Folha de S. Paulo
Ele nunca topou, mas perdeu e não pagou
Luiz Fux é
pai generoso. Ministro do STF, fez
telefonemas para pedir nomeação de filha-advogada ao TJ-RJ ("É tudo que
posso deixar para ela", disse a desembargador, segundo perfil da revista Piauí). Liberou filho-advogado para
exercer advocacia de parentes no STF, ramo promissor da prática jurídica atual.
Não ensinada nas faculdades, a habilidade exige laço de sangue.
Luiz Fux é colega generoso. Em liminar monocrática de 2014, jamais submetida ao plenário do STF, garantiu aos juízes do Brasil um aumento salarial oficioso por meio de auxílio-moradia ilegal. Cinco anos e bilhões de reais mais tarde, já negociado aumento com o Congresso, revogou a liminar. Sem perguntar ao plenário, sozinho "matou no peito", como fala. Herói da magistocracia.
Luiz Fux é generoso com citações de poesia.
Em discurso, não desconfiou que o verso "recomeçar e só uma questão de
querer, se você quer, Deus quer" talvez não fosse de Carlos Drummond de
Andrade.
Luiz Fux só não é generoso com a clareza e a
credibilidade de suas ideias.
Argumento é coisa séria em Estados de
direito. A mais séria. É seu insumo, seu lubrificante, seu produto final.
Alimenta a vida cívica e a legitimidade dos tribunais. Mas o Estado de direito
também pede que os emissores de argumentos, sobretudo juízes, sejam levados a
sério, tenham aparência de seriedade. Não é falácia "ad hominem", mas
exigência de ética judicial.
Seriedade e aparência de seriedade são
virtudes que Luiz Fux se esmera em não cultivar. Por isso, o voto
de Fux está nu.
Inútil tentar classificar Fux por tipologias
doutrinárias. Inútil perguntar se foi garantista ou punitivista, dicotomia que
mais confunde o debate jurídico desde a Lava Jato. Garantista seria o juiz que
manda soltar e absolver. Punitivista o que manda prender e condenar. Garantista
que prende e punitivista que solta causam curto-circuito no senso comum
autômato. Dicotomia que o jornalismo faria bem em abandonar. Melhor ler cada
caso para além do resultado e observar variações argumentativas e factuais.
Fux não é punitivista nem garantista, apenas
um casuísta. Resolveu deixar isso ainda mais claro no caso criminal mais
importante da história nacional. Não é que o Fux de hoje discorde
do Fux de ontem ou de amanhã. Fux não concorda nem discorda, apenas
salpica ornamento verbal que dê alguma liga, alguma rima.
O voto de Fux não homenageou o direito de
dissentir, o valor da divergência ou do pluralismo. Não ofereceu contraponto
analítico numa deliberação sincera. Fux já condenou centenas de réus por
tentativa de golpe no 8 de Janeiro. Quando julga seus líderes, diz que STF não
tem competência.
Chico Anysio não se inspirou em Luiz Fux para
inventar Rolando Lero. Dias Gomes não o conheceu para compor Odorico Paraguaçu
ou Sinhozinho Malta. Luiz Fux se fez seu próprio autor. Não saiu da ficção, mas
se matriculou, voluntariamente, na escola literária de onde saiu Pedro Malasartes.
É o mais jurídico que se pode dizer de seu voto.
Em 2020, fiz
aposta pública com Fux. Disse que, na presidência, não pautaria uma
longa lista de casos delicados à sua agenda. Casos como dos penduricalhos de
juízes fluminenses ("fatos funcionais") ou do "juiz de
garantias". Jamais pautou e perdeu. Cobrei e jamais pagou.
Luiz Fux não merece ser levado a sério pelo
que diz, mas pelo que representa.
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