segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Amir Khair - Metas insuficientes

• Principais termômetros fiscais não foram mencionados como metas a serem perseguidas

- O Estado de S. Paulo

Há que dar um voto de confiança à nova equipe econômica. Pretende trabalhar com gradualismo na implementação de maior disciplina fiscal e com metas passíveis de serem cumpridas, sem o uso de contabilidade criativa e sem desperdiçar recursos nas transferências ao BNDES.

É um bom começo, mas há de considerar que os dois principais termômetros fiscais: déficit nominal e relação dívida bruta/PIB não foram mencionados como metas a serem perseguidas. Só o resultado primário de 1,2% do PIB em 2015 e maior do que 2% do PIB nos anos seguintes.

Isso pouco revela sobre a disciplina fiscal. Pode-se conquistar essas metas, mas se a despesa com juros não cair, os termômetros podem registrar piora no resultado fiscal.

Tenho apontado em artigos que está interditado no debate econômico a anomalia causada pelo excesso da taxa de juros básica, a Selic, que causa déficits fiscais, rombos nas contas externas ao colocar o câmbio fora de lugar e prejudicar a já difícil situação da competitividade das empresas.

Exemplo dessa anomalia ocorreu em vários anos na série histórica das finanças públicas. Vale lembrar que o melhor resultado primário ocorreu em 2005, quando atingiu 3,8% do PIB e o pior até 2013 foi neste ano, desde 1999, com 1,9% do PIB. Se isso fosse o suficiente para avaliar o resultado nas contas públicas, as análises estariam equivocadas, pois em 2005 os juros atingiram 7,4% do PIB, conduzindo a um déficit fiscal de 3,6% do PIB (7,4 menos 3,8) e em 2013 os juros atingiram 5,2% do PIB dando um déficit fiscal menor de 3,3% do PIB (5,2 menos 1,9).

Para a gestão fiscal responsável não basta compromisso só com o resultado primário. É necessário, como estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), além dele e, principalmente, compromisso com o resultado nominal, que abate os juros do resultado primário.

Da mesma forma, não é correto afirmar, como foi feito, que as metas de resultado primário propostas pela nova equipe econômica conduzirão à queda da relação dívida/PIB. Nada garante isso se a conta de juros não for significativamente rebaixada, pois o que influi matematicamente na evolução da relação dívida/PIB é o resultado nominal. Se esse resultado decorrer da meta de 1,2% traçada para 2015 e, se a Selic continuar no nível atual, os juros poderão atingir 5,5% do PIB e o déficit fiscal seria de 4,3% do PIB. Nessa situação, a relação dívida/PIB pioraria em três pontos porcentuais, passando de 62% do PIB para 65% do PIB, caso o crescimento econômico atingisse 2%. É um mal resultado para a nova equipe e, certamente, poderá influenciar a classificação de risco do País.

De 2016 em diante, como a meta de superávit primário é de mais de 2% do PIB, suponhamos que seja de 3%, caso não se altere a Selic, a conta de juros poderia alcançar 6% do PIB, por causa da dívida mais elevada, levando a um déficit nominal de 3,0% do PIB (6 menos 3). Caso o crescimento melhore para 3%, seria necessário um déficit nominal inferior a 1,9% do PIB para não piorar a relação dívida/PIB. Ela só se estabilizaria, assim mesmo em nível elevado (65% do PIB), caso o crescimento fosse de 5%.

Tenho insistido na argumentação de que a Selic fora de lugar só vai agravar a evolução da relação dívida/PIB e, quanto mais tempo levar para se posicionar no nível da inflação, como fazem todos os países que lutam para recuperar o crescimento, mais difícil será a conquista do saneamento fiscal. Vale enfatizar que a LRF tem como princípio básico o equilíbrio fiscal, ou seja, resultado nominal zero, ou ainda despesas, inclusive juros equivalentes à arrecadação efetiva no setor público. Assim, falar só em resultado primário é enganoso.

Novas ameaças. Além da crítica a metas incompletas, com forte possibilidade de conduzir à piora fiscal caso não ocorra substancial redução da Selic, há novas ameaças às contas públicas. A primeira delas já ocorreu. Foi a aceitação da presidente da decisão do Senado de aprovar a alteração retroativa da dívida dos Estados e maiores municípios para com a União. Isso vai permitir novos endividamentos desses entes federados elevando a despesa do setor público e, como o governo federal é deficitário fiscalmente, terá de elevar o seu endividamento no mesmo montante das novas despesas que esses entes fizerem. Há, portanto, um duplo efeito a atingir as contas públicas e, a nova equipe acabou engolindo esse golpe ao coração da LRF no seu artigo 35, que proíbe o refinanciamento.

Como esse prêmio dado pelo Senado favorece principalmente os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Alagoas, e a prefeitura de São Paulo, os demais Estados e 99,9% dos municípios podem pressionar por novos benefícios e tome pressão sobre o governo federal.

Outra ameaça é a sempre crescente pressão do Poder Legislativo, Poder Judiciário e Ministério Público por mais recursos do que os que já dispõem. São reajustes salariais, mordomias de toda ordem, como o pagamento de ajuda aluguel a magistrados, procuradores e promotores públicos. O espaço deste artigo não permite apresentar várias outras ameaças fiscais.

Há que considerar, também, que ao contrário do que se divulga, não é o ministro da Fazenda que controla a despesa do setor público. Nem a do governo federal. Isso está a cargo do ministro do Planejamento, que é quem controla o Orçamento. O ministro da Fazenda pode e, certamente, tudo fará para alcançar a meta que foi traçada, mas se seus pares do Planejamento e do Banco Central não estabelecerem limites às despesas primárias (exceto juros) e às despesas com juros por causa da Selic, todo o esforço fiscal vai por terra.

Tenho insistido, também, que 64% da despesa pública não financeira pertence aos Estados e municípios e, sobre elas, a atuação do governo federal é quase nula da mesma forma que a LRF. O relaxamento fiscal promovido pelo Senado ao atacar frontalmente o artigo 35 da LRF vai elevar a despesa e a dívida pública.

Os 36% da despesa pública a cargo do governo federal impõem rígido controle sobre as despesas discricionárias (passíveis de controle), que representam apenas 10% da despesa federal, pois as demais 90% são engessadas pela legislação em vigor. Para o devido controle há que operacionalizar, o que não foi feito pela equipe econômica que sai, que é o respeito aos artigos 9.º e 14.º da LRF. O artigo 9.º estabelece que no caso de frustração da receita (receita menor que a previsão) há que reduzir a despesa de forma a manter as metas de resultado primário e nominal.

O artigo 14 obriga a compensar com tributo o que implicar em qualquer tipo de redução de receita por ato do poder público. É o caso das desonerações efetuadas pelo governo. A boa notícia é que a presidente acabou de vetar a lei por ela proposta, que permitia não compensar essa perda fiscal.

Enfim, o desfio fiscal está posto e a nova equipe econômica causou boa impressão aos meios de comunicação. O perigo é não conseguir enfrentar os problemas aqui apontados. Vale acompanhar.

Gustavo H.B. Franco - O nome da carta

- O Estado de S. Paulo

A escolha da nova equipe econômica, formalizada na última quinta-feira, poderá representar uma mudança de rumo semelhante à determinada pela "Carta aos Brasileiros" escrita pelo presidente Lula em 2002, numa mistura de grandeza, incoerência e puro pavor.

Com esse gesto, que o tempo trabalhou para embelezar, Lula manteve por longo tempo o "tripé" macroeconômico (superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante) e, mais essencialmente, oficializou o abandono, pelo Partido dos Trabalhadores, de seus ideais revolucionários. Pouco importa se foi arrivismo, estelionato eleitoral ou uma imposição do bom senso. Foi uma espécie de "queda do Muro", ou uma rendição pragmática, meio mal humorada mas incondicional, às políticas econômicas e agendas reformistas alinhadas com os consensos internacionais que foram introduzidos no Brasil junto com o Plano Real em meio a considerável dose de controvérsia e também de gás lacrimogêneo.

Eis que, de forma não totalmente inesperada, algo muito parecido se passou, ou teve início, nesta última quinta-feira. Faz um bom tempo que se esperava que Dilma Rousseff fizesse a sua carta, e abandonasse as experimentações macroeconômicas e piruetas contábeis levadas a efeito depois de 2008. Vencidas muitas hesitações, a carta está na mesa e se chama Joaquim Levy.

Em 2008, por variadas razões nem sempre ligadas à crise, o Brasil teve uma recaída nessa questão do Muro. As inovações nas políticas econômicas que começaram naquele momento pareciam indicar que o Muro, ou não havia sido inteiramente derrubado, ou tinha características vegetais, e como as raízes não tinham sido cortadas, começou a crescer de novo.

A mudança em 2008 começa com ideias heterodoxas antigas a propósito da inviabilidade do capitalismo, sua insuportável propensão à crises, estagnação e desigualdade, exceto quando pesadamente regulado. É o apogeu do desencanto com os EUA, com a globalização e com a União Europeia, na qual se enxergava nada mais que senilidade, tal como no Japão.

Naquele momento só havia perspectiva de crescimento nos Brics, e mais especialmente na China, onde o modelo econômico era outro, radicalmente diferente do neoliberalismo ingênuo emanado da academia anglo-saxã. Começava a emergir um novo caminho, e eram poucos a usar o termo "Consenso de Beijin" mesmo tendo em conta que era o momento de glória do capitalismo de Estado estilo chinês, com seu desprezo mal disfarçado pela democracia ocidental, com seus ritos ociosos e ineficientes, seja na escolha da liderança, ou nos mecanismos de governança nas fronteiras de interação entre o público e o privado.

Esses ventos ficaram muito fortes em 2009, quando o Brasil, momentaneamente, cresceu a taxas que não se via desde o Milagre Econômico e The Economist, uma publicação que todos aprenderam a amar, publicou aquela capa inesquecível com o Cristo Redentor decolando. Foi criada a Nova Matriz Macroeconômica e lá fomos nós embalados por tolas ilusões sobre o que se passava no mundo e sobre nossa capacidade de inovar no terreno das políticas econômicas.

Como se sabe, a coisa não funcionou, e cerca de quatro anos depois a mesma revista, que muitos passaram a odiar, fez outra capa com o Cristo sem controle, acompanhada de uma matéria irrepreensível, até mesmo generosa, com o que se passava com o País.

O fracasso da "Nova Matriz" se deu em vários níveis.

Para começar, todos os indicadores econômicos pioraram com a honrosa e explicável exceção do desemprego baixo, todavia decorrente de fatores alheios ao governo, mormente demografia.

Capitalismo de Estado. Num segundo nível, há um desastre conceitual talvez muito mais devastador. O "novo capitalismo de Estado" de inspiração chinesa ou russa, expresso no estilo "mandão" que se espalhou na administração pública, produziu uma enorme deterioração na qualidade das relações entre o público e o privado. Trata-se não apenas de desgaste com o mundo empresarial, como também de favoritismos, seletividades, facilitações, eleição de campeões e também, e provavelmente não descorrelacionado com isso tudo, uma sucessão de escândalos de corrupção num nível completamente diferente do que o País testemunhara em qualquer momento de seu passado.

Sem dúvida, essa catástrofe conceitual retirou qualquer pureza ideológica do debate sobre a intervenção do Estado no domínio econômico. Que fique claro: a privatização não virou caso de polícia, por mais que se tentasse, ao passo que a gestão das estatais nos últimos anos já produziu uma penca de prisões, e de gente graúda.

Por último, há uma questão de autoria.

Curiosamente, foi apenas quando a presidente demitiu pelos jornais, com espantosa naturalidade, o mais longevo de todos os ministros da Fazenda, que se estabeleceu uma tese que não se ousava admitir até então: o ministro era apenas interino, na verdade, foi a maior interinidade que esta República já conheceu. Dilma Rousseff era a ministra dela mesma.

Já demitido, e mais fiel que nunca a seu estilo, o ministro fez uma de suas mais extraordinárias e reveladoras declarações: ele disse que o resultado das urnas representava um endosso inequívoco à política econômica.

Ao pensar que o ministro está redondamente enganado me assalta o fantasma de Machado de Assis, soprando em meus ouvidos que esta observação seria colocar a geometria para prestar uma homenagem à estultice, pois esse engano não pode ter a forma perfeita de um círculo, mas a massa e a morfologia de um asteroide.
Não obstante, foi este o teorema usado pelos manifestos de intelectuais amigos da inflação, apoiando a política do ministro que se retirava, e criticando o seu substituto.

Não é difícil entender Joaquim Levy nesse contexto. Era preciso recuar, e sobretudo afastar a presidente das culpas pelo fracasso, que ficaram sob a guarda leal e diligente do ministro que se retira para uma sinecura no Banco dos Brics.

É claro que é uma repetição de 2002, ainda mais farsesca, e que representa uma retroação ao normal, tratando-se da ciência da composição ministerial. Temos um ministro da Fazenda ortodoxo, e o do Planejamento um "mão aberta". Anos atrás, Roberto Campos anotou esta regularidade e a designou como a "Lei do Comportamento Discrepante": há sempre contradição nos ministérios da área econômica, pois o presidente precisa ter opções. Um clássico.

Dilma Rousseff vinha sendo uma exceção, pois era a ministra de si mesma e ninguém percebia. Quando chega a hora de fechar o cofre e arrumar a casa, porém, o bom senso aponta no sentido da delegação. Pode-se acusar o governo de muitas coisas - inclusive coisas terríveis que estão em todos os jornais - mas não de falta de inteligência política.

Golpismo fiscal

• À revelia da lei, governo faz manobra para oficializar a irresponsabilidade com o gasto público ao mesmo tempo que, orientado por uma lógica política, anistia municípios comandados em sua maioria por petistas ou partidos da base aliada

Josie Jerônimo – IstoÉ

Não gastar mais do que se arrecada. Esse princípio básico de administração começou a ser levado a sério pelos gestores brasileiros no ano de 2000, com a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma das grandes conquistas do País após a redemocratização ao lado da eleição direta e da estabilização da moeda. Mas a gastança não planejada do governo federal ameaça acabar com o mais importante pilar da gestão pública. Imersa em uma ciranda de custos crescentes e receitas estagnadas, a presidente Dilma Rousseff seria enquadrada pela Lei de Responsabilidade Fiscal no próximo ano se não usasse sua máquina política e fraudasse a própria norma que rege os gastos públicos, para obrigar o Congresso a redefinir os parâmetros do exercício fiscal de 2014. Com a alteração da meta de superávit, prevista para ser votada na terça-feira 2, o governo pretende regulamentar – ou seja, tenta dar ares de legalidade – a prática corrente de maquiar as contas públicas para elaborar um falso cenário de equilíbrio financeiro. Trata-se de um golpe.

A necessidade de promover uma ginástica fiscal para que a conta feche, porém, parece não ter servido de lição. Mesmo faltando dinheiro para honrar os compromissos do governo, na quarta-feira 26 a presidente sancionou a lei que muda o índice de correção das dívidas de Estados e municípios com a União e permitiu o cálculo retroativo de débitos contraídos antes de janeiro de 2013. Para a benesse, o governo abriu mão de R$ 59 bilhões em receitas de juros das dívidas que chegam à casa dos R$ 500 bilhões.

A mudança nos contratos das dívidas é um pleito antigo dos prefeitos e governadores. Quando assumiu, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi pressionado a fazer a alteração. Mesmo em um momento econômico melhor, Lula não cedeu aos pedidos. Em 2005, o então prefeito José Serra (PSDB) foi ao Congresso expor a situação financeira do município, pleiteou alterações na lei, mas voltou de mãos vazias e permaneceu com a dívida bilionária a pagar. Agora, o município de São Paulo, comandado por Fernando Haddad (PT), é o maior beneficiado pela mudança, que ganhou ares de anistia. A cidade terá um abatimento de R$ 26 bilhões no total do saldo de sua dívida graças ao cálculo retroativo. Com a margem, São Paulo poderá voltar a solicitar empréstimos a bancos públicos para tocar grandes obras. Numa clara decisão política dirigida a um partido político à custa do estouro no Orçamento, a alteração legal dará a Haddad a possibilidade de movimentar mais R$ 3 bilhões em investimentos durante sua gestão. O impopular prefeito de São Paulo é candidato à reeleição em 2016 numa cidade em que a vitória é crucial para os planos de poder petista.

Na esfera estadual, o principal beneficiado será Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do País e também um Estado estratégico para o PT. O petista Fernando Pimentel assumirá o governo com uma boa notícia. Ele iniciará a administração com uma dívida menor do que a de seu antecessor, Antonio Anastasia (PSDB). O alívio nas contas públicas proporcionará margem adicional de pelo menos R$ 2,4 bilhões para Pimentel ampliar os gastos do governo. Além da administração estadual, 53 cidades mineiras serão contempladas com a repactuação. O governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo (PSD) – que migrou da oposição para apoiar o governo –, será o terceiro maior beneficiado pela redução das taxas de correção da dívida do Estado, depois de Minas Gerais e São Paulo. Entre as nove capitais que mais ganharão com a medida, apenas Salvador (BA) e Vitória (ES) são comandadas por legendas da oposição. As administrações das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Natal, João Pessoa e Cuiabá mantêm fortes ligações com o governo.

O viés político da anistia aos prefeitos e governadores não passou despercebido pela oposição, que deflagrou uma guerra contra o aval do Legislativo à transgressão fiscal do governo. "A mudança no índice de correção da dívida foi movida, em um primeiro momento, para ajudar o Fernando Haddad em São Paulo. Depois veio o pleito do governador eleito de Alagoas, Renan Filho, o que naturalmente acelerou as coisas. A situação da União é grave e, em vez de apertar, o governo alivia para prefeitos e governadores que querem gastar mais", critica o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA).

A fragilidade da situação financeira e o hábito petista de gastar mais do que pode produziram, nesta semana, mais uma página lamentável no histórico do relacionamento do governo Dilma Rousseff com o Parlamento. O presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), apressou as bancadas para realizar sessão de votação de vetos presidenciais e deixar a pauta limpa para votar o projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que flexibiliza a meta de superávit de 2014. O governo tinha pressa em votar a trapaça contra a lei de responsabilidade fiscal na quarta-feira 26, pois precisava da pendência resolvida quando anunciasse os novos ministros que vão compor a equipe econômica, o que aconteceu na quinta-feira 27. Não deu certo. Dilma foi traída por sua própria base. Os parlamentares, impedidos de se opor publicamente ao projeto de conceder anuência ao erro administrativo do governo, não apareceram no Congresso para votar. Sem quórum, a sessão foi adiada para terça-feira 2.

Os governistas que assumiram a missão de salvar a presidente Dilma do incômodo de iniciar o segundo mandato respondendo a crime de responsabilidade levaram duros ataques da oposição. A reação mais feroz veio do líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), contra Renan Calheiros. Exasperado, o deputado acusou o presidente do Senado de ser fiador da fraude governista. "Vossa Excelência é uma vergonha para essa Casa", afirmou na sessão do Congresso da quarta-feira 26, interrompida por uma falta de quórum, graças a uma calculada ausência da bancada do PMDB, que usa o desespero do governo para negociar cargos na Esplanada.

Cinema – O avesso do avesso da paixão amorosa

• Dirigido por Maurice Capovilla, 'Nervos de Aço' se baseia nas canções de Lupicinio Rodrigues

Luiz Zanín Orícchio - O Estado de S. Paulo

Só um clássico triângulo amoroso poderia ser tema à altura de um filme de ficção baseado nas letras do papa da dor de cotovelo, Lupicinio Rodrigues (1914-1974), cujo centenário de nascimento se comemora em 2014. Assim é Nervos de Aço, de Maurice Capovilla, que adota por título uma das mais festejadas canções de mal de amor do compositor gaúcho e tem previsão de estreia para 2015. Quem não conhece os versos? “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor/Ter loucura por uma mulher?/E então encontrar este amor, meu senhor/Nos braços de um tipo qualquer...”

Dói à beça, não é mesmo? E foi assim, ouvindo as músicas e prestando atenção às letras, que Capovilla, Capô para os íntimos, foi construindo a trama para seu filme-homenagem. “O roteiro é dele, Lupicinio, eu só fui juntado as peças.” E, juntando-as muito bem, trecho por trecho, enfileirando um samba-canção no outro, que chegou à clássica história da rivalidade amorosa, tendo por palco um teatro. Neste se ensaia um espetáculo, dirigido por Arrigo Barnabé, que ama a cantora Ana Lonardi, que se sente atraída pelo violonista Pedro Sol. E pronto.

No todo, a maior parte da ação se dá mesmo no palco, onde 14 músicas de Lupicinio se encarregam de fornecer, comentar, e dar corpo dramático à história de amor, rivalidade e ciúmes. Entre elas, a canção-título, Nervos de Aço, mas também clássicos como Nunca, Ela Disse-me Assim: Vai Embora, Vingança, Quem Há de Dizer, entre outras. Elas são interpretadas na versão expressionista de Arrigo Barnabé e na bela voz suave de Ana Lonardi. O time de músicos é da pesada e os arranjos, a cargo do trombonista Matias Capovilla (filho do diretor), conseguem a proeza de modernizar Lupicinio sem deformá-lo ou descartar sua essência. Ela está lá, intacta e potente, vestida de modernidade, mas com o inconfundível ar de cabaré portuário que está em sua origem.

O filme foi rodado em Porto Alegre, habitat de Lupi e, em especial na bela Casa da Cultura Mário Quintana, na tradicional Rua da Praia. De acordo com Capovilla, foi uma das filmagens mais deliciosas que já comandou, e com ótima qualidade técnica, “33 microfones de captação, um piano magnífico, todas as facilidades que se poderia desejar”, afirma ainda.

A montadora e produtora Marília Alvim diz que o mais difícil foi editar o material, tamanha a sua riqueza e qualidade. “Trabalhávamos, Capô e eu, duro o dia inteiro e, quando chegava o final da tarde, abríamos uma garrafa de vinho para comemorar e ver o resultado da jornada. Foi muito prazeroso e a música está na alma do filme”, lembra.

Esse prazer sem dúvida é sentido pelo espectador. Mas para apreciar de maneira profunda Nervos de Aço é preciso se despojar da expectativa realista em geral alimentada pelo cinema. Estamos mais diante de uma ópera popular do que de um drama amoroso convencional. O triângulo entre Arrigo-Ana e Pedro só adquire sentido por intermédio das músicas e estas, por sua vez, comentam o paroxismo amoroso e também os paradoxos dos encontros e desencontros entre casais. “Meu medo é que as pessoas apenas ouçam as músicas sem notar o enredo que elas constroem”, observa Capô. De fato, prestando-se atenção à trama, não apenas a história fica clara como as próprias músicas se iluminam umas às outras, testemunhando a visão de mundo desse autor genial e amorosamente atormentado que foi Lupicinio Rodrigues.

Para Lupi, a medida do desencanto amoroso era dada pela idealização inicial da amada. No início, enseja versos assim: “Deixe o sereno da noite/Molhar teus cabelos/Que eu quero enxugar, amor”. Para, depois de consumada a desilusão, inspirar palavras como “Você há de rolar como as pedras que rolam na estrada/Sem ter nunca um cantinho de seu pra poder descansar”.

Considerado brega na época cool da bossa nova, Lupi foi redescoberto por intérpretes da elegância de um Paulinho da Viola, que gravou Nervos de Aço com voz de príncipe. Lupicinio ganhou a absolvição intelectual com Augusto de Campos, que o comparou a outro Rodrigues de gênio, Nelson, dizendo que as duas obras não podem ser compreendidas por um a priori intelectual do bom gosto. Se o dramaturgo de Vestido de Noiva prospectou visceralmente o recesso do sexo, o compositor de Vingança se dedicou “afincadamente, por toda a vida, a virar pelo avesso a dor de cotovelo amorosa”.

Transformar esse testemunho sofrido do cancioneiro em estrutura dramática, como no filme de Capovilla, é, por assim dizer, trabalhar no avesso do avesso da paixão amorosa.

Paulinho da Viola - Nervos de Aço

Carlos Drummond de Andrade - As sem razões do amor

Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou de mais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.

Carlos Drummond de Andrade, in 'O Corpo'

domingo, 30 de novembro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

Na campanha, o PT dizia que aumentar os juros tiraria comida da mesa do trabalhador. Três dias depois da eleição, foi justamente isso o que o governo Dilma fez.

Aécio Neves, 54, senador por Minas Gerais, foi candidato à Presidência da República pelo PSDB na eleição deste ano. Trinta dias, Folha de S. Paulo, 30 de novembro de 2014.

Ação da Lava Jato contra empreiteiras influi na guinada ortodoxa do governo

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A descoberta de um vigoroso esquema de corrupção na Petrobrás pesou na decisão da presidente Dilma Rousseff de trilhar o caminho da ortodoxia na política econômica, segundo ministros ouvidos pelo Estado. Com o crescimento beirando a zero, investimentos em queda e o perigo de rebaixamento da nota do Brasil pelas agências de classificação de risco, a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, obrigou Dilma a passar uma borracha no discurso de campanha, ignorar os protestos do PT e mergulhar no pragmatismo.

No Palácio do Planalto, a indicação do economista Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda dividiu auxiliares da presidente, mas acabou definida como "mal necessário" para resgatar a confiança na economia.

Ex-secretário do Tesouro no governo Lula, de perfil conservador, Levy tem a missão de acabar com as "pedaladas fiscais". O temor dos petistas é de que, pela austeridade, ele "jogue fora a criança com a água do banho", cortando programas sociais.

Reunidos em Fortaleza nos últimos dois dias, dirigentes do PT disseram, a portas fechadas, que não vão aceitar a imposição, por parte de Levy, de uma "agenda dos derrotados", numa referência ao "choque de gestão" defendido pelo senador Aécio Neves (MG), então candidato do PSDB. Em público, porém, os petistas combinaram um discurso para avalizar a escolha do novo ministro.
Dilma vai manter sob controle do PT pastas que são caras ao partido, como Saúde e Desenvolvimento Agrário, mas não admitirá que dirigentes petistas "apitem" na economia.

Ao anunciar Levy na Fazenda, Nelson Barbosa no comando do Planejamento e a continuidade de Alexandre Tombini na presidência do Banco Central, Dilma agiu com precisão cirúrgica para pacificar o mercado e se reaproximar de empresários e investidores. Tudo foi feito para reduzir o clima de incerteza, agravado após a Lava Jato.

"Temos que ganhar o jogo na escalação, antes de o time entrar em campo", disse o senador Delcídio Amaral (PT-MS), ex-diretor da Petrobrás. "O governo foi obrigado a emitir sinais antecipados para que todos sintam que a mudança é para valer."

Em recente conversa com senadores do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou acalmar os ânimos dos correligionários, que não escondem a insatisfação com o estilo de Dilma, avesso aos rituais da política. "Vocês podem não acreditar, mas ela vai mudar", garantiu.

Diante do fracasso da nova matriz econômica levada a cabo pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, Dilma tem no radar as mudanças na política fiscal, o monitoramento da inflação e as alterações na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ainda não aprovadas pelo Congresso, que liberam o governo de fazer superávit primário - a poupança para pagamento dos juros da dívida.

Está muito preocupada, no entanto, com os desdobramentos da Lava Jato sobre a política e as concessões em infraestrutura que, se não saírem do papel, derrubam a perspectiva de arrecadação do governo em 2015.

Risco. "Isso certamente atrapalha os investimentos", admitiu o empresário Jorge Gerdau, presidente da Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade - órgão vinculado ao Ministério da Casa Civil -, numa alusão às ações da Polícia Federal que escancararam os desvios de recursos na Petrobrás para a distribuição de propinas entre políticos.

Após o escândalo que levou à prisão chefes de grandes empreiteiras, a companhia também precisará "recriar" condições para investir em obras.

"As coisas têm que andar bem. Não se pode ter problemas importantes como estamos tendo, que afetem em menor ou maior escala o Congresso e a economia. O mercado financeiro tem muitas opções no mundo e vai se alocar onde o risco e a rentabilidade se conjugam da melhor forma", argumentou Gerdau, que preside o Conselho de Administração do Grupo Gerdau.

Foco em ajuste fiscal durará dois anos

• Em segundo mandato, Dilma deve cortar gastos e elevar juros para só depois se concentrar em promover crescimento

• Assessores esperam altas maiores de taxa, e, em busca de choque de credibilidade, aperto pode vir ainda este mês

Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Depois do fracasso da chamada nova matriz econômica, lançada pelo ministro Guido Mantega, o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff vai ser marcado por dois anos de juros mais altos e corte de gastos, seguido por dois anos de foco na maturação de medidas voltadas ao crescimento do país.

A primeira fase da política econômica --caso Dilma dê autonomia à sua nova equipe-- terá como objetivo levar a inflação para o centro da meta, de 4,5%, ao final de 2016, e colocar em ordem as contas públicas gradualmente nos próximos três anos.

Como o ajuste fiscal será gradual, no início do trabalho da nova equipe caberá ao Banco Central de Alexandre Tombini a tarefa maior, o que ele já tem deixado claro.

A sinalização é de um possível aumento da dose de alta da taxa de juros, hoje em 11,25% ao ano, como parte do choque de credibilidade que o novo time formado ainda por Joaquim Levy e Nelson Barbosa, novos ministros da Fazenda e Planejamento, vai aplicar na economia.

Segundo avaliam assessores presidenciais, esse aperto monetário pode vir nesta semana, com o Banco Central elevando os juros em 0,50 ponto percentual, em vez do 0,25 da mais recente reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), em outubro.

Dobrar a dose do aumento, segundo assessores, estaria em sintonia com os últimos discursos de Tombini e sua equipe, que têm indicado que o BC vai se manter "especialmente vigilante" para conter os efeitos do dólar em alta e do reajuste de preços administrados, como a conta de luz, sobre a inflação.

Outro caminho, não descartado no cenário de economia estagnada, seria manter o aumento de 0,25 ponto percentual, mas sinalizar que o ciclo de alta tende a ser mais longo do que o previsto diante da pressão inflacionária.

Nas palavras de um assessor presidencial, o segundo mandato de Dilma terá, em sua primeira metade, mais a cara da dupla Levy/Tombini. Na segunda, mais a de Nelson Barbosa. O trio, destaca o auxiliar, vai trabalhar em sintonia porque o sucesso de uma fase depende da outra.

Ele lembra que Levy tem destacado a importância de fazer o país voltar a crescer para melhorar as contas públicas, enquanto Barbosa ressalta que, sem ajuste, o país não retomará a confiança para acelerar o crescimento.

Nova missão
O futuro ministro do Planejamento ganhou a missão de preparar medidas voltadas a retomar o crescimento econômico, que vai seguir baixo nos dois primeiros anos do segundo governo Dilma.

O ritmo fraco da economia em 2015 foi a razão, segundo Levy, para fixar a meta de superavit primário (economia de gastos para pagamento dos juros da dívida pública) em 1,2% do Produto Interno Bruto. Nos dois anos seguintes, ela será de ao menos 2%.

Não é possível acelerar o crescimento no curto prazo, nas palavras da nova equipe, sem pôr em risco a saúde econômica e a continuidade do avanço das políticas sociais.

A missão de Barbosa é, nesta fase de vacas magras, preparar ações para estimular o investimento nacional e estrangeiro no setor produtivo. Daí a decisão de transferir para o Ministério do Planejamento a coordenação dos programas de concessões do governo, incluindo o programa de banda larga.

A avaliação feita pela nova equipe com Dilma é que a saída para a retomada do crescimento passa pelo aumento do investimento do setor privado, já que a capacidade de investir do Estado nos próximos três anos será limitada.

Tucano acusa Janot de tentar blindar governo

• "Veja" diz que procurador tem falado em risco à "governabilidade"; procuradoria nega

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) acusou neste sábado (29) o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de tentar blindar o governo. Motivo: uma nota da revista "Veja" desta semana que afirma que Janot vem se reunindo com representantes de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato.

Segundo a nota, Janot articula para que os executivos admitam a formação de cartel para atuar na Petrobras argumentando que se trata de um crime econômico, mais defensável. Janot, segundo a revista, teria falado em riscos à "governabilidade" e prometido que as firmas não seriam declaradas inidôneas.

Por meio de sua assessoria, o procurador afirmou que as informações publicadas na "Veja" não procedem e que, como já declarou antes, "numa delação premiada tudo é negociável, menos o perdão".

Ferreira afirmou que pedirá explicações ao procurador.

"Isso é um escândalo. O senhor Rodrigo Janot não pode virar o pizzaiolo-geral da República", disse. "As empresas assumem a culpa, livram os políticos, porque não haveria mais a propina; a Petrobras vira vítima e a presidente Dilma, uma justiceira."

O tucano lembra que as denúncias de corrupção cairiam apenas sobre Paulo Roberto Costa, ex-diretor da estatal que já admitiu ao Ministério Público ter recebido propina.

A OAS afirmou neste sábado que representantes seus jamais se reuniram com Rodrigo Janot. Lembra, porém, que eventuais contatos entre acusados e Ministério Público são comuns em um ambiente democrático.

A Folha não conseguiu localizar representantes da Camargo Corrêa, a outra empreiteira citada pela revista.

Chefe de subsidiária da Petrobrás deixa cargo em definitivo

• Licenciado, Machado é suspeito de ter patrimônio incompatível com renda; padrinho, Renan manterá influência na Transpetro

Mônica Ciarelli e Fernanda Nunes - O Estado de S. Paulo

/RIO - Apontado pelo ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa como envolvido em um esquema de corrupção que está sendo investigado pela Operação Lava Jato, Sergio Machado deixará nesta semana em definitivo a presidência da Transpetro, subsidiária de logística e transportes da companhia petrolífera. O cargo, no entanto, deve continuar sob influência do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Machado se licenciou do cargo no dia, logo após a PriceWaterhouseCoopers, que audita o balanço da petroleira, ter se recusado a assinar o documento caso o presidente da Transpetro permanecesse no cargo. Em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, no Paraná, Costa disse que recebeu R$ 500 mil em dinheiro das mãos de Machado, como parte do esquema de pagamento de propina envolvendo a Petrobrás . Até agora, ele é único dirigente do atual comando da estatal e subsidiárias que teve o nome relacionado diretamente ao esquema de propinas.

Anteontem, promotores do Ministério Público do Rio ouviram como testemunha o ex-diretor da Petrobrás, que cumpre pena domiciliar na capital fluminense, em outro inquérito, de 2010, que investiga a “evolução patrimonial incompatível com a renda do presidente da Transpetro”.

Com a saída definitiva do executivo, o comando da Transpetro entrou na cota de negociação da presidente Dilma Rousseff para garantir apoio no Congresso no segundo mandato. Após negociações, o governo decidiu manter o cargo na cota do grupo de Renan, que era padrinho político de Machado.

Como o Estado mostrou no dia 11, empresas contratadas pela Transpetro financiaram a campanha de Renan ao Senado em 2010. A SS Administração e Serviços e a Rio Maguari Serviços e Transporte Rodoviário, que vão construir 20 barcaças destinadas ao transporte de etanol em São Paulo, doaram R$ 400 mil ao PMDB de Alagoas três meses antes de vencerem a concorrência. Renan defendeu a legalidade das doações e a Transpetro, descartando a irregularidades na contratação feita pela subsidiária da Petrobrás.

Em uma ação de improbidade administrativa, o Ministério Público Federal acusa Machado de fraudar licitação, em 2010, para a compra de 20 comboios, no valor de US$ 239 milhões, para transporte de etanol. Em outubro o Ministério Público pediu à Justiça que decretasse seu afastamento e o bloqueio de seus bens.

Coronel. Filho de tradicional família cearense de Crateús, o administrador de empresas e economista Sergio Machado, de 68 anos, tinha fama de coronel entre seus funcionários. Isso porque os executivos de sua equipe eram obrigados a estar disponíveis aos seus chamados a qualquer hora do dia ou da noite.

Quando contrariado, revelou um ex-funcionário, ele gritava: “Isso é um absurdo”, e dava um tapa na mesa.Quem trabalhava no andar da presidência sofria com a longa jornada de trabalho do executivo. Deixar a Transpetro antes do chefe não era bem visto. Machado chegava às 9 horas e saía meia-noite. Mas era comum varar a madrugada trabalhando. Além disso, segundo funcionários, exigia extrema fidelidade da equipe.

Machado não recebia políticos em seu escritório. Mas embarcava religiosamente uma vez por semana para Brasília para costurar articulações com parlamentares. Já representantes do setor naval eram comumente vistos na Transpetro.

Quem conhece Machado diz que ele também gosta de discursar a plateias, como nos tempos de deputado e senador. Um estilo que não agradava à presidente Dilma. Em público, a relação entre os dois era cordial, mas incomodava a tentativa do executivo de se apresentar como “pai” do Programa de Renovação e Expansão da Frota (Promef), projeto de contratação de navios e responsável pela retomada do setor naval.

Tamanho o apreço de Sergio Machado pelo Promef que, da sua sala, acompanhava as obras em tempo real, por uma tela instalada na parede.

Pagamento da dívida consome 23% de tudo o que governo federal gasta

• Previdência custará R$ 402 bilhões em 2014, quase o dobro das despesas com Saúde e Educação juntas

Alexandre Rodrigues – O Globo

RIO - Enquanto o país acompanha debates acalorados no Congresso em torno da proposta de alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — para liberar a presidente Dilma Rousseff das penalidades por gastar mais do que ela mesma havia previsto —, não é fácil dizer exatamente em que o governo gasta tanto. Para tornar essa resposta mais fácil, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas (FGV/DAPP) desenvolveu o Mosaico do Orçamento, uma ferramenta interativa disponível na internet a partir de hoje que permite a qualquer cidadão visualizar onde vai parar o que sai dos bolsos dos brasileiros na forma de impostos. Logo na primeira visualização é possível constatar que, do total de R$ 1,8 trilhão em gastos autorizados no Orçamento da União em 2014, nada menos do que 23,1% vão direto para o pagamento de juros e amortização da dívida pública, entre outros encargos financeiros do governo federal. São R$ 410 bilhões que vão, na sua maioria, para as mãos de credores.

A segunda maior fatia do Orçamento, 22,7%, é consumida pelo Ministério da Previdência. A despesa com aposentadorias, benefícios e pensões este ano é de pouco mais de R$ 402 bilhões. Esse valor é quase o dobro do que gastam, juntos, os ministérios da Educação e da Saúde, que ficam com 5,6% e 6% de todo o Orçamento, respectivamente. Políticas sociais do governo como o Bolsa Família, a cargo do Ministério do Desenvolvimento Social, custam este ano R$ 69 bilhões, apenas 3,9% de todo o Orçamento.

Uma das principais características do Orçamento federal é o alto percentual de gastos obrigatórios, cujo destino é fixado por lei: quase 90%. Nesse quesito também entram os gastos com o funcionalismo público, que consomem 14% de todos os recursos do governo, R$ 241,7 bilhões só este ano — percentual apontado por outra ferramenta criada pela DAPP/FGV para funcionar em paralelo com o Mosaico, a Geologia Orçamentária. Com ela, é possível desmistificar o senso comum de que o gasto com salários é crescente no governo. Desde 2001, essa camada do Orçamento que engloba todos os órgãos públicos federais se mantém praticamente na mesma faixa. Já foi até um pouco maior. Em 2002, último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, o funcionalismo custava R$ 73,5 bilhões, em valores corrigidos pela inflação oficial do período, 15% do Orçamento.

As ferramentas também revelam que a prática política brasileira de vincular gastos a determinados programas beneficiou de forma diferente as despesas com Educação e Saúde entre 2001 e 2014, período em que o Orçamento da União quase dobrou em termos reais. O bolo disponível para as despesas públicas saltou de R$ 918,4 bilhões para R$ 1,8 trilhão em pouco mais de uma década. A fatia do Ministério da Educação no Orçamento cresceu de 3,8% para 5,25%, principalmente na função ensino profissional, com programas como o Pronatec. Já a do Ministério da Saúde manteve-se praticamente a mesma: 6% do Orçamento, que hoje equivalem a pouco mais de R$ 107 bilhões.

Na pesquisa por função, aparece a alta do gasto em Assistência Social, que não tinha um ministério específico no governo FH. Em 2014, o Orçamento tinha R$ 68,7 bilhões para essa função, quase 4% do total, fatia três vezes maior do que a de 2001.

Advogados apostam em ministros do STF para conter juiz

Frederico Vasconcelos – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Argumentos como os que os advogados têm usado para tentar afastar o juiz Sergio Moro da Operação Lava Jato foram oferecidos antes sem sucesso contra Joaquim Barbosa, relator do mensalão no Supremo Tribunal Federal.

Barbosa foi acusado de parcialidade e pré-julgamento, mas submeteu ao plenário as petições apresentadas pelos advogados e sempre obteve apoio dos colegas, apesar das divergências sobre o caso.

Na Lava Jato, os advogados dizem que Moro age para manter as ações sob sua responsabilidade na primeira instância, evitando que menções a políticos com foro no STF levem o caso para longe.

Mas os processos com políticos envolvidos já estão no Supremo, onde correm sob sigilo por ordem do ministro Teori Zavascki. Se Moro permitisse que os acusados fossem indagados por fatos ligados a políticos, estaria agindo fora de sua competência legal.

Alberto Zacharias Toron, advogado que representa executivos de uma empreiteira acusada de participação no esquema, disse à Folha que as prisões autorizadas por Moro têm a meta de coagir suspeitos a colaborar com a Justiça.

O constrangimento das prisões e o temor de punições rigorosas podem de fato levar os acusados a tomar decisões precipitadas, mas não é possível concluir um acordo de delação premiada sem ter a concordância dos advogados.

Muitos criticam Moro por crerem que teriam melhores condições de defender seus clientes se todos os processos fossem para o STF, e não só os que envolverem políticos.

Ministros da corte têm restrições a Moro, magistrado que, eles dizem, às vezes resiste ou expressa inconformismo ao ser contrariado por decisões de instância superior.

Há menos de dois meses, o ministro do STF Gilmar Mendes mandou à corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região cópia de um processo aberto para apurar se Moro cometera infração disciplinar num caso.

O processo é relacionado ao julgamento, em 2013, de habeas corpus impetrado em 2008 por um doleiro condenado a nove anos de prisão. O doleiro queria afastar Moro do caso, alegando parcialidade.

Em 2010, o relator, Eros Grau, rejeitou a suspeição. Mendes pediu vista e se disse impressionado com vários incidentes do processo e os "repetidos decretos de prisão", mesmo admitindo que todos estavam "fundamentados".

Moro chegara a ordenar o monitoramento dos advogados do caso, permitindo busca de informações sobre viagens de avião. Teori Zavaski entendeu que era para cumprir ordem de prisão. Mendes e Celso de Mello classificaram o fato como "gravíssimo".

Mello chegou a sugerir que o processo todo fosse invalidado, mas nenhum outro ministro concordou. Mendes disse não ver motivo para afastar Moro do caso, mas sugeriu que a reclamação dos advogados fosse enviada ao Conselho Nacional de Justiça e à corregedoria regional do TRF.

O CNJ já havia arquivado acusações do doleiro e dos advogados contra Moro.

Lava Jato apura elo de esquema na Transpetro

• Força-tarefa analisa arquivos de ex-diretor com referências à subsidiária e a Sergio Machado

Fausto Macedo e Ricardo Brandt - O Estado de S. Paulo

CURITIBA - Anotações da agenda do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, arquivos dos computadores de sua empresa (Costa Global) e um depoimento prestado à Justiça Federal em agosto indicam que o esquema de corrupção e propina que atuou em contratos bilionários da estatal – como as obras da refinaria Abreu e Lima e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – mirou também no setor de construção e locação de navios.

Com base na análise dos registros de contabilidade e de reuniões, temas e projetos feitos por Costa entre 2006 e 2012, os investigadores acreditam que os desvios na área naval não se limitaram à Diretoria de Abastecimento, sob o seu comando, mas avançaram sobre a Transpetro, controlada politicamente pelo PMDB desde 2003.

Em depoimento em 8 de agosto, Costa disse que recebeu do então presidente da Transpetro, Sergio Machado, R$ 500 mil como parte de pagamento de propina referente ao fretamento de navios entre 2009 e 2010, que envolvia a Diretoria de Abastecimento e a Transpetro.

Na agenda e arquivos do ex-diretor – que já firmou um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal – há referências à “construção de navios”, “estaleiros”, “contrato de transporte Transpetro”, nomes de grandes empresas do setor naval e “Sergio Machado”. As anotações foram feitas após Costa deixar a Petrobrás, em 2012. Há também planilhas de recebimento de comissão – de mais de R$ 5 milhões – pelo aluguel de grandes navios, entre 2006 e 2010, quando ele ainda era diretor da estatal.

O material, apreendido em março e analisado até agosto, foi compartilhado pela força-tarefa da Lava Jato com o Ministério Público Estadual do Rio, na semana passada, por determinação do juiz federal Sérgio Moro, que conduz os autos da Lava Jato. Os promotores pediram os documentos para anexar à investigação aberta em 2010 que apura suspeita de enriquecimento ilícito de Machado.

Subsidiárias. As próximas fases da Lava Jato passarão a investigar outras obras da Petrobrás e contratos firmados por suas subsidiárias, como a Transpetro e a BR Distribuidora, e o Petros, o fundo de pensão dos trabalhadores.

A força-tarefa da Lava Jato tem concentrado suas investigações na construção da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A partir de 2015, outras obras da estatal, as demais diretorias (Serviços e Internacional) da Petrobrás e subsidiárias terão as investigações aprofundadas individualmente.

Responsável pelo transporte de combustível produzido pela Petrobrás, a Transpetro só ganhou força a partir de 2004, quando o governo federal lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef), com investimento de R$ 11 bilhões para construção de 49 navios e 20 comboios hidroviários. Desses, sete entraram em operação.

Conforme as investigações da Lava Jato, um dos genros de Costa, Humberto Sampaio Mesquita, foi o operador do esquema envolvendo navios na Petrobrás em nome do PP. Beto, como é conhecido, controlava pelo menos três contas no exterior e fazia a movimentação da propina na área naval para o sogro. Foi o que apontou o réu confesso do esquema, o doleiro Alberto Youssef, no depoimento que os réus prestaram no dia 8 de agosto à Justiça Federal, em Curitiba. “Tinha quem operava a área de navios, que era o seu de Costa genro.”

A suspeita é de que o esquema tenha funcionado tanto na Diretoria de Abastecimento da petrolífera como na Transpetro. Ao afirmar que recebeu propina das mãos de Machado, Costa foi questionado pelo juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Lava Jato, se o esquema que abasteceu partidos e políticos descoberto nas obras da refinaria Abreu e Lima “acontecia também em relação a empresas ligadas a Petrobrás, subsidiárias”. “A Transpetro tem alguns, alguns casos de repasse para políticos, sim”, afirmou o ex-diretor.

Na Câmara, processos só após ação no STF

• Líderes de partidos dizem que tendência inicial será de cautela em relação a possibilidade de cassar mandatos

Isabel Braga e Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA – Os efeitos da Operação Lava-Jato no Congresso devem ser mais lentos que a avalanche que se abateu sobre o mundo empresarial e atingiu executivos das principais empreiteiras do país. A citação de um número expressivo de parlamentares que estariam envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras, cerca de 70, - o equivalente a quase um Senado - deixou o Congresso apreensivo, mas a tendência, dizem líderes partidários, será de cautela em relação às cassações de mandato. Primeiro, dizem, é preciso aguardar a denúncia do Ministério Público. E só após a revelação de provas mais contundentes e a aceitação da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) os casos devem avançar no Conselho de Ética.

Líder do maior partido da base e forte candidato à presidir a Câmara nos próximos dois anos, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) defende que eventuais processos de cassação contra parlamentares citados no esquema só tenham início após o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestar sobre o tema.

- Vai depender do conteúdo da denúncia. O critério é a comprovação. Imagine o sujeito citar o nome, dizer que esteve com a pessoa, que recebeu doação na casa. Cadê a prova? Esse processo terá que ser tratado com normalidade institucional. Não é só a denúncia do Ministério Público, o Supremo tem que admitir o recebimento - afirmou o líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Cunha sustenta que vários deputados estão denunciados ou mesmo sendo processados no STF e nem por isso respondem a processo no Conselho de Ética:

- É preciso ter calma, não criar um clima de paralisia do Legislativo. Deixar correr dentro da normalidade. Não é nem sangria desatada, nem passo de tartaruga. Se eles estão levando esse tempo todo para divulgar, o Congresso não precisa resolver em cinco minutos.

Mesmo na oposição, o raciocínio é cauteloso. Embora afirmem que o Congresso pode se antecipar ao STF e dar início a processos de cassação, líderes destacam a necessidade de provas sólidas do envolvimento de senadores e deputados nas irregularidades. Líder de uma das principais legendas que fazem embate ao governo, o deputado Mendonça Filho (DEM-PE) sinaliza que a oposição será cuidadosa.

- Não é porque seja parlamentar ou não, isso diz respeito a qualquer cidadão. Para ser envolvido em indícios nessa operação criminosa, é preciso que se tenha provas ou ao menos indícios muito fortes de atos ilícitos, provas testemunhais e factuais. Estamos falando da honra e da vida de pessoas. Mas claro que todo mundo que tiver envolvimento nesses crimes tem que ser punido no âmbito penal e ético - diz Mendonça Filho.

O líder do DEM diz que caberá ao Congresso avaliar as condições reais de provas do envolvimento desses parlamentares.

- O que o Congresso fará vai depender das provas que forem apresentadas. Não precisa concluir uma ação penal para saber se alguém quebrou decoro ou não, até porque no Congresso tratamos o aspecto ético, e não penal. Apesar da Operação Lava-Jato ter avançado mais que a CPMI da Petrobras, o processo ético pode ser iniciado com os dados coletados pela comissão - aponta Mendonça Filho.

Para o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP), o processo de cassação no Congresso não depende de uma ação anterior do STF. O senador tucano cita casos como o do ex-deputado Ibsen Pinheiro, que teve seu mandato cassado após a CPI do Orçamento, mas não sofreu condenação judicial.

- Para abrir um processo no Congresso, basta você ter o cheiro, não a prova concreta. A noção de decoro, que é política, não se confunde com a condenação judicial. O julgamento político deve ocorrer diante de evidências de que o parlamentar teve uma conduta que não se espera de um representante do povo. Mas claro que a acusação tem que ser fundada, não pode ser uma coisa fútil. Não se tira um mandato popular sem razões fortes. Mas também não é preciso esperar uma condenação do Supremo, se não, nunca se teria uma cassação. A decisão do Congresso obedece a critérios diferentes do STF - disse Nunes.

"Acordão" para salvar mandatos
A tropa de choque governista trabalha no Congresso para vincular todos os partidos da base e da oposição ao esquema de corrupção na Petrobras e viabilizar, assim, a possibilidade de um "acordão" que preserve a maior parte dos parlamentares citados na investigação. Mas, a oposição já começa a aplicar a vacina para se diferenciar dos parlamentares governistas que tenham se beneficiado do esquema.

Na CPMI da Petrobras, integrantes do PT mandaram recado de que poderia haver uma caça às bruxas caso a oposição insistisse na quebra de sigilo do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Senadores defenderam que, para abrir o sigilo de Vaccari, seria preciso abrir de todos os tesoureiros dos demais partidos, já que muitas das legendas receberam doações das empreiteiras envolvidas no escândalo.

- É absurdo querer misturar quem se envolveu com pagamento de propina e tráfico de influência com quem apenas recebeu doações legais de empresas. É da regra do jogo receber doações, o que não pode é vincular essas doações a uma ação governamental. Essa confusão só interessa ao PT e ao governo. É a saída que eles constroem para não apurar nada - rebate Mendonça Filho.

Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que as investigações já produziram efeito inédito no país, alcançando agentes públicos, diretores executivos da Petrobras e das principais empreiteiras do país, além de operadores da rede de corrupção. Está faltando, lembra ele, o último elo da cadeia, que são os parlamentares e altas autoridades do Executivo. Ele também espera uma reação rápida do Congresso, mas diz que, diante da possibilidade de envolvimento dos principais partidos da Casa, é preciso haver pressão da sociedade.

- Como pega os principais partidos e financiadores,pode gerar o mesmo efeito reflexo. Assim como no plano econômico estão dizendo que as empresas não podem ficar inidôneas, no plano político também podem alegar: se condenar todos, gera um vazio político. Essa é uma Casa política. A reação aqui vai depender muito de como a sociedade irá reagir. Se for com indignação, cobrança, se levar para as ruas, haverá força para cassar. Se a reação for de desencanto, ficar em casa, o resultado será de pouco abalo.

Irmão de ex-ministro diz que ‘entregou envelopes lacrados em muitos lugares’

• Adarico Negromonte afirmou que doleiro Alberto Youssef lhe foi apresentado pelo ex-deputado José Janene (PP)

Fausto Macedo e Ricardo Brandt - O Estado de S. Paulo

CURITIBA - O irmão do ex-ministro Mário Negromonte (Cidades), Adarico Negromonte, disse à Polícia Federal que foi apresentado ao doleiro Alberto Youssef – alvo central da Operação Lava Jato – pelo ex-deputado José Janene (PP/PR) e que ganhava R$ 1.500 por semana para “entregar envelopes lacrados”. Ele afirmou que não sabe o que tinha dentro dos envelopes que o doleiro lhe passava.

Adarico ficou preso uma semana na sede da PF em Curitiba, base da Lava Jato, sob acusação de atuar como ‘mula’ do doleiro para transporte de valores de propinas. Ele foi solto nesta sexta feira, 29, por ordem do juiz Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava Jato.

Orientado por suas advogadas, Adarico Negromonte apresentou-se segunda feira, 25. A Justiça Federal havia decretado sua prisão temporária. Na PF, ele declarou que desde o final do ano de 2011 “prestava serviços” para o doleiro, personagem central do esquema de corrupção e propinas na Petrobrás.

A PF vinha monitorando Adarico havia meses, antes mesmo do estouro da Lava Jato, em março de 2014, quando Youssef foi preso com o ex-diretor de Abastecimento da estatal petrolífera, Paulo Roberto Costa.

Adarico Negromonte, de 68 anos, disse que ia ao escritório de Youssef, situado à Avenida São Gabriel, em São Paulo. Ele contou que “após muito insistir” conseguiu o emprego de motorista do doleiro, mas que não sabia da verdadeira atividade de Youssef. “Janene me disse que Youssef era um empresário que prestou serviços para ele. Jamais pensei que Youssef estivesse envolvido nessa falcatrua toda. ”

Janene, que foi réu do processo do mensalão, morreu em 2010. Adarico Negromonte disse que soube das denúncias sobre a Petrobrás “pela imprensa”. Ele relatou que levava a namorada do doleiro, Taiana Camargo, “ao médico e para passear”. Geralmente, disse, quem ligava para ele, a mando de Youssef, era Rafael Ângulo – apontado como ‘laranja’ e ‘carregador de mala’ do doleiro. “Eu levava e buscava pessoas nos aeroportos e hotéis”, contou o irmão do ex-ministro de Cidades (2011/2012) do governo Dilma Rousseff (PT).

Ele afirmou que não sabe os destinatários dos envelopes lacrados. “Não sei ao certo para onde, pois foram muitos lugares.” A PF quis saber se ele levava envelopes para empreiteiras ou a agentes públicos, ele disse que não. Afirmou, ainda, que “nunca esteve na sede da Petrobrás ou outra empresa estatal”. Também declarou que levava apenas os envelopes, nunca “malas ou volumes maiores”.

Revelou que Rafael Ângulo o acompanhava na entrega dos envelopes. “Minha remuneração era R$ 1.500 por semana, sem carteira assinada.Sempre coube a Rafael entregar os envelopes. Nunca desci do carro para fazer (a entrega).”

Ele disse que viajou para “outros Estados” para fazer a entrega dos envelopes. Uma vez viajou para o exterior com Rafael Ângulo, “a passeio”, mas sem envelopes. “Pedimos a revogação da prisão temporária do sr. Adarico e o juiz acabou entendendo nossos argumentos”, declarou a advogada Joyce Roysen, que defende o irmão do ex-ministro.

Em sua decisão, o juiz Sérgio Moro anotou que Negromonte exercia o papel de “subordinado”, por isso não viu necessidade de estender o prazo de prisão do irmão do ex-ministro.

PT ameniza texto sobre expulsão de envolvidos em corrupção

• De última hora, foi retirada determinação de que afastamento seja "imediato"

Simone Iglesias e Thays Lavor* - O Globo

FORTALEZA – O Diretório Nacional do PT aprovou ontem documento no qual afirma que qualquer filiado comprovadamente envolvido em corrupção será expulso. O texto não prevê em que momento isso deve acontecer. A versão original estabelecia que a expulsão seria "imediata", mas essa palavra foi retirada ontem da versão aprovada. "Manifestamos a disposição firme e inabalável de apoiar o combate à corrupção. Qualquer filiado que tiver, de forma comprovada, participado de corrupção, deve ser expulso", diz o documento, aprovado em meio às investigações do escândalo de corrupção na Petrobras.

O documento foi proposto pela Mensagem, uma das mais importantes correntes do PT, e aprovado por consenso pelo diretório, reunido em Fortaleza. Apesar da retirada da previsão de expulsão imediata, o presidente do PT, Rui Falcão, disse que a ideia central permanece. Mas antes das expulsão, todos terão direito a defesa.

- Se há algum envolvimento, quero saber se as denúncias são comprovadas ou não. Todos têm direito a defesa e ao contraditório. Reafirmo que, se alguém estiver envolvido, essas pessoas não ficarão no PT.

No documento, o PT diz "exigir" que as investigações relacionadas à Operação Lava-Jato sejam conduzidas dentro dos marcos legais "e não se prestem a ser instrumentalizadas, de forma fraudulenta, por objetivos partidários". Outro trecho diz:"É inaceitável que a palavra dos delatores, inclusive já condenados outras vezes, seja aceita como verdadeira sem prova documental. A liberdade de expressão não pode ser confundida com o exercício interessado da calúnia e da difamação. Todo acusado, seja de que partido for, deve ter o direito de defesa e ser julgado com o devido processo legal".

Rui Falcão disse ter ido duas vezes ao Supremo Tribunal Federal pedir ao ministro relator da Lava-Jato, Teori Zavascki, acesso aos autos do processo no que se refere ao PT. Segundo Falcão, o ministro ficou de analisar o pedido. O dirigente afirmou que o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, tem sido vítima de ataques infundados e de forma sistemática.

- Ele (Vaccari) reafirmou publicamente sua inocência, que todos nós já acreditávamos, condenando os ataques infundados que têm sido feitos a ele.

Falcão minimizou as manifestações contra o governo lideradas pelo PSDB, a quem chamou ironicamente de "campeão da luta contra a corrupção".

- (São) pequenos surtos que a gente vê na (Avenida) Paulista. Só uma vez reuniu 10 mil pessoas e se dividiram em grupos, um indo para o quartel do Exército. (*Especial para O GLOBO)

Aécio Neves - Trinta dias

• Hoje está mais claro do que nunca que a presidente concordava com os alertas que fiz na campanha sobre os problemas que o país enfrenta

- Folha de S. Paulo

Completamos um mês do fim das eleições presidenciais. Tudo o que se viu neste período comprova, na prática, o que a oposição denunciou no processo eleitoral: a grave situação em que o país se encontra.

Além dos prejuízos causados pela má gestão e pela corrupção endêmica, o PT prestou, recentemente, mais dois grandes desserviços ao Brasil. Um na campanha, outro nos dias que se seguiram.

O primeiro, na ânsia de vencer a qualquer custo, o de legitimar a mentira e a difamação como armas do embate político. O segundo, o de contribuir para a perda da credibilidade da atividade política ao fazer, sem qualquer constrangimento, nos dias seguintes à eleição, tudo o que afirmou que não faria.

Como a atividade política é instrumento fundamental da vida democrática, sua desmoralização só interessa aos autoritários, para quem o discurso político não é compromisso, mas encenação que desrespeita e agride a cidadania.

Finda a eleição, a candidata eleita, rapidamente, pôs de lado as determinações do marketing e colocou em prática tudo o que acusou a oposição de pretender fazer.

Fez isso sem dar satisfação à opinião pública. Sem dar explicação sequer a seus próprios eleitores. Os mesmos eleitores que observam, atônitos, a presidente implantar as "medidas impopulares", que usou como matéria-prima do terrorismo eleitoral contra seus adversários.

Hoje a realidade demonstra que ela concordava com todos os alertas que fiz sobre os problemas enfrentados pelo país, mas entre o respeito à verdade e aos brasileiros, e a insinceridade ditada pela conveniência do marketing, a presidente escolheu o marketing, o que não contribui para engrandecer a sua vitória.

Na campanha, o PT dizia que aumentar os juros tiraria comida da mesa do trabalhador. Três dias depois da eleição, foi justamente isso o que o governo Dilma fez.

No discurso do PT, se eleita, a oposição iria reajustar a gasolina, governar com banqueiros e patrões. Vencida a eleição, o governo anunciou o aumento dos combustíveis e convidou um banqueiro para a Fazenda. Anunciou ainda dois novos ministros: para cuidar da agricultura e da indústria, a dirigente e o ex-dirigente das confederações patronais.

Mesmo conhecendo a realidade, a candidata teve coragem de dizer que a inflação e as contas públicas estavam sob controle. Agora, deparamos com mais um rombo espetacular e manobras inimagináveis para maquiar as obrigações da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Surpresos, os brasileiros assistem àquilo que muitos estão chamando de estelionato eleitoral. Tudo isso explica a indignação de milhares de pessoas que vão às ruas e se mantêm mobilizadas nas redes sociais.

São pessoas que se sentem lesadas, mas esse sentimento não tem relação com o resultado eleitoral em si. Processos eleitorais fortalecem a democracia, qualquer que seja o resultado da eleição. Vencer e perder são faces da mesma moeda. As pessoas estão se sentindo lesadas porque os valores que saíram vencedores na disputa envergonham o país.

Além do grave descalabro econômico e administrativo agora revelado, é assustador o que ocorre com a nossa maior empresa. Nos debates, ofereci várias oportunidades para a candidata oficial pedir desculpas aos brasileiros por ter tirado a Petrobras das páginas econômicas e a levado para o noticiário policial.

A situação, desde então, agravou-se de uma maneira jamais imaginada. A Petrobras hoje é um caso de polícia internacional. Não há mais como se desculpar.

Por outro lado, não deixa de ser simbólico o fato de a presidente ter se negado a participar do anúncio dos novos ministros da área econômica. É possível que ela tenha se sentido constrangida por correr o risco de se encontrar com a candidata Dilma Rousseff.

Os últimos 30 dias são uma amostra da situação real do Brasil e do que vem pela frente. E nos mostram por que não podemos nos dispersar.

Aécio Neves, 54, senador por Minas Gerais, foi candidato à Presidência da República pelo PSDB na eleição deste ano

Fernando Gabeira - Elite branca do B

• É mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas

- O Globo / Segundo Caderno

Um amigo que veio do exterior estava surpreso com o Brasil. Soube da campanha eleitoral, da luta contra a elite branca, dos filmes mostrando como um banqueiro iria tirar a comida da mesa dos pobres. Ao chegar, encontra a vencedora procurando alguém do mercado, com capacidade para ajustar suas contas, que por sinal bateram um recorde negativo em outubro: R$ 8,13 bilhões negativos nas transações correntes.

Como explicar isso? Respondi que os números falavam por eles próprios. Ou melhor, começaram a falar depois das eleições, porque muitos deles foram, devidamente, engavetados durante a campanha. E as famílias pobres diante da mesa de jantar? A lógica implacável dos números acaba impondo do PT o que mais estigmatizava no adversário: um fazedor de contas, alguém que não espanque a aritmética.

Mais surpreendente ainda é a possível escolha de Kátia Abreu para a Agricultura. O amigo leu no “Guardian” sua primeira entrevista dela. Kátia disse que seu modelo político era Margaret Thatcher. E o repórter concluiu que combaterá os ecologistas como Thatcher combateu os mineiros em greve. Para isso não tenho grandes explicações. Conheci Kátia no Congresso e tanto com ela como com Ronaldo Caiado tive discussões produtivas. Não acredito que veja no meio ambiente um entrave ao progresso, como Dilma, naquele célebre ato falho em Copenhague. Mas as pessoas mudam. Não entendo como se espelhar em Thatcher e querer subir na carreira política sem conhecer melhor a trajetória da mulher que a inspira sua jornada.

Thatcher jamais mudou de partido e dificilmente entraria num governo no auge de um escândalo de proporções mundiais, o maior das democracias ocidentais, segundo o “New York Times”.
Ela pode usar uma bolsa a tiracolo, como Thatcher, mas seu programa é muito distinto dos conservadores ingleses, ainda hoje no poder. Eles têm uma das políticas ambientais mais avançadas do mundo. Talvez em outras entrevistas ela possa se explicar melhor. A impressão que o “Guardian” transmitiu era de que o meio ambiente e os grupos indígenas seriam um obstáculo para o projeto de Kátia: superar os EUA na produção de alimentos. Ela sabe que grande parte dos problemas tem solução negociada, e a própria ciência pode ser uma excelente referência para definirmos o caminho de um crescimento sustentável. Grandes dramas como a crise hídrica envolvem, por exemplo, a agricultura e toda a sociedade brasileira: não há bala de prata nem dama de ferro que dê conta deles.

O tom da reportagem assusta. Mas não deixa de ser irônico, concluí para o amigo que chega: o grande fantasma da campanha de Dilma era a elite branca e agora nos oferecem um diretor de banco e uma discípula de Margaret Thatcher numa versão tropical. Só mergulhando na nossa cultura política para tornar isso ao menos inteligível. O PT tem o hábito de dividir o país; pobres contra ricos, regiões contra regiões.

Mas quando a situação aparece com mais complexidade, precisa de novas subdivisões. Daí a necessidade de uma elite branca do B. A mesma subdivisão já aplicada à direita: uma direita como Ronaldo Caiado e uma direita do B, Paulo Maluf, Jader Barbalho, Newton Cardoso. Ninguém deve, portanto, temer ser considerado de direita ou da elite branca. Há sempre a escolha: elite branca do B ou direita do B. Uma política econômica sensata é o que precisamos, inclusive nesta conjuntura internacional. Seria algo estável no horizonte, porque os céus da política indicam tempestade.

O escândalo do Petrolão deve deixar inúmeras marcas. A própria imagem internacional do Brasil está em jogo. O momento é especial porque entramos num pesadelo de cifras. Todos os protagonistas levando milhões, até as formigas no Espírito Santo custaram R$ 67 milhões à Petrobras. Sessenta e sete milhões para as formigas, 200 para um subgerente, quanto não desapareceu nesse circuito?

Os malabaristas terão trabalho para explicar. Sua tática é sempre sumir no tempo e na multidão, com duas frases típicas: sempre foi assim, todo mundo faz. Houve corrupção na Petrobras em governos anteriores. Mas nada se compara ao uso sistemático da empresa para alimentar partidos políticos. O argumento de que sempre foi assim e todos fazem assim é a maneira de nos ejetar do aqui e agora e mergulhar num espaço mítico. Aliás, esta ideia de que sempre foi assim lembra um pouco da rigidez da morte. É só nela que não existem caminhos de renovação. Enquanto os petistas estiverem escondidos nas dobras do tempo e na multidão de corruptos, será difícil abordá-los.

Creio que é de Mark Twain esta frase: é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas. Compreender o Petrolão é uma dura tarefa. Se falharmos, o Brasil vira uma espécie de buraco negro. No espaço, esses buracos são uma singularidade gravitacional: não valem na sua proximidade as leis da física. Aqui embaixo, buracos negros são os países onde não valem as leis do Código Penal.

Merval Pereira - A democracia ameaçada

- O Globo

A democracia representativa em contraposição à democracia direta, com o uso de plebiscitos e consultas populares, este foi um debate importante no seminário da Academia da Latinidade realizado em Omã. De um lado um dos maiores filósofos da atualidade, o italiano Giani Vatimo, defensor de políticos "carismáticos" como Lula, Chavez e Fidel Castro e crítico das democracias "assépticas" que dão, segundo ele, mais valor ao equilíbrio do orçamento e à estabilidade política do que às paixões que podem transformar a sociedade.

Às críticas à democracia representativa, o especialista espanhol em filosofia política Daniel Innerarity, da Universidade do País Basco e professor visitante do Instituto Europeu em Florença, lançou um repto: não teríamos uma democracia aberta e uma política fraca, consequência de uma época em que a despolitização da democracia parece a muitos uma solução?

Como se estivesse respondendo às críticas do filósofo italiano Giani Vatimo de que tratei na coluna de ontem, Innerarity advertiu que a democracia pode ser seriamente ameaçada por procedimentos democráticos que permitem o acesso àqueles que querem destruí-la, mas também por que certos procedimentos claramente democráticos, se mal utilizados, podem prejudicar a qualidade da democracia.

"Há demandas por democracia direta ou plebiscitária", exemplifica ele, ou "a crença na transparência como um princípio universal". Nesses casos, garante Innerarity, o surgimento de governos populistas é apenas um sintoma de uma época cujos fracassos só superaremos se nos engajarmos na defesa da política contra a democracia despolitizada.

Ele constata que a possibilidade de exercer o que Pierre Rosanvallon chamou de "contrademocracia", devido aos avanços tecnológicos, e a não participação em eleições, por exemplo, não significa a falta de interesse desses cidadãos no espaço público. O novo ativismo, é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico.

O professor espanhol diz que as pessoas mais indiferentes à política no seu formato tradicional são as mais ativas em arenas alternativas ou extraparlamentares, e acreditam que a não participação em eleições é uma decisão política. "Vivemos em uma sociedade que não quer mais ocupar o poder para realizar certos processos sociais, mas que em vez disso quer evitar abusos de poder. A sociedade contemporânea prefere a transparência no presente a responsabilidades futuras, e exerce a desconfiança da soberania negativa".

Daniel Innerarity diz que a democracia representativa sofre com a ambivalência de cidadãos cujas demandas desarticuladas são frequentemente contraditórias, incoerentes e disfuncionais. "É um tabu falar desse perigo, pois muitos da classe política e dos que escrevem sobre política adoram o povo e não o cobram de nenhuma responsabilidade".

O professor espanhol considera que a democracia representativa é a melhor invenção a que chegamos para conciliar, não sem tensões, o princípio de que o cidadão é o único soberano na democracia, com a complexidade dos negócios políticos.

"Por paradoxal que pareça, não há outro sistema como a democracia indireta e representativa quando se trata de proteger a democracia da imaturidade, incerteza e impaciência do conjunto dos cidadãos", analisa Innerarity que cita as pesquisas de opinião e expectativas exageradas por transparência ou soluções imediatistas como as ameaças modernas à democracia, e classifica como "tragédia contemporânea" o fato de que eleitores e eleitos são continuamente forçados a escolher entre a racionalidade e o populismo, por que "os governos são inábeis para explicar suas decisões e os cidadãos são incapazes de entendê-las".

Innerarity acha que esse drama imobiliza os políticos "que sabem o que teriam que fazer, mas não sabem como se reeleger caso o façam". Uma de suas críticas mais agudas é para a transformação de eleitores em consumidores, o que faz com que a política se misture com o imediatismo de curto prazo. Essa seria a consequência do predomínio das pesquisas de opinião e dos plebiscitos, que fazem com que a política se preocupe apenas com as demandas do momento presente.

Para Daniel Innerarity, seria preciso que os cidadãos, além de criticar, se educassem no engajamento pessoal da política. Talvez assim, diz ele, entenderíamos que estamos em uma situação paradoxal na qual ninguém confia na política, embora existam coisas que somente a política pode resolver.

Ele está falando, claro, sobre a política no sentido mais nobre, e não em politicagem.