domingo, 23 de agosto de 2015

Bernardo Mello Franco - Vinte e um anos de impunidade

- Folha de S. Paulo

Em abril de 1994, o brasileiro vivia sob o governo de Itamar Franco, pagava as contas em cruzeiros reais e torcia para a seleção de Bebeto e Romário conquistar o tetracampeonato mundial de futebol.

Naquele mês longínquo, o empresário Luiz Estevão enviou US$ 1 milhão para uma conta do juiz Nicolau dos Santos Neto, o Lalau, na Suíça. Segundo o Ministério Público, o pagamento estava ligado a fraudes na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo.

Estevão se elegeu senador, foi investigado na CPI do Judiciário e teve o mandato cassado. Apesar do escândalo, continuou a fazer política e negócios. Hoje comanda mais de 200 empresas, um time de futebol e o diretório brasiliense do PRTB.

Em maio de 2006, mais de 12 anos depois de pagar propina a Lalau, o ex-senador foi condenado pelo Tribunal Regional Federal a 31 anos de prisão por corrupção ativa, formação de quadrilha, estelionato, peculato e uso de documento falso.

Passaram-se mais nove anos, e ele ainda não começou a cumprir a pena. O caso mostra como réus com muito dinheiro conseguem prolongar seus processos até o infinito, apresentando dezenas de recursos para não pagar por seus crimes.

Na última segunda-feira, o Ministério Público pediu ao STF que acabe com a farra. O subprocurador Edson Oliveira de Almeida enumerou a incrível série de recursos que Estevão apresentou com o único objetivo de alcançar a prescrição da pena.

Até aqui, o ex-senador só passou cinco meses preso, devido a outro processo. Em março, ele deixou a cadeia começou a montar um novo negócio. Vai lançar um site jornalístico, que terá dificuldades para dar notícias sobre corrupção e impunidade.

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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pediu a Dilma Rousseff que renuncie por falta de "base moral". Dará o mesmo conselho a Eduardo Cunha, aliado do PSDB?

Míriam Leitão - Não há atalhos

- O Globo

E agora? Fazer o quê? A presidente Dilma tem mais 40 meses de mandato pela frente e seu governo está pendurado no ar, sem apoio da base parlamentar, com a maior taxa de rejeição popular da história recente, e o país afundado na crise econômica. “Descumprir a Constituição, jamais”, ensinou Ulysses Guimarães. Esse tem que ser o norte das lideranças políticas nesta temporada de aflição. Não há atalhos.

Há caminhos, mas eles não estão abertos no momento. A Constituição estabelece formas possíveis de destituição de um presidente eleito pelo voto direto, como ocorreu com Fernando Collor de Mello. Houve comprovação de recursos ilícitos pagando inclusive suas despesas pessoais. Não foi apenas pelo Fiat Elba. Agora, no entanto, não há a mesma suspeita em relação à presidente Dilma. A dúvida permanece em relação ao financiamento da sua campanha e a Lava-Jato pode trazer fatos à luz. A ideia de fazer novas eleições é tão sem base que até o PSDB, que a defendeu brevemente, já a abandonou. A renúncia, proposta pelo expresidente Fernando Henrique, é uma decisão que cabe à presidente Dilma. Apenas a ela.

O que é preciso ficar claro é que se não houver condições de trilhar caminhos constitucionais, a presidente Dilma terá que permanecer no seu posto até o último dia de 2018. Um longo tempo para este descontentamento. As empresas terão que fazer seus projetos em um cenário de governo fraco prolongado. A oposição deve estar nas ruas com a população, mas suas teses não podem ser formuladas no calor de uma manifestação, mas sim diante do livro que nos norteia desde 1988. Rupturas e encerramento antecipado de mandatos existem na democracia, aqui e em qualquer país democrático, mas desde que seja expressamente seguido o ordenamento jurídico do país.

Nas manifestações, existem pessoas que pedem golpe e até a repetição da aventura militar. Isso é extemporâneo e, felizmente, é impossível ocorrer no Brasil de hoje. Nem os militares querem, nem a maioria dos civis. Quem pede a repetição de processos que já nos infelicitaram por um tempo longo demais é uma minoria histriônica e que sempre gostou desse tipo de regime. A democracia tolera as opiniões divergentes, inclusive esta. Ao governo, interessa confundir e mostrar esse grupo como sendo a representação da maioria, porque isso estigmatiza o movimento legítimo de ir para as ruas demonstrar a revolta com o governo e o repúdio à corrupção. As pessoas têm o direito de ir para as ruas porque sofrem o desconforto econômico e a indignação diante dos obscuros negócios com o patrimônio público.

Nada do que acontece ao PT e à presidente Dilma é fruto de conspiração. Eles merecem o desprezo que recebem. O PT foi além da imaginação no rompimento de todas as normas de conduta minimamente aceitáveis. O partido usou o poder temporário para ordenhar as empresas e órgãos públicos, extrair dinheiro para permanecer no poder. Usou o Estado para garantir o poder. Alguns dos seus dirigentes fizeram mais que isso.

Na economia, o governo Dilma colhe o que plantou. Equivocou-se, ignorou alertas, mostrou um país cenográfico na campanha, tomou medidas mirando o palanque e não a lógica econômica e energética. Os erros de política econômica do PT começaram no governo Lula, no momento em que o partido assumiu suas verdadeiras crenças.

O PT realmente acredita que ajudando setores escolhidos com juros subsidiados, dados por bancos públicos, o país retoma o crescimento. O partido nunca entendeu a lógica que levou o Brasil a se livrar da hiperinflação e frequentemente adota medidas que conspiram contra a estabilidade conquistada há 21 anos. Ele não participou, e até combateu, o processo de saneamento das contas públicas que levou à Lei de Responsabilidade Fiscal. Ele define com o nome bonito de “desenvolvimentismo” o que é, na verdade, descontrole fiscal, tolerância com a inflação e transferência de recursos para as empresas amigas através de juros subsidiados. As ideias petistas para a economia são erradas e por isso deram errado. Simples assim.

Contudo, as urnas elegeram o PT para mais um mandato presidencial e, a menos que se configurem as condições constitucionais para a deposição da presidente Dilma, ela governará. Foi isso que o país decidiu na longa noite que atravessou buscando a democracia.

Elio Gaspari - A blindagem de Eduardo Cunha

- O Globo

Fernando Henrique Cardoso disse o seguinte: “Se a própria presidente não for capaz do gesto de grandeza (renúncia ou a voz franca de que errou e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional), assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a golpes de Lava-Jato”.

Poderia ter dito a mesma coisa a respeito de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, denunciado pelo procurador-geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal. Não disse. Nem FHC, nem qualquer outro grão-tucano.

Até agora, Dilma é acusada no Tribunal de Contas da União de ter pedalado as contas públicas. O TCU não é um tribunal, mas um conselho assessor da Câmara. Ademais, a acusação ainda não foi formalizada. Eduardo Cunha foi denunciado pelo Ministério Público por ter entrado numa propina de US$ 5 milhões. O PSDB quer tirar Dilma do Planalto e admite manter Eduardo Cunha na presidência da Câmara.

Surgiu em Brasília o fantasma de um “Acordão”. Nele, juntaram- se Dilma e Renan Calheiros. Há outro: ele junta Eduardo Cunha, o PSDB, DEM e PPS. Um destina-se a segurar Dilma. O outro, a derrubá-la. À primeira vista são conflitantes, mas têm uma área de interesse comum: nos dois Acordões há gente incomodada com a Lava-Jato. A proteção a Dilma embute a contenção da LavaJato, evitando que chegue ao Planalto ou a Lula. A proteção a Eduardo Cunha pretende conter a responsabilização dos políticos de todos os partidos metidos em roubalheiras.

É sempre bom lembrar que Fernando Collor, também denunciado por Janot, renunciou ao mandato em 1992, mas foi absolvido pelo Supremo Tribunal Federal. Renan Calheiros foi líder de seu governo no Congresso, e Eduardo Cunha dele recebeu a presidência da Telerj.

Deu-se a grande pedalada elétrica

O que parecia ser uma simples pedalada elétrica transformou-se numa competição de velódromo. O governo mandou ao Congresso a Medida Provisória 688, que tenta cobrir o rombo de pelo menos R$ 10 bilhões imposto às geradoras de energia, jogando-o nas contas de luz dos consumidores.

Em 2013, na sua fase triunfalista, a doutora Dilma baixou as tarifas de energia. Ela sabia que o sistema estava no osso, e algumas hidrelétricas já precisavam comprar energia térmica, mais cara. Veio 2014, faltaram chuvas, a situação agravouse, e as geradoras ficaram com um rombo. Conseguiram 22 liminares e já deixaram de pagar R$ 1,4 bilhão.

A MP 688 pretende contornar essa crise com uma pedalada. Para que as empresas desistam de seus litígios, oferece-lhes a velha e boa moeda da prorrogação de suas concessões por mais 15 anos. Junto com esse mimo, mudaram-se as regras do jogo para as relações do governo com as concessionárias. Admitindo-se que se fez o melhor possível, há um gato na tuba. É o paragrafo 8º do artigo 5º. Ele diz que tudo o que for combinado poderá ser rediscutido. Donde, tudo pode acontecer. Conhecendo-se os poucos raspões da Operação Lava-Jato no setor elétrico, esse dispositivo é no mínimo perigoso.

A MP 688 inclui um golpe típico da retórica do comissariado petista. Em 2004, jogando para a plateia, a doutora Dilma tirou dos novos contratos de concessões uma cláusula que obrigava as empresas a pagar pelo “uso do bem público”. Para fazer caixa, ela voltou, com o nome de “bonificação pela outorga”.

Reduzindo a questão à sua expressão mais simples: o governo baixou tarifas, fingiu que havia energia hidrelétrica disponível, obrigou as concessionárias a operar com as térmicas e produziu um rombo bilionário. Quem pagará? O distinto público.

Samuel Pessôa - As panelas de Antonio Prata

• Será que Prata acredita que só tucanos conseguem ser aprovados na PF ou no Ministério Público?

- Folha de S. Paulo

No caderno "Cotidiano" desta Folha do domingo passado, o cronista Antonio Prata argumentou que é ótimo batermos panela contra mensalão e petrolão. Mas estranha que não batamos panelas para a compra de votos da emenda constitucional da reeleição, nem contra o "trensalão" do metrô de São Paulo ou ainda o mensalão tucano de Minas Gerais.

Prata assume posição simpática e supostamente neutra. É contra os malfeitos de ambos os lados. Mas a aparente neutralidade de Prata revela desonestidade intelectual.

O caso do mensalão foi transitado em julgado. No petrolão, há farto conjunto probatório: dezenas de prisões provisórias, delações, julgamentos de primeira instância com prisões já decretadas, centenas de milhões de reais recuperados, dezenas de bilhões de reais de prejuízo já lançados em balanço na Petrobras. Compará-lo com a compra de votos para emenda da reeleição ou ao mensalão mineiro e ao trensalão paulista é truque retórico inaceitável em um debate aberto e franco sobre esses temas.

O Ministério Público e a Polícia Federal são instituições do Estado brasileiro que gozam de independência funcional, com corpo de servidores públicos recrutados por meio de concursos competitivos.

Será que Antonio Prata acredita que somente candidatos tucanos conseguem ser aprovados nos concursos públicos para o Ministério Público ou a Polícia Federal?

Se Antonio Prata acredita que há conspiração do Ministério Público e da Polícia Federal contra o Partido dos Trabalhadores, a atitude honesta é elaborar os motivos desse tratamento assimétrico e quais são as evidências dessa conspiração.

Lembremos que recentemente a Procuradoria-Geral da União pediu o arquivamento do inquérito que apura o envolvimento do senador pelo PSDB de Minas Gerais Antonio Anastasia pelo suposto recebimento de valores quando era governador daquele Estado. Nada foi encontrado pela Polícia Federal contra o senador.

Vale lembrar também do caso de Eduardo Jorge Caldas Pereira, secretário-geral da Presidência da República de Fernando Henrique Cardoso, que foi ao longo de anos minuciosamente investigado pelo diligente procurador do Ministério Público Luiz Francisco de Sousa, em razão da aquisição de um apartamento na orla marítima da cidade do Rio de Janeiro, teoricamente incompatível com sua renda.

Nada foi encontrado contra Eduardo Jorge. Absolvição em todas as instâncias.

Não sei qual é a narrativa de Antonio Prata para o caso de Eduardo Jorge. Talvez Luiz Francisco seja tucano e não tenha feito seu trabalho corretamente.

Tratar os desiguais como iguais, escondendo a enorme distância que há entre o conjunto probatório dos casos petistas e os supostos escândalos tucanos, é enorme desonestidade intelectual. A coisa transborda quando Antonio Prata se nega a explorar a consequência lógica de suas premissas e esconde do texto as razões e as evidências que sustentam a suposta conspiração.

Adicionalmente, dois motivos justificam maior pressão da opinião pública sobre o PT. Primeiro o fato de o partido estar à frente do Executivo nacional por quase 13 anos. Enormes responsabilidades, principalmente em nosso presidencialismo com presidente forte.

Segundo, por ter feito toda a sua trajetória oposicionista com um discurso violento, intolerante, tendo como uma de suas principais bandeiras a ética na política, a famosa "UDN de macacão" de Brizola.

Rolf Kuntz - Dona Flor e seus dois ministros

- O Estado de S. Paulo

Dona Flor revive no Palácio do Planalto. Como a jovem viúva baiana, professora da escola de cozinha Sabor e Arte, a presidente Dilma Rousseff está dividida entre duas figuras opostas em quase tudo - um ministro fantasma com um legado de trapalhadas, como o falecido Vadinho, e um de carne e osso, prosaico e amante da ordem, como o farmacêutico Teodoro Madureira. O de carne e osso, mais conhecido como Joaquim Levy, foi apresentado ao Brasil como encarregado, em primeiro lugar, de arrumar as contas do governo. Mas sua grande missão, objetivo final do grande conserto das finanças públicas, seria abrir caminho para a recuperação da economia, amplamente bagunçada por seu antecessor. Para as pessoas fartas de gastança, pedaladas fiscais, criatividade contábil, benefícios a favoritos e tolerância à inflação, o Madureira-Levy seria também o fiador do segundo governo de Dona Florípedes-Rousseff. Mas o fiador mal tem conseguido cuidar de si, como comprova, mais uma vez, a reedição da política de favores a indústrias selecionadas. Como sempre, as montadoras aparecem na linha de frente das escolhidas para os favores federais. Como sempre, também, a ajuda é vinculada, na conversa oficial, a um compromisso de preservação de empregos. Mas quem leva a sério essa lengalenga?

A decisão de afrouxar o crédito e financiar com juros especiais as montadoras de veículos, seus fornecedores e mais alguns segmentos da indústria é uma evidente repetição de uma política bem conhecida, irresponsável e fracassada. O fiasco dessa estratégia é atestado, de forma inequívoca, pelo péssimo desempenho da economia brasileira nos últimos quatro anos e meio.

De 2011 a 2014 o produto interno bruto (PIB) cresceu à taxa média anual de 2,1%. Em outros latino-americanos, a economia avançou, nesse período, em ritmo quase sempre superior a 4% ao ano – e com inflação muito mais baixa. A seguida redução do emprego industrial nesse período foi uma das consequências mais notáveis do tal modelo implantado sob a direção de Dona Florípedes-Rousseff e do alegre Vadinho-Mantega, porta-bandeira do vistoso bloco dos carnavalescos fiscais. No ano passado, mesmo enfeitadas com lantejoulas contábeis, as contas do setor público foram fechadas com déficit primário equivalente a 0,59% do PIB. Não se salvou sequer o dinheirinho habitualmente separado para os juros. Incluídos na conta os gastos financeiros, o saldo foi um buraco de 6,23% do PIB. Mas ainda houve sobras da festa, com despesas discretamente deixadas para este ano. Em julho, o déficit geral acumulado em 12 meses bateu em 8,12% do PIB, mais que o triplo, em termos proporcionais, da média da zona do euro. Para isso contribuiu também a recessão, plantada no ano passado e aprofundada em 2015.

Os indicadores do PIB, da produção fabril e do emprego industrial continuaram piorando 2015, enquanto a inflação se manteve em alta. O indicador de conjuntura do Banco Central mostrou um nível de atividade, no primeiro semestre, 2,49% inferior ao de janeiro a junho de 2014. O desemprego nas seis maiores áreas metropolitanas chegou em julho a 7,5% da força de trabalho e, segundo todos os indícios, ainda aumentará nos próximos meses. Mas o índice oficial mais amplo, baseado em números de 3.500 municípios, já havia chegado a 8,1% no trimestre de março a maio. Também este indicador é pior que os da maioria dos países desenvolvidos e de boa parte dos emergentes. Além disso, o alegre bloco da gastança, dos mimos financeiros e fiscais a grupos selecionados, do protecionismo comercial e da tolerância à alta de preços conseguiu promover a rara coexistência da recessão, do desemprego e da inflação muito acima dos níveis observados no mundo rico e entre os países emergentes.

Não se pode atribuir o desastre deste ano a um ajuste fiscal apenas ensaiado e logo entravado pela resistência política. O Brasil paga ainda a conta da esbórnia e da alegre incompetência do mandato anterior. Este deveria ser o tempo do reencontro com a seriedade, mas isso dependeria da sensatez, da convicção e da firmeza política da presidente.

Sem esses predicados, incapaz de preservar até o apoio dos companheiros de partido, acuada pela crise política e pressionada pelo avanço da Operação Lava Jato, a presidente acabou delegando a ação política ao vice Michel Temer e a vários ministros. Parte do trabalho sobrou para o ministro da Fazenda, pouco preparado para negociar com parlamentares hostis, essencialmente fisiológicos e obviamente dispostos a lucrar com cada fraqueza do Executivo.

Todas as medidas de ajuste votadas até agora em alguma Casa do Congresso foram desfiguradas. O reforço de receita buscado com a redução ou eliminação de benefícios fiscais foi muito reduzido. Enquanto isso, a insegurança crescente de consumidores e empresários agravou a recessão. Resultado: a arrecadação federal de janeiro a julho, R$ 712,07 bilhões, foi 2,91% inferior à de um ano antes, descontada a inflação, e a mais baixa em cinco anos. Há várias semanas o governo reduziu de 1,1% para apenas 0,15% do PIB a meta de superávit primário deste ano. Mas até esse modesto resultado é agora considerado muito incerto.

Políticas de ajuste, sempre penosas, só funcionam quando sustentadas por um chefe de governo sério, firme e politicamente respeitado. Só dão resultado quando seguem um roteiro bem determinado, com poucos desvios. Nenhuma dessas condições ocorre hoje no Brasil. Já nem se trata de decidir se a política proposta pelo ministro Levy, o Teodoro Madureira desta história, é a mais correta. Antes disso é preciso saber se haverá alguma política e se o encarregado de conduzi-la será o farmacêutico metódico e prosaico – ou se o fantasma de Vadinho continuará presente. Dona Flor será capaz de responder?

Vinicius Torres Freire - O grande massacre de pobres

• País pode ter biênio inédito de recessão desde 1931, mas horror brasileiro é outro

- Folha de S. Paulo

Sob Dilma Rousseff, o Brasil terá o primeiro biênio de recessão desde 1930-31, caso se confirmem as previsões para 2015-16. É verdade. Não quer dizer nada.

A maldição do biênio é uma das tantas a que a mentalidade "redes sociais" de debate político recorre a fim de avacalhar ainda mais a desgraça econômica dos anos Dilma. Causa alguma sensação desde a semana passada, quando as estimativas "de mercado" compiladas pelo Banco Central passaram a registrar recessão também em 2016.

Além de em si mesmo ignorar história e salsichas estatísticas do PIB, a falação do biênio é uma das tantas birutices estatísticas que contribuem para desviar a atenção do debate de um rolo econômico, social e político que não se via desde os tempos da hiperinflação, anos 1980-90.

Seja como for, os anos de grande massacre econômico, de pobres em particular, ocorreram em torno de 1983, 1989 e 1992. Mas convém lembrar ainda que: 1) PIB é medida imprecisa até para avaliar a variação do bem-estar material; 2) o PIB brasileiro passou a ser calculado ordenadamente a partir de 1947. Há estimativas retrógradas até 1901. Já não é fácil comparar, sem mais, crescimentos do PIB de 1980 a 1995. Imagine-se na República Velha.

Mais importante, por que falar de PIB e não de PIB per capita (o PIB dividido pela população)? Estimativas anuais antigas de população são também imprecisas, certo. Mas é fácil perceber a diferença importante. Se o PIB cresce 1% e a população aumenta 3%, ficamos mais pobres, na média (o PIB, a "renda", per capita cai). Se a população também cresce 1%, ficamos na mesma.

Por que biênio? Em um biênio é mais fácil criar ilusões ou demagogias, planos econômicos estelionatários, como em 1986, ou recuperações fajutas, como em 1982. Enfim, o PIB per capita de 1994 estava ainda mais ou menos na mesma que em 1980.

O biênio 1981-1982 não foi de recessão, pois. Mas o triênio 1981-1983 viu a maior queda do PIB per capita da história registrada ou estimada (desde 1901): 12%. A seguir, vem o triênio Collor, de 1990-92, baixa de 8,4%.

Pelas previsões de PIB e população, o PIB per capita no triênio dilmiano de 2014-2016 baixaria 4,4%. Menor, embora seja um grande (mal) feito quando se leva em conta que a economia até que não estava tão desarrumada lá por 2010, dados os nossos padrões primitivos.

Mesmo per capita, por cabeça, o PIB diz pouco. Além da renda baixa, 1989 foi um ano campeão de desigualdade, pelo menos desde 1977, quando os dados são mais precisos. A metade mais pobre da população ficava então com 10,5% da renda nacional (agora, fica com uns 18%); os 20% mais pobres, com 2% (agora, com 4%). Se somos uma indecência desigual ainda em 2015, imagine-se o horror de 1989.

Não por acaso, a crise e o desgaste de todas as lideranças políticas estabelecidas levaram o eleitorado a escolher "outsiders" para o segundo turno de 1989, Collor e Lula, varrendo para sempre as figuras restantes da República de 1946, da ditadura e os líderes maiores da redemocratização. A virada não se deveu apenas à "economia, seu burro!" (nunca é assim), mas à conjunção de horror socioeconômico e falência da configuração política velha.

Salve-se quem puder – Editorial / O Estado de S. Paulo

No desgoverno de Dilma Rousseff, nada para em pé. Se hoje já se fala abertamente no período pós-Dilma, como se ela já não estivesse mais na cadeira presidencial, é porque ela deixou de existir como ser político, transformando-se apenas num nome que vaga nos corredores do Planalto. Ademais, como está evidente, é todo o esquema lulopetista de poder que faz água, pois nem mesmo o mago Lula, o criador de Dilma e de outras tantas imposturas, é capaz de dar um rumo, coerência e substância à sua desastrosa utopia.

Tome-se como exemplo a manifestação do último dia 20, que, pela convocação feita pelo PT, deveria servir para defender o governo Dilma contra os “golpistas”. O que se viu nas ruas - além de uma afluência muito menor do que a verificada nos protestos contra a presidente - foi uma evidente insatisfação dos supostos simpatizantes da petista com os rumos de seu mandato. A militância profissional, com seus carregadores de cartazes e bandeiras arregimentados à base de lanche de mortadela e tubaína, tratou de criticar principalmente a condução da política econômica. Para essa turma, Dilma deveria manter e até ampliar a gastança desenfreada que, em nome de uma certa “justiça social”, em vez de promover o crescimento sustentado, desorganizou as contas nacionais, aumentou o desemprego, acelerou a inflação e dizimou a confiança do setor produtivo.

Assim, os movimentos sindicais e sociais que foram às ruas na quinta-feira não queriam, de fato, demonstrar apoio a Dilma. Sua única intenção era fazer a defesa da estatocracia prometida pelo lulopetismo - além, é claro, das sinecuras e prebendas a que julgam fazer jus, tão habituados estão ao farto financiamento estatal.

Se esses são os “a favor”, não há nem necessidade dos “do contra”. O esquema lulopetista está esfrangalhado justamente porque os que deveriam apoiar a presidente são aqueles que trabalham com afinco pela debilitação do governo. No Congresso, aquilo a que outrora se dava o nome de “base aliada” se converteu no grande pesadelo de Dilma - a começar pelo PT, partido habituado a boicotar as medidas da presidente formalmente a ele filiada. Assim, não surpreende que o PMDB, principal sócio do PT no condomínio do poder, já esteja preparando seu desembarque de um governo que nem mesmo os petistas, lá com seus botões, ousam defender.

Assim é que chegamos ao arremedo de ajuste fiscal aprovado nesse Congresso onde prevalece o salve-se quem puder. Depois de uma penosa tramitação de oito meses, o pacote do ministro Joaquim Levy foi desfigurado por parte das próprias forças governistas, que não estão nem um pouco interessadas no saneamento da economia. Desse modo, a única medida do governo Dilma que poderia conferir um pouco de racionalidade ao segundo mandato, tentando consertar as bobagens cometidas no primeiro, foi sabotada e transformou-se praticamente em epitáfio de uma administração que nunca se pautou pelo bom senso.

Isso ficou ainda mais claro quando, a despeito da necessidade urgente de mudança de rumos, Dilma mandou ressuscitar o que deveria estar enterrado a sete palmos: a desastrosa política econômica “anticíclica” do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Ao conceder novamente crédito a setores selecionados da economia, Dilma sinaliza que nem mesmo ela acredita no ajuste que precisa fazer.

Essa falta de sintonia com a realidade se revela tanto nas grandes questões como nos assuntos aparentemente menores. A escassez de dinheiro fez a Fazenda mandar segurar a primeira parcela do 13.º salário dos aposentados do INSS, que desde 2006, graças ao populismo do então presidente Lula, vinha sendo paga de forma antecipada em agosto. Enquanto isso, soube-se que Dilma e seus ministros já estavam usufruindo da primeira parcela de seu 13.º salário,
depositada em julho. Diante dos protestos da plebe ignara, a presidente voltou atrás e mandou pagar já o benefício aos aposentados, desautorizando mais uma vez sua equipe econômica.

Diante de exemplos como esses, não é preciso procurar muito para encontrar os verdadeiros sabotadores do governo - uns estão de camisa vermelha nas ruas, outros estão na bancada governista no Congresso, mas o principal mesmo é a própria Dilma.

Recaída – Editorial / Folha de S. Paulo

• Dilma repete intervenções que, a seu ver, podem dar um norte virtuoso ao mercado, mas que se provaram danosas em seu 1º mandato

Os bancos públicos pretendem outra vez remediar o que julgam ser as dificuldades especiais de alguns setores econômicos, em tese prejudicados de modo particularmente duro pelo quadro recessivo.

A presidente Dilma Rousseff (PT), em outras palavras, reincide nas intervenções que, a seu ver, têm o poder de dar um norte virtuoso ao funcionamento do mercado.

A iniciativa, desta feita, não deve resultar nos descalabros do primeiro mandato da petista –em particular nas contas do governo, na indústria do petróleo e no setor elétrico. Ainda assim, as medidas causam mais descrença quanto à disposição e à capacidade do Executivo de lidar com os motivos fundamentais da crise.

Em termos estritamente econômicos, é difícil ver sentido na ação concertada da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.

No que diz respeito à política econômica, o plano cobre com ainda mais descrédito a tentativa de enfrentar problemas de fundo. Acrescenta novo ingrediente a um caldeirão repleto de incertezas como o histórico da presidente, a atuação do PT e a irresponsabilidade do Congresso diante do necessário ajuste das contas públicas.

Em termos gerais, a iniciativa parece eivada de casuísmos, pois o governo agracia parte do mundo empresarial que lhe granjeou algum apoio político indireto e procura estimular novas adesões.

Grosso modo, os bancos passam a oferecer empréstimos para financiar as demandas mais prementes de fornecedores de bens e serviços das indústrias fabricantes de veículos automotores em geral. Fez-se um arranjo pelo qual os pagamentos das montadoras servem de garantia ao crédito estatal.

Falta crédito, de fato. O Banco do Brasil enfatiza que não haverá subsídios em seus empréstimos. No caso da Caixa, haverá recurso a fundos públicos e taxas subsidiadas –desde que, ao menos em tese, satisfeitos requisitos como a manutenção do nível de emprego nas empresas agraciadas.

O governo, além disso, afirma que outros setores (cooperativas agrícolas, petróleo e gás, construção civil) serão beneficiados por programas semelhantes.

Do ponto de vista macroeconômico, o plano parece no mínimo incoerente. A política que tem sido implementada é de redução de consumo público e privado, manifesta nos cortes das despesas do governo e na contenção do crédito.

Importa, ademais, fazer perguntas incômodas para o Planalto.

Em que se baseia a escolha deste ou daquele setor? Qual o dom do poder público de acertar escolhas de direcionamento de capital, ainda mais considerado o péssimo retrospecto das intervenções deste governo? Qual será o efeito desses empréstimos na rentabilidade dos bancos públicos e, portanto, no caixa da União e dos fundos que vão alimentar a iniciativa?

O programa condiciona, em certos casos, empréstimos especiais, mais baratos, à manutenção de emprego. Difícil acreditar que o Planalto tenha capacidade ou disposição política de verificar o cumprimento de tal cláusula.

No caso de infrações, fica-se a imaginar de que maneira o contrato será denunciado. Por fim, é discutível que a manutenção do emprego em setores escolhidos a dedo seja a solução mais eficiente para a economia como um todo –talvez houvesse melhores resultados se o dinheiro se dirigisse a negócios mais promissores e rentáveis.

Mais importante, porém, é o que ações dessa espécie revelam sobre a incapacidade do governo de apresentar planos de alcance maior.

Esta Folha tem reiterado desde o início do ano que apenas medidas emergenciais de contenção do endividamento público –o chamado ajuste fiscal– não bastariam nem mesmo para limitar a gravidade da recessão, menos ainda para facilitar a retomada duradoura de algum crescimento mais adiante.

Ocorre que, para piorar, nem sequer o ajuste emergencial funciona a contento, pois o governo federal deve ter outro deficit primário (despesas maiores que as receitas, excluído o gasto com juros).

Portanto, além de refazer um plano imediato de contenção de gastos e aumento de receitas, o governo ainda precisa apresentar o restante desse programa: ações que sinalizem a volta aos trilhos após a estagnação.

Afora evitar o descontrole das contas, tal plano de médio prazo pode abreviar e atenuar a recessão.

Trata-se do tão conhecido projeto de limitar o crescimento da despesa regular do Estado ao aumento do PIB per capita, no máximo; de simplificar impostos e regras sobre investimento e produção; de reduzir regulamentação do trabalho; de dar cabo pelo menos das normas que aumentaram custos e dívidas de setores cruciais, como petrolífero e elétrico.

Compare-se, porém, tal programa com as ruminações e reincidências no vício do presente governo. De um lado, planos para o país; de outro, remendos casuísticos.

Paulinho da Viola - Eu canto samba / Quando bate uma saudade

Carlos Drummond de Andrade - Mundo Grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos - voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
- Ó vida futura! Nós te criaremos.

sábado, 22 de agosto de 2015

Opinião do dia - Roberto Freire

As oposições, por sua vez, devem compreender o recado das ruas e se conectar aos anseios da parcela majoritária da população brasileira, que clama pelo fim do governo Dilma. As forças políticas que se opõem democraticamente ao PT têm de estar preparadas para o impeachment da presidente da República, um processo inexorável em função de reiteradas ilegalidades cometidas, entre as quais as “pedaladas fiscais” que configuram um escandaloso crime de responsabilidade. Além disso, há uma série de irregularidades verificadas nas contas da campanha da então candidata Dilma Rousseff em 2014, o que pode levar à sua cassação por crime eleitoral. A situação é tão grave que até alguns petistas já veem o fim antecipado do atual governo como algo positivo para o próprio PT, que poderia se reconstruir.
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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS. – ‘O recado das ruas e o papel das oposições’, Brasília, 21 de agosto de 2015.

Insatisfeito com ações de Dilma, Temer se afasta

• Desgaste aumentou depois de apelo do vice para ‘alguém’ unir o país

• Decisão de deixar a articulação política foi precipitada pelo comportamento da presidente, que assumiu atribuições da função

O vice-presidente Michel Temer decidiu deixar a articulação política do governo. O desgaste da relação com a presidente Dilma está por trás da decisão. Há quatro meses acumulando as funções de vice e de articulador, Temer incomodou a presidente e ministros do PT ao declarar, há duas semanas, que “alguém” precisava unir o país. Desde então, Dilma passou a mediar conflitos com aliados e a conversar com empresários. Temer vem se sentindo desautorizado com a mudança de conduta da petista. “Ele foi muito maltratado”, sintetizou o ex-ministro Moreira Franco (PMDB).

Em rota de colisão

• Após perceber que Dilma esvaziou suas atribuições, Temer deixará articulação política do governo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Sem ambiente para continuar na articulação política do governo, o vice-presidente Michel Temer prepara sua saída da função, depois de passar a ser desautorizado e perceber que a presidente Dilma Rousseff tomou para si o controle das negociações. O clima entre Temer e Dilma é de estranhamento desde que, no auge da crise política, há duas semanas, o vice declarou que “alguém” precisava unir o país. Ministros petistas consideraram que o peemedebista estava conspirando contra a presidente para assumir seu mandato.

Apesar das explicações de Temer, que afirma que seu objetivo foi apenas pedir responsabilidade à Câmara, Dilma passou a esvaziar o papel do vice na articulação política e a tentar ocupar seu espaço. O pretexto para que Temer deixe o cargo sem que dê conotação de crise é que ele já entregou o que prometeu: a aprovação dos projetos do ajuste fiscal no Congresso. O último projeto, que aumenta impostos de empresas, foi aprovado quarta pelo Senado.

— O ajuste acabou, a missão acabou, e a confiança acabou — resume um peemedebista da cúpula do partido e próximo de Temer.

Ao colunista do GLOBO Ilimar Franco, que noticiou ontem a saída de Temer da articulação, o ex-ministro Moreira Franco disse que a decisão foi tomada pelo próprio vice:

— A decisão foi dele. Não sei. Falo sinceramente. Ele foi muito maltratado. O cristal foi quebrado — disse Moreira.

Ontem, Temer teve encontro reservado com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), em seu escritório de São Paulo, a pedido de Cunha. O assunto conversado ficou em segredo. Cunha e Temer confirmaram o encontro, mas não quiseram fazer comentários. O escritório tem servido de quartel-general do PMDB e da Vice-Presidência.

Depois do mal-estar gerado com a declaração de seu vice, Dilma pediu que os ministros petistas também entrassem na articulação política para ocupar o espaço sob o comando de Temer e do ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), também do PMDB. O passo seguinte foi deixar de prestigiar Temer e assumir para si, por exemplo, a tarefa de resolver conflitos entre aliados por cargos federais e conversar com empresários.

Pessoas próximas a Temer afirmam que a repercussão positiva, principalmente entre o empresariado, do alerta sobre a gravidade da crise feito pelo vice provocou uma “ciumeira” em Dilma e nos ministros petistas.

“Até feijoada do Maluf”
A partir daí, tudo virou motivo de incômodo de parte a parte. Temer não gostou, por exemplo, de Dilma ter ido ao almoço de aniversário do ministro Gilberto Kassab (Cidades), que reuniu deputados do PSD na quarta-feira. A presidente não costuma ir a esse tipo de confraternização. Tanto que Kassab foi avisado de que Dilma compareceria com apenas 40 minutos de antecedência.

— Daqui a pouco ela vai até a feijoada do (Paulo) Maluf — ironizou pessoa próxima ao vice.

No mesmo dia, pela manhã, Temer reuniu no Jaburu 44 empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O grupo defendia índices lineares de aumento dos impostos, em vez de beneficiar só poucos setores. O vice afirmou que, se conseguissem acordo no Congresso, o governo não se oporia. Mas Joaquim Levy (Fazenda) desautorizou o acerto feito por Temer.

Os ministros petistas não confiam em Temer nem em Padilha, e querem afastá-los da articulação política, mas receiam que isso signifique, na prática, um desembarque do PMDB. Assim, adotam o discurso de que o vice passaria a cuidar da “macropolítica”, deixando o varejo das negociações de cargos federais e liberação de emendas.

No último dia 3, Temer ficou melindrado por Dilma não ter feito nenhuma deferência a ele em jantar com líderes da Câmara e do Senado, além de presidentes de partidos. Dilma costumava elogiá-lo nessas ocasiões e agradecer por seu trabalho na articulação política. O vice ficou irritado com insinuações de petistas de que estava gestando um golpe contra Dilma.

Representantes do Judiciário convidados para jantar no Alvorada no último dia 11 afirmaram que Dilma deixou transparecer distanciamento em relação a Temer. Alguns convidados ficaram com a impressão de falta de entrosamento entre os dois. No Congresso, a avaliação é a mesma. Os parlamentares acham que Temer está “sem brilho” na função de articulador.

Um aliado do vice diz que a quebra de confiança é mútua, e que Temer está “psicologicamente fora da articulação”. Quando o vice sairá formalmente do cargo, ainda não se sabe. Temer já falou internamente que isso se dará em setembro. No entanto, em decorrência da denúncia do Ministério Público contra Eduardo Cunha, vem sendo aconselhado a esperar um pouco mais.

Sua saída levará automaticamente a reposicionamento do PMDB no Congresso. As bancadas de Câmara e Senado foram fiéis a Temer na votação do ajuste fiscal, mas, desde a reeleição, sistematicamente, dão dor de cabeça a Dilma. Em novembro, está marcado congresso nacional do PMDB, e Cunha vem defendendo que o partido decida por saída formal do governo. (Colaboraram Cristiane Jungblut e Julianna Granjeia)

Temer deixará a articulação política

Por Andrea Jubé - Valor Econômico

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer devolve a articulação política do governo no fim do mês, ampliando o isolamento político da presidente Dilma Rousseff. Por meio de interlocutores, Temer avisou o Palácio do Planalto que "o cristal trincado, agora quebrou", sobre sua relação com o governo.

O desembarque de Temer e a denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no âmbito da Lava-Jato, acirram a crise. Isso porque a avaliação interna no Planalto é que Cunha intensificará a artilharia contra a presidente, o governo e o PT, enquanto o afastamento do vice-presidente implica a debandada do PMDB do governo. Apesar de uma minoria dissidente, as bancadas pemedebistas, especialmente no Senado, têm mostrado fidelidade ao governo nas votações. A expectativa de governistas é que a contundência das denúncias contra Cunha o fragilizem adiante, mas ninguém acredita que ele perca fôlego, automaticamente, no cargo.

Nos últimos dias, aumentou a pressão no PMDB para que Temer deixe a articulação, antes um movimento restrito a uma minoria. Um dos motivos é o reiterado descumprimento por ministros petistas dos acordos firmados pelo vice com a base aliada.

Outro motivo remonta ao "cristal trincado". A relação de Temer com o Planalto esmoreceu depois que ele fez um apelo pela reunificação nacional. Em uma entrevista coletiva, o vice declarou que era preciso "alguém" capaz de reunificar o país. Mas a leitura de auxiliares presidenciais foi de que Temer teria se colocado como alternativa a Dilma. Fizeram chegar ao vice o aviso de que "o cristal trincou" sobre a relação de confiança dele com Dilma e o governo.

Mas um dirigente do PMDB rebate: "se para eles o cristal trincou, para o Michel quebrou de vez". Questionado se é possível reverter este sentimento, o pemedebista, um dos mais próximos ao vice, reforça: "nunca vi soldar cristal quebrado". Do time dos que defendem a saída de Temer, este pemedebista afirma que o vice "já dedicou tempo demais a isso".

A oportunidade para Temer devolver o cargo surge no fim de agosto, quando dois de seus principais auxiliares deixam os postos: Mozart Vianna, que monitora as votações no Congresso Nacional, e seu braço-direito na articulação, o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha, que volta a se dedicar exclusivamente à pasta. Padilha avisou que voltaria a se ocupar exclusivamente dos aeroportos em entrevista exclusiva ao Valor, há um mês.

Um interlocutor de Temer afirma que o vice vivencia um dilema entre o senso de responsabilidade com o governo num momento de crise aguda e o respeito à sua biografia. Nos últimos 15 dias, em mais de uma circunstância, Temer mostrou indignação com a insinuação de que fez um gesto para atropelar Dilma.

Em conversa reservada com a presidente, colocou o cargo à disposição. Em reunião da coordenação política num domingo no Palácio da Alvorada, Temer disse que não era homem "de agir à sorrelfa", ou seja, sorrateiramente.

Dias depois, no café da manhã no Palácio do Jaburu da cúpula do PMDB com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Temer bateu com as mãos sobre a mesa e afirmou que não retirava nenhuma palavra de seu apelo à unificação nacional. Naquele encontro, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) havia elogiado a fala de Temer, mas ressalvado que o termo "alguém" suscitava dúvidas.

A mágoa de Temer fez soar o alarme entre os petistas, que se movimentam para dissuadi-lo. Os ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, da Defesa, Jaques Wagner, e da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, conversaram com ele nos últimos dias. Mas não há aceno concreto do governo, por enquanto, quanto à remoção dos obstáculos impostos, na maior parte das vezes pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda no cumprimento dos acordos firmados pelo vice. Sem isso, com o "cristal quebrado" e sob pressão do PMDB, Temer desembarca.

Pessimismo sobre crise política predomina entre empresários

Por Daniel Rittner - Valor Econômico

BRASÍLIA - Dilma Rousseff e Angela Merkel esperavam tirar férias de 24 horas das crises que vivem no Brasil e na União Europeia, respectivamente, mas as crises foram um dos pratos mais saboreados no almoço em homenagem à chanceler alemã. Auxiliares diretos de Merkel repetiam o termo "louco" ao falar sobre o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, que havia anunciado sua renúncia horas antes. "Na economia, o pior já passou. Politicamente, o pior ainda pode estar por vir. Tomara que as urnas o levem para casa para evitar esse desastre", afirmava, com franqueza nada diplomática, uma funcionária do gabinete da chanceler.

À espera do almoço, arriscando-se com mini-acarajés e caipirinhas servidos como aperitivo, empresários brasileiros eram taxativos em dizer que é cedo demais para decretar o fim da crise política no Brasil. Mas a presidente não respirou um pouco de uns dias para cá? "O problema é que não há mais conciliação possível entre governo e oposição", lamentou um peso-pesado do PIB, apontando a dificuldade de uma agenda comum. "O preconceito e a ideologia, de lado a lado, são muitos fortes", acrescentava o empresário, argumentando que ficaram muitas feridas abertas com as eleições do ano passado.

Esse mesmo interlocutor fazia uma leitura dos últimos movimentos da iniciativa privada, que saiu em defesa da governabilidade e contra um impeachment, por "pura sobrevivência": um processo de destituição de Dilma levaria seis meses, novas eleições demorariam mais seis meses, e a recessão só se aprofundaria. Ninguém quer isso, quem sabe o Congresso Nacional cria juízo e desiste das pautas-bombas, mas 2016 será mais um ano perdido na economia e poderá ser considerado positivo se Joaquim Levy finalmente conseguir o ajuste que almejava fazer em 2015, embora ele já não seja o mesmo ministro forte e salvador da pátria dos primeiros 90 dias de segundo mandato. Eram esses os comentários que aguardavam a chegada de Dilma ao Palácio do Itamaraty.

A avaliação consensual era de que a presidente ganhou fôlego, tem bem menos chances de cair, mas não consegue se desvencilhar do ambiente negativo e poderá levar o governo na corda bamba ao longo dos próximos três anos. Qualquer fator novo da Lava-Jato ou do PMDB pode causar mais instabilidade. "Em vez de aproveitar a realidade para mudar de pensamento, tem gente que aproveita o pensamento para mudar a realidade", dizia um empresário, ilustrando a dificuldade de Dilma em admitir seus erros.

Intrigada com as manchetes negativas e com os protestos de domingo passado, a auxiliar de Merkel tinha interesse em juntar mais relatos do Brasil. Ouvindo atentamente um resumo da polarização que se vive no país, respondia balançando a cabeça e com uma frase: "Isso é muito triste". Havia grande curiosidade dos alemães em saber quais as reais possibilidades de retomada do crescimento em 2016 ou mais adiante, se há risco de insolvência, se a China tem ganhado espaço na economia brasileira ou se suas recentes promessas de investimento não passam de um conto. E havia também uma afirmação taxativa: "Apesar da crise, vocês não são vistos na Alemanha como a Argentina ou como a Venezuela. Fiquem tranquilos".

Sob pressão do PMDB, Temer deixará posto de articulador

• Vice-presidente quer se afastar de negociação de cargos e verbas com partidos aliados, o que preocupa o Planalto

Temer decide deixar articulação política

• Vice-presidente quer se afastar de negociação de cargos e verbas com partidos aliados, o que preocupa o Planalto

• Peemedebista sofre pressões do partido para sair e diz a aliados estar farto de disputas com ministros petistas

Mônica Bergamo, Andréia Sadi, Natuza Nery, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer (PMDB) decidiu deixar a articulação política do governo com o Congresso, afastando-se da negociação de cargos e verbas com os partidos políticos que dão sustentação ao Palácio do Planalto.

"Eu não posso ficar o tempo todo cuidando do cotidiano da política e de articulações específicas", afirmou Temer a um aliado nesta sexta-feira (21). Ele disse que pretende continuar "na articulação macropolítica, das grandes políticas de Estado".

O vice deverá colocar o cargo à disposição da presidente Dilma Rousseff na semana que vem. Será a segunda vez que faz isso neste mês. A primeira foi há duas semanas, quando a presidente pediu que continuasse na função.

Temer tem sido pressionado pelo PMDB a deixar a articulação política e tem revelado cansaço com as disputas com ministros do PT que também têm atuado como articuladores políticos do governo.

Prevendo que encontrará resistência de Dilma novamente, Temer deverá propor sair da linha de frente aos poucos: deixar primeiro a responsabilidade pela distribuição de cargos e verbas para emendas parlamentares, principal foco de tensão com o Congresso e, depois, se afastar por completo das negociações com o Legislativo.

O problema é que a relação do PMDB com o núcleo palaciano se deteriorou e o partido quer desembarcar da articulação de uma vez e entregá-la de volta ao PT. Uma ala também pressiona para que o PMDB vá além e rompa de vez com o governo.

Procurada, a assessoria de Temer disse que o "vice presidente é o único senhor do momento de permanecer ou sair da articulação politica".

Diante da deterioração no relacionamento de Temer com o Planalto, assessores do vice repetiram considerar a missão do chefe "cumprida" na articulação política e que é hora de deixar a função.

A saída do vice acentuará o pessimismo sobre as condições do Planalto de superar a crise política. Temendo interpretações assim, o governo jogará pesado para mantê-lo no posto. "Temos de reverter esta situação para evitar a piora da crise política", disse um assessor de Dilma.

Bombeiro
Temer foi alçado à condição de bombeiro do governo em abril, quando a presidente deu a ele a função de articulador político do Planalto. Mas logo o vice começou a ser pressionado pelos aliados a se afastar da tarefa.

Há duas semanas, Michel Temer assustou o governo ao declarar que "alguém" precisava reunificar o país. A fala foi interpretada como uma tentativa do vice de se colocar como alternativa a Dilma.

Depois desse episódio, o núcleo palaciano e a presidente apostaram em Renan Calheiros (PMDB-AL) como interlocutor no Congresso. Combinado ao movimento, Dilma e seus auxiliares passaram a se reunir com parlamentares sem comunicação prévia a Temer e seus aliados.

A operação irritou a cúpula peemedebista e fez crescer a pressão para Temer deixar a articulação. Os principais defensores do desembarque são os ex-ministros Moreira Franco e Geddel Vieira Lima e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em conversa com Temer nesta sexta, Cunha fez um apelo para que o próximo congresso do PMDB, marcado para novembro, seja antecipado para que seja discutido o rompimento com o governo.

Temer decide deixar articulação política

• Vice está insatisfeito com tratamento dispensado a ele por Dilma e pelos petistas; data para desembarque da função ainda não esta definida

• Vice-presidente avalia que pode esperar um pouco para que o desembarque não seja visto como mais um fator de instabilidade política, logo após a denúncia contra o presidente da Câmara

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer (PMDB) está disposto a deixar o cargo de coordenador político do governo Dilma Rousseff para se aproximar ainda mais dos partidos de oposição à presidente. O movimento seria uma espécie de alvará para que ele possa intensificar o diálogo iniciado nos últimas dias com líderes do PSDB e que tem no horizonte um apoio dos tucanos a uma eventual gestão Temer no Planalto.

A senha para a movimentação de Temer foi a manifestação pública do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na segunda-feira passada, defendendo a renúncia de Dilma. Entre tucanos e peemedebistas, as posições de FHC foram interpretadas como um freio nas articulações do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que trabalha pela realização de novas eleições presidenciais.

Alas tucanas alinhadas a FHC e ao senador José Serra (SP) acreditam que não há saída para a crise sem a participação de Temer. Ao longa desta semana, emissários do vice conversaram disseram a tucanos que Temer está disposto a fazer um governo de “transição” caso Dilma não termine o mandato.

Outro compromisso a ser assumido pelo vice, nesse cenário sem Dilma, seria o de não ser candidato à reeleição. Em termos práticos, Temer recebe apoio do PSDB para tirar Dilma e, em contrapartida, abre caminho para uma candidatura tucana em 2018. O vice, no entanto, não abre mão de indicar um nome do PMDB para disputar sua eventual sucessão.

A negociação encontra resistências. Aécio tem fortes restrições à possibilidade de Dilma renunciar por avaliar que os tucanos não podem perder o protagonismo no movimento pelo impeachment da presidente e porque sonha em usar seu bom momento nas pesquisas de intenção de voto para presidente numa nova eleição – ele é o primeiro colocado nas mais recentes sondagens.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que também resiste a qualquer tipo de afastamento da presidente porque planeja ser candidato somente em 2018, passou a avaliar de maneira positiva a possibilidade de um governo Temer porque, nesse arranjo, Alckmin também se manteria no jogo até lá.

Prazo. Temer avalia, no entanto, que pode esperar um pouco para que seu desembarque da articulação política não seja visto como mais um fator de instabilidade política, logo após a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado pela Procuradoria-Geral da República de corrupção e lavagem de dinheiro.

Temer conversou com Cunha nesta sexta-feira, 21, em São Paulo. O presidente da Câmara garantiu que não renunciará, mas avisou que passará a defender “com vigor” o rompimento do PMDB com o governo Dilma Rousseff. Não foi surpresa: dias antes de ser denunciado, Cunha já tinha dito a Temer e a líderes do governo que não cairia sozinho.

Aborrecido com “olhares enviesados” de petistas, após fazer um apelo pela reunificação nacional, e pressionado pelo PMDB, partido que comanda, Temer não definiu a data de saída da articulação política, mas já disse a amigos que o trabalho tem “prazo de validade”.

Oficialmente, o argumento do vice é o de que havia se comprometido a fazer a articulação do Planalto com o Congresso até a votação das medidas do ajuste fiscal e o último projeto, que reonera a folha de pagamento das empresas, foi votado na quarta. Braço direito de Temer, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB), também pretende sair da articulação política do governo e se dedicar exclusivamente à sua pasta.

Padilha está insatisfeito por considerar que vem sendo sabotado pelo PT, mas ficou furioso após ter sido desautorizado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nos últimos dias. A crise ocorreu porque Padilha havia prometido a líderes de partidos aliados liberar R$ 500 milhões para pagamento de emendas parlamentares, mas, na última hora, Levy entrou em cena e proibiu o desembolso.

Na quarta-feira à noite, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, procurou Temer e Padilha, na tentativa de desfazer o mal-estar. Até agora, ninguém no governo arrisca um palpite sobre o desfecho da crise com o PMDB.

Movimento do vice será um gesto em direção aos tucanos

Alberto Bombiig - O Estado de S. Paulo

O vice-presidente Michel Temer (PMDB) está disposto a deixar o cargo de coordenador político do governo Dilma Rousseff para se aproximar ainda mais dos partidos de oposição à presidente. O movimento seria uma espécie de alvará para que ele possa intensificar o diálogo iniciado nos últimas dias com líderes do PSDB e que tem no horizonte um apoio dos tucanos a uma eventual gestão Temer no Planalto.

A senha para a movimentação de Temer foi a manifestação pública do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na segunda-feira passada, defendendo a renúncia de Dilma. Entre tucanos e peemedebistas, as posições de FHC foram interpretadas como um freio nas articulações do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que trabalha pela realização de novas eleições presidenciais. Alas tucanas alinhadas a FHC e ao senador José Serra (SP) acreditam que não há saída para a crise sem a participação de Temer. Ao longo desta semana, emissários do vice disseram a tucanos que Temer está disposto a fazer um governo de "transição" caso Dilma não termine o mandato.

Outro compromisso a ser assumido pelo vice, nesse cenário sem Dilma, seria o de não ser candidato à reeleição. Em termos práticos, Temer recebe apoio do PSDB para tirar Dilma e, em contrapartida, abre caminho para uma candidatura tucana em 2018. O vice, no entanto, não abre mão de indicar um nome do PMDB para disputar sua eventual sucessão - este é um dos pontos de divergência entre os envolvidos no acordo.

A negociação encontra resistências. Aécio tem fortes restrições à possibilidade de Dilma renunciar por avaliar que os tucanos não podem perder o protagonismo no movimento pelo impeachment da presidente e porque sonha em usar seu bom momento nas pesquisas de intenção de voto numa nova eleição - ele é o primeiro colocado nas mais recentes sondagens.

Gilmar Mendes pede ação contra campanha de Dilma

• Para ministro do TSE e do STF, há indícios de que PT foi beneficiado na eleição pelo petrolão; partido nega

Ministro do TSE pede ação contra campanha de Dilma

• Gilmar Mendes aponta indícios de que dinheiro do petrolão financiou reeleição

• Despacho sugere que procurador-geral abra investigação sobre uso de recursos de origem ilícita na campanha

Andréia Sadi, Márcio Falcão, Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes, integrante do Supremo Tribunal Federal e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, pediu nesta sexta-feira (21) que a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal investiguem indícios de que recursos desviados da Petrobras ajudaram a financiar a campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição.

Em seu despacho, o ministro citou informações obtidas durante as investigações da Operação Lava Jato sobre a corrupção na Petrobras e as doações registradas na Justiça Eleitoral por empresas investigadas sob suspeita de participação no esquema.

"Há vários indicativos que podem ser obtidos com o cruzamento das informações contidas nestes autos [...] de que o PT foi indiretamente financiado pela sociedade de economia mista federal Petrobras [o que é proibido por lei]. [...] Somado a isso, a conta de campanha da candidata também contabilizou expressiva entrada de valores depositados pelas empresas investigadas", disse Mendes.

Entre os elementos da Operação Lava Jato usados pelo ministro está trecho da delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa em que ele afirma ter doado R$ 7,5 milhões para a campanha de Dilma em 2014 por temer prejuízos em seus negócios na Petrobras se não ajudasse o PT.

Os técnicos do TSE calcularam que empresas sob suspeita de participar do esquema doaram R$ 172 milhões ao PT entre 2010 e 2014. Mendes afirma que parte desses valores foram transferidos pelo partido para os cofres da campanha de Dilma à reeleição.

"Durante a campanha presidencial, além das doações [...] repassadas pelo partido político, a candidata recebeu expressivas doações das empresas investigadas, no valor total de R$ 47,5 milhões", de acordo com o despacho.

Por fim, o ministro também pede investigação sobre despesas da campanha de Dilma que considera suspeitas, entre elas gastos declarados com a gráfica Focal.

Conforme a Folha revelou, a Focal foi a segunda empresa que mais recebeu da campanha de Dilma, apesar de estar registrada, oficialmente, no nome de um motorista da empresa.

"Assim, tenho por imprescindível dar conhecimento às autoridades competentes sobre os indicativos da prática de ilícitos eleitorais e de crimes de ação penal pública", afirma Mendes. Além da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal, ele pediu que a Corregedoria-Geral Eleitoral tome providências.

As contas da campanha de Dilma à reeleição foram aprovadas no ano passado, mas Gilmar Mendes determinou na ocasião que as autoridades continuassem investigando suspeitas de irregularidades que teriam sido cometidas durante as eleições.

Questionado sobre o pedido, o ministro Edinho Silva, chefe da Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto, que foi tesoureiro da campanha de Dilma em 2014, disse que "todas as contribuições e despesas da campanha de 2014 foram apresentadas ao TSE, que, após rigorosa sindicância, aprovou as contas por unanimidade".

Ações
Tramitam atualmente no TSE quatro ações que questionam a prestação de contas da campanha petista à Presidência, todas movidas pelo PSDB, que faz oposição ao governo. Na semana passada, um pedido de vistas do ministro Luiz Fux suspendeu o andamento de um desses processos no TSE.

A decisão foi tomada numa sessão tensa, marcada por provocações entre os ministros do tribunal.

Gilmar Mendes disse que não se pode transformar o país em um "sindicato de ladrões". O ministro apresentou um voto, muitas vezes em tom emotivo, cobrando coragem do tribunal para discutir os processos sobre cassação.

Se comprovadas irregularidades no processo eleitoral, a chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer pode ser cassada. Neste caso, uma nova eleição presidencial pode ser convocada.

Gilmar Mendes pede investigação de campanha de Dilma

• Em relatório encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Polícia Federal, o ministro indica 'vários indícios' de que a campanha da petista teria sido financiada por recursos desviados da Petrobrás

Talita Fernandes - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pediu a investigação de suposta prática de atos ilícitos na campanha que reelegeu a presidente Dilma Rousseff em 2014. Em despacho encaminhado hoje à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Polícia Federal, o ministro indica "potencial relevância criminal" na campanha petista. O ministro pediu ainda que a Corregedoria-Geral da Justiça eleitoral apure se houve descumprimento das leis eleitorais. "Além da violação à legislação eleitoral, há potencial relevância criminal nas condutas", diz o despacho, no qual o ministro sugere que há motivos para que seja aberta uma ação penal pública.

Sobre o descumprimento à legislação eleitoral, Gilmar utiliza informações reveladas pelas investigações da Operação Lava Jato para dizer que a campanha foi supostamente financiada com recursos da Petrobrás. Por ser uma empresa de capital misto (recursos públicos e privados) a petroleira é vedada de financiar campanhas eleitorais. "As doações contabilizadas parecem formar um ciclo que retirava os recursos da estatal, abastecia contas do partido, mesmo fora do período eleitoral, e circulava para as campanhas eleitorais", escreveu o ministro.

Além disso, Gilmar lança suspeita de que houve uso de recursos publicitários para financiamento da campanha, o que é vedado pela legislação. Para tal, o ministro cita delação premiada do lobista Milton Pascowitch, que afirmou a investigadores que parte dos recursos de propina teria sido repassada a pedido do então tesoureiro do PT João Vaccari Neto, hoje preso na Lava Jato, ao site Brasil 247, "simulando contrato de prestação de serviços". "O objetivo seria financiar a propaganda disfarçada do Partido dos Trabalhadores e seus candidatos, além de denegrir a imagem dos partidos e candidatos concorrentes", concluiu o ministro. "Em suma, há indicativos de que o partido recebeu auxílio por meio de sociedade de economia mista e publicidade", resume.

Na semana passada, Gilmar havia determinado ao TSE um levantamento para mostrar doações feitas ao PT por empreiteiras investigadas na Lava Jato. De acordo com o levantamento feito pela Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias, as empresas OAS, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, UTC, Camargo Corrêa, Engevix e Odebrecht doaram ao PT, entre 2010 e 2014, R$ 172 milhões.

O ministro citou ainda informações reveladas pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, em acordo de delação premiada, no qual disse ter repassado R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma.

Fornecedores. Além das inconsistências apontas nas doações, o ministro levanta suspeita sobre o pagamento de fornecedores da campanha. "Não bastasse o suposto recebimento pelo partido e pela candidata de dinheiro de propina em forma de doação eleitoral, há despesas contabilizadas na prestação de contas da candidata de duvidosa consistência", afirmou. "Assim, ao que parece, havia, supostamente, entrada ilegal de recursos públicos e saída de dinheiro da campanha em forma de gastos mascarados."

As contas de campanha da presidente Dilma e do PT foram aprovadas com ressalvas pelo TSE em dezembro de 2014. A aprovação se deu na Corte por unanimidade após os ministros acompanharem o voto do relator, que foi o próprio Gilmar. No despacho ele justificou seu voto pela aprovação alegando que "apenas no ano de 2015, com o aprofundamento das investigações no suposto esquema de corrupção ocorrido na Petrobrás, vieram a público os relatos de utilização de doação de campanha como subterfúgio para pagamento de propina".

Logo após o despacho do ministro, a Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto emitiu nota afirmando que: "Todas as contribuições e despesas da campanha de 2014 foram apresentadas ao TSE, que após rigorosa sindicância, aprovou as contas por unanimidade", diz a nota assinada pelo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, que foi o tesoureiro da campanha de Dilma no ano passado.

O TSE tem hoje quatro ações que contestam a legitimidade da eleição de Dilma Rousseff, todas pedidas pelo PSDB. Essas ações podem gerar, no limite, a cassação da presidente.

Delator da Lava Jato liga operador do PMDB a Renan, Cunha e Temer

• Lobista Júlio Camargo afirma que Fernando Baiano era conhecido 'por representar' o PMDB

Delator fala em relação de operador do PMDB com Renan, Cunha e Temer

• Lava Jato: Júlio Camargo, que acusou presidente da Câmara de exigir propina de US$ 5 milhões, diz que Fernando Baiano era conhecido ‘por representar’ o PMDB

Por Talita Fernandes e Beatriz Bulla – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Em depoimento prestado à Procuradoria-Geral da República (PGR), o lobista Júlio Camargo – que relatou pagamento de propina ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – afirmou que o lobista Fernando Soares era conhecido por representar o PMDB, o que incluiria, além de Cunha, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o vice-presidente da República Michel Temer.

“Havia comentários de que Fernando Soares era representante do PMDB, principalmente de Renan, Eduardo Cunha e Michel Temer. E que tinha contato com essas pessoas de ‘irmandade’”, consta em relatório dos investigadores sobre o primeiro depoimento prestado por Júlio Camargo à PGR, em março. Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, foi responsável por intermediar pagamento de propina combinada com Júlio Camargo para facilitar um contrato de aquisição de navios-sonda pela Petrobras com a coreana Samsung Heavy Industries Co.

Em outro ponto do depoimento, ao mencionar que o PMDB deu apoio ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, Camargo volta a citar de forma vaga os três nomes e também o nome do empresário José Carlos Bumlai. O relatório da Procuradoria aponta dentro do depoimento de Camargo que Bumlai seria amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Na área interna o depoente negociava diretamente com Paulo Roberto Costa. Fenando Soares – era corrente – que representava o PMDB . Depois o PMDB tambcm ‘entrou para fortalecer’ Paulo Roberto Costa. Ambos então ‘ficaram muito fortes’. Fala-se de Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Michel Temer, José Carlos Bumlai (que seria muito amigo do ex-presidente Lula)”, aponta o relatório da PGR sobre o depoimento de Camargo.

Os três depoimentos de Camargo o grupo de trabalho do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, permaneciam em sigilo até hoje, e serviram de fundamento para o oferecimento de denúncia contra o peemedebista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Renan foi denunciado, mas não cobram sua saída, afirma Cunha

• Acusado de receber propina do petrolão, presidente da Câmara nega intenção de renunciar

• Presidente do Senado foi acusado em 2013 de receber recursos de empreiteira para pagar pensão a uma filha

Andréia Sadi, Alexandre Aragão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Denunciado pela Procuradoria-Geral da República, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse à Folha nesta sexta (21) que tem "plenas condições'' de comandar a Casa e comparou a sua situação com a de Renan Calheiros, presidente do Senado (PMDB-AL).

Renan foi acusado em 2013 de falsidade ideológica e suposta prática de peculato e agora também é investigado na Operação Lava Jato.

"Ninguém cobra a saída do Renan. Tem uma denúncia proposta pelo Supremo Tribunal Federal há dois anos e meio e até hoje não foi decidida. E eu acho que ele tem total condição de presidir o Senado'', disse Cunha.

A acusação de 2013 contra Renan trata de suspeitas de que uma empreiteira pagava pensão a uma filha que ele teve fora do casamento com a jornalista Mônica Veloso. O caso tramita até hoje no Supremo sob segredo de Justiça, sem decisão.

Nesta quinta-feira (20), a Procuradoria-Geral da República denunciou ao STF a primeira leva de políticos alvos da Lava Jato. Cunha foi acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, sob a suspeita de ter recebido US$ 5 milhões em propina.

Mesmo denunciado, o peemedebista disse que não renunciará ao cargo de presidente da Câmara. Um grupo de deputados de diferentes partidos, liderados pelo PSOL, fará um manifesto pedindo o seu afastamento.

Nos bastidores, integrantes do governo e o comando do PT também desejam a saída de Cunha, que rompeu com o Planalto em julho, mas acham difícil que ela ocorra imediatamente. Para ministros, o governo passa a rivalizar com um "inimigo enfraquecido", mas ainda muito influente na Câmara.

Cunha disse que o governo pode "perder as esperanças'' de desestabilizá-lo e afirmou que não vai retaliar ''quem quer que seja'', mas alfinetou o governo. ''Quem provavelmente está fazendo esse movimento é quem deve estar preocupado com as consequências da minha atuação."

Questionado se era uma referência ao andamento de um pedido de impeachment, respondeu: ''Não necessariamente''.

'Guerreiro'
Cunha participou nesta sexta de evento na Força Sindical, em São Paulo, onde foi recebido aos gritos de "Cunha, guerreiro do povo brasileiro". "Não há uma única prova contra mim nas páginas da denúncia", afirmou.

O peemedebista disse ser "muito estranho" que a denúncia contra ele tenha saído no mesmo dia em que ocorreram atos em defesa do governo em todo o país.

"É muito estranho que num dia em que tem evento daqueles que recebem dinheiro público, pão com mortadela [...], querem achar que toda essa lama tenha que ir para o colo de alguém que não participou dela", disse, afirmando que houve "truques de comunicação" para atingi-lo. "Graças a Deus a gente não tem pena de morte no Brasil", completou Cunha. "Senão pediriam a minha morte [na denúncia]."

Integrantes da Força Sindical ecoaram o discurso do peemedebista, dizendo que ele é alvo de perseguição do PT e do Planalto. Gritavam: "Ai, ai, ai, agora a Dilma cai" e "Cunha é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo".

Colaborou Márcio Falcão