O Estado de S. Paulo
O antipetismo teve à disposição Amoêdo, Meirelles e Alckmin e elegeu Bolsonaro; deu no que deu
Em 1919, Karl Kautsky escreveu Terrorismo e
Comunismo. O líder social-democrata alemão recriminava os bolcheviques que tomaram
o poder na Rússia em uma insurreição. Para ele, a revolução “sonhava” com as
formas da democracia e não com as da guerra civil. “Uma coisa é certa: só há
duas possibilidades, a democracia ou a guerra civil. Aqueles que querem uma
devem renunciar à outra”, afirmou.
Recebeu como resposta uma diatribe escrita por Trotsky, o líder bolchevique, que dizia que nenhuma moderação era possível e só havia duas hipóteses diante dos russos: o terror vermelho ou o terror branco. E ele escolhia o vermelho, direcionando suas balas aos inimigos de classe. Quem foi à Paulista no domingo viveria o mesmo dilema? Não haveria mais como se manter no centro? Tarcísio de Freitas e outros políticos estariam, portanto, diante do cenário da vitória vermelha ou branca, podendo escolher a cor que melhor lhes convém? E pouco importa se elas são as da bandeira brasileira ou as dos EUA?
O destino de Kautsky parece confirmar a
impossibilidade da moderação diante da época que se abria, que Eric Hobsbawm
chamou de a Era dos Extremos. Ou se estava com a revolução ou com a reação.
Mesmo a reforma e o conservadorismo tiveram de lidar com esse espírito após a
catástrofe da Grande Guerra produzir um novo mundo.
O Brasil não vive guerra ou revolução. Mas
parte do antipetismo, ainda que tenha suas razões, radicalizou-se de tal forma
que a moderação parece coisa de ingênuos, como Trotsky tratava Kautsky, que
morreria no exílio, em 1938, fugindo de um novo terror: o nazista. São poucos
os opositores do governo que pregam moderação, representada por Eduardo Leite,
Ratinho Júnior e até Ciro Gomes.
Em 2018, o antipetismo tinha à disposição
Amoêdo, Meirelles e Alckmin. Escolheu Bolsonaro. Deu no que deu. Vendeu-se a
ilusão de que ele se moderaria. Até colegas de caserna acreditavam nisso. O que
espera a direita ao não se dissociar de Jair, atacar o STF e dizer que o País
vive uma ditadura quando nenhum dos 40 mil que estiveram na Paulista foi preso
ou apanhou da PM? Como a imposição de sua vontade contra a lei e a opinião
pública pode criar respeito às instituições democráticas? O que fará – após o
recurso a uma potência estrangeira –, caso sofra nova derrota eleitoral em 2026
ou a anistia seja julgada inconstitucional pelo STF? E ela o será. E se as
pesquisas que indicam hoje a reeleição de Lula estiverem certas? O que sobrará
aos que apostam em Bolsonaro? É tudo mero oportunismo ou convicção? A moderação
se foi e se vive uma era do extremismo? Talvez. O certo é que ninguém deveria
esquecer o destino de Kautsky.
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