sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Condenação consolida Bolsonaro como ativo tóxico para a direita. Por Igor Gielow

Folha de S. Paulo

Julgamento inédito cria mártir político para radicais, mas de utilidade discutível no médio prazo

Para surpresa de ninguém, Cármen Lúcia selou o destino de Jair Bolsonaro (PL) no julgamento da trama golpista, tornando o capitão reformado do Exército o primeiro ex-presidente condenado por uma tentativa de manter-se no poder.

Como isso era dado como certo e a despeito das esperanças ventiladas pelo bolsonarismo com o voto do ministro Luiz Fux absolvendo o líder na véspera, os olhos se voltam para a eleição presidencial de 2026.

Bolsonaro estaria fora do pleito de qualquer forma por estar inelegível, mas livre iria influenciar os rumos da oposição na disputa presumida com o presidente Lula (PT).

Após passada a fase de recursos, tudo indica que Bolsonaro deverá ficar fora de circulação por muito tempo. Se é verdade que no Brasil o crime é comandado de dentro da cadeia, a coisa é um pouco diversa na política.

A comparação com os 580 dias de Lula no xadrez da Polícia Federal é inepta, pois o petista é voz única no seu campo político. Suas ordens expressas aos emissários do partido durante a prisão foram cumpridas integralmente.

Não se espera a mesma ordem unida nas hostes que orbitaram Bolsonaro durante seu governo, particularmente o centrão que o salvou de um impeachment justamente depois da cena mostrada no telão do Supremo por Alexandre de Moraesa conclamação golpista do 7 de Setembro em 2021.

É típico de novos regimes usar efígies de seus fundadores caídos. Stálin levou isso ao paroxismo, sendo até enterrado ao lado do pai da União Soviética, Lênin —depois viria a ser rebaixado, ganhando um local de honra, mas mais modesto, na muralha do Kremlin.

Agora, Bolsonaro é essa figura. O centrão já abriu suas cartas, endossando a unção de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) como o nome da direita para 2026. Atores mais comedidos, como o PSD de Gilberto Kassab e o multifacetado MDB, apenas observam.

A questão é a dificuldade do emprego do ativo eleitoral que ainda é Bolsonaro. Mártir para os seguidores mais extremos, o ex-presidente já vê a luta por seu espólio começando em casa, no caso nos Estados Unidos, com a cruzada do filho Eduardo para punir o Brasil pela condenação do pai.

Os Valdemares do centrão contam com a implosão desse campo, dado o voluntarismo e a inabilidade que lhes são inerentes. Só que esse erro foi cometido em 2021, quando Ciro Nogueira (PP) chegou à Casa Civil com ares de primeiro-ministro, só para poder se considerar sortudo de não ter sido envolvido na trama que levará Bolsonaro à cadeia.

A toxicidade de Bolsonaro é notória, e cada voto que o apoio explícito dele dá a um candidato é acompanhado de uma rejeição automática nas franjas centristas que levaram Lula de volta à Presidência em 2022.

É uma equação de difícil trato, que se adensa com a recente bolsonarização mais explícita de Tarcísio. Se ele foi sincero no ataque a Moraes e no apoio à anistia, pagará um preço. Se fingiu, igualmente.

Cabe então observar como navegam os outros barcos na armada da direita, particularmente a novidade Ratinho Jr. (PSD-PR), que afastou-se taticamente das embarcações mais histriônicas do grupo.

Se é lícito crer que no Brasil até o passado é incerto, assertiva que teria sido feita por Pedro Malan e cujo exemplo acabado é a volta de Lula ao poder, o caminho para Bolsonaro está bastante bloqueado, ao menos no médio prazo.

Como mostrou o Datafolha enquanto Cármen lia seu voto e grelhava a atuação de Fux, Lula vem se recuperando lentamente do tombo de aprovação sofrido no começo do ano, aparentemente com a mãozinha da campanha Eduardo-Trump contra o país e Moraes.

Com a faca e o queijo fiscais na mão, é certo que tem tudo para crescer até o pleito, que é bom lembrar que está bem distante.

Assim, restará saber o que a história reserva ao primeiro presidente condenado por golpe: se ele seguirá vivo como um ímã eleitoral ou se irá tornar-se um fardo para aqueles dispostos a carregar seu estandarte. No contexto de hoje, a segunda hipótese parece prevalente.

 

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