domingo, 4 de março de 2018

*Luiz Werneck Vianna: A vitória da Constituição

-  O Estado de S.Paulo

A saída do labirinto em que nos perdemos já foi encontrada na obediência ao calendário eleitoral, e não à toa ele já virou alvo dos que desejam mover para trás a roda da História

Para quem queria a ocupação das ruas pelo povo, o cenário deste carnaval que passou, com as multidões que mobilizou nos blocos e nas escolas de samba, principalmente na capital paulista, ainda sem tradição nesse tipo de manifestação carnavalesca, surpreendeu os mais céticos, que não esperavam a volta da alegria na vida popular. Embora sem perder a conotação de crítica social, o momento catártico foi o dominante entre a nova geração, que ainda não conhecia a experiência carnavalesca, em particular entre as jovens que acorreram em massa aos blocos, num movimento indisfarçável de afirmação de gênero.

Com esse registro, a que se deve acrescentar o do desfile das escolas de samba, a política conta com mais uma matéria para a reflexão nesta hora de seleção das candidaturas presidenciais, ainda sem definição. Relativizando o caso de alguns desfiles que optaram por uma crítica política contundente ao governo, uma vez não se pode evitar o comentário do jornalista Ancelmo Gois, ao lembrar que no Brasil “prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e uma escola comandada por um bicheiro, a querida Beija-Flor, vence o carnaval que fala de corrupção” (O Globo 15/2).

Essa hora de escolha que já tarda, não só pelas dificuldades naturais ao momento que se vive, mas também porque a cultura do golpismo, essa segunda pele da nossa política, já encontrou uma nova modalidade de conspirar contra o processo eleitoral, a partir de uma declaração de um delegado de polícia sobre um inquérito de presumidas ações praticadas pelo presidente da República. O mais triste desse episódio está no fato de envolver um alto membro do Poder Judiciário, de quem sempre se esperam atos e palavras de concórdia, e esteja ele puxando a corda em favor do prolongamento da nossa agonia.

A saída do labirinto em que nos perdemos já foi encontrada na obediência ao calendário eleitoral, e não à toa ele já virou alvo dos que desejam mover para trás a roda da História, em mais uma tentativa de destituição por um processo judicial do chefe do Executivo, como está em curso, uma vez que não contam nem com as ruas nem com os quartéis. Nos seus cálculos malévolos maquinam que com o governo acéfalo caberia ao Poder Judiciário o exercício de um governo de transição que dirigiria, amparado pela Polícia Federal, o processo eleitoral. Tal solução, ou algo próximo a ela, talvez seja o que nos falta para nos converter num imenso manicômio em que todos os internos se apresentem como candidatos à Presidência da República.

Mas o mundo gira e a Lusitana roda, imprevistamente o cenário e o enredo se transfiguram com um movimento de peças desse jogo de xadrez ainda distante de encontrar um vencedor. Nessa nova disposição, provocada pela intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, o centro de gravidade da crise se desloca do tema da corrupção política para o da violência e da criminalidade organizada, cujo poder já ameaçava nacionalizar-se e se projetar no campo da política. Mudando o repertório, o peso dos atores envolvidos igualmente muda, com a depreciação do papel do Poder Judiciário, até então o principal protagonista da conjuntura, que cede lugar ao Poder Executivo, que trouxe a iniciativa para si e para a corporação militar, numa arriscada operação que se esforçou por se manter, malgrado alguns senões, nos trilhos constitucionais, a essa altura chancelada por esmagadora maioria nas duas Casas legislativas.

*Fernando Henrique Cardoso: A intolerância na política

- O Estado de S.Paulo

Os ânimos políticos andam cada vez mais acirrados, tratando as diferenças como inimizades

A democracia, além de ser um modo de determinar quem acede ao poder e por quanto tempo, de definir que o povo é soberano e, portanto, os eleitores escolhem quem manda, supõe uma cultura de convivência. Nesta se aceita como legítima a diversidade de pontos de vista, respeitadas a Constituição e as leis, e também se aceita a possibilidade de quem pensa de um jeito vir a pensar de outro. Noutros termos, na luta política há adversários, não gladiadores prontos a matar inimigos.

Infelizmente se está criando no Brasil uma cultura da intolerância. E assim em outros países, como em alguns europeus e nos Estados Unidos. Estamos vendo o renascimento da xenofobia, o horror ao “estrangeiro”, ao diferente. Entre nós os ânimos políticos também andam cada vez mais acirrados, tratando as diferenças como inimizades. Por temperamento e convicção, procuro me comportar dentro das regras da civilidade democrática. Busco ouvir e respeitar não só os “nossos”, mas os “outros”. Ouvir não quer dizer concordar, mas prestar atenção ao ponto de vista do interlocutor.

Vi com bons olhos a formação da Rede. Enxergo em Marina Silva uma figura positiva na política brasileira. Procedi da mesma maneira na formação do (Partido) Novo, conversei com seu presidente, João Amoedo, como converso com muitos políticos. Dentro de minhas limitações procuro incentivar a entrada de jovens na vida pública. Apoiei o Vem pra Rua, participei de seminário da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), saudei o RenovaBR, assim como faço com o Agora. Manifesto-me positivamente quanto aos “novos”, procuro saber deles e se possível com eles conviver.

Tampouco deixo de me relacionar com adversários políticos. No auge do antipetismo paulista almocei na Prefeitura com Fernando Haddad e em outra ocasião assistimos juntos a uma ópera. Nem por isso aderi ao PT. Boateiros inventaram que em encontro mais recente com Fernando Haddad tratamos de que se Lula desistisse da candidatura o STF não o prenderia. Como se eu tivesse força para tanto...

Eliane Cantanhêde: Meirelles vice de Alckmin

- O Estado de S.Paulo

Ministro queria ser vice de Aécio e pode virar de Alckmin com apoio de Temer

Está em gestação a jogada mais pragmática de toda essa campanha eleitoral tão desajeitada: uma chapa com Geraldo Alckmin na cabeça e Henrique Meirelles na vice. Um pelo PSDB, outro pelo MDB, reativando a aliança entre os dois partidos interrompida nos anos do PT e agregando à candidatura Alckmin os êxitos econômicos do governo Temer, mas trazendo como contrapeso sua carga de denúncias e dívidas na Justiça.

As conversas avançam e podem ter evoluído na sexta-feira no encontro do presidente Michel Temer com o tucano Fernando Henrique Cardoso, já que uma costura assim só tende a evoluir com o aval de FHC e o patrocínio de Temer. Se FHC tem sido seguidamente azedo com o governo, vai ter que adoçar o tom.

A operação exige acordos delicados, mas não chega a ser tão complicada. Nem Meirelles é homem de partido, nem o seu partido, o PSD, deu a mínima bola para as pretensões presidenciais dele. Logo, o divórcio será amigável, com todos, ao final, participando da mesma campanha: a de Alckmin.

Se Meirelles é um candidato em busca de uma sigla, o MDB é uma sigla em busca de um candidato. Tenha os problemas que tiver, o MDB é precioso para Alckmin, pelo tempo de TV, ramificação nacional, bancadas no Congresso, governos estaduais e prefeituras. Bem... os emedebistas ajudam a manter o Brasil como a terceira maior população carcerária do planeta, mas que candidato despreza uma aliança assim mesmo?

De outro lado, o presidente do PSD, Gilberto Kassab, é um pragmático flexível e não tem do que reclamar. Tinha horror de Alckmin, mas encomendou a fantasia para ser vice de João Doria em São Paulo e, se “ceder” Meirelles para a coligação do próprio Alckmin ao Planalto, aumenta ainda mais suas fichas para 2019.

Merval Pereira: Voluntarismo confronta tradição

- O Globo

Voluntarismo confronta tradição de grandes partidos. Os três pré-candidatos mais bem colocados atualmente nas pesquisas eleitorais, partindo-se do princípio de que o ex-presidente Lula está fora da disputa, não têm estruturas partidárias fortes. Jair Bolsonaro, a caminho do PSL, Marina Silva, da Rede, e Ciro Gomes, do PDT, superam até o momento potenciais candidatos dos dois partidos que dominam a política nacional nos últimos 25 anos, PT e PSDB.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, perde para Bolsonaro em seu próprio estado, nicho tucano que vem sendo desmontado pelo voluntarismo do candidato da extrema-direita. Nas regiões Sul, Sudeste e Centro-oeste, onde os tucanos costumavam reinar, também Bolsonaro aparece bem votado, e um dissidente do PSDB abre caminho em outro pequeno partido, o Podemos.

O senador Álvaro Dias vem crescendo no Sul e crava sua liderança no seu estado natal, Paraná, berço da Operação Lava-Jato. Ciro Gomes domina o eleitorado nordestino na ausência de Lula, e não dá margem a que um candidato petista substitua o ex-presidente na preferência do eleitorado.

Já Marina Silva, com seu minúsculo partido que terá cerca de 1% do tempo de propaganda gratuita de rádio e televisão, e a menor verba partidária de quantos disputarão a eleição, mantém-se na memória afetiva da população e aparece sempre disputando uma vaga no segundo turno, mesmo quando Lula está na parada. Afinal, já teve 20 milhões de votos em duas eleições presidenciais seguidas, o que não é de se desprezar.

Vera Magalhães: Coturno em alta

- O Estado de S.Paulo

Temer dá às Forças Armadas protagonismo inédito desde a redemocratização

A crise prolongada e disseminada por vários campos da vida brasileira levou a uma realidade insuspeitada há alguns anos: as Forças Armadas estão em alta, e vivem seu momento de maior protagonismo desde a redemocratização.

Insuspeitada não porque seja exatamente nova a credibilidade de que os militares gozam perante a sociedade. Esta foi sendo recuperada paulatinamente depois do fim da ditadura, e já era bastante significativa, principalmente nas classes de mais baixa renda, antes da atual crise.

A novidade é esse prestígio ter se disseminado, atingido os mais ricos e se refletido em ganho de espaço político no último período.

Fernando Henrique Cardoso disse na última terça-feira, durante o Fórum Estadão – A Reconstrução do Brasil que governos fracos normalmente recorrem às Forças Armadas como forma de se beneficiar de sua credibilidade.

Michel Temer, que tem aumentado o papel dos militares em seu governo desde que escolheu a Segurança Pública como tema deste final de mandato, ironizou a declaração, mas reconheceu que este peso de fato é maior hoje.

Bruno Boghossian: Resposta definitiva

- Folha de S. Paulo

Incertezas sobre prisão de Lula ampliam pressão sobre STF

O principal ponto de interrogação da política em 2018 deixou de ser a cada vez mais improvável candidatura de Lula e se deslocou para as dúvidas em relação à possível prisão do petista. A despeito da resistência da ministra Cármen Lúcia, aumenta a pressão dentro e fora do Supremo Tribunal Federal para que a corte dê um direcionamento definitivo para o caso.

A presidente do STF foi taxativa ao se recusar a rever agora o entendimento que determina o início da execução de penas após condenação em segunda instância —o que levaria Lula para a cadeia em um mês, após o julgamento dos embargos que apresentou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Seus colegas, porém, consideram inescapável a responsabilidade do Supremo e já enxergam uma mudança no ambiente do tribunal.

A defesa feita pelo decano Celso de Mello de que o assunto deveria ser enfrentado "sem qualquer vinculação a um dado caso concreto ou a uma determinada pessoa" foi interpretada como a senha para um recuo de Cármen. A ideia é que a presidente inclua na pauta um processo não relacionado a Lula, mas que terá impacto na situação do petista.

Míriam Leitão: Cenário eleitoral

- O Globo

Doador de dinheiro sujo sabe que agora CEO vai para a cadeia. O quadro eleitoral fica mais presente, ainda que não tenha nitidez. A semana terá lançamento de pré-candidaturas e julgamento do habeas corpus do ex-presidente Lula no STJ. Isso depois de uma semana em que Lula deu a entrevista acenando para Michel Temer e o presidente passou a ser investigado em mais um processo, por pedido de sua escolhida Raquel Dodge e decisão do ministro Edson Fachin.

Há vários motivos pelos quais esta será uma eleição diferente das outras. Uma delas é o financiamento. A doação legal das empresas foi proibida, a ilegal está sendo constrangida fortemente. Hoje, as empresas sabem que o CEO vai pra cadeia, que dono e herdeiro de empresa podem passar uma longa temporada na prisão. Estão todos avisados. E isso, no mínimo, terá o poder de dissuadir muita gente que em outros tempos não hesitaria em encher malas de dinheiro e enviá-las para candidatos. Caso nada disso constranja o dinheiro sujo, quem fizer uma campanha cara ficará exposto.

Os dois partidos que têm o maior volume de dinheiro do fundo partidário e do fundo eleitoral são o MDB, com R$ 304,9 milhões, e o PT, com R$ 300,9 milhões, segundo estimativa feita pelo cientista político Jairo Nicolau. Desses, o MDB ainda não disse com que candidato vai. O PT aferra-se à candidatura de Lula, que muito provavelmente será declarado inelegível. Dois candidatos que têm pontuado bem em todas as pesquisas, Jair Bolsonaro e Marina Silva, terão apenas R$ 14,8 milhões (PSL) e R$ 14,6 milhões (Rede), 23º e 24º lugares na distribuição de recursos públicos. O Podemos receberá R$ 41 milhões. Os grandes partidos ficam com a parte do leão. Ao todo serão 35 partidos recebendo o valor de R$ 2,362 bilhões do dinheiro do contribuinte. Pela estranha legislação brasileira de recursos públicos para as eleições, até os muito nanicos ou que acabaram de se formar terão direito a um bom bocado. Os três últimos serão PCO, PMB e Novo, cada um com em torno de R$ 2 milhões. A lei concentra os recursos nas oligarquias partidárias, e distribui um cala-boca para partidos sem qualquer viabilidade eleitoral.

Ricardo Noblat: Lula deixa Ciro de fora

- Blog do Noblat

Aposta em um nome do PT

Vale pelo que diz e pelo que deixa de dizer a mensagem em vídeo gravada por Lula e exibida, ontem, no ato de lançamento da candidatura à presidência da República de Guilherme Boulos (PSOL), o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

“Você sabe o quanto eu te respeito, o quanto gosto de você e quanto acho você uma pessoa de muito futuro na política. Jamais vou pedir para você não ser candidato”, diz Lula. Que, em seguida, convida para seus comícios Boulos e Manuela d’Ávila, candidata do PC do B a presidente.

Lula delimitou ao seu gosto o espectro da esquerda a ser reconhecida como tal nas eleições de outubro próximo. E nele não há lugar para candidatos como Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (REDE), por exemplo, ambos antigos aliados e ministros do seu governo.

Por ora, a levar-se em conta a mais recente pesquisa do Datafolha, Marina é quem mais herda votos de Lula caso ele seja impedido de disputar a vaga do presidente Michel Temer, como deverá ser. Depois dela, Ciro e o deputado Jair Bolsonaro (PSL).

Embora o PT vá insistir com o discurso de que eleição sem Lula é fraude, procura um nome para o lugar dele e não dá o menor sinal de que possa apoiar no primeiro turno o candidato de outro partido. Não abre mão do seu protagonismo. Precisa eleger deputados federais e senadores.

Assim como Manuela, Boulos carece de condições sequer razoáveis para ter um bom desempenho nas eleições. Seu partido é minúsculo, não atrai aliados e padece de falta de tempo de propaganda no rádio e na televisão. O candidato do PT, seja quem for, sempre terá mais chances.

Duas surpresas: Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

O consumo das famílias cresceu menos do que se esperava, e o investimento superou as previsões

Na quinta (1º) o IBGE divulgou o crescimento da economia no quarto trimestre de 2017 ante o terceiro trimestre. O resultado frustrou um pouco as expectativas. O mercado esperava crescimento de 0,3%, nós no Ibre, de 0,2%, e o indicador foi 0,1%.

A frustração derivou de um crescimento do consumo das famílias menor do que se esperava, de 0,1%, em vez de 0,4%. Esse fato mais do que compensou a surpresa positiva do crescimento do investimento um pouco maior do que o projetado.

Os setores com desempenho abaixo do esperado foram o varejo e “outros serviços”, que são essencialmente serviços prestados diretamente às famílias.

A confiança do empresário tem voltado mais forte, compatível com a melhora do investimento. A confiança do consumidor, contudo, principalmente aquela que aparece no “indicador da situação atual”, ainda opera em níveis baixos.

Vinicius Torres Freire: Brasil ainda tem frio e depressão

- Folha de S. Paulo

Salário cresce mais devagar, inflação anda abaixo da meta, folga industrial é histórica; e os juros?

O consumo das famílias cresceu quase nada no trimestre final de 2017, mostrou o balanço do PIB. O resultado ruim provocou sorrisos amarelos entre otimistas e governistas e suscitou explicações engenhosas dos entendidos.

Pode ter sido apenas um desses resultados esquisitos, por vezes revisados, do PIB trimestral. Pelo desempenho geral da economia entre novembro e janeiro, não é razoável dizer que a recuperação pegou resfriado. Ao contrário. Mas há sinais de friagem que dão o que pensar.

Pode ser que essa recuperação miúda e retardada resulte em inflação mais baixa por mais tempo. Pode ser, pois, que a taxa básica de juros deva cair mais, o que não melhoraria o PIB, mas ajudaria a conter a dívida pública.

Onde faz frio?

O crescimento real anual do salário médio em dezembro e janeiro foi o menor desde janeiro de 2017. A inflação baixa do ano passado deve contaminar os reajustes, ainda mais porque o desemprego continua alto e a precarização é extensa. Talvez apenas neste trimestre o número de empregos formais volte a crescer, mas ainda se arrastando para fora de um poço de três anos de profundidade.

Apesar de erráticas, mês a mês, as vendas do comércio de varejo se recuperam. Ainda assim, cresceram apenas 2% em 2017, depois de afundarem quase 11% no biênio 2015-16. A utilização da capacidade produtiva das indústrias está nos níveis mais baixos em 20 anos ou mais.

O IPCA está abaixo do piso da meta do Banco Central desde a metade do ano passado e ora em 2,9%, no acumulado dos últimos 12 meses. O equivalente a quase um terço do aumento de preços veio apenas de combustíveis e das extravagâncias dos planos de saúde, o que merece uma investigação, a princípio pelo menos econômica. Menos relevante, mas de algum interesse, os índices de preços gerais e de atacado continuam no vermelho, em termos anuais.

José Roberto Mendonça de Barros: Afinal, juro baixo para o cidadão?

- O Estado de S.Paulo

Estamos diante de um movimento de ruptura que não deve ser subestimado

A inflação continua surpreendendo positivamente. Projetamos agora 3,6% para o IPCA deste ano e 6,5% para a taxa Selic, do Banco Central. Isso resulta da ausência de choques de oferta no horizonte (energia, preços agrícolas e petróleo), bem como da constatação de que os mecanismos de realimentação da inflação estão muito enfraquecidos. A inércia da inflação também pode ser positiva. Corremos mesmo o risco de três anos consecutivos com inflação inferior a 4%.

Isso é algo que jamais aconteceu na história moderna do Brasil, o que não é pouco. Especialmente porque será um resultado obtido com preços livres, sem congelamentos, controles de câmbio nem outras intervenções.

O mais relevante dessa situação é a oportunidade de baixarmos muito as taxas de juro, desde que um reformista ganhe a eleição presidencial.

Com a realização de reformas fiscais no início do próximo governo e com a herança da inflação baixa será possível reduzir a taxa de equilíbrio, permitindo que o crédito cresça de forma significativa.

Entretanto, temos a oportunidade de começar a ver reduções importantes nos “spreads” bancários e nas taxas de empréstimo ainda neste ano, devido a duas razões adicionais. Primeira: o Banco Central tem uma importante agenda de revisão regulatória, que passa por diminuição de compulsórios, regulação da operação de cartões de crédito e o estímulo à ampliação da concorrência no mercado.

Segunda razão: assistimos a um crescimento vertiginoso das empresas financeiras de base tecnológica, o que vai pressionar bastante o “spread” bancário no crédito de pessoas físicas, elevando a competição com os grandes bancos. Um levantamento de novembro do ano passado, feito pelo FintechLab, encontrou 332 instituições, das quais 58 se dedicavam a créditos e empréstimos, e esse número continua a crescer.

Consideremos, além disso, os seguintes pontos:

Cacá Diegues: Uma jovem democracia

- O Globo

Apesar do excesso de alguns militantes de todos os lados, homens públicos que não estão na cadeia por ladroagem estão muito mais dispostos a aceitar as regras do jogo

Uma contribuição decisiva do pós-modernismo para o entendimento do tempo em que vivemos é a formulação da vida vivida como um espetáculo, tanto na esfera privada quanto, sobretudo, na pública. E esse mundo do espetáculo não poderia evitar a política, o espaço em que ele se movimenta por excelência.

Hoje, a ideia de “democracia representativa” corresponde muito menos a poderes eleitos livremente pelo povo para que o representem do que ao próprio conceito teatral de representação. O político contemporâneo, visto por um pensador pós-pós-modernista, será sempre muito mais um ator num palco diante de grande plateia ululante, do que um autêntico representante sereno dessa mesma plateia.

O fenômeno talvez possa acontecer menos em democracias mais antigas, meio cansadas desse exibicionismo que acaba sempre em algum populismo enganador. Mas, nas “jovens” democracias, aqueles regimes que vivem entrando e saindo de ditaduras com certa frequência, cada vez que suas elites decidem não acreditar na capacidade da população de escolher seu próprio rumo, nessas democracias inaugurais a “representação” é sempre uma ilusão que se desfaz antes que caia o pano e os atores possam ir relaxar nas coxias.

A gente se esquece de que no Brasil, por exemplo, vivemos grande parte do século XX debaixo de algum regime de força, mais ou menos disfarçado. Na virada do século, ainda dependíamos do poder dos senhores de terras, os cafeicultores que se vingaram da Abolição e do fim do trabalho sem custo fazendo proclamar a República. Uma sucessão de presidentes — eleitos através de atas falsas e o voto dos fazendeiros que também votavam por seus empregados — dominou um país sem opinião pública, durante a chamada República Velha.

Em 1930, uma revolução liberal, comandada por jovens oficiais que tentavam modernizar o Exército brasileiro, transformou-se em cruel e sangrenta ditadura burguesa, sob o comando de Getúlio Vargas. O Estado Novo de Vargas, nomenclatura política inspirada no regime fascista italiano de Benito Mussolini, foi inaugurado em novembro de 1937 e durou até 1945, quando o ditador é deposto por movimento civil e militar. Getúlio ainda volta ao poder, eleito democraticamente em 1950, como um líder popular e nacionalista de esquerda, o que pouca gente conseguiu até hoje entender completamente. Inclusive eu.

PSOL decide que Boulos será candidato a presidente

Movimento abre dissidência na base de Lula; PSB também avalia lançar candidatura

Sérgio Roxo | O Globo

-SÃO PAULO -O líder do Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, anunciou ontem a sua intenção de disputar a Presidência da República pelo PSOL. A candidatura abre uma dissidência na base de apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Boulos mantém contatos frequentes com o petista e tem participado de atos contra as investigações da Operação Lava-Jato.

O anúncio da pré-candidatura, em evento realizado ontem em São Paulo, contou com artistas, como o cantor Caetano Veloso, e políticos. O ex-presidente Lula gravou um vídeo desejando sorte a Boulos e agradecendo o apoio recebido até agora.

O ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro, líder da corrente petista Mensagem ao Partido, gravou um vídeo em que saudou a iniciativa de Boulos. Desde o escândalo do mensalão, Tarso vem defendendo a necessidade de o PT se refundar.

O líder do MTST havia sido convidado a se filiar ao PSOL para concorrer a presidente no ano passado, numa iniciativa do deputado estadual Marcelo Freixo (RJ). A candidatura tem o objetivo de se apresentar como um caminho para a renovação da esquerda, num cenário político sem a participação de Lula.

PSB PODE TER CANDIDATO
O congresso do PSB aprovou ontem uma resolução que autoriza os membros do partido a trabalhar com três hipóteses: lançar candidatura própria, não ter candidato à Presidência ou apoiar outra legenda. O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, disse que o “maior desejo” do partido é ter candidato próprio, mas não descartou participar de uma coligação.

Com aval de Lula e celebridades, Boulos lança pré-candidatura à Presidência

Chapa do PSOL tem a líder indígena Sonia Guajajara como vice; personalidades falaram no evento

Anna Virginia Balloussier | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com respaldo de Lula, um potencial rival eleitoral, e de personalidades que outrora orbitaram PT e Marina Silva, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos, lançou neste sábado (3) sua pré-candidatura à Presidência, com a líder indígena SoniaGuajajara de vice. Ele se filiará ao PSOL nos próximos dias, e o partido deve oficializar sua chapa em sua convenção nacional, no dia 10 de março.

Caetano Veloso cantou "Gente" para introduzir Boulos, que o enrolou numa bandeira do MTST, e "Índios" para apresentar Guajajara, de quem ganhou um cocar."

Este nosso encontro talvez fosse improvável. Não é um encontro óbvio toda essa diversidade que está aqui. O que nos uniu foi o avanço do conservadorismo, que nos forçou a buscar alianças novas", disse o futuro presidenciável.

O atual inquilino do Palácio do Planalto foi alvo preferencial. "Este Temer vai ficar na história como um Juscelino Kubitschek ao contrário, em menos de dois anos conseguiu fazer o país voltar 50 anos atrás."

A mensagem de Lula, transmitida em telão, martelou a ideia de que Boulos é um bom quadro político --para o futuro. "Você sabe o quanto eu te respeito, o quanto gosto de você pessoalmente e quanto acho você uma pessoa de muito futuro na política. Jamais vou pedir para você não ser candidato", afirmou o ex-presidente, que depende de decisões judiciais para disputar o Planalto.

O petista definiu o neófito eleitoral como "uma pessoa nova, que tem futuro, que pode se projetar". Também citou a pré-candidata Manuela D'Ávila (PC do B), mas ignorou Ciro Gomes (PDT), nome esquerdista que melhor pontua em pesquisas de intenção de voto e a quem criticou em entrevista recente à colunista da Folha Monica Bergamo.

Boulos devolveu o afago do petista e criticou o Judiciário por condenar Lula, a quem prestou "sincera solidariedade pela injustiça" que estaria sofrendo. "Diferenças políticas", afirmou, "não podem significar conivência com injustiça".

"Só quem se ilude acredita que vai parar com o Lula. Não vai parar por aí. Pega toda a esquerda, pega todos nós. Quando vemos Bolsonarosdiscursando e sendo aclamados ao defender tortura, extermínio, um tipo como Brilhante Ustra ser defendido a céu aberto..."

Boulos defendeu a necessidade de não pregar para convertidos. "A gente quer mudar o Brasil, mas fica contente em só falar nas nossas bolhas." A meta, disse, é "conciliar essa disposição para uma nova esperança".

Desaprovação de presidenciáveis se mantém elevada

Pesquisa Estadão/Ipsos revela que nenhum dos pré-candidatos do centro político tem taxa de aprovação de dois dígitos

Daniel Bramatti | O Estado de S. Paulo.

Faltando sete meses para as eleições presidenciais, nenhum dos pré-candidatos vinculados ao governo e ao centro político tem taxa de aprovação superior a dois dígitos, segundo o Barômetro Político Estadão-Ipsos, pesquisa de opinião pública que todos os meses avalia a imagem de personalidades do mundo político e do Judiciário.

O presidente Michel Temer, que cogita disputar a reeleição pelo MDB, é aprovado por apenas 4% da população, de acordo com o levantamento do instituto Ipsos. Feita na primeira quinzena de fevereiro, a pesquisa não captou os efeitos da intervenção federal na área de segurança pública no Rio de Janeiro.

Temer vê na intervenção uma maneira de ampliar sua popularidade e, assim, aumentar suas chances na primeira eleição presidencial que pretende disputar como cabeça de chapa. A medida foi anunciada dias antes da possível derrota, na Câmara, da principal bandeira da atual gestão, a reforma da Previdência. A desaprovação ao presidente está na casa dos 93%.

Por TV, Alckmin atrai base de Temer

Pré-candidato ao Planalto pelo PSDB, governador negocia alianças com ‘Centrão’ que hoje garantiriam 21% do tempo no horário eleitoral

Pedro Venceslau e Daniel Bramatti | O Estado de S.Paulo

Enquanto o MDB ainda discute se lança um candidato ao Palácio do Planalto, o governador Geraldo Alckmin, pré-candidato do PSDB à Presidência, avançou nas articulações com partidos do chamado “Centrão” e conta com promessas de apoio que lhe garantem pelo menos 21% do no horário eleitoral gratuito.

O tucano já está praticamente fechado com o PTB e PSD, dois partidos da base do governo Temer. As negociações com outras duas legendas, PPS e PV, estão avançadas. O presidente nacional do PV, José Luis Penna, é secretário de Cultura de Alckmin em São Paulo.

“Com a confirmação da desistência do Luciano Huck, a tendência do partido é apoiar o Geraldo Alckmin”, disse ao Estado o presidente nacional do PPS, Roberto Freire.

No caso do PV, uma ala do partido ainda defende candidatura própria, mas a tendência é se manterem aliados com o PSDB. Com PPS e PV no seu palanque, o tucano saltaria para 24% do tempo de TV em cada bloco diário de 12 minutos, segundo levantamento feito pelo Estadão Dados. A estratégia foi desenhada em janeiro pelo governador: aglutinar o apoio de pelo menos cinco siglas antes de negociar com DEM e MDB.

Depois de assumir a presidência nacional do PSDB, em dezembro, o governador intensificou as conversas partidárias. Hoje, PR e PRB também mantém linha direta com Alckmin.

“Se o Lula for candidato, o PR deve apoiá-lo. Esse é um compromisso com ele, não com o PT. Se ele não for candidato, então abre-se a possibilidade de a gente conversar. Pode ser o Alckmin. Nada está descartado”, afirmou o deputado federal José Rocha (BA), líder do PR na Câmara.

A maioria dos partidos do “Centrão” resiste à ideia de apresentar nome próprio na corrida presidencial por motivos financeiros: com a proibição de doação de empresas e o financiamento público de campanha, os recursos partidários terão de ser divididos entre as campanhas para governador, senador e deputados.

Isso significa que uma campanha presidencial drenaria boa parte dos recursos, o que pode comprometer a formação de bancadas no Congresso Nacional. No caso do MDB, líderes regionais temem que uma eventual candidatura de Temer ou do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, não decole.

Líderes partidários e até ministros próximos a Temer já projetam uma polarização na campanha entre um candidato do campo da esquerda e outro do PSDB. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez esse prognóstico em entrevista na semana passada ao jornal Folha de S.Paulo.

“Alckmin já é um candidato competitivo no seu partido e carrega uma aliança que o credencia a ser um player. Isso atrai outros partidos do mesmo campo”, avalia o deputado Silvio Torres (SP), tesoureiro nacional do PSDB e um dos principais interlocutores do governador em Brasília. “O cenário mais provável é que a polarização se repita. A esquerda alinhada provocaria o alinhamento da centro-direita.”

Reação. O entorno de Alckmin acredita que o DEM pode subir no palanque tucano, apesar de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), ser apresentado como pré-candidato. Um dos nomes cotados para ser vice do tucano é o ministro da Educação, Mendonça Filho (PE). Outros dois partidos que estariam próximos, segundo tucanos, seriam PP e Solidariedade. “Acho que tem erro aí, mas não vou ficar falando pelos partidos”, avalia Maia.

Em reação aos movimentos de Alckmin, o presidente da Câmara se aproximou do Solidariedade e do PP. Líderes dos dois partidos estarão na convenção do DEM na semana que vem que deve apresentar o nome de Maia como pré-candidato.

“Nossa preferência é pelo Maia. Temos mais sintonia com ele. Mas não descartamos o Geraldo Alckmin, caso o Rodrigo fique fora”, afirmou Ciro Nogueira, presidente do PP. Maia disse na sexta-feira que Alckmin “não tem chance de ser eleito”.
Colaboração de Adriana Ferraz

No Rio, a era é de incerteza

Principais postulantes ao governo do estado não confirmaram presença nas urnas

Thiago Prado | O Globo

Rio de Janeiro tornou-se centro das mais importantes movimentações políticas do país desde a intervenção federal, mas permanece sem nenhum grande nome consolidado para concorrer ao Palácio Guanabara. A sete meses das eleições, as principais alternativas dos partidos ainda não confirmaram presença nas urnas. Mais: sequer emplacam 15% das intenções de votos em pesquisas não divulgadas que circulam nas legendas.

Em março de 2014, a situação era outra: naquela época, Anthony Garotinho e Marcelo Crivella estavam empatados na casa dos 20%, e Luiz Fernando Pezão — que acabou eleito — começava a subir nas sondagens. Todos os postulantes àquela altura do ano, de fato, concorreram.

Quatro anos depois, o cenário é muito mais incerto. Em diversos levantamentos, o senador Romário (Podemos) aparece na liderança. No próximo dia 17, ele promete lançar a sua pré-candidatura para servir de palanque presidencial ao senador Álvaro Dias. No entanto, o mundo político fluminense aposta que, assim como em 2014 e 2016, Romário recuará na reta final e negociará seu apoio a outro nome.

A segunda posição em pesquisas está embolada. Puxa a fila Bernardinho (Novo), que só decidirá seu futuro em abril, quando a Superliga feminina de vôlei terminar. Embora esteja fazendo encontros políticos periódicos — no carnaval, por exemplo, ouviu de um tucano a importância deter tem pode TV —, ele encara apressão familiar paranã ose candidatar. A propósito, outra“outsider” estimulada, ajuíza aposentada e ex-deputada Denise Frossard já sinalizou que não deseja entrar no páreo.

Abaixo dos dois dígitos nas sondagens, os ex-prefeitos Eduardo Paes (PMDB) e Cesar Maia (DEM) também estão em compasso de espera. Paes aguarda os próximos passos da Lava-Jato fluminense. Já Maia sabe que dificilmente será competitivo coma hérnia de disco que o impede de ficar mais de duas horas em pé. Seu filho, o presidente da Câmara Rodrigo Maia, é muito mais entusiasta do projeto.

Há incógnitas ainda nos projetos de Indio da Costa (PSD) e Anthony Garotinho. O ex-secretário de Urbanismo do Rio quer concorrer, mas o PRB do prefeito Marcelo Crivella, seu maior aliado, pode abandonar o barco caso vislumbre melhor opção. Há dúvidas sobre a capacidade de Indio para viabilizar alianças. Já Garotinho precisa arrumar um partido desde que deixou o PR em janeiro.

Restam ainda mais duas incertezas: quem será o candidato a governador do deputado Jair Bolsonaro (PSC)? E o PT levará adiante a candidatura do ex-ministro Celso Amorim e dividirá a esquerda, que terá também Tarcísio Motta (PSOL) no páreo?

Um dado chama a atenção nas pesquisas internas dos partidos: hoje cerca de 40% dos eleitores declaram querer votar em branco ou nulo. Quase 20% respondem que não sabem ainda o que fazer.

Um farol para a reconstrução: Editorial | O Estado de S. Paulo

A derrocada do lulopetismo, marcada pelo impeachment de Dilma Rousseff e pela recente confirmação da condenação de Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro, o que torna o ex-presidente inelegível à luz da Lei da Ficha Limpa, abriu uma enorme janela de oportunidade para o País se recompor dos desatinos de governos populistas e voltar ao caminho do desenvolvimento econômico, social e político, guiado por lideranças éticas e responsáveis.

Para ajudar na compreensão dos desafios da Nação e fomentar o debate acerca da agenda para a reconstrução do País, o Estado publicou uma série de reportagens entre setembro de 2016 e janeiro de 2017 com as políticas públicas que deverão pautar os debates eleitorais deste ano. Não só isso. Nos próximos meses, a série Fórum Estadão: A Reconstrução do Brasil irá abordar os principais temas visando à modernização do País.

Durante a abertura do primeiro evento da série, terça-feira passada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que para iluminar esses caminhos que levarão à reconstrução “não faltam ideias, o que falta são líderes” que sejam capazes de engajar a maioria da sociedade em torno de uma agenda em prol do interesse nacional.

Em meados de novembro do ano passado, FHC proferiu uma conferência sobre a conjuntura política brasileira na Columbia University, nos EUA. Naquela ocasião, ao tratar da necessidade de unificar a sociedade em torno de uma agenda de interesses comuns, afirmou que “não temos um De Gaulle”, referindo-se ao general Charles de Gaulle, o ex-presidente da França que reergueu seu país dos escombros da 2.ª Guerra.

Sete anos perdidos: Editorial | Folha de S. Paulo

Pior da crise econômica ficou para trás, mas renda do país ainda é inferior à do início da década

Com o tímido crescimento econômico de 1% em 2017, o país começou a superar a trágica recessão dos três anos anteriores. Apesar de ainda lenta, a presente retomada mostra alguma consistência.

O retorno dos investimentos privados, com três altas trimestrais consecutivas, interrompe o colapso que atingiu a produção de máquinas e a construção civil. Com inflação e juros mais baixos, além disso, melhoram as perspectivas para o crédito e o consumo.

Nesse cenário, o desemprego, ainda em 12,2%, tende a cair de modo gradual. Em janeiro foram criadas 77,8 mil vagas com carteira assinada, a melhor marca para o mês desde 2012.

Tudo considerado, parece plausível que a expansão do Produto Interno Bruto supere 3% neste ano.

Mesmo nos cenários mais otimistas, contudo, o país está longe de recuperar o patamar econômico anterior à recessão —e o atraso na trajetória de desenvolvimento é quase irreparável.

Trata-se, até aqui, de uma nova década perdida. A atual renda por habitante do país, de R$ 31,6 mil, é inferior à de 2011, em valores corrigidos. A expansão acumulada do PIB em sete anos é de irrisórios 3,2%, enquanto a produção global elevou-se em 27,9%.

O desastre reflete, decerto, fragilidades estruturais do país, mas também oportunidades desperdiçadas e erros tão primários quanto recorrentes de política econômica.

STF faz apaziguamento jurídico no campo: Editorial | O Globo

Aprovada em 2012 no Congresso, a atualização do Código Florestal enfrentou processo, que tramitou por seis anos, até a Corte concluir pela sua constitucionalidade

O ano eleitoral de 2018 se apresenta especialmente tóxico. OBrasil sempre teve ingredientes fortes para gerar conflitos fundiários. Gigantesca extensão territorial ocupada por desbravadores; depois, grandes parcelas de terra distribuídas aos amigos da Coroa portuguesa, e assim por diante. Vieram daí as chamadas “terras devolutas”, públicas, mas deixadas ao léu, e os “latifúndios improdutivos”. A grilagem, então, tornou-se atividade muito rentável, como ocorre até hoje em amplas áreas no Norte do país.

Desde aquele tempo até hoje, quando o Brasil se firma como um dos líderes mundiais na produção e exportação de alimentos, houve, e ainda há, conflitos. A terra ainda serve de combustível para proselitismo político, mas, devido a avanços tecnológicos e ao empreendedorismo, obstáculos têm sido superados por uma agropecuária dinâmica.

Nesta saga, há momentos cruciais, como o acontecido na semana passada, quando o Supremo concluiu o julgamento de demandas do Ministério Público Federal e do PSOL, com apoio de organizações não governamentais, contra partes importantes da atualização do Código Florestal aprovada pelo Congresso em 2012.

Zimbo Trio - Samba de uma nota só (Tom Jobim)

Carlos Drummond de Andrade: Canto ao homem do Povo - Charles Chaplin

(Trecho / Parte VI -final)
VI

Já não penso em ti. Penso no ofício
a que te entregas. Estranho relojoeiro
cheiras a peça desmontada: as molas unem-se,
o tempo anda. És vidraceiro.
Varres a rua. Não importa
que o desejo de partir te roa; e a esquina
faça de ti outro homem; e a lógica
te afaste de seus frios privilégios.

Há o trabalho em ti, mas caprichoso,
mas benigno,
e dele surgem artes não burguesas,
produtos de ar e lágrimas, indumentos
que nos dão asa ou pétalas, e trens
e navios sem aço, onde os amigos
fazendo roda viajam pelo tempo,
livros se animam, quadros se conversam,
e tudo libertado se resolve
numa efusão de amor sem paga, e riso, e sol.

O ofício é o ofício
que assim te põe no meio de nós todos,
vagabundo entre dois horários; mão sabida
no bater, no cortar, no fiar, no rebocar,
o pé insiste em levar-te pelo mundo,
a mão pega a ferramenta: é uma navalha,
e ao compasso de Brahms fazes a barba
neste salão desmemoriado no centro do mundo oprimido
onde ao fim de tanto silêncio e oco te recobramos.

Foi bom que te calasses.
Meditavas na sombra das chaves,
das correntes, das roupas riscadas, das cercas de arame,
juntavas palavras duras, pedras, cimento, bombas, invectivas,
anotavas com lápis secreto a morte de mil, a boca sangrenta
de mil, os braços cruzados de mil.

E nada dizias. E um bolo, um engulho
formando-se. E as palavras subindo.
Ó palavras desmoralizadas, entretanto salvas, ditas de novo.

Poder da voz humana inventando novos vocábulos e dando sopros exaustos.
Dignidade da boca, aberta em ira justa e amor profundo,
crispação do ser humano, árvore irritada,
contra a miséria e a fúria dos ditadores,

ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu bigode
caminham numa estrada de pó e de esperança.

sábado, 3 de março de 2018

Roberto Freire: Silêncio cúmplice

- Blog do Noblat

O drama humanitário enfrentado pelos venezuelanos, que vêm deixando o seu país em função do desmantelo político, econômico e, principalmente social, é um problema grave no qual o Brasil está cada vez mais envolvido. Basta que se observe o que ocorre no estado de Roraima, sobretudo na capital Boa Vista, destino de algumas dezenas de milhares de refugiados que chegam em busca de uma oportunidade de sobrevivência.

Para que se tenha ideia da dimensão do estrago causado pela ditadura de Nicolás Maduro, dados obtidos pelo portal “800 Notícias” apontam que quase 2 milhões de cidadãos deixaram a Venezuela nos últimos anos. A Colômbia é o principal destino (550 mil), seguida por Equador (280 mil), Panamá (260 mil), Espanha (250 mil), Chile (160 mil), Peru (100 mil), entre outros. Até agora, o Brasil recebeu cerca de 34 mil pessoas vindas daquele país.

Quando se analisa a tragédia venezuelana sob o ponto de vista de quem vive no Brasil, o que chama a atenção é o silêncio conivente de grande parte da nossa assim chamada intelectualidade e de alguns artistas que, aliás, se notabilizam pelo ativismo político. Muitos dos nossos pensadores, além de inúmeros expoentes da cultura brasileira que se manifestaram de forma corajosa contra a ditadura militar de 1964, contribuindo decisivamente com a luta pela liberdade e a reabertura democrática do país, simplesmente silenciam em relação ao horror do regime de Maduro. Tal comportamento dá margem, inclusive, a que se imagine haver um caráter seletivo de indignação – como se houvesse extremo rigor ao se condenar o autoritarismo à direita, mas condescendência quando se trata de uma ditadura à esquerda. Esse duplo padrão moral é inaceitável e inadmissível.

Alberto Aggio: Impasse nas eleições italianas

Revista Será? (PE)

Em meio às nossas turbulências paroquiais, acompanhamos desde o Brasil as eleições para o Parlamento italiano a serem realizadas no próximo domingo, 04 de março. São eleições gerais para a recomposição do Parlamento e indicar um novo governo para o país. Contudo, pelas últimas pesquisas, não é certo que se consiga indicar um novo Primeiro Ministro e formar um novo governo. A divisão em três blocos políticos assume feições irreconciliáveis, impedindo a formação de uma maioria. Isso faz parte da lógica do Parlamentarismo que os italianos conhecem muito bem.

As eleições de domingo não mexem com a Presidência da República, hoje exercida por Sérgio Mattarella. A mudança, se houver, atingirá o Primeiro Ministro, Paolo Gentiloni, que governa com o apoio de uma coalisão que tem no Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, sua maior força.

Apesar dos anos de crise e austeridade, a Itália vem saindo da recessão e a economia vem evidenciando um crescimento significativo para padrões europeus. Dessa forma, é equivocado imaginar que a retomada econômica não tenha sido resultado de programas e ações governamentais, como alguns imaginam. As eleições não se realizam, portanto, em meio a um cenário de fracasso irreversível do governo de turno. E, mesmo com as divisões políticas, com as quais os italianos convivem há décadas, não se pode dizer que a população espera que o melhor é não haver governo algum. Esse é um raciocínio hipócrita e calcado numa visão estereotipada dos italianos de que, em seu momento, Mussolini se aproveitou, ao afirmar que “governar os italianos não era impossível, era inútil”.

Estas eleições se realizam num cenário novo do ponto de vista institucional em razão da nova lei eleitoral que reintroduziu a proporcionalidade no sistema eleitoral. Isso pode dar ensejo a uma alteração no perfil da democracia italiana, que passaria a ser uma “democracia de partidos” e não apenas de líderes, ainda que haja necessariamente uma combinação entre essas duas dimensões. Com essa mudança aumentou a fragmentação partidária e a competição eleitoral, com a necessidade da formação de coalizões relativamente autônomas com vistas à formação do futuro governo.

Cristovam Buarque: Improvisos seculares

- O Globo

Urgência de cuidar do fuzil nos faz desprezar a importância do lápis

Ainda no século XIX, um dos maiores brasileiros de nossa história, Joaquim Nabuco, disse que a Abolição ficaria incompleta se os escravos não recebessem terra para trabalhar, e seus filhos não recebessem escolas para estudar. Não lhe deram atenção. Cem anos depois, outro dos maiores brasileiros da história, Darcy Ribeiro, disse que se o Brasil não construísse escolas naquele momento, teria de construir cadeias no futuro.

Junto com o então governador Leonel Brizola, Darcy iniciou a construção de um sistema estadual de escolas públicas com máxima qualidade: os Cieps. Os governadores seguintes não deram continuidade a esse sistema em horário integral. Em 1990, o ex-presidente Collor tentou levar a ideia para o resto do Brasil com os Ciacs, mas, com o impeachment, a tentativa de federalização foi abortada.

A sociedade brasileira continuou sua marcha de pobreza, violência, desigualdade, ineficiência, improvisando soluções parciais para cada problema. Eleitos e eleitores não percebem que o berço de nossos problemas está na falta de um sistema nacional de educação com máxima qualidade; que o futuro de um povo tem a cara de sua escola no presente (83% dos jovens infratores abandonaram a escola ainda na educação de base). A população vê a ameaça de uma pessoa portando fuzil, mas não vê a esperança em um professor segurando um lápis, um livro, um computador dentro de uma boa escola. No momento, quase todo carioca apoia, e os demais brasileiros invejam, a decisão de federalizar a segurança do Rio de Janeiro, mas nem imaginam que a maior parte se opõe a uma federalização da educação de base. Preferimos continuar nas improvisações seculares: “Abolição”, “República”, “desenvolvimento”, “democracia” e “segurança” sem educação. A urgência de cuidar do fuzil nos faz desprezar a importância do lápis, mas guiar-se apenas pelo desespero com a violência não leva à construção da paz.

Fernando Gabeira: Para além do dinheiro

- O Globo

Suprir salário que não satisfaz com o artifício de uma gambiarra como o auxílio-moradia é um equívoco dos juízes federais

Os juízes federais anunciam uma greve no dia 15 de março. De um modo geral, apoio os magistrados e os procuradores na sua luta contra a corrupção.

Conseguiram avançar muito nesse campo. Muito mais do que nós, que tentamos a mesma tarefa na política e acabamos neutralizados pela aliança transpartidária dos bandidos.

Essa história do auxílio-moradia, no entanto, não é facilmente defensável. O auxíliomoradia é definido para os que não têm casa nos lugares para onde são deslocados.

Conheci juízes em Rondônia que viajam quilômetros, fazem audiências em igrejas e dormem em redes. Um dos meus projetos de programa é viajar com eles e mostrar o que acontece num lugar remoto, quando a Justiça chega e começa a funcionar.

Esta menção é apenas para ressaltar o nível de desprendimento e idealismo que encontro em muitos deles, alguns ameaçados de morte.

Compreendo que o salário não satisfaz, não foi aumentado como se prometeu. No entanto, o caminho de supri-lo com o artifício de uma gambiarra é um equívoco.

A sociedade não aceita a insistência que pode colocar em risco a própria luta contra a corrupção, pois abre uma brecha na valiosa qualidade que é a coerência.

O Brasil vive momentos típicos de nossa cultura avessa à precaução. Discutia-se até aqui a reforma da Previdência, até que a segurança pública caiu na nossa cabeça.

Não tenho dúvidas de que, adiante, a Previdência Social cairá também na nossa cabeça. Nesse momento, certamente não só a Justiça e as próprias Forças Armadas como parte do funcionalismo público serão chamadas a colaborar, adaptando-se ao inevitável esforço nacional.

João Domingos: Muito a mostrar

- O Estado de S.Paulo

A pergunta que fica: conseguirá o candidato do governo vencer a guerra da comunicação?

O candidato do governo à Presidência da República terá o que mostrar na campanha eleitoral: taxas de juros que despencaram, inflação abaixo do piso da meta, País fora da recessão, retomada do emprego, embora de forma ainda tímida, crescimento de 1% do PIB em 2017, depois de dois anos em queda forte, com expectativa de avanço de 3% esse ano, e recuperação da Petrobrás, tanto em valor quanto em credibilidade.

Sem falar na decisão do presidente Michel Temer que levou à intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, apoiada por ampla maioria da população, conforme pesquisas já feitas. Tão apoiada que transformará a questão do combate à criminalidade num dos principais motes da campanha eleitoral.

O PT e os partidos a ele aliados por certo continuarão a dizer que o programa ultraliberal de Temer não poderia ter sido aplicado, pois ele foi eleito na mesma chapa de Dilma Rousseff. E, na campanha, não se falou em nenhum momento que o governo tentaria privatizar boa parte de suas estatais nem que faria uma reforma trabalhista ou o controle dos gastos públicos por intermédio de uma emenda constitucional. São argumentos políticos e continuarão a sê-lo. Porque a realidade os supera. Em menos de dois anos Temer tirou o País do rumo do caos econômico deixado por Dilma Rousseff e o pôs para andar.

Merval Pereira: Cai a blindagem

- Globo

Ao acatar o pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, de incluir o presidente Michel Temer na investigação sobre o suposto pagamento de R$ 10 milhões em propinas da Odebrecht para o PMDB, acertado em um jantar no Palácio Jaburu quando ainda era vice-presidente, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin confirmou uma jurisprudência que havia sido interrompida na gestão de Rodrigo Janot.

Temer fora excluído do inquérito, que inclui os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha, porque o antecessor de Dodge argumentava que a Constituição proíbe a responsabilização do presidente por crimes cometidos antes do início do mandato.

Dodge é de uma linha diversa, que conta com o apoio de jurisprudência do Supremo segundo a qual o presidente pode ser investigado, mas não denunciado por crimes cometidos fora de seu mandato presidencial.

O ex-ministro Teori Zavascki, relator no Supremo da Lava-Jato na ocasião, concordou com Janot, mas voltou atrás meses depois, admitindo que o entendimento consolidado da Suprema Corte permitiria a abertura de investigação contra a então presidente Dilma Rousseff na Lava-Jato, caso houvesse indícios do envolvimento dela em irregularidades:

Demétrio Magnoli: O marketing acadêmico

- Folha de S. Paulo

Na era Lula, acadêmicos eram militantes partidários. Agora, eles ingressam no ofício de marqueteiros

A campanha presidencial simulada de Lula dissolveu a delgada película que ainda separava o pensamento acadêmico do imperativo partidário. O ácido foi derramado pelo professor da UnB Luis Felipe Miguel, que criou uma disciplina intitulada “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.

Uma reclamação imprópria do ministro da Educação serviu como pretexto para que dezenas de colegas emulassem o gesto de vandalismo intelectual, ofertando disciplinas idênticas em departamentos da USP, Unicamp, UFBA, Ufam e outras. Na “era Lula”, acostumamo-nos com a redução de acadêmicos a militantes partidários. Agora, assistimos ao ingresso deles no ofício de marqueteiros.

O vaga-lume ativa e desativa a bioluminescência segundo suas necessidades biológicas. O PT acende e apaga o sinal de “golpe” de acordo com as circunstâncias políticas. O luminoso foi ativado para reagrupar a militância, na hora do colapso dilmista, mas desativado pouco depois, quando o PT anunciou a retomada das alianças eleitorais com os partidos “golpistas” (o MDB e as siglas do “centrão”). Hoje, pressiona-se novamente o interruptor para denunciar o veto legal à candidatura de Lula. A ciência política tem algo a dizer sobre as funções desempenhadas pela narrativa do golpe. Já os acadêmicos que a reproduzem, aplicando-lhe um verniz de discurso científico, depredam a instituição na qual trabalham.

Na UFBA, a disciplina decola no golpe do Estado Novo, transita pelo golpe de 1964 e aterrissa no “golpe de 2016”, que abriria uma etapa de “autoritarismo”. As leis de exceção, a proibição de partidos, a cassação de parlamentares, as prisões políticas, a tortura, a censura, a repressão a manifestações —nada disso aparece no “golpe de 2016”, que obedeceu à letra da Constituição e procedeu segundo regras ditadas pelo STF. Por qual motivo, além da fidelidade ao partido, a disciplina não contempla o “golpe de 1992” (ou seja, o processo de impeachment contra Collor)?

Julianna Sofia: Salvaguardas

- Folha de S. Paulo

MP que atenua reforma trabalhista está parada no Congresso

O presidente Michel Temer disse, em artigo na Folha, que a reforma trabalhista deverá acelerar a geração de empregos neste ano e endossou a aposta de analistas de mercado de 3 milhões de novas vagas (formais e informais) em 2018.

As mudanças na embolorada CLT entraram em vigor em novembro. Na ocasião, o emedebista se viu obrigado a editar uma medida provisória para cumprir um acordo feito com o Senado. Para compor com o presidente e o empresariado, os parlamentares daquela Casa se abstiveram do direito constitucional de alterar a reforma trabalhista aprovada pela Câmara. Não trocaram uma vírgula do texto votado —sem muito debate— pelos deputados.

Para não ficar muito feio, senadores governistas aceitaram um mimo do Palácio do Planalto: uma MP para fazer as modificações pleiteadas pelos parlamentares da base. Foram 17 mudanças, entre elas a que determina o afastamento de trabalhadoras grávidas de atividades insalubres.

José Márcio Camargo*: Sindicatos e a contribuição sindical

- O Estado de S.Paulo

Ninguém está obrigado a contribuir, a menos que assim o deseje e manifeste explicitamente

A reforma da legislação trabalhista foi uma das mais importantes reformas implementadas pelo governo do presidente Michel Temer. E o fim da contribuição sindical obrigatória foi uma das principais mudanças.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), imposta por decreto pela ditadura do Estado Novo no final dos anos 30 e início dos anos 40 do século passado, tinha como um de seus fundamentos a subordinação das organizações representativas de trabalhadores e empresários à vontade do Estado. Para tal, entre outras medidas, criou uma contribuição obrigatória destinada à manutenção destas organizações, paga pelos trabalhadores e pelas empresas.

A expectativa era de que, por serem financiadas por uma contribuição obrigatória, estas organizações teriam pouco ou nenhum incentivo a desenvolver atividades com o objetivo de aumentar o contingente de trabalhadores (e empresas) voluntariamente filiados. Segundo os formuladores da CLT, a necessidade de atrair o apoio voluntário dos trabalhadores (e empresas) exigiria que estas organizações aumentassem sua capacidade de negociar as condições de trabalho e salários diretamente entre si. O risco seria a perda de controle destes movimentos, conflitos e disputas sociais incontroláveis.

Míriam Leitão: Futuro do PIB

- O Globo

Dentro de um ano, o país estará diante de um número melhor do que o 1% que colheu esta semana. O PIB de 2018 deve ficar, segundo as previsões dos economistas, em torno de 3%. Mesmo com o extremo nevoeiro do cenário político, o país deve dar mais alguns passos na recuperação do produto perdido. O consumo vai subir e até o investimento será positivo.

O crescimento de 2017 foi baixo e concentrado na agricultura, e o único fato a comemorar foi o fim da recessão de 2014-2016. Os indicadores foram positivos, mas magros, e não se sentiu a mesma temperatura em toda a economia. Em 2018, o PIB deve ser mais forte e espalhado pelos demais setores. A agricultura, por ter crescido muito no ano passado e batido recorde de produção, deve encolher 3%. Porém, as projeções estão ficando melhores do que as iniciais. Mesmo sendo menor do que a do ano passado, a colheita de grãos deve ter o segundo maior nível da história: 226 milhões de toneladas. Isso terá outros efeitos benéficos na economia, apesar de estatisticamente o setor entrar na conta com um sinal negativo.

Um dos pontos positivos será manter a recuperação do consumo. As famílias vão consumir mais pela soma de vários fatores positivos: a inflação está baixa, está havendo aumento discreto da renda mesmo com o quadro do desemprego. Os dissídios estão conseguindo reajuste acima da inflação. Haverá nova queda do comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas. E, como já foi dito aqui, isso significa um aumento de R$ 100 bilhões liberados para o consumo ou poupança, segundo projeção do BNP Paribas.

Adriana Fernandes: Promessas sem lastro

- O Estado de S.Paulo

Seria um retrocesso o BNDES abrir a guarda para operações insustentáveis

Longe dos holofotes da imprensa, governadores reconheceram, na reunião convocada esta semana pelo presidente Michel Temer para discutir a segurança pública, que não sabem como enfrentar a crise, que é generalizada. Quem participou da reunião ouviu esse diagnóstico preciso.

Mesmo assim, eles saíram do Palácio do Planalto com a palavra empenhada pelo presidente de que receberão R$ 42 bilhões do governo federal para ações de combate à criminalidade. A maior parte desse dinheiro irrigará os governos dos Estados e municípios por meio de uma linha de financiamento generosa do BNDES, de R$ 33,6 bilhões, como anunciou o governo após a reunião. Não colou.

É uma montanha de dinheiro que não passa de mais uma promessa de campanha eleitoral. À essa altura, é difícil imaginar como os gestores públicos conseguiram fazer em tão pouco tempo cálculos tão precisos para chegar a valores robustos da ajuda federal. E isso sem terem a mínima ideia de como será o planejamento estratégico dessas ações. Puro improviso acertado entre Temer e o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, que apesar de estar em campanha declarada à Presidência da República continua no comando do banco de fomento. Sem nenhum constrangimento.

Diante da desconfiança dos políticos em relação à linha bilionária, Rabello disse aos governadores para não se preocuparem que o BNDES não vai exigir garantias da União nos financiamentos. A não ser que o banco estatal mude as suas próprias regras de classificação de risco dos governos regionais, a declaração do presidente não passa de discurso vazio e sem lastro na realidade.

Hélio Schwartsman: Por que Maduro ainda não caiu?

- Folha de S. Paulo

De acordo com alguns modelos da ciência política, isso já deveria ter ocorrido

Os sinais de que o regime chavista fracassou não poderiam ser mais evidentes. Estão presentes em tudo, dos indicadores macroeconômicos em colapso, às prateleiras vazias dos supermercados, e encontram expressão visceral no aumento da desnutrição e na regressão epidemiológica por que passa o país. Quando pais abandonam seus filhos em orfanatos na esperança de que lá sejam alimentados, sabemos que algo deu muito errado.

Por que então a população não se rebelou e pôs o ditador para correr?

De acordo com alguns modelos da ciência política, isso já deveria ter ocorrido. Muitas das autocracias contemporâneas só sobrevivem porque conseguem entregar alguma prosperidade à população, que, num barganha tácita, deixa de questionar a falta de liberdade política ou mesmo a repressão. É o caso da Rússia de Putin, da Turquia de Erdogan e até da China do Partido Comunista. Foi também, durante algum tempo, a situação da Venezuela sob Hugo Chávez.

Ricardo Noblat: Alckmin terá dois palanques em São Paulo

- Blog do Noblat

PSB enterra candidatura de Joaquim Barbosa a presidente

Em 1998, candidato à reeleição, o presidente Fernando Henrique Cardoso contou com dois palanques em São Paulo: um de Mário Covas (PSDB) e o outro de Paulo Maluf (PPB). Maluf derrotou Covas no primeiro turno, e foi por ele derrotado no segundo. Fernando Henrique se reelegeu direto no primeiro turno, batendo Lula.

Este ano, possível candidato do PSDB à sucessão do presidente Michel Temer, Geraldo Alckmin contará também com dois palanques em São Paulo: o do candidato do PSDB ao governo, provavelmente João Dória, e o de Márcio França (PSB), atual vice-governador, que assumirá o seu lugar em abril e será candidato à reeleição.

Em congresso que termina, hoje, em Brasília, o partido de França indicou com clareza que não apoiará oficialmente nenhum candidato à vaga de Temer. Cada seção estadual ficará à vontade para apoiar o candidato que preferir. Morre assim a mal nascida candidatura a presidente pelo PSB do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa

O PSB nos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste deverá apoiar Alckmin. O PSB no Norte e do Nordeste, o candidato do PT, seja Lula ou qualquer outro. O partido disputará 10 governos estaduais com candidatos próprios. Sua direção acha que, hoje, teria chances de eleger cinco ou sete dos 10. A posição final do PSB só será anunciada em junho.