quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Desarmando a bomba da anistia. Por Vera Magalhães

O Globo

Conversas entre ministros do STF, congressistas e integrantes do governo visam desarticular união entre Centrão e a extrema direita

Enquanto se desenrola o julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete integrantes do núcleo crucial da trama golpista na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), uma intensa movimentação que envolve ministros da Corte, deputados, senadores e integrantes do governo tenta desarmar a bomba da anistia, agindo para desarticular o consórcio entre PL e Centrão responsável por ela ter ganhado corpo nas últimas semanas.

O diagnóstico consolidado em Brasília depois da enorme movimentação pró-anistia na semana passada é que a insatisfação de integrantes preeminentes da elite do Congresso com o avanço de investigações da Polícia Federal sobre aliados ou parentes desses caciques fez com que buscassem uma aliança com o bolsonarismo para emparedar o Supremo. Esse grupo, segundo o diagnóstico, fez o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), de refém numa tentativa de obter garantias de que essas investigações cessariam ou arrefeceriam.

Desde que a estratégia de chantagem veio à superfície, no entanto, Motta passou a ser procurado por integrantes dos demais Poderes, imbuídos de levarem-no a recuar da intenção de pautar as versões mais delinquentes de anistia a toque de caixa, como ele vinha sendo impelido a fazer. Os primeiros resultados mostram que a dissuasão pode ter surtido efeito, ao menos por ora. Motta decidiu baixar a temperatura na Câmara na semana decisiva do julgamento de Bolsonaro. Esvaziou a pauta de votações e a necessidade de presença dos deputados.

Enquanto isso, se intensificam as conversas para demonstrar que será muito ruim para a necessária afirmação de sua liderança que ele apareça como patrocinador de uma proposta antirrepublicana, flagrantemente inconstitucional, cujo destino fatal é ser derrubada pelo próprio STF. Ao mesmo tempo, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), é visto como “bola de segurança” caso fracasse a interlocução com Motta e ele ceda à tentativa de coação de que vem sendo alvo desde que o semestre começou.

Alcolumbre é visto como político de couro mais curtido, mais capaz de resistir à forma como o bolsonarismo empareda seus alvos: conjugando cobranças de parlamentares e das milícias digitais com máxima virulência nas duas pontas.

O relator da trama golpista, Alexandre de Moraes, recebeu mal a ideia de uma “anistia light”, costurada a partir do Senado, que permitiria a revisão das penas dos condenados pelo 8 de Janeiro com base numa mudança na lei que substituiu a Lei de Segurança Nacional. Moraes deixou claro que não gostou nada de se ver rifado em plena vigência do julgamento mais importante da história recente do STF, e as negociações para essa versão branda do perdão aos golpistas agora patina numa espécie de limbo.

Os que agem para afastar o Centrão da ala mais radical do bolsonarismo entendem que essa é uma necessidade de longo prazo, para que o ar da política não se torne irrespirável até 2026. Lembram que o governo, mesmo minoritário no Parlamento, tem conseguido bons resultados na economia e experimenta, agora, recuperação junto à opinião pública, muito embalada, aliás, pela radicalização da extrema direita em buscar que o Brasil sofra sanções por parte dos Estados Unidos — agora, até uma inimaginável ameaça de intervenção militar partiu da porta-voz da Casa Branca.

É preciso, no entendimento desses articuladores, desfazer o consórcio que uniu interesses diferentes — de um lado, blindar-se de investigações incômodas da PF e, de outro, salvar a pele de Bolsonaro — para que as relações entre os Poderes caminhem para uma mínima dose de normalização. A dúvida é o que será negociado nas cada vez mais agitadas madrugadas brasilienses para que a bomba da anistia, que esteve prestes a estourar, seja desarmada.

 

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