quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Nelson Paes Leme - A ‘ perestroika’ brasileira

• O que está em jogo no Brasil de hoje é a reconstrução literal e completa do Estado brasileiro e sua verdadeira inserção no século XXI

- O Globo

Todas as guerras, desde as mais remotas, têm suas raízes em disputas econômicas. Inclusive a Guerra Fria. Também as revoluções, ainda que tendo o pavio político e social a conduzi- las, têm como combustível e se fundam em razões econômicas. Não tivesse sido Marx, por exemplo, antes de tudo, um economista. Daí a importância da diplomacia e de governos que a prestigiem com os indispensáveis conhecimentos em comércio exterior e economia política de seus condutores. A economia política é, nesse sentido, a grande ciência do futuro. Separar a economia da política nas ciências sociais é um reducionismo primário. A ciência política e a econômica são irmãs sociológicas siamesas.

O reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba depois de mais de meio século de isolamento e a recente advertência de Mikhail Gorbachev nas comemorações da queda do Muro de Berlim quanto à volta da Guerra Fria, no entanto, parecem estar sendo avaliadas mais por seu viés político e factual. As raízes, porém, são econômicas. Quando ele mesmo, Gorbachev, presidiu, na antiga URSS, às transformações decisivas que acabaram por dar fim ao socialismo real e à Cortina de Ferro, não o fez apenas com a perestroika. Embora tivesse passado ao Ocidente como arejamento libertário, a glasnost foi o elemento autocrítico decisivo para discutir a pétrea economia estatal soviética e sua desmontagem do aparelhamento do Estado, representado, em sua essência, pelos apparatchik, a calcificada burocracia estatal soviética. A caducidade dessa economia estatizada e seu isolamento num mundo que se globalizava a passos largos, empobrecendo crescentemente os países do bloco soviético, capitaneados pela Rússia, foi certamente a pedra de toque da perestroika, que, literalmente, significa reconstrução. Sem a desmontagem do aparato econômico do gigantesco estamento tecnoburocrático que dirigia a URSS, nada poderia ter sido feito, a perestroika teria sido em vão e a Guerra Fria poderia ter levado nosso planeta à destruição total.

A advertência de Gorbachev, em que pese ter sido feita de maneira global, cai como luva para a atual situação da economia política brasileira. Assim também o reatamento das relações dos EUA com Cuba. Não apenas os escândalos da Petrobras, mas toda a imensa sucessão de assaltos ao Estado desde sempre tem tido origem nessa tecnoburocracia que controla, com seus longos tentáculos, nossa economia altamente estatizada, hoje tangida com mão de ferro pelos burocratas do PT. Sua desmontagem, portanto, não é apenas um problema político. É eminentemente um problema econômico. Como destravar a economia brasileira e entregá- la, liberta desses tentáculos, aos verdadeiros agentes do progresso, do crescimento e do desenvolvimento sustentáveis, abafada que se encontra hoje por esse onipresente aparato tecnoburocrático que se apropriou do Estado brasileiro, dominando- o e o infestando completamente? Em artigo no GLOBO, por exemplo, o economista David Zylbersztajn chamava a atenção para o fato de que as políticas do pré- sal estão sendo conduzidas na contramão do entendimento da nova economia mundial e que o uso de combustível fóssil não chegará ao final deste século, segundo o contundente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas ( IPCC) da ONU. Conclui que toda a estratégia energética petista atual se funda em matriz e conceitos do século passado.

Se os brasileiros não se unirem corajosa e consistentemente para tentar reverter com vigor esse quadro e promover a nossa própria perestroika, certamente o futuro será muito pior do que se imagina. O que está em jogo no Brasil de hoje é a reconstrução literal e completa do Estado brasileiro e sua verdadeira inserção no século XXI. Ou continuamos com o gigantismo estatal sufocante na economia e com o bolivarianismo retrógrado na política, representados por essa visão atrasada de luta de classes, ou partimos para um Estado moderno, leve, fiscalizador, vigoroso e pouco intervencionista, antídoto do populismo, do clientelismo, do paternalismo das “bolsas” e das esmolas públicas, antônimos da criatividade, do empreendedorismo e da verdadeira independência econômica. 

Necessitamos, isto sim, de um Estado probo e ágil, inserido na economia global que prestigie a ação diplomática nos organismos internacionais e nos grandes fóruns multilaterais. Estes são os verdadeiros agentes a retirar- nos da pobreza endêmica.

Antes da perestroika de Gorbachov, o Brasil era a segunda economia mundial mais estatizada. Só perdia mesmo para a falecida URSS. Hoje deve ser, seguramente, a mais estatizada de todas. Toda a política habitacional aqui depende da CEF; todo o desenvolvimento do campo, do BB; e boa parte do desenvolvimento industrial e comercial, do BNDES, para seus apaniguados, inclusive empresas estatais como a Petrobras. A energia, agrilhoada nas mãos corrompidas desta e da Eletrobrás, inclusive a nuclear. Todo esse conjunto completamente dominado pelos apparatchik da burocracia companheira e seus “tesoureiros” conluiados com “empreiteiras” amigas.

O PT já chamou sua militância “às armas” para lutar por sua visão de mundo do século passado e até aprofundá- la na manutenção desse descalabro. Fez “o diabo" para não perder esta eleição. Continua mentindo à nação desavergonhadamente. O que fará acuado pela Justiça é uma incógnita. A única previsão possível é de que a História estará andando em marcha a ré no Brasil nos próximos três anos.

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Nelson Paes Leme é cientista político

Michel Zaidan Filho - As origens do modelo político brasileiro

A expressão “modelo político brasileiro” foi empregada por muitos autores, com várias acepções. As mais antigas remontam ao século dezenove, quando era comum falar em “miséria política brasileira”, comparando-se a sociedade brasileira com os EE.UUs., a França ou a Inglaterra. Ao modelo da Monarquia patrimonialista portuguesa seguiu-se uma tentativa de copiar o modelo francês do chamado “Poder Moderador”, representado pelo Rei, que só devia agir em momentos de crise ou ameaça de crise institucional para garantir a continuidade do regime político ou das instituições políticas. 

Como toda cópia, este modelo pecava no Brasil pelo ativismo político do Imperador, que destituía e nomeava gabinetes, ao seu bel-prazer. A estabilidade do regime monárquico se deu como o rolo compressor do Exército sobre as várias tentativas de sedição provincial e a influência da eminência parda do Conde d’ Eu, Afonso d’Esgragnoli, denominado pelos brasileiros como “o estrangeiro”. E enquanto durou o apoio da Igreja, do Exército e dos senhores de escravo.

A proclamação republicana de 1889, por uma passeata militar no Campo de Santana, procurou se louvar no modelo constitucional norte-americano: Presidencialista, Federativo e com a tripartição de poderes. Rui Barbosa, velho conselheiro monarquista, foi mandado aos EE.UUs. para transplantar para o Brasil o modelo ianque, embora fosse ele admirador explícito da monarquia inglesa e seu exemplo de estabilidade política representada pela longevidade da casa real inglesa. A instituição desse modelo norte-americano entre nós sofreu muitas adaptações e influências do meio social. Uma das mais importantes foi a ação dos positivistas, na Constituinte de 1891, para que fosse adotada uma “ditadura republicana” como forma de neutralizar o poder das oligarquias estaduais.

A ditadura não passou, mas o Presidencialismo imperial, sim. Outro ponto complicado foi a adoção do federalismo entre nós. O reino (e a ex-colônia) nunca tinha experimentado um regime federativo, centrífugo de poder. A nossa tradição é unionista, centrípeta, centralizadora. A assunção do federalismo gerou uma anomalia organizativa: as províncias criadas, não só eram muito desiguais, se relacionavam abertamente com o exterior, mas também competiam entre si. De forma, que a experiência federativa que temos é de competição, não de cooperação. A isso veio se somar a nova divisão nacional do trabalho, instaurando um nova modalidade de neocolonialismo interno entre o sudeste e o norte/nordeste. Os nossos partidos eram regionais. Os governadores, totalmente dependentes dos chefes políticos locais. E o presidente da República, dos governadores. O regime eleitoral era dominado pelo “voto de cabresto” e um sistema eleitoral censitário e sujeito a todo tipo de fraudes.

0 modelo político da Primeira República brasileira, também conhecido como “oligárquico-liberal”, consagrou a dispersão e desigualdade federativas, a hipertrofia do Executivo, a regionalização dos partidos, e o famoso “poder local”. Falar em democracia, participação, sociedade civil nessa época era mera força de expressão.

Dois autores importantes cunharam explicação interessantes: José Murilo de Carvalho fala em “Estadania” no Brasil; e Leandro Konder na ausência de sociedade civil. No brasil, o estado era tudo, a sociedade civil, nada. Victor Nunes nos legou o melhor estudo desse modelo no livro: Coronelismo, Enxada e Voto.
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Michel Zaidan Filho é professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Míriam Leitão - Alta rejeição

- O Globo

As contas chegaram todas de uma vez, mas elas foram sendo contraídas no primeiro governo Dilma. O que a pesquisa CNI- Ibope mostra não é uma baixa popularidade, mas um alto índice de rejeição à presidente e às suas decisões em todas as áreas. A política contra a inflação é desaprovada por 83% dos entrevistados. Com a alta da gasolina e a disparada do dólar, aumenta o risco de a taxa chegar aos 10%.

Arejeição à presidente Dilma chegou de forma rápida e é muito forte. No Ibope, é o maior índice da série que pega todos os governos da era pós- militar. Nem o ex- presidente José Sarney, no auge da hiperinflação e em fim de governo, nem o ex- presidente Fernando Collor, perto do impeachment, atingiram este resultado de 69% de pessoas entrevistadas considerando o governo ruim ou péssimo.

Chegou a um ponto que até as estatais criticam o governo. A “Folha de S. Paulo” publicou ontem os documentos enviados pelas geradoras elétricas federais à Aneel confirmando o que foi dito pelos analistas que criticaram a política que havia reduzido os preços: foi erro de gestão mais do que problema hidrológico o que as afetou e deixou um rombo de R$ 20 bilhões para absorverem. Eletrobras, Eletronorte e Furnas afirmam que a falta de correção no setor em 2014 se deve ao período eleitoral. Esse jogo aparentemente esperto do governo de reduzir a tarifa, fazer propaganda eleitoral e jogar a correção para depois das urnas levou ao tarifaço. Isso deixou as empresas em dificuldades, elevou a inflação que, por sua vez, aumenta a rejeição ao governo. A esperteza do marketing político é parte da ruína da presidente.

A pior conta da crise está desembarcando na casa das pessoas através do desemprego, que está em alta. Este é o período do ano em que a taxa para de subir e começa a cair prenunciando as contratações de fim de ano. Mesmo assim, o índice de agosto continuou em elevação. Quase nove milhões de brasileiros saíram de casa naquele mês procurando emprego e não encontraram. O erro foi não ter feito as mudanças estruturais que elevassem a competitividade do Brasil, aumentando o dinamismo econômico. Em vez disso, o governo adotou medidas de subsídios e isenções às empresas, que mascararam os problemas.

A rejeição é tal que atinge políticas que têm efeito positivo, como a de combate à pobreza. Chega a 68% de desaprovação. Em grande parte, é resultado do uso que foi feito do Bolsa Família durante as eleições e do entendimento da sociedade de que não há o necessário controle nas concessões dos benefícios. O item que recebe mais desaprovação é o dos impostos ( 90% desaprovam), seguido pelos juros, que recebem a rejeição de 89%. Mas a reação contrária da sociedade atinge as políticas de saúde, educação e segurança pública. O povo, pelo visto, está contra tudo isso que está aí, para usar uma velha expressão do PT.

Diante desse quadro, a presidente Dilma Rousseff decidiu fazer uma reforma ministerial que desse mais cargos ao PMDB e assim, supostamente, reduzisse o risco de interrupção do seu mandato. O que a presidente ainda não entendeu é que, enquanto sua rejeição for tão alta, permanecerá o risco. Ele não será afastado com manobras de gabinete que signifiquem aumentar o toma lá dá cá. Dilma precisa mostrar à sociedade que tem respostas contra a crise.

A conta fiscal chegou pesada. Em quatro anos de mandato, a presidente levou as finanças públicas ao colapso. O dado divulgado ontem pelo Banco Central faz o Brasil lembrar os países que estiveram no centro da crise financeira de 2008. O déficit nominal do setor público alcançou 9,21% do PIB em agosto. Nenhum governo do mundo consegue se sustentar com um rombo desse tamanho. Ele tem origem no descontrole fiscal, mas aumenta ainda mais pela alta dos juros, que não podem cair sob risco de disparar a inflação, e pelos swaps cambiais.

A situação é tão crítica que mesmo quando saem do cálculo esses gastos com juros e swaps, ainda assim o número fica no vermelho. O superávit primário se transformou em um déficit primário crônico. O problema das contas contraídas pelo governo Dilma é que o país é que terá de pagar.

Maria Cristina Fernandes - A Regência

• Dilma se manterá sob regência do PMDB e tutela lulista

- Valor Econômico

Serão sete, mas podem chegar a oito, nove, dez. Ao definir a participação do PMDB na reconfiguração do governo, o ministro se mostrava rendido aos fatos. Já não se trata mais de arbitrar a disputa entre PT e PMDB, mas aquela instalada na federação de interesses pemedebistas da Vice-Presidência, das presidências da Câmara e do Senado, do Rio de Janeiro, de Murici, Ananindeua e Ilha de Curupu.

Parece muito poder para um partido que tem 66 votos na Câmara mas conta, de fato, com apenas 50 deles. O partido vale mais do que pesa, mas o ministro ergue o polegar unido ao indicador para mostrar que a duração do mandato presidencial está nele pendurada.

Tão importante quanto a engorda do PMDB na reforma ministerial é a troca de cadeiras na Casa Civil. A escanteada de Aloizio Mercadante para a Educação é resultado de uma joint venture do partido com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Não há ilusão de que a troca vá afastar a presidente Dilma Rousseff de seu ministro predileto. Na narrativa oficial, a mudança visa a proteger Mercadante de um destino semelhante ao de Graça Foster. Lula assuntava ontem, por telefone, as reações do ministro ao rearranjo do governo. Pela proximidade com Dilma e pelo conjunto de informações que detém, Mercadante está preservado do degredo. Ao desidratá-lo, no entanto, é do seu próprio poder que a presidente abre mão em favor da joint-venture Lula-PMDB.

A mudança, há muito desejada por um e outro, foi precipitada pela nova investida em prol de um novo partido para o ministro das Cidades, Gilberto Kassab, mas guarda suas motivações originais no avanço da Lava-jato. Avalizada pela presidente da República, a incompreendida astúcia de Mercadante tem deixado o governo sob o emparedamento pemedebista desde a eleição para a Presidência da Câmara.

O PMDB reage a quem busca atalhos para escapar de seus pedágios, mas mata no peito suas subdivisões porque é delas que tira sua força. O surgimento de outra âncora de poder na célula fluminense do partido, capitaneada pela família Picciani e pelo governador Luiz Fernando Pezão, levou à reaproximação entre Michel Temer e o presidente da Câmara. A relação passava por sobressaltos desde que Eduardo Cunha, com currículo enriquecido por uma coleção de delatores, aqueceu o mercado de chantagens da capital federal.

A despeito das pressões pemedebistas e petistas, o ministro da Justiça era mantido, até ontem, a salvo da reforma. Teme-se a sinalização, frente à opinião pública, do que poderia vir a significar a demissão de José Eduardo Cardozo numa conjuntura de fatiamento da Lava-jato, mas o avanço da operação sobre o ex-presidente pressionará cada vez mais o ministro que tem por missão constitucional garantir a independência da Polícia Federal. Um operador do PMDB desabafou esta semana a um interlocutor governista sua inconformidade com a resistência da presidente e do seu ministro em condicionar os empenhos orçamentários da Polícia Federal aos desdobramentos da operação.

Com o fatiamento da Lava-jato, o PMDB do Rio, engordado pela reforma ministerial, terá a oportunidade de mostrar o poder de convencimento do partido sobre a força-tarefa a ser montada no Estado para conduzir o naco da operação que os advogados dos réus forem capazes de arrancar de Curitiba.

As dificuldades enfrentadas ontem pelo governo para por em votação os vetos presidenciais, a despeito do compromisso com os sete ministérios para o PMDB, são uma demonstração de que o Palácio do Planalto, a exemplo da queda de braço do Banco Central com o mercado, precisa ter reservas para queimar. José Eduardo Cardozo é um dos mais volumosos lotes de letras do Tesouro que a presidente pode vir a dispor nos leilões com o PMDB.

Para aumentar o naco dos pemedebistas e manter o compromisso de reduzir dez pastas, no entanto, a Controladoria-Geral da União deverá perder o status de ministério, abreviando os poderes da instituição que conduziu uma das mais exitosas iniciativas da era petista, a Lei de Acesso à Informação.

A nova configuração ministerial manterá intocado o titular da Fazenda, Joaquim Levy. O desafio irônico dirigido pelo ministro a Temer, no momento em que este exercia a Presidência da República e duvidou da aprovação da CPMF - "Ótimo, então ele quer a reforma da Previdência" - demonstra que o ministro ainda custa a se posicionar no novo concerto de forças entre Lula e o PMDB.

O senador Ricardo Ferraço (ES), dissidente pemedebista, compilou 64 operações de crédito do gênero autorizadas pela Fazenda no primeiro governo Dilma Rousseff que somaram R$ 30 bilhões. Como a capacidade de pagamento desses Estados e municípios agravada pela recessão, a conta corre o risco de ser federalizada, procedimento contra o qual Levy se insurgiu desde seu primeiro dia no cargo. Para conseguir receitas extras, o ministro será obrigado a concordar com novas despesas e fechar os olhos a pedaladas como o aval a empréstimos a Estados e municípios sem condições fiscais para honrá-los.

Buscava-se ontem no Palácio do Planalto a narrativa para o novo momento do governo. O mais próximo a que se chegou disso foi a formatação de um governo em busca da paz política para retomar a estabilidade da economia.

O governo contava com uma reforma ministerial que sinalizasse enxugamento para tentar reconquistar uma fatia da opinião pública. O esboço por ora é de um PMDB obeso num governo cada vez mais esquálido sob a regência do partido e a tutela de Lula. O adiamento da votação dos vetos presidenciais mostrou que a paz ainda custará a ser alcançada.

Duzentos anos depois, o Brasil está prestes a reeditar uma Regência invertida. É para poder entregar o poder daqui a três anos que a presidente da República se deixa tutelar.

Emparedado pela disputa entre as províncias e sua Corte, Pedro I abdicou em favor de seu filho de cinco anos. O período que se seguiu até que Pedro II chegasse à maioridade, foi marcado por crises financeiras, rebeliões populares e um permanente desafio das províncias à autoridade do poder central. Ao fim dos nove anos da Regência, Pedro II foi sagrado imperador. Seu tutor, José Bonifácio, acabaria preso pelos regentes.

Vinicius Torres Freire - Lula 3, governo provisório

• Ex-presidente "ajuda" Dilma na reforma ministerial, mas caldo na economia ainda ferve

- Folha de S. Paulo

Em cerca de 15 dias, Lula evitou o desmoronamento final de Dilma Rousseff. Tornou-se um regente provisório, cargo informal no qual pode durar dias, não se sabe, dadas as intermitências do coração da presidente, para dar um nome proustiano às inconstâncias dilmianas.

Parece novidade. Enquanto durar.

Faz duas semanas, Lula negocia de modo frenético um modo de esfriar a chapa do impeachment e de embananar a Lava Jato. Ao menos, parece ter conseguido dobrar Dilma Rousseff a render-se a grossas obviedades da política politiqueira.

A presidente já bebia água do terceiro volume morto do PMDB, mas foi Lula que abriu as torneiras de modo a matar sedes variadas do partido e, de quebra, dar uma regada no PDT e até no PSB.

Assim talvez pelo menos se adie o impeachment e se leve apoio no Congresso a fim de catar dinheiros para remendar o buraco nas contas do governo. No caso de a abdicação branca de Dilma Rousseff ser mais completa, se especula se Lula arranjaria algum plano mais ambicioso (menos medíocre e derrotado) de colocar ordem na economia (evitar novos desastres no curto prazo).

Quanto ao impeachment, o calendário do drama ainda está mantido. Ou seja, o TCU deve votar na semana que vem se acusa Dilma de crime fiscal. A oposição pretende desencadear testes da votação do impeachment no final de outubro. A festa do adeus (ao governo) do PMDB ainda está marcada para novembro.

Os empecilhos eram ainda ontem os mesmos. Isto é: 1) Elites do dinheiro muito divididas sobre a conveniência política, econômica e democrática de jogar o país no conflito do impeachment; 2) PSDB dividido; 3) PMDB dividido.

O PMDB pode desfazer o circo do impeachment. Tem até bancada no TCU, ministros vinculados à sigla.

Suponha-se que o PMDB pelo menos adie o início do show. Como fica, por exemplo, o remendo fiscal? Passam a CPMF, a apropriação do dinheiro do Sistema "S", o corte do reajuste dos servidores e o confisco das emendas parlamentares, que perfazem 80% do pacote? Ontem, ainda parecia difícil.

Sem tal dinheiro, que em si não resolve grande coisa, o caldo entorna um tanto mais. Mais ainda: o deficit vai ser bem maior que o previsto até "no mercado". Sem tal remendo, há risco renovado de paniquitos como o da semana passada, altas de juro, rebaixamento formal de crédito do governo etc., a bola de neve que engorda desde julho. Em suma, isso dá em recessão maior e mais profunda.

Não precisa ser assim. Seria até possível salvar 2016 se por um milagre aparecesse um plano de mudança econômica.

Mas nem a paz com o PMDB é certa. Ontem, Michel Temer se reuniu com a bancada do impeachment. É difícil saber de Eduardo Cunha, sangrando mortalmente no Petrolão. Apesar dos ataques, a Lava Jato está muito operante. A tensão no "mercado" ainda é brutal. A Petrobras, com reajuste e empréstimo do BB, tem um pé na cova.

Lula, reunido ontem com o PT, tentava animar torcidas dizendo que quer a turma na rua e crédito do BNDES para empresas. Além de jogar para suas galeras e além da política politiqueira, tentaria articular algum plano de recuperação econômica sério? Combinou com Dilma Rousseff? E o povo bestificado e esfolado na recessão?

Eugênio Bucci - Madrigais, futebol e política

- O Estado de S. Paulo

“É muito mais difícil escutar a música polifônica do que melodia acompanhada.” Assim escreveu Mário de Andrade, em 1936, num breve texto de apresentação de um concerto no Theatro Municipal. Naquele dia, 2 de março de 1936, o Municipal levou um Trio (violino, violoncelo e piano), de Beethoven, um Quarteto (dois violinos, uma viola e um violoncelo), de Borodine, e outras peças. E o poeta, completamente arrebatado por suas funções de formulador de políticas culturais, falava de cada uma delas para educar os ouvidos do povo paulista. Em linguagem simples e envolvente, explicava as características dos gêneros musicais, o modo como a estrutura clássica pode abrigar a voz de cada compositor e, mais ainda, as formas nacionais que esse compositor consiga garimpar na música popular.

O texto (que não foi assinado em sua publicação original) é mais uma pequena joia de Mário de Andrade – que acaba de ser republicada. Está nas páginas 126 e 127 do livro me esqueci completamente de mim, sou um departamento de cultura (tudo em minúscula, assim mesmo, como era do gosto dele), organizado por Carlos Augusto Calil e Flávio Rodrigo Penteado, lançado este mês pela Imesp. A preocupação didática – ou a obstinação cívica por “formar” e elevar o gosto do público – dá a tônica da prosa do escritor transfigurado em “departamento de cultura”. Mário dá uma aula.

Salienta que nos madrigais e nos corais que seriam apresentados, obras que ele chama de polifônicas, “há várias melodias cantadas ao mesmo tempo e combinadas entre si”, o que deveria ser ouvido como um desafio. O público brasileiro, ele afirma, teria mais familiaridade com as “canções a uma vos só”, ou a “melodia acompanhada”. Para esse público, as obras polifônicas não eram fáceis.

De repente, o pensamento de Mário de Andrade promove um salto magnífico. Quase nas linhas finais, fere o nervo da mentalidade brasileira e dispara uma frase que, sem pecar pelo vício da generalização, consegue ser totalizante. Depois de constatar que “é mais difícil”, para o público paulistano de seu tempo, “escutar música polifônica”, ele dá sua explicação – de fundo bem modernista, aliás – para essa “dificuldade”. Eis o que diz: “O nosso povo tem o defeito grave de ser muito individualista e por isso em vez de se apaixonar e lutar pelos grandes ideais de todos juntos, cada qual cuida de si e vive se lastimando dos seus sacrifícios pessoais. Isso é egoísmo e falta de compreensão da humanidade”.

O autor já consagrado de Macunaíma – obra-prima que havia sido lançada oito anos antes, em 1928 – pressente dentro dos ouvidos da gente brasileira a presença de seu “herói sem nenhum caráter”. É assim que, por meio de partituras, revela as linhas tortuosas da civilização nacional – se é que isso existe ou existiu. Para ele, o público estaria por demais aprisionado pelas narrativas egocêntricas, pelo exibicionismo de heróis solitários e salvadores (inclusive os sem caráter) e, por isso, não teria os requisitos para apreciar melodias distintas que se desenrolam simultaneamente numa mesma peça, sem que uma tenha de emudecer a outra para se fazer ouvir.

Numa extrema concessão ao didatismo, o poeta que virou departamento de cultura apela para o futebol. Sugere que quem olha para um jogo e nele enxerga apenas a atuação do artilheiro vê dentro do campo um espetáculo que lembra a melodia acompanhada. De outro lado, quem for capaz de desfrutar a beleza do movimento coletivo dos atletas, movendo-se como equipe, terá condições de vislumbrar uma polifonia no gramado.

Deixando de lado a exótica modalidade desportiva a que chamam futebol – que não era o forte de Mário de Andrade, para nossa sorte –, a comparação entre a falta de formação para ouvir música e a “falta de compreensão da humanidade” não perdeu um fiapo que seja de sua atualidade. Não apenas ainda é procedente, como ganhou uma certa carga de urgência, de dramaticidade. À luz (ou à sombra) do espetáculo político a que estamos submetidos, o velho texto do poeta modernista alcança sentidos menos folclóricos e mais reais. O “egoísmo” de que nos fala Mário de Andrade parece ter-se agigantado, acometendo hoje não apenas os ouvintes incultos, que somos todos nós, mas também, e principalmente, os maestros, que são aqueles que nos governam ou deveriam credenciar-se para nos governar.

Tanto os que se encontram instavelmente instalados nas dependências dos cargos executivos como aqueles que supostamente fazem oposição estão acometidos do “defeito grave de ser muito individualistas e por isso em vez de se apaixonar e lutar pelos grandes ideais de todos juntos”. Olhando para eles, logo vemos que “cada qual cuida de si e vive se lastimando dos seus sacrifícios pessoais”. A conclusão não demora a falar por si: “Isso é egoísmo e falta de compreensão da humanidade”.

Se você puxar um pouco pelo acúmulo de cultura política de que dispõe (certamente dispõe, ou não estaria aqui, agora, a lutar pacientemente com estas mal traçadas), vai se dar conta de que a utopia democrática é mais ou menos análoga à descrição que Mário de Andrade faz do desafio da polifonia musical. Sob as mesmas claves de fá e de sol, itinerários melódicos distintos podem coexistir sem ter de desejar se exterminar reciprocamente. Não há democracia sem vozes dissonantes, ou sem percursos atonais, isso é certo, mas também não há democracia sem um mínimo de pentagramas comuns.

É por aí que vemos que a coisa por aqui anda difícil: os maestros estão pondo fogo nos pentagramas. O governo diz que toda a oposição é golpista. A oposição diz que todo mundo no governo é estelionatário, usurpador e, não nos esqueçamos, ladrão. São agentes do ensurdecimento nacional.
Mário de Andrade queria educar o povo que não sabia ouvir. Hoje temos de educar os líderes que não sabem tecer a polifonia democrática.

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Eugênio Bucci é jornalista, é professor da ECA-USP

Dilma entrega os pontos – Editorial / O Estado de S. Paulo

A negociação da reforma ministerial motivada pela necessidade da presidente Dilma Rousseff de garantir uma base de sustentação mínima para aprovar o reajuste fiscal e, principalmente, impedir seu impeachment já passou da fase de escancarado toma lá dá cá, da barganha pura e simples de cargos por apoio. Agora, como decorrência do crescente enfraquecimento político da presidente, provocado por sua própria incompetência política, o que deveria ser uma negociação se transformou em patética rendição de Dilma Rousseff à chantagem que lhe é imposta sem o menor escrúpulo pelo voraz apetite fisiológico do PMDB e – esta é a novidade – à vontade de quem comanda efetivamente o partido do governo: Luiz Inácio Lula da Silva.

Enquanto teve forças, Dilma tentou manter pessoas de sua confiança nos postos-chave do primeiro escalão, principalmente na equipe que a cerca no Planalto. Acabou cedendo, por um lado, à cobiça dos peemedebistas por órgãos com orçamentos robustos e, por outro lado, à evidência de que não poderia contar minimamente com o apoio de seu próprio partido enquanto não se curvasse às exigências do chefão da tigrada.

Derrotada, Dilma tomou duas decisões que simbolizam, na prática, a transferência, em comodato, da Presidência da República: entregou o Ministério da Saúde, o maior orçamento da Esplanada, ao baixo clero do PMDB na Câmara e a Casa Civil a um homem de confiança de Lula, o ex-governador da Bahia e atual ministro da Defesa, Jaques Wagner.

A entrega do Ministério da Saúde nas condições em que está ocorrendo demonstra o enorme despudor das hienas do PMDB que se lançaram com avidez sobre os despojos de um governo moribundo. Isso é consequência, também, da mentalidade política que predominou em certos círculos próximos do poder e que foi cevada pelas práticas viciosas do projeto de poder urdido pelo lulopetismo. Enquanto pôde, o PT tripudiou sobre seus aliados no tal “presidencialismo de coalizão”. Agora, em crise, recebe o troco.

Lula, por sua vez, depois de ter amargado e sofrido, nem sempre em silêncio, com a teimosia e a crescente ousadia de sua criatura de ganhar vida própria, está se reconciliando com o alto conceito que tem de si e, com isso, alimenta esperanças crescentes de que possa tirar ele próprio e o PT da beira do abismo em que se encontram.

Ocorre que as manobras em curso para a reconfiguração da cena política, destinadas a proporcionar maior sobrevida a um governo desmoralizado, são contraditórias entre si mesmas.
Dilma já sabe que, para não ser definitivamente engolfada pela crise – pois aprendeu depois de apanhar muito –, precisa, primeiro, colocar as contas do governo em ordem, para depois, a partir de bases minimamente sólidas, partir para o enorme desafio da retomada do crescimento e da ampliação dos programas sociais.

A austeridade necessariamente implícita nas medidas do ajuste fiscal, no entanto, conflitam claramente com os interesses das forças partidárias ditas aliadas – inclusive, é claro, o PMDB –, que por cálculo eleitoral tenderão a não apoiar propostas impopulares. O próprio PT jamais disfarçou sua oposição ao ajuste fiscal e à “política econômica” que alega estar em vigor. Agora, com Dilma cedendo pontos a Lula, o partido estará muito mais à vontade para “defender os interesses dos trabalhadores”.
Isso quer dizer que Dilma, entregando os anéis para salvar os dedos, não tem a menor garantia de que doravante contará com apoio no Parlamento. Como afirmou recentemente Fernando Henrique Cardoso, ela “não governará, será governada”.

Ao PMDB, a ampliação de seus domínios na Esplanada dos Ministérios pode significar apenas um ensaio para o pós-Dilma. Para Lula e o PT, a ampliação da influência do PMDB no governo pode propiciar, no limite, um bom pretexto para sair da defensiva e partir para o ataque, o que é sempre a melhor tática, em termos eleitorais. Em qualquer caso, Dilma permanece num beco sem saída.

Só investigação esclarecerá ‘lobby’ de Lula – Editorial / O Globo

• E-mails apreendidos na sede da Odebrecht reforçam denúncias de que o ex-presidente se empenhou mais do que o aconselhável na defesa da empresa

Admita-se que no presidencialismo brasileiro, em que o poder da caneta do chefe do Executivo é imenso, proporcional à capacidade que tem o Estado de favorecer empresas bem relacionadas em Brasília, Lula não tenha sido o primeiro a passar pelo Planalto em meio a nuvens de suspeição.

A diferença é que, com o tempo, os rumores se transformaram em indícios, fortalecidos com a apreensão pela Polícia Federal, em junho, na sede da Odebrecht, em São Paulo, de e-mails que indicam intromissão de uma empresa privada em atos de Estado. E, por parte de Lula e também Dilma, uma indesejada permissividade no relacionamento com executivos da empreiteira. A começar pelo próprio Marcelo Odebrecht, preso em Curitiba, na Operação Lava-Jato.

Não se discute que governos de países em que há empresas que disputam concorrências no exterior atuam para que licitações sejam arrebanhadas por compatriotas. Mas deve haver uma linha divisória entre os interesses de Estado e de empresas privadas, além de cuidados para que governantes não sejam vistos como lobistas, geralmente bem remunerados.

O discurso de defesa de Lula vai nesta direção: o ex-presidente nada mais fez do que, como vários chefes de Estado, atuar no exterior a fim de trazer negócios para o Brasil.

Alguns dos e-mails transmitidos pela Odebrecht, até do próprio Marcelo, na prática converteram o Planalto numa espécie de escritório avançado da empreiteira. Com interesses em Angola, por exemplo, nas proximidade de uma visita do presidente angolano, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, Marcelo pediu a Lula que enaltecesse o papel de José Eduardo como “pacificador e líder nacional”, e lembrasse a atuação de empresas brasileiras em Angola, em especial a sua. Não deve ter sido coincidência que, no dia seguinte, ao recepcionar José Eduardo, Lula, em discurso, afirmou que o colega soubera “liderar Angola na conquista da paz.”

A julgar pelos e-mails divulgados, parece haver farto material em que Lula é instruído a defender interesses comerciais da empreiteira em seus contatos com dirigentes estrangeiros. Tudo fica ainda mais apimentado com um e-mail de resposta a um executivo da empreiteira em que o então ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge garante que o “PR” (presidente da República) “fez o lobby”. Tratava-se de defender junto ao governo da Namíbia o consórcio brasileiro da qual a Odebrecht participava na disputa pela construção de uma hidrelétrica.

Esta clara ingerência da Odebrecht no Planalto se soma a tudo o que foi descoberto até agora pela Lava-Jato e serve de forte justificativa para que haja séria investigação sobre este “lobby”. Não pode pairar a suspeita de que o Brasil virou uma republiqueta de banana em que um telefonema libera bilhões do BNDES, em nome dos “interesses nacionais”.

Um alerta sobre o elevado endividamento de empresas – Editorial / Valor Econômico

O Fundo Monetário Internacional voltou a repisar o alerta: os países emergentes devem se preparar para o risco de falências das empresas muito endividadas em dólar, em um momento de instabilidade em alta. Ao longo de dez anos, a dívida desses países quadruplicou, passando de US$ 4 trilhões em 2004 para US$ 18 trilhões no ano passado, um aumento que se acelerou após 2009, com a enorme liquidez despejada nos mercados pelo afrouxamento monetário do Federal Reserve e, depois, pelo Banco Central Europeu e Banco do Japão. As empresas, por seu lado, trocaram uma parte de seu endividamento, deslocando-a dos empréstimos para títulos da dívida. Com isso, a fatia da dívida em bônus nos débitos totais deu um salto de 9% para 17% no período. Agora a liquidez em alguns mercados está diminuindo para os emergentes, adverte o Fundo, e pode, em um ambiente incerto como o atual, quando o Fed prepara-se para elevar os juros, simplesmente "evaporar".

A facilidade em tomar empréstimo a taxas de juros baixas aumentou a alavancagem das empresas, que passam a correr riscos maiores quando os juros voltarem a subir e a liquidez se estreitar. Empresas de países emergentes, como o Brasil, cessaram a captação de bônus aos primeiros sinais da desvalorização cambial. A perda do grau de investimento colocou um obstáculo adicional às emissões, ampliando a cautela de investidores já ariscos, enquanto que o custo do crédito subiu junto com os preços do seguro contra calote, particularmente agudo no caso do Brasil.

A desaceleração dos países emergentes, após um período de grande expansão do crédito externo e, em vários países importantes, também do crédito doméstico - conjunção que, segundo o FMI, esteve presente em todas as crises recentes - esmaeceu o brilho que tinham aos olhos de investidores em busca de maiores retornos.

Um dos efeitos foi que endividar-se ficou bem mais caro - na verdade mais caro até que no período do "taper tantrum", quando o Fed insinuou que encerraria o período de estímulos monetários adicionais e as turbulências tomaram conta dos mercados. Os bônus de empresas emergentes então mal chegaram a pagar 6,5% e agora, pelo EMBI Global do JP Morgan, o custo médio atingiu 6,65%.

Um segundo efeito foi que com o aumento do risco e a baixa performance econômica, principalmente da China e do Brasil, os investidores começaram a retirar dinheiro de suas aplicações. Segundo o Institute of Internacional Finance (IIF), que reúne os grandes bancos internacionais, o terceiro trimestre do ano marcou a maior saída de capitais dos emergentes desde a crise de 2008. Foram US$ 40 bilhões (ante US$ 100 bilhões em 2008), divididos entre US$ 21 bilhões em bônus e US$ 19 bilhões em ações.

O ímpeto de valorização do dólar trouxe um problema adicional para as empresas com dívidas importantes em moeda forte. No caso do Brasil, a desvalorização do real foi exagerada e em grande parte impulsionada por fatores domésticos: da relutância em realizar um ajuste fiscal à crise política que ameaça pôr fim ao governo da presidente Dilma. Embora o país tenha reservas confortáveis e o grosso do endividamento seja de longo prazo, a disparada do dólar elevou a alavancagem das companhias para muito além da zona de conforto.

Segundo a empresa de rating Fitch, a alavancagem média das empresas brasileiras deverá encerrar o ano em 4,5 vezes, medida pela razão entre dívida líquida e o resultado antes do Ebitda (Valor, 26 de setembro), quando um índice de 3 é considerado prudente por analistas e investidores. Em junho de 2014, era de 2,4 vezes. Estimativas do Bank of America Merrill Lynch são mais preocupantes, ao indicar alavancagem de 5, pouco acima do nível de 2002, quando Lula se elegeu presidente.

A fatia que corre mais riscos financeiros é formada pelas empresas que possuem débitos em dólar, não fizeram hedge, nem são exportadoras. Esse conjunto, considerado bastante limitado pelo Banco Central, detinha em junho de 2014, 16,8% do total das dívidas, envolvendo uma exposição de 2,9% do PIB.

A situação econômica doméstica de lá para cá piorou muito e novas e prolongadas valorizações do dólar alargarão ainda mais as despesas, enquanto as receitas caem em um ambiente recessivo. Há dificuldades à vista. Até há pouco, os avisos da escalada dos riscos do endividamento das empresas feitos pelo FMI e BIS não chamaram muita atenção no Brasil. Agora acenderam o sinal de alerta.

O fim do ‘milagre petista’ – Editorial / O Estado de S. Paulo

Quando uma consultoria britânica informou, em dezembro de 2011, que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil medido em dólar havia superado o do Reino Unido e se tornado o sexto maior do mundo, o governo petista não conteve seu entusiasmo. O então ministro da Fazenda, Guido Mantega, vaticinou: “O Fundo Monetário Internacional prevê que o Brasil será a quinta economia em 2015, mas acredito que isso ocorrerá antes”. Mantega disse considerar “inexorável” que o País superasse a França e, “quem sabe”, até a Alemanha.

Na época, o País vinha de um crescimento de 7,5% em 2010 e, mesmo diante da crise que abalava a Europa, o governo estimava uma expansão entre 4% e 5% em 2012. Consolidava-se no imaginário lulopetista a sensação de que bastava o voluntarismo estatista, tão caro ao PT, para impulsionar o desenvolvimento brasileiro como “nunca antes na história deste país”, conforme gabava-se o messias Lula da Silva.

Hoje, ruiu o edifício sobre o qual se assentavam as certezas da turma petista. Não passou de uma miragem a perspectiva, tantas vezes anunciada por Lula nos palanques dos quais nunca desceu, de que o Brasil estava finalmente prestes a atingir o Primeiro Mundo – e ainda, de lambujem, promover a “justiça social”. Esse fracasso da política econômica lulopetista ficou ainda mais evidente quando a agência de classificação de risco Austin Rating informou, há dias, que o Brasil, hoje a oitava economia do mundo, passará a ser a nona no ano que vem.

Pode-se explicar essa queda no ranking das maiores economias como consequência da forte desvalorização do real ante o dólar, reduzindo o PIB medido na moeda americana. Mas essa é apenas a causa imediata. A razão de fundo, salientada pela Austin, é que ficou claro que o Brasil “não consegue sustentar seu crescimento econômico”.

Mesmo a alta do dólar não é apenas conjuntural. Ela se dá em razão, principalmente, da grave deterioração das contas nacionais, cuja origem está no segundo mandato presidencial de Lula, agravando-se no primeiro mandato de sua pupila, Dilma Rousseff. O desastre causado pela irresponsabilidade fiscal da dupla Lula-Dilma ainda está por ser inteiramente contabilizado, mas é certo que a ilusão da época em que tudo era possível, desde que houvesse “vontade política”, já pode ser medida pela decadência do Brasil entre as maiores economias do mundo.

O País deverá ser ultrapassado pelo Canadá, que, embora também esteja em recessão, certamente não é visto pelo mercado com a mesma desconfiança reservada ao Brasil. O problema brasileiro é que o crescimento, quando houve, resultou muito mais de uma conjuntura externa favorável do que dos méritos da administração petista. Ficou claro que o Brasil não aproveitou as chances que teve para transformar aquela expansão episódica em crescimento sustentável, especialmente por causa das idiossincrasias de Dilma em relação aos investimentos privados e ao apego da petista à ideia de que o Estado deve ser o motor do desenvolvimento.

O fim do “milagre petista”, que não durou nem três anos, terá especial impacto justamente sobre os mais pobres. A violenta deterioração da economia, traduzida pela desvalorização do real, eleva a inflação, reduz a atividade produtiva e aumenta o desemprego, fatores que afetam mais aqueles que não têm reservas. Uma pesquisa recente da Federação do Comércio de São Paulo informou que, nos últimos 12 meses, 2% das famílias brasileiras regrediram socialmente – ou passaram da classe C para a D, ou da classe D para a E.

Mesmo que o PIB brasileiro se mantivesse entre os maiores do mundo, isso não significaria necessariamente que as grandes deficiências do País estariam superadas, pois a concentração da riqueza ainda é muito acentuada. No entanto, quando o PIB despenca, as chances de resgatar os mais pobres ficam ainda mais remotas. Esse é o grande legado do modo petista de governar.

Daúde / Alceu Valença - Como dois animais

Carlos Drummond de Andrade - Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Opinião do dia – Aécio Neves

A forma como a presidente da República está distribuindo nacos de poder, como numa feira livre, distribuindo para quem der a melhor oferta, áreas de tamanha relevância para a vida dos brasileiros, como o Ministério da Saúde, sendo trocado por 20, 30 votos, o Ministério da Infraestrutura por outros 10 votos, é a negação de tudo que o Brasil precisava estar vivendo. Essa reforma ministerial, pelo que se anuncia, terá como resultado a entrega de áreas importantes do governo em troca de alguns votos no Congresso Nacional.
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Aécio Neves é senador (MG) e presidente nacional do PSDB. Entrevista na TV e rádio, Brasília, 29 de setembro de 2015.

‘ O PR fez o lobby’

• E- mail de ex- ministro revela que Lula atuou em favor da Odebrecht

Documentos apreendidos pela Polícia Federal mostram tentativas do presidente da empreiteira de influenciar ações do Planalto. Instituto Lula diz que atuação foi ‘ lícita, ética e patriótica’

E- mails apreendidos pela Polícia Federal na sede da Odebrecht, no âmbito da Lava- Jato, detalham a relação entre a empreiteira e o Palácio do Planalto nos governos Dilma Rousseff e Lula. Nas mensagens, Marcelo Odebrecht, presidente da construtora, hoje preso em Curitiba, sugere o que deveria ser dito por Lula e Dilma a chefes de Estado, em viagens oficiais. Em pelo menos um caso, o ex- presidente repete em discurso o tema proposto pelo empresário. Em email a executivos da construtora, em 2009, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, confirma que Lula atuou em favor da empresa junto a líderes estrangeiros. “O PR fez o lobby”, diz o texto. O ex- ministro disse que presenciou Lula, ao menos “meia dúzia de vezes”, vendendo empresas brasileiras a outros chefes de Estado, de forma “transparente”. O Instituto Lula disse que a atuação foi “lícita, ética e patriótica”.

Lobby documentado

• E-mails apreendidos pela PF revelam a influência do presidente da Odebrecht junto a Lula e Dilma

Renato Onofre, Thiago Herdy e Cleide Carvalho - O Globo

- SÃO PAULO- E- mails apreendidos pela Polícia Federal nas buscas realizadas na sede da Odebrecht em São Paulo, em junho deste ano, no âmbito da Operação Lava- Jato, mostram uma relação de influência da empreiteira junto ao Palácio do Planalto, durante os governos de Dilma Rousseff e Lula Inácio Lula da Silva. Nas mensagens, o presidente da construtora, Marcelo Odebrecht, tenta interferir diretamente no que será dito pelos presidentes a chefes de Estado de outros países. Em alguns casos, a pressão surte efeito. Em mensagem para executivos da construtora, em 2009, o então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, afirmou que Lula fez lobby pela empresa em um dos encontros com líderes estrangeiros. Em mensagem apreendida pela PF, Miguel Jorge escreveu: “O PR ( presidente da República) fez o lobby”.

Os documentos mostram que o chefe de gabinete de Lula na época, Gilberto Carvalho, era um dos elos entre a Odebrecht e o presidente, de acordo com a interpretação da PF. Carvalho nega. Para os investigadores, o ex- chefe de gabinete, que tem uma ligação forte com a Igreja Católica, é o “seminarista” a quem Marcelo Odebrecht se refere em mensagens. No governo Dilma, o papel que era do “seminarista” passou a ser cumprido por Giles Azevedo, chefe de gabinete da presidente, e Anderson Dorneles, assistente pessoal de Dilma. Os dois também recebiam mensagens enviadas diretamente por Marcelo Odebrecht, em nome dos interesses da empresa.

Em 5 de junho de 2012, quatro dias antes de encontro de Dilma com o presidente da República Dominicana, Danilo Medina, Marcelo encaminhou a Giles e a Anderson uma nota com sugestões para a pauta da reunião. No documento, ele diz ser importante Dilma “reforçar” dois pontos na conversa: “A confiança que tem na Organização Odebrecht em cumprir os compromissos assumidos” e “a disposição de, através do BNDES, continuar apoiando as exportações de bens e serviços do Brasil, dando continuidade aos projetos de infraestrutura prioritários para o país”.

Financiamento para duas usinas
O GLOBO verificou que o encontro com Medina constou da agenda oficial da presidente em 2012. Não foi possível estabelecer se Dilma usou as sugestões de Marcelo. Em entrevista depois do encontro, o presidente da República Dominicana disse ter recebido aceno do governo brasileiro favorável à concessão de financiamento para construção de duas usinas no país. O projeto seria contemplado dois anos depois, ao custo de US$ 656 milhões. De US$ 2,5 bilhões emprestados pelo BNDES a empresas brasileiras entre 2003 e 2015 para contratos na República Dominicana, US$ 2 bilhões foram destinados a projetos desenvolvidos pela Odebrecht.

As mensagens de Marcelo Odebrecht para Lula eram enviadas por intermédio de Alexandrino Alencar, o diretor da empreiteira mais próximo ao petista. Alencar foi preso na Operação Lava- Jato, assim como Marcelo. As recomendações eram dadas por meio de documentos que tinham o mesmo título: “Ajuda memória”. Em 2 de maio de 2005, na véspera de uma visita do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, ao Brasil, Marcelo Odebrecht pediu a Lula que reconhecesse o papel de Santos como “pacificador e líder regional”, e que fizesse menção às ações realizadas por empresas brasileiras em Angola, com destaque para a Odebrecht.

“Dr. Alex, aqui está o documento. Dr. Marcelo pede- lhe a gentileza de encaminhar ao seminarista”, escreveu Darci Luz, secretária de Marcelo, a Alexandrino Alencar. No dia seguinte, Lula recebeu Santos com um discurso em que mencionou a forma como ele “soube liderar Angola na conquista da paz”, e saudando- o por sua “perseverança e visão de futuro”. No discurso, Lula citou o projeto de construção da hidrelétrica de Capanda, mencionado no mesmo e- mail de Marcelo Odebrecht como um exemplo da cooperação entre os dois países: “Reforçamos, assim, um mecanismo financeiro que tem sido o grande motor da expansão dos investimentos brasileiros em Angola. A hidrelétrica de Capanda, símbolo maior da presença econômica brasileira em Angola, não teria sido possível sem a linha de crédito ( do BNDES)”, discursou Lula.

“Pedido que Lula deve fazer por nós”
Ao ser convidado por Lula para um almoço com o chefe de Estado da Namíbia, em Brasília, em fevereiro de 2009, Marcelo Odebrecht respondeu com cópia para seus diretores: “Pode ser uma boa oportunidade em função de nossa hidrelétrica ( Capanda). Seria importante enviar uma nota memória antes via Alexandrino, com eventualmente algum pedido que Lula deve fazer por nós”.

As mensagens captadas pela PF mostram que horas antes do almoço, o executivo da Odebrecht Marcos Wilson escreveu ao então ministro Miguel Jorge pedindo que Lula manifestasse a líder da Namíbia “sua confiança na capacidade desta multinacional brasileira chamada Odebrecht” assumir o projeto de uma hidrelétrica binacional na África. Miguel Jorge respondeu:

“Estive e o PR fez o lobby. Aliás, o PR da Namíbia é quem começou, disse que será licitação, mas que torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado”.

Os estudos de viabilidade da usina hidrelétrica Baynes, a ser construída na fronteira entre Angola e Namíbia, foram realizados por consórcio formado pelas estatais Furnas e Eletrobras e por Engevix e Odebrecht. O contrato foi assinado um ano antes da reunião mencionada nas mensagens. Apesar do pedido de Lula, o projeto ainda não saiu do papel, segundo a Odebrecht.

Integrante de comitivas do ex- presidente Lula em viagens à África, o empresário José Carlos Bumlai, amigo de Lula, também é citado nas mensagens de Marcelo como motivo de preocupação. Em 2011, executivos informaram a Marcelo Odebrecht presença do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, em evento com a participação de Lula, que na época já não era mais presidente.

“Importante não deixar o pecuarista solto por lá”, diz o executivo da Odebrecht, numa menção a Bumlai, que ficou famoso como agropecuarista e tinha interesse em investimentos na África.

“Alexandrino vai estar colado no Lula e no pecuarista todo o trajeto”, respondeu Marcelo.

As mensagens mostram, ainda, o presidente da Odebrecht participando ativamente dos pormenores de discussões sobre contratos da Petrobras e relacionamento da empresa com diretores que hoje são investigados na Lava- Jato. Em 2008, Marcelo Odebrecht discutiu com Pedro Barusco, gerente de engenharia da estatal hoje acusado de corrupção, o programa de construção de sondas.

Nos relatórios de perícia dos documentos, a PF ressalta que a análise apresentada nos autos em relação a todos esses e- mails é “preliminar”, e tem “o intuito de se identificar questões relevantes, que posteriormente serão aprofundadas ou complementadas”.

O seminarista
Para a PF, o ex- chefe de gabinete da Presidência Gilberto Carvalho era um dos elos entre a Odebrecht e Lula. Ligado à Igreja Católica, ele seria o “seminarista” citado nos e- mails. Na véspera de encontro de Lula com o presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, Marcelo Odebrecht solicita que Alexandrino Alencar encaminhe sugestões da Odebrecht para Lula por meio de Gilberto Carvalho, identificado como “seminarista” no e- mail. A secretária de Marcelo, Darci Luz Nadeu, envia o pedido do dono da empreiteira com um anexo no qual recomenda elogios ao presidente.

O Alvorada

• ‘ Essa palavra lobby, depois do escândalo, passou a ser muito pejorativa’

Em mensagem, Marcelo Odebrecht ofereceu ao então presidente da Vale, Roger Agnelli, ajuda para escolher o piso do pátio do Alvorada. A empresa fazia obras no Palácio. - SÃO PAULO- A assessoria do Instituto Lula classificou de “lícita, ética e patriótica” a atuação do ex- presidente Lula ao defender os interesses de empresas brasileiras no exterior. A atuação de Lula foi revelada em e- mails apreendidos pela Polícia Federal durante a busca e apreensão na construtora Odebrecht.

“Em seus dois mandatos, Lula chefiou 84 delegações de empresários brasileiros em viagens por todos os continentes. A diplomacia presidencial contribuiu para aumentar as exportações brasileiras de produtos e serviços, que passaram de US$ 50 bilhões para quase US$ 200 bilhões, e isso representou a criação de milhões de novos empregos no Brasil”, escreveu a assessoria de Lula, que atacou a imprensa:

“Só uma imprensa cega de preconceito e partidarismo, poderia tentar criminalizar um ex- presidente por ter trabalhado por seu país e seu povo”.

“Sem sacanagem”
No texto, a assessoria afirma haver uma “repetitiva, sistemática e reprovável tentativa de alguns órgãos de imprensa e grupos políticos de tentar criminalizar a atuação lícita, ética e patriótica do ex- presidente na defesa dos interesses nacionais, atuação que resultou em um governo de grandes avanços sociais e econômicos, com índices recorde de aprovação”.

Por telefone, o ex- ministro Miguel Jorge admitiu a troca de mensagens com os executivos da Odebrecht. Ele afirmou que presenciou pelo menos “meia dúzia de vezes” o ex- presidente Lula vendendo empresas brasileiras a outros presidentes.

— Essa palavra lobby, depois deste escândalo, passou a ser muito pejorativa. O que esses caras ( investigados na Lava- Jato) fizeram não foi lobby, foi corrupção. Agora, é absolutamente natural um presidente de um país atue no interesse em um consórcio de empresas brasileiras, das quais duas eram estatais. Ainda mais em uma situação importante de uma obra de não sei quantos bilhões de dólares. Isso foi feito de maneira absolutamente transparente, sem nenhuma sacanagem no meio — garantiu o ex- ministro.

“Lula, um caixeiro viajante”
O ex- chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, disse em nota “negar categoricamente que recebeu diretamente de Marcelo Odebrecht ou Alexandrino Alencar qualquer sugestão para discursos em agendas internacionais ou assuntos relativos à Odebrecht”.

Segundo Carvalho, “o presidente Lula sempre expressou que queria se transformar em um caixeiro viajante do Brasil”, por isso, em viagens, “sempre fez questão de convidar muitos empresários, realizando reuniões nos países visitados na perspectiva de abrir novas negociações para empresas brasileiras; a Odebrecht foi uma dentre muitas”, afirmou.

Por meio de nota, a Odebrecht informou que “os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional “legítima e natural” da empresa e sua participação nos debates de projetos estratégicos para o país — nos quais atua, em especial como investidora”.

A empresa disse lamentar a divulgação das mensagens nos processos contra a Odebrecht, por considerar que os e- mails não têm “qualquer relação com o processo em curso”.

O GLOBO perguntou à assessoria da Presidência se era comum a presidente Dilma Rousseff receber mensagens de Marcelo Odebrecht orientando seu discurso e se ela acatava as sugestões. O governo apenas divulgou nota informando ser “de interesse do país que empresas se internacionalizem e exportem seus serviços”. “Essa é uma prática usual em todos os países, assim como é comum que integrantes do governo se reúnam com empresários nacionais para ouvir contribuições na definição da agenda econômica internacional”, escreveu a assessoria da Presidência.

A fritura

• Empreiteiro também decidia presentes dados em nome da empresa

Em e- mail a executivos, o presidente da Odebrecht critica nome cotado para cargo no Ministério de Minas e Energia: “Caso não haja condições, melhor queimá- lo logo.” As preocupações de Marcelo Odebrecht não se limitavam à Presidência da República. Nos e- mails interceptados pela PF, o empresário discutia desde o monitoramento de ministros que não tinham pensamento convergente com o interesse da construtora até o melhor revestimento do piso para o Alvorada. Marcelo também estava atento às relações da empresa no exterior. Ele mesmo ajudou a definir quais os presentes seriam levados em nome da empresa a autoridades cubanas, entre elas o presidente Raúl Castro.

Marcelo observava atentamente a movimentação no governo. O ex- ministro de Minas e Energia Nelson Hubner, que ficou interinamente no cargo de maio de 2007 a janeiro de 2008, foi alvo da atenção do empresário. Tudo por conta da atuação de Hubner no leilão da Usina de Santo Antônio, do Rio Madeira, que interessava à construtora. Marcelo Odebrecht escreveu: “Alex, o Hubner está querendo jogar o PR ( presidente Lula) contra nós. Importante você fazer essa mensagem chegar no seminarista ( Gilberto Carvalho) ainda hoje”.

Por influência ou não da Odebrecht, Hubner deixou o cargo. Após a saída dele, um dos funcionários da Odebrecht escreve sobre os nomes que podem assumir a secretaria executiva da pasta. Eles avaliam o nome do ex- presidente da Eletronorte José Antônio Muniz Lopes. Um diretor da Odebrecht menciona a proximidade de Muniz Lopes com a Camargo Corrêa, o que preocupava Marcelo, que escreve: “Existe ( sic) condições pelo histórico de trazê- lo para o nosso lado, ou pelo menos deixá- lo neutro? Caso não haja condições, é melhor queimá- lo logo”, orienta.

Marcelo também tinha interesse na rotina do Alvorada. Em outubro de 2007, numa outra troca de e- mail com o então presidente da Vale, Roger Agnelli, ele sugeriu ajudar na reforma do local. “Vamos evoluir na reforma do pátio do Alvorada? Se precisar de ajuda para definir qual pedra é a mais adequada, me avise”. A Vale fazia obras no Alvorada na época.

Amenidades também passavam pelo crivo de Marcelo. Em maio de 2011, às vésperas de viagem com Lula ao Porto de Mariel, em Cuba, o empresário definiu com funcionários quem receberia presentes da empreiteira na viagem. O 1 º da lista era o presidente Raúl Castro, que faria aniversário em 3 de junho. Os também seriam dados a Pedro Perera, das Forças Armadas de Cuba; Rodrigo Malmierca, ministro do Comércio Exterior de Cuba; e ao embaixador brasileiro no país, José Felício.

A arte de pressionar

• Lobistas ganham para defender interesses e influenciar decisões

- O Globo

O termo lobby, que traduzido do inglês para o português quer dizer saguão ou antessala, ganhou novo significado na política. A palavra também é usada para designar a atividade de pressão sobre políticos ou poderes públicos, influenciando- os em decisões que beneficiarão pessoas, grupos, partidos ou instituições. Em geral, o pagamento pela atividade é calculado a partir dos valores dos negócios fechados. O lobby não é atividade regulamentada no Brasil, e se for praticada mediante concessão de benefícios ou vantagens pessoais, pode ser interpretada como tráfico de influência.

É isso que é investigado em inquérito da Procuradoria da República no DF, que apura se o ex- presidente praticou tráfico de influência internacional, crime incluído no Código Penal em 2002. Telegramas diplomáticos trocados entre chefes de postos brasileiros no exterior e o Ministério das Relações Exteriores, entre 2011 e 2014, revelados em julho, indicam que as atividades de Lula em favor da Odebrecht no exterior foram além de palestras. Os documentos apontam que Lula atuou em duas ocasiões para beneficiar a empresa. A investigação quer saber se o lobby foi remunerado. O Instituto Lula alegou, à época, que as palestras foram pagas.

E-mails indicam apoio de Lula à Odebrecht

• Em mensagem de 2009, ministro disse que petista defendeu interesse da empreiteira junto ao presidente da Namíbia

• Empreiteira queria participar de obra de hidrelétrica no país africano e pediu ajuda ao então presidente

Graciliano Rocha, Felipe Bächtold – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - E-mails trocados entre executivos do grupo Odebrecht indicam que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu para defender interesses da empreiteira na África e na América Latina enquanto esteve à frente do governo.

As mensagens foram encontradas pela Polícia Federal em computadores da Odebrecht durante buscas realizadas pela Operação Lava Jato, que investiga a corrupção na Petrobras e em outras empresas estatais. O presidente do grupo, Marcelo Odebrecht, e outros executivos estão presos desde junho.

Em uma das trocas de mensagens, datada de 11 de fevereiro de 2009, o executivo da Odebrecht Marcos Wilson pede ajuda do então ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, durante um encontro entre Lula e o então presidente da Namíbia, Hifikepunye Pohamba, para fazer lobby a favor da empreiteira na construção da obra da hidrelétrica de Baynes, orçada em US$ 800 milhões.

A resposta do ministro de Lula veio poucas horas depois: "Estive e o PR fez o lobby. Aliás, o PR da Namíbia é quem começou –disse que será licitação, mas que torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado". PR, segundo a PF, seria Lula.

A hidrelétrica em questão seria construída na fronteira entre Angola e Namíbia. A Odebrecht buscava ganhar a obra em consórcio com Eletrobrás, Furnas e Engevix.

Após deixar a Presidência, Lula viajou para países da América Latina e da África onde a empreiteira tem negócios financiados com dinheiro do BNDES. As viagens foram pagas pela empreiteira.

A Procuradoria da República do Distrito Federal investiga se houve tráfico de influência nesses casos.

As mensagens descrevem como autoridades federais foram procuradas para tratar de obras em países como Angola, Colômbia, República Dominicana e Venezuela.

E-mails de maio e junho de 2011 relatam a visita do ex-presidente às obras do porto de Mariel, em Cuba. Num deles, um executivo sugere à secretária de Marcelo Odebrecht a compra de um presente para o ditador Raúl Castro e autoridades do regime cubano.

Em 2008, por exemplo, a empresa pediu ajuda a ministros sobre uma disputa com o governo do Equador, onde a Odebrecht tinha projetos e foi ameaçada de expulsão.

'D. Terezinha'
Muitos nomes citados nos e-mails são cifrados. Em outra série de mensagens, os executivos discutiam, em 2008, como influenciar o próximo ministro de Minas e Energia e evitar que o cargo fosse ocupado por alguém que contrariasse a empreiteira.

Um deles afirma que não adiantaria contatar o "seminarista", que, de acordo com o relatório da PF, seria o ex-ministro Gilberto Carvalho.

Em e-mail endereçados a Marcelo Odebrecht, um executivo minimiza o poder do novo titular da pasta, que "continuará a reboque das decisões estratégicas de 'd.Terezinha'". A PF não identificou quem seria a pessoa citada no código.

No período, Dilma Rousseff chefiava a Casa Civil e era a "mãe do PAC", responsável por decisões estratégicas do principal programa infraestrutura do governo Lula.

Ex-ministro diz em e-mail que ‘Lula fez lobby por Odebrecht

E-mails sugerem que empresário pediu a Dilma lobby da Odebrecht junto a presidente dominicano

• Presidente da maior empreiteira do País enviou mensagem a chefe de gabinete e a assessor especial da petista, em julho de 2012, a quem solicitou a entrega de material listando empreendimentos da companhia no País caribenho

Por Mateus Coutinho, Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

Entre os e-mails interceptados na sede da Odebrecht pela Polícia Federal em meio à Operação Lava Jato há mensagens que sugerem que o presidente da maior empreiteira do País queria que a presidente Dilma Rousseff (PT) fizesse lobby do grupo na República Dominicana. As correspondências eletrônicas tratam do encontro de Dilma com o presidente dominicano eleito Danilo Medina, em 9 de julho de 2012.

Na ocasião, a petista recebeu a visita do mandatário daquele País do Caribe. Na véspera do encontro, em 5 de julho de 2012, Marcelo Bahia Odebrecht – preso na Lava Jato desde 19 de junho de 2015 por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobrás – escreveu para o chefe de gabinete da Presidência, Giles Azevedo, e para Anderson Dornelles, assessor especial da Presidência. “Caros Giles e Anderson, peço o favor de entregar à Presidenta Dilma a nota em anexo referente ao encontro dela com o Presidente da República Dominicana, que segundo fui informado, será esta segunda, 9/7, pela manhã. Fico à disposição para qualquer informação adicional. Obrigado e forte abraço. Marcelo.”

A ‘nota’ a que Odebrecht se referia continha um resumo da atuação e dos empreendimentos de sua empresa no País de Danilo Medina. O empreiteiro intitulou o documento de ‘ajuda memória da Odebrecht para a visita do presidente da República Dominicana’. Ele destaca que o grupo ‘tem 6.112 integrantes locais, sendo 568 jovens engenheiros dominicanos’.

Como exemplo de ‘nossa atuação e inserção social junto às comunidades, além da própria atuação empresarial sustentável’, a Odebrecht cita programa de alfabetização de adultos, reforma e ampliação de escolas públicas, construção de unidade de beneficiamento de café, saúde bucal, entre outras iniciativas.

“Face a relevância de nossa atuação no País (República Dominicana) seria importante que a Presidenta Dilma possa em seu encontro próximo com o Presidente Dominicano recém eleito Danilo Medina reforçar: a confiança que tem na Organização Odebrecht em cumprir os compromissos assumidos; a disposição de, através do BNDES, continuar apoiando as exportações de bens e serviços do Brasil, dando continuidade aos projetos de infraestrutura prioritários para o País.”

Ele assinala que o BNDES financia a exportação de bens e serviços para a República Dominicana desde 2002.

As trocas de e-mails demonstram que Odebrecht estava empenhado para que seu pedido chegasse, de fato, a Dilma. Às 13h21 do dia 6 de julho, a secretária da presidência da Odebrecht, Darci Luz, enviou e-mail para Alexandrino Alencar, executivo ligado à companhia, informando que ‘Marcelo enviou ontem à noite o documento para o Giles, para entregar à Presidente e está pedindo para o sr. confirmar com ele se recebeu e se conseguiu entregar a ela’.”

Na mesma mensagem, Darci Luz diz que ligou para a secretária de Giles ‘mas ele estava fora e como foi para o e-mail pessoal ela não soube me informar’.

Em laudo, PF vê lobby internacional do governo Lula para a Odebrecht

Por André Guilherme Vieira e Fernando Torres – Valor Econômico

SÃO PAULO - Em análise de troca de e-mails do presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, datados de 2009, a Polícia Federal (PF) vê suspeitas de irregularidades nas gestões feitas pelo governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em favor da empreiteira no projeto da Hidrelétrica Binacional Baynes, na Namíbia. E aponta o então chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, tratado nas mensagens por "seminarista", como o principal ponto de contato da Odebrecht na defesa de seus interesses no governo. A PF, no entanto, afirma que a perícia ainda não é conclusiva.

O laudo diz que e-mail trocado por executivos da Odebrecht (Marcelo Odebrecht, Marcos Wilson, Luiz Antonio Mameri) com Miguel Jorge, mostra que o então ministro do Desenvolvimento de Lula confirmou ter estado com os presidentes do Brasil e da Namíbia e que o "PR fez o lobby", em referência a Lula, segundo a PF.

Em e-mail enviado em fevereiro de 2009 a Miguel Jorge, Marcos Wilson, da Odebrecht, solicita: 

"Miguel, se você estiver hoje com o presidente Lula e o da Namíbia é importante que esteja informado sobre esta negociação e, se houver oportunidade, manifestar sua confiança na capacidade desta multinacional brasileira chamada Odebrecht. Há um interesse em continuar participando do consórcio brasileiro na etapa de implantação do empreendimento binacional".

Miguel Jorge respondeu ao e-mail da seguinte forma: "Estive e o PR fez o lobby. Aliás, o PR da Namíbia é quem começou - disse que será licitação, mas que torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado".

A análise da PF revela ainda que Alexandrino Alencar, então diretor de relações institucionais da Odebrecht, seria o responsável por passar as mensagens da empresa a Gilberto Carvalho.

Em setembro de 2007, Marcelo Odebrecht escreve: "Alex, o [ex-ministro de Minas e Energia, Nelson] Hubner está querendo jogar o PR ainda mais contra nós. Importante você fazer esta mensagem chegar no seminarista ainda hoje".

Nos e-mails, há a reprodução de matéria em que o à época ministro Hubner diz que ação judicial envolvendo a Odebrecht e a Secretaria de Direito Econômico poderia atrasar o leilão da hidrelétrica de Santo Antônio.

Em outra troca de e-mails, de janeiro de 2008, executivos da Odebrecht se mostram preocupados com a possibilidade de José Antônio Muniz Lopes, ex-presidente da Eletronorte, ser nomeado secretário executivo de Minas e Energia.

Atual diretor de transmissão da Eletrobras, Lopes já trabalhou para a Camargo Corrêa.

"Existem condições pelo histórico de trazê-lo para o nosso lado, ou pelo menos deixá-lo neutro? Caso não haja condições é melhor queimá-lo logo", orienta Marcelo Odebrecht. Em seguida, acrescenta: "Neste caso talvez a melhor forma seja uma mensagem do Alexandrino ao seminarista dizendo que se este cara pegar o cargo pode colocar o Madeira em risco (...) visto que trabalhou para a CCCC [ Camargo Corrêa ] nos últimos anos."

Ao Valor, Miguel Jorge confirmou o lobby. "O ministro do Desenvolvimento, nas suas missões oficiais, tem a obrigação institucional de trabalhar pelas empresas brasileiras. E eu sempre fiz lobby em favor das empresas do Brasil. Embora neste caso nem tenha sido necessário fazer lobby, porque o próprio presidente da Namíbia estava interessado", disse.

O Instituto Lula informou que "o ex-presidente Lula tem orgulho de ter atuado fortemente em seu governo para ampliar o espaço do Brasil e de empresas brasileiras nos mercados internacionais, sem ter jamais recebido nenhum favor ou pagamento por isso".

Em nota, Gilberto Carvalho "nega categoricamente que recebeu diretamente de Marcelo Odebrecht ou Alexandrino Alencar qualquer sugestão para discursos em agendas internacionais ou assuntos relativos à Odebrecht".

Segundo a Odebrecht, "os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional legítima e natural da empresa e sua participação nos debates de projetos estratégicos para o país - nos quais atua, em especial como investidora". A empresa diz que o projeto Baynes não foi realizado.

Dilma sanciona reforma política com veto a doações de empresa

• Discordância do Congresso pode travar votação de outras decisões de Dilma

Júnia Gama, Isabel Braga, Maria Lima, Chico de Gois e Washington Luiz – O Globo

BRASÍLIA - A presidente vetou doação privada em eleições. O Congresso quer reverter a decisão e ameaça não examinar veto a reajuste do Judiciário. - BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff sancionou ontem o texto da reforma política aprovada no Congresso, mas vetou as doações de empresas para campanhas eleitorais e a proposta que estabelecia o voto impresso. A resistência do Congresso ao fim das doações empresariais ameaça travar a votação de outras deliberações presidenciais, como o veto ao reajuste dos servidores do Judiciário, que podem causar forte impacto nas contas públicas. Ontem, com a decisão do presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), de não incluir na pauta da sessão do Congresso marcada para hoje a análise do veto de Dilma ao financiamento eleitoral, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), adotou uma estratégia para impedir que a sessão seja realizada.

Quando soube que Renan não havia pautado o veto em questão, Cunha anunciou que a Câmara terá três sessões hoje; a primeira delas, às 11h, apenas 30 minutos antes do horário previsto para a sessão do Congresso. Segundo Cunha, que é defensor do financiamento empresarial, foram os líderes dos partidos na Câmara que pediram a obstrução da sessão do Congresso. O atraso pode contaminar a análise dos vetos ao reajuste dos servidores do Judiciário e à correção das aposentadorias pelas regras do salário mínimo, que podem gerar prejuízo de R$ 36 bilhões e R$ 11 bilhões, respectivamente, nos próximos anos, se derrubados.

— Os líderes decidiram que, se não houver a sinalização de que ( o veto ao financiamento) estará na pauta, preferem não apreciar os vetos amanhã ( hoje). É uma obstrução dos líderes da Câmara. Sessão do Congresso só pode ser feita com a concordância das duas Casas. Se votasse tudo amanhã ( hoje), era muito mais fácil de manter o veto ( ao aumento do Judiciário). Não há intenção dos líderes da Câmara de derrubar o veto ( ao aumento do Judiciário), eles não querem é contaminar — alegou Cunha.

Parlamentares de diversos partidos passaram o dia em articulações para viabilizar a derrubada do veto ao financiamento privado. À noite, deputados e senadores ainda atuavam junto a Renan para convencê- lo a pautar o tema. Pressionada pela base aliada, Dilma publicou uma edição extra do Diário Oficial só para garantir que o veto pudesse ser votado hoje.

Para tentar a volta do financiamento empresarial, os parlamentares têm dois caminhos: aprovar a proposta de emenda constitucional ( PEC) da reforma política e/ ou derrubar o veto da presidente. Cunha voltou a defender que os parlamentares enfrentem as votações da PEC e do veto para acabar com a incerteza sobre as eleições de 2016.

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, disse que, se o Congresso aprovar a PEC, a regra só poderá ser aplicada um ano depois. Ou seja, para valer nas eleições de 2016, a PEC terá de ser aprovada até sexta- feira.

À tarde, Renan anunciou que não atropelaria o prazo de 30 dias da publicação de um veto para colocar sua análise na pauta de hoje. Segundo líderes que se reuniram com Renan, ele teme que os defensores do financiamento empresarial não tenham os votos necessários para derrubar o veto de Dilma e que isso enfraqueça a articulação para aprovar a PEC no Senado em meados de outubro, sem apressar sua tramitação.

Senadores de alguns partidos acham que, no caso desta PEC, não é necessário cumprir o princípio constitucional da anualidade e votar até 2 de outubro.

Renan confirmou que há um pedido reiterado de Cunha no sentido de que esse veto também seja apreciado. Mas isso seria impossível porque é prioridade a conclusão da apreciação dos outros vetos, que incluem o reajuste de até 78% para servidores do Judiciário.

— Esses sim estão tensionando o Brasil e é preciso resolver isso. Se por algum motivo não houver a liberação do plenário da Câmara dos Deputados, nós vamos manter a convocação para o primeiro momento que for possível — avisou Renan. (Colaboraram Cristiane Jungblut e Eliane Oliveira)

Como Ficou a reforma política

O que foi vetado

DOAÇÃO DE EMPRESAS:
A presidente vetou o artigo, alegando que “confrontaria a igualdade política e os princípios republicano e democrático, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ( STF)”

VOTO IMPRESSO:
Dilma tomou a decisão após o Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) se manifestar contra a proposta da impressão de cada voto, alegando que a medida geraria despesas de R$ 1,8 bilhão

O que foi sancionado

TEMPO DE CAMPANHA:
A duração da campanha eleitoral fica reduzida de 90 para 45 dias, e a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão cai de 45 para 35 dias

GASTOS NAS CAMPANHAS:
Para presidente, governadores e prefeitos, pode- se gastar 70% do valor declarado pelo candidato que mais gastou no pleito anterior. Há tetos ainda para senadores e deputados

DOAÇÃO DE PESSOAS FÍSICAS.
Fica mantida a possibilidade de doação de até 10% do rendimento bruto. Permite que o candidato gaste recursos próprios até alcançar metade do teto para o cargo em disputa

FILIAÇÃO AO PARTIDO.
Reduz de um ano para seis meses prazo que um candidato tem para se filiar ao partido pelo qual concorrerá. Fica mantida a janela de 30 dias, antes do fim do prazo de filiação, para que os políticos possam sair do partido sem perder o mandato

TIPO DE PROPAGANDA.
Mantém o uso de cenas externas do candidato expondo realizações de governo ou criticando falhas administrativas. Fica proibido o uso de efeitos especiais, computação gráfica e desenhos animados

PARTICIPAÇÃO FEMININA.
Estimula o aumento da participação de mulheres ao destinar mais dinheiro do Fundo Partidário e mais tempo de TV para esse fim

PRESTAÇÃO DE CONTAS.
Nas eleições de prefeito e vereador em cidades com menos de 50 mil eleitores será possível fazer prestação de contas por sistema simplificado se o candidato gastar, no máximo, R$ 20 mil

CONVENÇÕES PARTIDÁRIAS.
Passam a ser entre 20 de julho e 5 de agosto do ano das eleições

CONTRATAÇÃO DE PESQUISAS.
Não há restrição à contratação de pesquisas de intenção de voto por veículos de comunicação

CARROS DE SOM E CABOS ELEITORAIS.
Continua permitido o uso de carros de som e o pagamento a cabos eleitorais para trabalhar nas campanhas