Não basta defender a democracia - Oscar Vilhena Vieira

Folha de S. Paulo

O próprio conceito está sob forte disputa

O retorno de Trump à Casa Branca, por meio do voto, deixou claro que o discurso de defesa da democracia não foi suficiente para afastá-lo do poder. Ainda que mais de dois terços dos eleitores norte-americanos manifestem temor pelo destino da mais antiga democracia do mundo, isso não impediu a eleição de um candidato abertamente hostil às instituições democráticas. Mais do que isso, os eleitores sequer tiveram a precaução de eleger uma maioria parlamentar capaz de impor certos limites ao novo/velho presidente.

Como explicar esse aparente paradoxo ou, ao menos, essa falta de cautela por parte da maioria dos eleitores?

Uma explicação, que vem sendo sustentada por diversos analistas, é que o próprio conceito de democracia está sob forte disputa. Enquanto para o campo liberal a democracia é uma forma de governo em que o exercício do poder pela maioria só será legítimo quando balizado pela constituição e em conformidade com os direitos humanos, inclusive direitos de minorias, para populistas muitos desses direitos e balizas constitucionais são descritos como obstáculos espúrios à plena realização da vontade do povo, devendo, portanto, ser abandonados.

Dá para melhorar a qualidade do Congresso - Sergio Fausto

O Globo

Voto distrital misto reduziria os custos e a importância do dinheiro nas campanhas. Não é uma panaceia, mas pode resultar em melhoria

Nos últimos 20 anos, uma espécie de animal político entrou em extinção, a ponto de hoje existirem poucos exemplares no Congresso Nacional. Ao longo das duas últimas décadas, foram desaparecendo os parlamentares que integravam o alto clero, uma elite que se distinguia pela influência que tinha no Parlamento e no debate político nacional.

No Congresso de hoje, a predominância dos parlamentares que se limitam a gerir interesses locais e setoriais é esmagadora. Interesses não necessariamente ilegítimos, mas distantes de qualquer consideração sobre o interesse mais amplo do país.

Para a espécie dominante no Congresso, além de jabutis em Projetos de Lei e Medidas Provisórias, importa principalmente o acesso a recursos via emendas parlamentares, cuja maior parte passou a ser de execução obrigatória, em volumes crescentes. Na coordenação da disputa por esses recursos, os presidentes da Câmara e do Senado concentraram poder e projeção. Os demais, com as exceções de praxe, são operadores de interesses — a começar pela reeleição de si mesmos — e não têm maior relevância no debate nacional.

Perdemos o sentido de proporção – Pablo Ortellado

O Globo

O vocabulário político está viciado. Não conseguimos mais falar das coisas com sentido de proporção. Comportamentos não são mais machistas ou racistas, mas misóginos e supremacistas. As posições não são mais de esquerda ou de direita, mas sempre de extrema direita — quando referidas pela esquerda — ou de extrema esquerda — quando referidas pela direita. Ações voluntárias e involuntárias foram equiparadas, e a intenção e a boa-fé deixaram de valer como atenuantes. Todo comportamento que pode ser condenado precisa ser condenado nos mais duros termos. O resultado político é a intolerância e a incapacidade de convívio.

Antes, o termo machismo era usado para designar comportamentos discriminatórios que promoviam a superioridade dos homens sobre as mulheres, e misoginia era um termo incomum, usado excepcionalmente para se referir a uma hostilidade extrema e patológica às mulheres. Hoje se tornaram intercambiáveis, e há predomínio do termo mais forte sobre o mais fraco.

Presidente imperialista – Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Se Trump fizer tudo o que anunciou, haverá um enorme tumulto na economia, dada a esperada reação dos países punidos

Panamá é um país pequeno, de 4,5 milhões de habitantes, PIB modesto de US$ 84 bilhões. A moeda corrente lá é o dólar americano. Não tem Exército, apenas forças policiais. E uma riqueza preciosa, o canal de 82km que liga o Pacífico e o Atlântico — rota essencial para o comércio global.

De outro lado, os Estados Unidos, superpotência com 1,5 milhão de soldados nas Forças Armadas. E, desde o dia 20, um presidente classificado pela revista The Economist como imperialista no comando de uma Presidência imperial, Donald Trump. Pois esse presidente, no solene discurso de posse, afirmou:

— Vamos tomar de volta o Canal do Panamá.

Questionado a respeito, o presidente panamenho, José Raúl Mulino, tratou de desclassificar a ameaça:

— Fala sério! — respondeu, tentando parecer irônico.