sábado, 2 de junho de 2018

Miguel Reale Júnior*: Mal-estar geral

- O Estado de S.Paulo

Jamais um recém-empossado presidente encontrou circunstâncias tão favoráveis para se consagrar

Jamais um recém-empossado presidente encontrou circunstâncias tão favoráveis para se consagrar, realizando um governo de reconstrução do País, como sucedeu com Michel Temer. No entanto, em vez de interagir com a sociedade, ávida de transparência e correção, Temer governou de costas para o Brasil, voltado exclusivamente para a Praça dos Três Poderes. Não se identificou com a Nação, prisioneiro dos amigos emedebistas, acusado de prática delituosa com consequente perda de legitimidade, que falta também aos partidos e ao Parlamento.

Se durante a ditadura os partidos políticos não participavam efetivamente do processo decisório, sujeito o País a contínuos “pacotes” impostos de cima para baixo, depois de instaurada a redemocratização, consolidada por nossa Constituição, os partidos cresceram apenas horizontalmente, sem afundar raízes em propostas concretas de ações e metas governamentais.

Desde a eleição de 1989 impera o populismo: os partidos foram derrotados pelas figuras carismáticas de Lula e de Collor. Quanto às próximas eleições, é grande o risco de se instalar uma nova disputa populista, estando à frente de pesquisas candidatos sem densidade, que exploram apenas o lado emocional dos eleitores, sem girar sua pretensão presidencial em torno de propostas a serem filtradas e pensadas pelo eleitorado.

Se as democracias europeias, dos anos 1970 até a década passada, viviam o regime dos partidos e entraram em crise pela chegada avassaladora do mundo digital, no Brasil queimamos etapas: vivemos a crise da representação política sem ter tido partidos com participação política consistente, pois sempre vigorou a proeminência do Executivo, a ponto de se permitir comprar maioria congressual no mensalão e no petrolão.

O País viveu em torno de líderes, FHC como condutor da salvação diante da inflação e Lula, o populista carismático, envolvendo emocionalmente as massas, enquanto a fragilidade dos partidos se acentuou ao ficar demonstrado terem se transformado em associações criminosas, a lavar dinheiro da corrupção mediante doações falsamente lícitas.

Michel Temer*: A democracia real

- O Estado de S.Paulo

No episódio da greve dos caminhoneiros o governo federal praticou plenamente o diálogo para solucionar grave impasse social que poderia trazer imenso prejuízo ao povo brasileiro. Muito maior do que os já registrados. Houve conversas permanentes com os manifestantes.

Ao fim da paralisação, temos um resultado de retorno à normalidade sem que tenha havido, da parte do Estado, nenhum ato de agressão ou violência contra os grevistas. Se houve excesso de algum manifestante mais exaltado ou de empresários que tentaram tirar proveito do episódio, o governo tinha as forças federais e a lei para usar. Nesses casos, demandou o Judiciário, conseguiu decisões favoráveis, aplicou multas pelas infrações cometidas e impôs a ordem. Prendeu somente quem cometeu crimes com abundância de provas. Usou somente a força federal ostensiva para dissuadir piquetes e bloqueios.

Sempre agiu com autoridade, nunca optou pelo autoritarismo. Talvez alguns quisessem cenas de espancamento e arbitrariedade. Chegaram a pedir a quebra dos princípios democráticos. Este governo usará de todos os meios para evitar danos à imagem da nossa democracia. Este é um Gabinete forjado no respeito ao contraditório, na capacidade de ouvir, de respeitar seus interlocutores. Mesmo aqueles que não o entendem terão oportunidade de expressar suas opiniões. Não serão violentados, não serão desrespeitados.

Diálogo e autoridade são marcas fundamentais deste governo. E foi com elas que, durante a manifestação dos caminhoneiros, garantimos a lei e a ordem. Chamamos as forças envolvidas na área de segurança: Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, Força Nacional, Exército, Marinha e Aeronáutica. Elas se impuseram pela autoridade e na defesa dos princípios constitucionais. Foram aos pontos de bloqueio ou de aglomeração e os desmobilizaram sob o manto legal. A Advocacia-Geral da União acionou o Supremo Tribunal Federal, que decidiu em favor da ordem, em favor do País. Agimos todo o tempo em consonância com as instituições do Estado de Direito.

Demétrio Magnoli: A voz do povo

- Folha de S. Paulo

O que o brasileiro diz é que a roda de um caminhão esmagou o sistema político

Decifra-me ou devoro-te! Segundo o Datafolha, 87% dos brasileiros aprovaram o movimento que paralisou o país durante uma semana e 56% defenderam sua continuidade. Ao mesmo tempo, 87% rejeitaram os aumentos de tributos e cortes de gastos públicos necessários para atender às reivindicações do movimento —e 56% avaliaram que o resultado é prejudicial ao “brasileiro em geral”. A “voz do povo” não faz sentido lógico. Mas há método na loucura.

Sondagens sobre a opinião subjetiva a respeito de eventos em curso são investigações complexas. A formulação intrínseca e a contextualização das perguntas têm forte impacto nas respostas. Uma pesquisa do Ideia Big Data, divulgada em O Globo e realizada dias antes, registrou desaprovação majoritária ao movimento (55%). Não há, porém, como fugir ao desafio da esfinge expresso pela contradição interna exposta no relatório do Datafolha. Atrás dela, distinguem-se os contornos da ruína de nosso sistema político.

Greve é o eufemismo destinado a ocultar a precisa natureza de um locaute articulado entre as grandes empresas de transporte e setores politicamente organizados dos caminhoneiros autônomos. O movimento tornou letra morta o direito de ir e vir, provocou o colapso de atividades essenciais, causou perdas universais irreparáveis. À primeira vista, sacralizamos o “direito de manifestação”, elevando-o ao estatuto de dogma e aceitando que seu exercício extremado implique a abolição de todos os outros direitos. De certo modo, absorvemos a pedagogia do lulopetismo, que serve hoje ao bolsonarismo: o “povo organizado”, a corporação, vale mais que a nação.

Ricardo Noblat: Só descobrindo o Brasil outra vez

- Blog do Noblat | Veja

A saída é começar tudo de novo

O general Charles De Gaulle, presidente da França nos anos 60 do século passado, jamais disse uma frase que lhe atribuíram e que ficou famosa: “O Brasil não é um país sério”. Mas se tivesse dito, não estaria de todo errado. Quem sabe não estaria certo?

Combustíveis são commodities. Assim sendo, como outra qualquer outra commodities, seu preço varia de acordo com o mercado internacional. Isso vale, por exemplo, para o aço, o trigo, o ferro e a soja. Por que não valeria para o petróleo?

O governo fraco, de um presidente encurralado por denúncias de corrupção, deu um subsídio de R$ 0,46 no litro do diesel para beneficiar caminhoneiros autônomos. Legal isso! Escondeu, porém, do distinto público que o subsídio beneficiará quem não precisa.

Beneficiará o poderoso e riquíssimo agronegócio que usa diesel nas suas máquinas. Beneficiará as riquíssimas empresas de transporte de cargas. Beneficiará as lucrativas empresas de ônibus que compram o diesel direto das distribuidoras.

(Por sinal, o “rei dos ônibus” do Rio de Janeiro, o empresário Jacob Barata Filho, transborda felicidade. Primeiro porque foi solto três vezes pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo pelo subsídio. Terceiro porque o preço da passagem no Rio aumentou ontem.)

O subsídio beneficiará também os ricos e milionários que tem carro importado a diesel. Porque, aos caminhoneiros, não beneficiará, por mais que o governo diga que multará os postos que não reduzam o preço do diesel. Quer um exemplo disso?

Na semana que antecedeu a greve, um amigo meu, no Rio, comprou duas caixas de morangos por R$ 3,99 cada. Na semana passada, a caixa custava R$ 9,99. Ontem, R$ 7,99. E sabe o que é pior? As pessoas acham que tudo voltará à normalidade.

O economista Pedro Parente reconstruiu a Petrobras – ou pelo menos resgatou sua credibilidade e eficiência. E foi por isso que caiu. Sua queda deve-se a acertos, não a erros. O governo arrombou a porta da Petrobras e isso é um péssimo sinal.

A direita brucutu e a esquerda burra se uniram para exigir a cabeça de Parente, e levaram. Continuarão unidas, desta vez exigindo a cabeça de Temer. Foi isso o que ele conseguiu.

Arnaldo Jardim: Lições da greve

Há hoje uma insatisfação generalizada na sociedade. As pessoas não aguentam mais o que está acontecendo. Desconfiam de tudo e de todos. Demandam justas e necessárias medidas. Mas, muitas vezes, ignoram o seu custo e o prazo necessário para a sua implantação. Eu não me colocarei ao lado dos demagogos que tudo “apoiam”. Por respeito aos valores que sempre defendi, ao longo de minha vida, e por respeito aos cidadãos de bem, de meu país, seguirei sempre alertando para os cuidados necessários, quando da implantação de novas políticas públicas, por considerar ser essa a única postura que, efetivamente, pode contribuir para a construção do Brasil que sonhamos.

A insatisfação pode ser uma alavanca para as mudanças que todos desejamos. Isso é verdade. Mas pode também ser perigoso, se nos enveredarmos por descaminhos, por atalhos, que podem nos levar a destinos que não planejamos e não queremos.

O que é um descaminho? É, para dar um exemplo, diante das necessidades tão graves que vivemos, propor, como solução, a redução de tributos, ignorando o fato de que, ao cortar impostos, estaremos diminuindo os recursos orçamentários existentes, o que nos levará, necessariamente, a cortar outros serviços públicos, que podem ser tão importantes quanto o benefício a ser criado.

Cortar gastos, obviamente, é necessário. Entretanto, precisamos estar conscientes de que, não sendo o orçamento público infinito, a criação de alguns benefícios sociais exigirá o corte de outros, tão necessários quanto, o que precisará contar com o debate e a decisão dos cidadãos brasileiros.

Fernando Gabeira: Para nunca mais parar

- O Globo

Nenhuma causa justifica bloquear combustível, alimentos, deixar hospitais em emergência, adiar cirurgias. É preciso definir limites

O Brasil não pode parar. É uma questão de Estado. Semana que vem, deixo o Brasil por um bom tempo: missão profissional. Já estava acertada desde o início do ano. Passei esses meses, um pouco aos trancos, estudando a história cultural da Rússia. Espero fazer um trabalho interessante.

Mas saio do Brasil com uma pergunta no ar: como é possível impedir que o país pare do novo, como aconteceu na greve dos caminhoneiros? Já escrevi um artigo mostrando a fragilidade do governo. Mas evoluí para considerar que, independentemente da incapacidade do governo, o Brasil não pode parar. É uma questão de Estado.

Do ponto de vista legal, não deveria haver problema. Se um presidente gosta do diálogo e da negociação, ótimo. Mas está fora do seu alcance tolerar uma paralisação nacional que coloque o país de joelhos. Acho que o Brasil tem a obrigação, depois dessa, de formular um plano que impeça o país de parar.

Minha sugestão é um plano que envolva Brasília e estados e que passe por uma simulação. Não há nada de errado em simular. Os japoneses fazem com frequência, para vários perigos em potencial. Aqui, no Brasil, já fizemos simulação de um desastre em Angra. Houve alguns problemas. O pior deles: o policial rodoviário que daria apoio à operação morreu num desastre no perigoso trecho da BR-101.

Merval Pereira: Retrocesso

- O Globo

Saída fere de morte política econômica de Temer. A saída de Pedro Parente da presidência da Petrobras é mais grave pelo que sinaliza, pois evidentemente ele não é o único gestor público capaz de colocar a estatal no rumo certo. Mas a política de subsídios e controle de preços dos combustíveis impede que a credibilidade da empresa seja resgatada, e indica que a intervenção política continuará sendo a tônica, uma repetição como farsa do que faziam sua antecessora e companheira de chapa e o ex-presidente Lula. Um retrocesso que fere de morte a política econômica do governo.

A diferença, em desfavor de Temer, é que anteriormente nos governos petistas essa era uma política de preços com objetivos populistas, a fim de dar a falsa impressão de que a inflação estava sob controle e que a estatal tinha “uma visão social”. Não chegaram ao ponto de vender gasolina a preço de banana, como na Venezuela, mas quebraram a estatal da mesma maneira que a PDVSA foi aniquilada.

Agora, foi uma rendição do governo diante da pressão dos grevistas. Com a volta do tabelamento de preços, ficando refém da corporação dos transportadores, Temer não obteve nenhum ganho político com suas decisões populistas e deu vários passos atrás na bem sucedida reconstrução da Petrobras, baseada numa política transparente de definição de preços dos derivados de petróleo ligada ao mercado internacional, única maneira de recuperar a competitividade da estatal.

O executivo que entrar na Petrobras neste momento estará implicitamente aceitando a mudança das regras, e não terá condições de manter a política anterior, mesmo que oficialmente este seja o discurso. Parece claro que os aumentos sucessivos do diesel impediam um planejamento adequado, e prejudicavam especialmente os caminhoneiros autônomos, mas não somente eles.

João Domingos: Um País de reféns

- O Estado de S.Paulo

Movimento dos caminhoneiros trouxe inovação perigosa: propôs a derrubada do governo

Ao contrário de outros protestos comandados por centrais sindicais e categorias de profissionais, e até algumas tentativas de greve geral – todas fracassadas –, o movimento dos caminhoneiros não só paralisou o Brasil, infernizou como pôde a vida das pessoas e causou ao País e seus cidadãos prejuízos de dezenas de bilhões de reais (prejuízo que continuará a ser pago pela sociedade até não se sabe quando). Tal movimento trouxe ainda uma inovação, perigosa inovação: um embrulho contendo reivindicações econômicas junto com a derrubada do governo. Um governo constitucional, é preciso dizer. Pode até ser acusado pelo PT e partidos próximos de ter se beneficiado de um golpe parlamentar, pois o vice, do MDB, de fato assumiu o lugar da titular. Mas isso é uma questão a ser resolvida entre eles, velhos parceiros. Em termos legais, cumpriu-se o que a Constituição determina: em caso de impedimento do presidente, assume o vice.

Tudo isso que foi escrito nessas primeiras linhas diz respeito aos partidos, às suas velhas rixas, suas rasteiras e sua previsibilidade. O que aconteceu no movimento dos caminhoneiros foi diferente. E por isso mesmo deve ser olhado com muita atenção pelos políticos, candidatos à Presidência e dirigentes das instituições que formam os pilares do Estado Democrático de Direito. Quem pediu a destituição de Michel Temer e o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional não foi um partido político. Foram vozes pertencentes a pessoas que encheram o saco dos políticos, dos ministros do STF, do presidente da República, da democracia. E que acham que só um regime de força pode fazer alguma coisa por eles. Daí, a insistência intervencionista, as faixas pela volta dos militares ao poder, o desprezo pelo direitos coletivos, o desrespeito às decisões colegiadas.

O pensamento não é novo, pois as tendências autoritárias existem desde que o mundo existe. O novo é a forma de organização, montada a partir das redes sociais e sem um comando aparente. Em vez das palavras de ordem que costumam animar militantes de organizações políticas, sociais e sindicais em manifestações na Esplanada dos Ministérios, na Avenida Paulista ou na Cinelândia, o grito do movimento dos caminhoneiros soou a partir do ronco do motor. Cada jamanta se transformou numa arma. E o País, governo, sociedade, todo mundo se tornou refém.

Míriam Leitão: Desmonte econômico

- O Globo

A saída de Pedro Parente acentua o desmonte econômico do governo Temer. Henrique Meirelles abandonou a Fazenda para tentar uma candidatura quase impossível à Presidência. Tem 1% das intenções de voto. Maria Silvia Bastos deixou o BNDES por também tentar, como Parente, implementar no banco uma gestão de corte de subsídios. Entre os principais nomes do primeiro escalão, restou o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, que tem conseguido se blindar da interferência política por ter derrubado a inflação e levado a Selic ao menor patamar histórico.

Números de Parente
A tabela abaixo mostra alguns dos principais indicadores da Petrobras na era Pedro Parente. O valor de mercado aumentou 134%, a dívida bruta recuou 24%, e a geração de caixa mais do que triplicou, segundo a Economática. Antes, o setor dava como certa a necessidade de um aporte do Tesouro para socorrer a companhia. Há duas semanas, a Petrobras havia voltado a ser a empresa mais valiosa da América Latina, cotada em R$ 388 bilhões. Ontem, após a saída do executivo, fechou em R$ 231 bi.

Nome marcado
No governo Fernando Henrique, Pedro Parente ficou marcado como o ministro do apagão, por ter coordenado a equipe que enfrentou a crise elétrica. Mas foi ele que implementou a construção das termelétricas, de backup no sistema, que depois ajudou o país em momentos de pouca chuva. Agora, após ter tirado a Petrobras de sua maior crise, é apontado como culpado pela alta dos combustíveis e a paralisação dos caminhoneiros.

Adriana Fernandes: Brincando com fogo

- O Estado de S.Paulo

O governo dá mostras claras de estar se desminlinguindo e é difícil imaginar de que forma chegará ao final dos sete meses que lhe restam

É impressionante o estrago causado pela greve dos caminhoneiros, que deixou todo o País refém, colocou em xeque o próprio governo, reverbera para outras áreas e está longe de uma solução a curto prazo.

A queda de Pedro Parente – uma reivindicação explícita da meteórica “greve” dos petroleiros – foi apenas a face mais exposta da fragilidade do governo Temer. Um governo que, aliás, parece estar brincando com fogo em sua política para a Petrobrás. A explosão que pode vir daí é fácil de prever.

O governo dá mostras claras de estar se desminlinguindo e é difícil imaginar de que forma chegará ao final dos sete meses que lhe restam. Parente preferiu pular fora a ter de concordar com alternativas alinhadas basicamente à questão da sobrevivência do governo federal.

Se outros integrantes seguirem pelo mesmo caminho, o que restará ao governo? Nas últimas semanas, algumas concepções sobre as quais a equipe econômica parecia inflexível começaram a ser “flexibilizadas”. Não há como negar esse ponto.

O medo de todos eles é que a insatisfação popular ganhe força, desestabilizando ainda mais o governo. Esse cenário assombra o Palácio e as lideranças do Congresso.

A ameaça da volta do imposto sindical: Editorial | O Globo

Devido ao grande volume de recursos que a contribuição movimentava, ações chegaram ao Supremo e precisam ser rejeitadas, em defesa do trabalhador

O governo Temer é fraco, mas não se pode desconhecer seu êxito em enfrentar a pesada herança maldita de Dilma e do lulopetismo. Constituir competente equipe econômica e conseguir aprovar no Congresso projetos essenciais são fatos meritórios.

Entre os avanços, está a reforma trabalhista, que já reduz o número de processos na Justiça. Mas é claro que a desmontagem de uma estrutura arcaica, montada a partir do Estado Novo de Getúlio, ditadura instituída em 1937, não ocorreria sem resistências, em vários planos. Um deles, o Judiciário. O que é natural em qualquer democracia.

Em 28 de junho, deverá ser levado ao plenário do Supremo, pelo ministro Edson Fachin, relator do processo, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) impetrada por entidades sindicais pela volta do imposto. Fachin, segundo “O Estado de S.Paulo”, é simpático ao pedido.

A justificativa do fim do imposto é sólida: a contribuição livre obriga o sindicato a prestar bons serviços às categorias, garantindo, assim, a sua legitimidade. Fachin se baseia em dispositivo constitucional que autoriza a União a criar contribuições para sustentar entidades de representação. Sucede, como argumentam juristas, que não é compulsória a instituição de impostos com este fim. Logo, podem ser revogados, como aconteceu na reforma trabalhista. O imposto para sindicatos é, na verdade, uma violência contra o trabalhador, coisa de república sindicalista.

Parente fora: Editorial | Folha de S. Paulo

Troca de comando na Petrobras acentua temores de retrocesso na recuperação da estatal

Pelos motivos e pelo momento, a saída de Pedro Parente do comando da Petrobras gera efeito inicial desastroso para a imagem da empresa e o que resta da credibilidade do governo Michel Temer (MDB).

Não se trata de endeusar a figura do executivo, nem de imaginar que sua gestão fosse imune a falhas ou excessos. Fato é que, voluntária ou forçada, sua demissão revela a estatal novamente vulnerável a injunções de Brasília

Na véspera via-se o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, a ameaçar com multas postos que não baratearem o óleo diesel. O que parecia um retorno aos fracassados controles dos anos 1980 era nada mais que um desdobramento da recente interferência na política de preços da Petrobras.

Esta pode, sim, ser debatida e aperfeiçoada. O que houve, porém, foi um congelamento decidido de afogadilho, sob a pressão da paralisação dos caminhoneiros —à qual se somaram sindicatos, entidades patronais, parlamentares e pré-candidatos de diferentes correntes ideológicas.

Nos últimos dois anos, durante a gestão de Parente, empreendeu-se um esforço bem-sucedido para tirar a Petrobras do fosso ao qual fora atirada por uma combinação de investimentos tresloucados, corrupção generalizada e represamento populista de preços.

Mais uma vitória do atraso: Editorial | O Estado de S. Paulo

O Brasil sofreu uma baixa muito importante na guerra que as forças do atraso travam contra o País. A demissão de Pedro Parente da presidência da Petrobrás, nas circunstâncias em que se deu, não é apenas a perda de um valoroso colaborador do governo, mas principalmente representa o triunfo dos que parasitam o Estado e sabotam todos os esforços daqueles que trabalham duro para impor alguma racionalidade à administração dos escassos recursos públicos. Fossem as coisas diferentes, o governo não aceitaria a saída de Parente, cuja retidão moral e capacidade profissional não serão encontradas em quase nenhuma sala do entorno da Presidência da República.

Parente foi responsável pela notável recuperação da Petrobrás, que havia sido destroçada pelos governos lulopetistas. Naquela trevosa época, recorde-se, a estatal foi entregue à mais desbragada rapinagem do PT e de seus cúmplices, resultando no famigerado petrolão. Mas engana-se quem pensa que esse foi o pior legado da dupla Lula da Silva-Dilma Rousseff no que diz respeito à administração da Petrobrás.

A estatal transformou-se na petrolífera mais endividada do mundo, à beira do colapso, quando passou a funcionar como máquina de dinheiro para financiar o populismo do PT, que se manifestou tanto na forma de subsídio para os combustíveis como na participação da Petrobrás em empreendimentos controvertidos e mal planejados. O pressuposto era que o papel da Petrobrás – “estratégico”, como não se cansam de dizer os empulhadores – era servir como motor do desenvolvimento nacional. O tal desenvolvimento não veio – em lugar disso, o que essa política doidivanas gerou foi a ruína da maior empresa do País.

Oposição e políticos da base aprovam mudança

Presidenciáveis defendem nova política de preços de combustíveis

Eduardo Bresciani, Bruno Góes e Leticia Fernandes | O Globo

BRASÍLIA - A saída de Pedro Parente da presidência da Petrobras jogou mais gasolina no debate no meio político sobre a política de preços da companhia. Mesmo integrantes da base aliada do governo Michel Temer se manifestaram a favor de alteração na metodologia que permite reajustes diários dos combustíveis. Presidenciáveis também manifestaram seu posicionamento sobre o tema.

O ex-ministro Ciro Gomes, pré-candidato do PDT, comemorou a saída de Parente e defendeu uma mudança na política de preços da companhia:

— É preciso exigir que a política de preços que ele impôs seja trocada. E ela não pode ser trocada por nada de demagogia. Apenas o seguinte, hoje estão transferindo o preço do barril de petróleo da especulação financeira para dentro do Brasil, quando o custo da Petrobras é muitas vezes menor do que o custo do petróleo lá fora.

Em sua conta no Twitter, Marina Silva, pré-candidata da Rede, afirmou que “faltou sensibilidade” a Parente:

Presidenciáveis se dividem sobre demissão

Pré-candidato do PSDB, sigla à qual Parente era ligado, Alckmin pediu que não se desperdice ‘recuperação’ da estatal

- O Estado de S. Paulo.

Nas horas que seguiram o pedido de demissão do presidente da Petrobrás, Pedro Parente, pré-candidatos ao Planalto se dividiram na defesa de sua gestão e na comemoração de sua saída da estatal.

O ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, poupou o ex-dirigente da estatal, ligado as tucanos. Em seu Twitter, disse que não se pode “desperdiçar o trabalho de recuperação da Petrobrás”, mas defendeu uma política de preços da Petrobrás que “proteja” melhor os consumidores. O pré-candidato do PRB, Flávio Rocha, disse, também nas redes sociais, que “Parente repassou o alto custo da ineficiência (das gestões petistas)”.

Já o empresário João Amoêdo (Novo) e o senador Álvaro Dias (Podemos) fizeram defesas mais enfáticas. Nas redes sociais, o primeiro lamentou que “a velha política afasta os bons profissionais”, e o segundo disse que Parente foi “a primeira vítima” da greve.

Em tom moderado, Marina Silva (Rede) reconheceu que a gestão do ex-presidente da estatal foi bem avaliada pelo mercado, mas ponderou que “faltou sensibilidade ao repassar o aumento do preço do combustível direto ao consumidor”.

Saída de Parente escancara fragilidade de política econômica do governo

Subsídio cedido aos caminhoneiros pode prejudicar o caixa da Petrobras

Natália Portinari | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Desde maio do ano passado, quando foram divulgados os áudios de conversas com Joesley Batista e a base aliada no Congresso se retraiu, a agenda econômica do governo Temer tem sofrido sucessivos reveses ---dos quais a Petrobras tinha conseguido, até o momento, se esquivar.

“O governo sofreu um choque político terrível em maio de 2017 e não se recuperou”, diz o economista Samuel Pessôa, colunista da Folha. Desde então, bandeiras da gestão emedebista, como a reforma da Previdência e a privatização da Eletrobras, estão à margem por falta de apoio.

O pedido de demissão de Pedro Parente nesta sexta (1º) mostra que a estatal não estava tão blindada assim. Ruiu a política de preços impopular que, desde julho de 2017, permite que o custo dos combustíveis flutue de acordo com o mercado internacional.

Novo governo italiano planeja gastar mais e expulsar ilegais

Populismo. Entre planos da aliança M5S-Liga está a redução da idade mínima da aposentadoria e a criação da Renda da Cidadania

A coalizão formada pelo Movimento 5 Estrelas e a Liga assumiu o poder na Itália, com Giuseppe Conte como primeiro-ministro, pondo fim a um impasse que já durava 89 dias. Um pacote econômico com medidas populistas deve ser lançado nas próximas semanas. Parte dos recursos para bancá-lo pode vir da política de imigração – e 500 mil ilegais devem ser expulsos.

Partidos sem nomes de partidos: governo italiano planeja gastar mais e deportar

Andrei Netto | O Estado de S. Paulo

PARIS - Depois de 88 dias de impasse político, a Itália pôs fim à mais longa crise institucional nos 70 anos da atual república. A coalizão formada pelo populista Movimento 5 Estrelas (M5S) e pelo partido de extrema direita Liga assumiu ontem o poder, com o desconhecido e controvertido jurista Giuseppe Conte como primeiro-ministro. Entre as promessas do grupo, estão o aumento de gastos públicos e a deportação de 500 mil imigrantes.

Escolhido como 65.º premiê italiano, Conte terá a seu lado os líderes dos dois partidos que lhe dão sustentação: Luigi Di Maio como ministro do Trabalho e Matteo Salvini no Interior, postos-chave do governo. Ambos são vice-premiês.

A posse ocorreu ontem, com o aval final do presidente Sergio Mattarella. Uma primeira reunião foi realizada para fixar as prioridades do novo gabinete, formado por 18 ministros, dos quais 5 mulheres.

À mesa, estavam nomes como o de Giovanni Tria, jurista próximo da extrema direita e escolhido para ser o novo ministro da Economia. Em uma primeira declaração, ele se esforçou para tranquilizar os mercados financeiros indicando que a coalizão não planeja a saída da Itália da zona do euro e da União Europeia: “Na Itália, nenhuma força política quer abandonar o euro”.

Marine Le Pen troca nome da Frente Nacional

- O Estado de S. Paulo.

PARIS - O partido extremista francês Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen mudou de nome ontem para Agrupamento Nacional (AN). A alteração foi definida em uma consulta feita por questionário.

A mudança “encerra um capítulo da história de nosso movimento nacional iniciado há pouco mais de 45 anos, mas é para abrir outro capítulo que, acredito, não será menos glorioso”, declarou Marine em um comício em Baron, perto de Lyon.

Os militantes aprovaram a proposta em um voto por carta. Marine detalhou que 80,8% dos consultados votaram a favor da medida, com uma participação de 53% dos membros. Assim, o partido deixa seu nome histórico, Frente Nacional, que usou desde sua criação, em 1972. Mas conserva seu logo, uma chama azul, branca e vermelha, as cores da bandeira francesa, envolvida por um círculo, cópia da logo do partido neofascista italiano Movimento Social Italiano (MSI), hoje desaparecido. O logo foi mantido para não perder o apoio dos contrários à mudança.

Com o novo nome, Marine quer deixar para trás o passado racista e antissemita, e selar alianças com outras formações. Rebatizar a Frente Nacional é uma “traição”, reagiu o cofundador do partido e pai da atual presidente, Jean-Marie Le Pen, de 89 anos. A referência para Marine é o grupo que o FN conseguiu juntar entre 1986 e 1988, Frente Nacional-Agrupamento Nacional, que contava com deputados da direita, além dos extremistas.

Socialistas assumem o poder na Espanha

Sánchez será o sétimo premiê desde 1977 e pode formar aliança com a esquerda radical

Andrei Netto | O Estado de S. Paulo.

PARIS - Derrotado nas urnas em duas oportunidades, Pedro Sánchez, de 46 anos, líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), venceu ontem a queda de braço no Parlamento da Espanha contra o primeiro-ministro Mariano Rajoy e assumirá o comando da quinta maior economia da União Europeia. A moção de censura, manobra política que viabilizou a queda do premiê, foi a primeira bem-sucedida desde a redemocratização do país, em 1977.

Eleito pelo Parlamento como chefe de governo em dezembro de 2011, Rajoy vivia desde 2016 uma situação instável. Sem maioria no Legislativo, contava com a abstenção da legenda centrista Ciudadanos e de partidos nanicos para se manter no poder.

A situação lhe permitiu enfrentar a crise da Catalunha, em 2017, mas se tornou insustentável desde 24 de maio, quando a Audiência Nacional, a mais alta corte de Justiça, condenou o Partido Popular (PP), do qual é o líder, e 28 de seus altos dirigentes em um processo por corrupção e financiamento clandestino de campanhas eleitorais – o caso Gürtel.

A decisão judicial abriu o caminho para que Sánchez propusesse a moção de censura, ferramenta dos sistemas parlamentaristas europeus que permite contestar um governo. Por 180 votos a favor e 169 contrários, o premiê conservador foi derrubado pelo Parlamento. “Foi uma honra ter governado a Espanha”, afirmou Rajoy, antes da votação que formalizou sua queda. “Entrego uma Espanha melhor do que encontrei. Que meu substituto possa dizer o mesmo.”

Em seu discurso, Sánchez prometeu abrir “uma nova página na democracia da Espanha”. “Queremos dignificar uma democracia sólida, forte e com instituições exemplares.”

Tão logo a votação foi encerrada, recebeu uma salva de palmas dos deputados presentes e os cumprimentos de Pablo Iglesias, líder do partido de esquerda radical Podemos. “Hoje tivemos uma grande notícia. Estamos orgulhosos de poder enviar o Partido Popular à oposição, onde devem estar”, afirmou Iglesias, colocando-se à disposição de Sánchez para participar de uma coalizão de governo. “Espero que Sánchez seja capaz de armar um governo forte e estável e não pretenda governar com 84 deputados.”

Mudança de nome do PPS será decida com a participação de todos, afirma Roberto Freire

- Portal do PPS

Processo de troca de nome foi deliberado durante do 19º Congresso Nacional do PPS
O presidente do PPS, Roberto Freire, gravou vídeo no qual convoca a militância para participar da consulta pública que será lançada na página do partido na Internet sobre a mudança de nome da sigla. A troca, no entanto, só vai ocorrer depois das eleições.

Freire lembra que a consulta, aprovada pela Comissão Executiva Nacional atende deliberação do 19º Congresso Nacional do PPS, em março, que decidiu abrir o processo para a troca de nome. “É fruto de mudança efetiva”, afirmou.

O dirigente disse que “o partido vem mudando desde a transformação do PCB [Partido Comunista Brasileiro] em PPS, em 1992″, com o fim da experiência do socialismo” real na última década do século XX.

“E agora uma outra mudança, com a profunda transformação, até revolucionária, que o mundo está enfrentando com os novos paradigmas da era digital, as redes, plataformas e aplicativos que estão mudando as relações e, evidentemente, a política”, diz.

A nova denominação da sigla também faz parte da estratégia de renovação política do PPS com o ingresso de integrantes dos movimentos da sociedade, como o Agora!, Livres e Acredito.

“Isso será decidido com a participação de todos. E a decisão é de vocês”, afirma Freire no fim do vídeo.

Consulta
A resolução que define o processo de troca de nome do PPS prevê a realização da consulta pública no portal do partido na Internet, em junho, pelo conjunto de filiados, da militância partidária e da sociedade. Os nomes que estarão em consulta são “Convergência” e “Em Movimento”, aprovados por ampla maioria dos membros da Comissão Executiva Nacional. Também serão analisados outros nomes sugeridos pelos participantes da consulta.

Após essa fase, a nova designação do partido será analisada na Convenção Nacional Eleitoral e, se aprovada, agregada a atual denominação no processo eleitoral. A definição, conforme a resolução, é subsidiária ao processo que antecederá a mudança de nome, que deve ser concluída em reunião extraordinária do Diretório Nacional.

Margareth Menezes: Morena do Mar (Caymmi)

Carlos Drummond de Andrade: No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Marcus Pestana: Por um polo democrático e reformista

FAP - (Fundação Astrojildo Pereira)

No próximo dia 5 de junho, no Salão Verde da Câmara dos Deputados, será lançado o manifesto “Por um polo democrático e reformista”. Entre os signatários temos a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do senador Cristovam Buarque (PPS-DF), de intelectuais da estatura de Luiz Werneck Vianna, Bolívar Lamounier e Celso Lafer, do humorista Marcelo Madureira, dos ministros Aloysio Nunes Ferreira e Raul Jungmann e de deputados de diversos partidos.

A preocupação é clara: a possibilidade do campo democrático e reformista, por sua excessiva fragmentação, ficar fora do segundo turno. Como brincou o senador Cristovam Buarque, em uma das reuniões preparatórias, “não podemos admitir passivamente que o segundo turno seja entre a catástrofe e o desastre. Precisamos de uma alternativa que seja socialmente progressista, economicamente responsável e politicamente democrática”.

O documento visa se transformar em alavanca para pavimentar o caminho para um diálogo franco e aberto entre os pré-candidatos que atuam em campo diverso do populismo autoritário e radical, de direita e de esquerda.

O manifesto faz um diagnóstico profundo da atual crise e da complexidade que envolve as eleições de 2018. E ressalta: “Tudo que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade”. Aponta a experiência, o diálogo, a serenidade, o respeito à diversidade e a competência comprovada como o caminho a seguir.

E afirma: “É neste sentido que as lideranças políticas e intelectuais que assinam este manifesto conclamam todas as forças democráticas e reformistas a se unirem em torno de um projeto nacional, que a um só tempo, dê conta de inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social, e afaste o horizonte nebuloso de confrontação entre os extremos radicalizados”.

Confira a íntegra do Manifesto:

Por um polo democrático e reformista

“O Brasil vivenciou recentemente uma das maiores crises de sua história com múltiplas faces que interagem e se retroalimentam. Instabilidade política aguda, recessão econômica profunda, estrangulamento fiscal, corrupção endêmica e institucionalizada, radicalização em um ambiente social marcado pela desesperança, a intolerância e o sectarismo, conflitos e desarmonia entre os poderes republicanos. Faltam pouco mais de quatro meses para as eleições presidenciais. É uma oportunidade rara e única de recolocar o país nos trilhos, desenhando uma trajetória de retomada dos valores fundamentais da ética, do trabalho, da seriedade, do espírito público e dos compromissos com a liberdade, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.

A eleição de 2018 se apresenta talvez como a mais complexa e indecifrável de todo o período da redemocratização. Existem ameaças e oportunidades, interrogações e expectativas, perplexidades e exigências da realidade povoando o ambiente pré-eleitoral.

Tudo que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade. Para nos libertarmos dos fantasmas do passado, superarmos definitivamente a presente crise e descortinarmos novos horizontes é central a construção de um novo ambiente político que privilegie o diálogo, a serenidade, a experiência, a competência, o respeito à diversidade e o compromisso com o país.

É neste sentido que as lideranças políticas que assinam este manifesto conclamam todas as forças democráticas e reformistas a se unirem em torno de um projeto nacional, que a um só tempo, dê conta de inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento social e econômico, a partir dos avanços já alcançados nos últimos anos, e afaste um horizonte nebuloso de confrontação entre populismos radicais, autoritários e anacrônicos.

Esta iniciativa, e isso é vital para seu sucesso, deve agregar, de forma plural, liberais, democratas, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democráticos, numa discussão franca e aberta, sobre os nossos atuais dilemas e os caminhos para a construção do futuro desejado para o Brasil.

Este projeto nacional, visando à construção da necessária e urgente unidade política nas eleições, não deve ser obra de uma dúzia de líderes políticos e intelectuais. Para pavimentar o caminho da unidade terá obrigatoriamente de ser obra coletiva, envolvendo partidos políticos, lideranças da sociedade civil e todos aqueles que pensam o Brasil fora do paradigma autoritário, populista, atrasado e bolivariano.

Os que assinam esse manifesto lançam, como contribuição inicial ao debate e ao esforço coletivo que poderá ser desencadeado, pontos essenciais que podem gerar consensos progressivos em torno da agenda nacional e dos avanços necessários, a partir de uma perspectiva democrática e reformista. Vão aí ideias iniciais para alimentar o debate:

1 – A defesa intransigente da liberdade e da democracia como caminho para a construção do futuro do país, com o fortalecimento das instituições republicanas em sua harmonia e independência, dos direitos individuais e das minorias e da reforma profunda do sistema político com vistas a recuperar os laços perdidos com a sociedade brasileira, erguendo um sistema de representação efetivo submetido a controles sociais eficientes e com suas relações com a população presididas pela transparência e a participação.

2 – A luta contra todas as formas de corrupção, seja no comportamento de servidores públicos, seja na definição de prioridades que não reflitam o interesse público. Reafirmamos o compromisso inflexível com a ética e a honestidade. Tornar cada vez mais público e transparente o espaço público. E desencadear um processo profundo e irreversível de avanços institucionais na consolidação dos mecanismos de controle internos, externos e sociais.

3 – Prioridade absoluta para a transformação inadiável de nosso sistema educacional como elemento central do desenvolvimento nacional na era do conhecimento e da inovação. Todos os esforços governamentais devem ser voltados e a mobilização da sociedade deve ser concentrada no desenvolvimento da educação na primeira infância e na qualificação do ensino fundamental. Esse é o principal desafio brasileiro. Não adianta universalizar sem qualidade. É preciso democratizar as oportunidades garantindo às crianças e aos jovens brasileiros o acesso ao conhecimento e aos valores necessários para enfrentarem as demandas da vida contemporânea, preparando-os para a cidadania e para uma inserção inclusiva no mundo da produção. Devem merecer atenção especial ainda o combate à evasão escolar no ensino médio, o fortalecimento do ensino técnico e a inserção das Universidades no esforço de desenvolvimento nacional. Se é verdade que saúde e segurança defendem a vida, só a educação de qualidade pode transformar a vida, combinada com estratégias inteligentes, criativas e eficazes de desenvolvimento científico e tecnológico. Sem isso o Brasil perderá mais uma vez o “bonde da História”.

Fernando Gabeira*: O bloqueio das ideias

- O Estado de S.Paulo

É tempo também de reorganizar a cabeça, depois desse movimento dos caminhoneiros que parou o País

Aos poucos volta a gasolina aos postos e os alimentos às prateleiras. É tempo também de reorganizar a cabeça, depois desse movimento dos caminhoneiros que parou o País.

Sim, é preciso reorganizar a cabeça. Não vai nisso nenhuma subestimação da inteligência. É que os fatos nos obrigam a uma constante revisão.

Esta semana, por exemplo, lembrei-me duma viagem a Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Isso foi na década dos 90. Rodávamos por estradas precárias e perguntei por que não as reparavam. Alguém me disse que as estradas ali estavam perto da fronteira com a Argentina. Eram tão ruins que desestimulavam uma invasão militar.

Achei bizarro. Afinal, estamos de bem com a Argentina, já havíamos resolvido a questão nuclear fraternalmente. Aquilo era uma desculpa esfarrapada.

Voltando atrás no tempo, sigo pensando que as estradas devem ser as melhores possíveis. Mas percebo, com a paralisação da semana, que num país como o nosso deveriam ser um tema dominante na defesa nacional.

Um país não pode ser tão vulnerável. As notícias de perdas se sucedem: portos, agricultura, comércio, indústria, quase todos os setores da economia nacional foram atingidos.

Isso não quer dizer que nunca mais haverá greve de caminhoneiros. Simplesmente não podem ser devastadoras como esta.

A segunda ideia: como as coisas acontecem sem que sejam detectadas no País. As manifestações de 2013 começaram por causa dos 20 centavos a mais no preços das passagens. E surpreendentemente evoluíram para um protesto geral.

Onde estávamos todos? Talvez mais concentrados no jogo político de Brasília do que propriamente nas tensões sociais. Onde estava o governo, que recebeu uma indicação clara da greve e a subestimou?

Se fosse um pouco mais franco e transparente, pelo menos avisaria à sociedade que algo de muito grave estava para acontecer. Se não quisesse nos defender, ao menos acionaria nossos instintos de autodefesa. Não são necessariamente negativos como uma corrida aos supermercados. Havia muito o que fazer para salvar vidas, garantindo oxigênio, material de hemodiálise, enfim, artigos decisivos para a saúde pública.

As refinarias foram bloqueadas. Como, assim, as refinarias podem ser bloqueadas simultaneamente? Os grevistas chegaram primeiro, embora tenham avisado que iriam desfechar o movimento.

Compreendo a revolta difusa contra políticos que vivem no mundo da lua. Creio que ela é inevitável no Brasil de hoje, em que a sociedade já esgotou sua cota de tolerância.

O governo Temer está preocupado em fugir da polícia e influenciar as eleições. Ele merece uma dose de caos para cair na real. Mas a sociedade, não. Ele já vem sofrendo ao longo desses anos de crise, corrupção, assalto às empresas públicas, como a Petrobrás.

Existe alguma fórmula para evitar que um governo fraco fique de joelhos sem que para isso o próprio País também tenha de se ajoelhar?

O que me ocorre, as ideias ainda não voltaram todas às prateleiras: é um instrumento de Estado, uma lei talvez, que defina que o País não pode parar, independentemente das hesitações do governo.

Ao governo caberia negociar, mas dentro de um quadro em que estradas e refinarias não poderiam ser bloqueadas. Isso subordinaria as próprias negociações.

Merval Pereira: Sem substituto

- O Globo

A frase, atribuída a Lula e não desmentida, que define o candidato do PDT à presidência da República Ciro Gomes (PDT) como “um bom quadro, mas não um líder”, é exemplar do tipo de liderança que o ex-presidente exerce no Partido dos Trabalhadores.

Mais que isso, mostra como ele persiste na ação de não deixar que uma nova liderança de esquerda surja à sua sombra, muito menos fora do PT. O “sapo barbudo” engoliu seu principal concorrente, Leonel Brizola, autor do apelido, transformando-o em seu vice em 1998 para depois descartá-lo, assumindo a liderança da esquerda brasileira sem concorrentes de peso.

Essa é uma das razões por que Lula hoje não quer que Ciro seja a alternativa à sua candidatura. Confirmando que se trata mesmo de uma “metamorfose ambulante”, Lula volta ao “principismo” das origens do PT. Essa expressão vem do início dos anos 1980 do século passado, quando se discutia a criação do Partido dos Trabalhadores.

Na impossibilidade de encontrar definições que agradassem às várias tendências e grupos internos, a estratégia do partido acabou sendo subordinada ao que chamam de “principismo”, uma série de princípios gerais supostamente de esquerda que poderiam ser adotados por qualquer corrente sem constrangimentos.

Eliane Cantanhêde: Nem golpe nem Venezuela

- O Estado de S.Paulo

A greve deixa uma conta altíssima, mas as instituições funcionam

A bandeira da “intervenção militar já” é mais nociva do que o refrão “o Brasil vai virar uma Venezuela”. Nenhuma das duas coisas vai acontecer, mas pregar a ditadura é grave e perigoso, enquanto falar em venezuelização é apenas marketing leviano. Logo, uma mobiliza desmentidos e esconjuros até das Forças Armadas, enquanto a outra não passa de papo de botequim.

A paralisação dos caminheiros sacudiu o governo, acionou o Legislativo e o Judiciário e deixou um rastro de prejuízos bilionários, mas ensinou duas lições: 1) diferentemente do que ocorre na Venezuela, as crises são pontuais, enfrentadas por instituições sólidas e solucionadas; 2) a insatisfação é generalizada, inclusive nos meios militares, mas não há lideranças dispostas a transformar o caos em inferno.

Os radicais são ruidosos, muitas vezes ruinosos, mas são sempre minoria. Têm força para aproveitar uma paralisação com motivos justos para fazer um movimento político sem pé nem cabeça e com pedradas contra os que se dão por satisfeitos e só pensam em voltar para casa com o troféu – e as vantagens – da vitória.

César Felício: O aval

- Valor Econômico

Assombração parlamentarista volta ao cenário

A decisão da presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, de colocar em pauta uma consulta dos anos 90 que estabelece se é possível ou não a instituição de um parlamentarismo a toque de caixa, sem plebiscito, repete um padrão do STF desde 2016: com seu jeito silencioso, com o discreto charme de seus discursos acacianos, a ministra torna maiores problemas já imensos, dado o grau de incerteza jurídica que sua gestão imprime.

A depender da decisão dos 11 ministros do Supremo, estará dado o endosso para uma aventura golpista - não há outro nome possível - que seria desencadeada no Legislativo para aguar a eleição presidencial de outubro.

É perturbador que Cármen Lúcia ressuscite o tema e na sequência tome a palavra no plenário do Supremo para alertar que a democracia corre riscos. A ministra em nenhum momento mencionou a possibilidade de uma ruptura institucional patrocinada pelos militares, mas é claro que é a isso que se referiu quando afirmou que "regimes sem direitos são passados de que não se pode esquecer e nem de que se queira lembrar". A magistrada avisou que estava pronta para o ativismo quando ressaltou: "somos juízes brasileiros, mas antes de tudo somos cidadãos comprometidos e responsáveis pelas necessidades dos brasileiros". O grave momento político, econômico e social fará com que o Supremo aja de ofício, por assim dizer, para evitar o mal maior, que seria a destruição da democracia.

Em 1961 o parlamentarismo já foi a saída civil para deter uma ameaça maior, o levante militar ou um governo do PTB, a depender de como se interpreta aquela quadra. Para tomar posse, João Goulart concordou em emascular seus poderes, abdicando da chefia do governo para um Congresso que não tinha legitimidade para tal. O mesmo espírito casuístico pode imperar na ressurreição do tema. Não é impossível que se pense no parlamentarismo para impor o tal "centro" que os eleitores resistem em valorizar como opção na eleição presidencial.

Bruno Boghossian: Candidato fantasma

- Folha de S. Paulo

Sigla insiste no nome do ex-presidente, afasta aliados e reduz peso político

O PT paga um preço alto ao carregar um candidato fantasma na etapa pré-eleitoral. Ao insistir na improvável participação de Lula na disputa, o partido afasta potenciais aliados, confunde eleitores e reduz seu peso na cena política cotidiana.

A percepção consolidada de que o ex-presidente terá seu registro negado torna absurdas as condições de negociação entre o PT e outras siglas.

Em uma reunião há três semanas, um dirigente do PSB tentou arrancar dos petistas o nome do substituto de Lula —já que a definição terá impacto sobre eleições locais. Um líder do PT respondeu o de sempre: o ex-presidente será candidato.

Ao ouvir o discurso, o socialista se irritou. Disse que era impossível fazer campanha para um político que não chegará às urnas, e que não daria um cheque em branco aos petistas em troca de apoio em seu estado.

O prejuízo dessa estratégia não convence o PT a apresentar outro candidato porque, segundo cálculos da sigla, o estrago é inevitável.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, explicou essa lógica de maneira pragmática: “Nossa base não vai ver automaticamente se aquela pessoa [outro candidato] vai conseguir efetivamente substituir o Lula”.

José de Souza Martins: O caminhonaço

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

O caminhonaço que parou o país nos últimos dias e provavelmente causou prejuízos de bilhões de reais, tanto ao próprio governo quanto à economia privada, é um desses episódios reveladores do que é a crise atual da sociedade brasileira. As revelações são várias, tanto dos seus níveis ocultos quanto dos seus níveis explícitos.

Uma delas é a do vazio do poder. O Estado brasileiro passou por transformações profundas nas últimas décadas: na redemocratização de 1946, no golpe de 1964, no fim do regime militar em 1985 e com a Constituição de 1988. Progressivamente, a representação política popular foi sendo descaracterizada e esvaziada. Os partidos deixaram de representar ideias e doutrinas e decorrentes projetos alternativos de nação. Passaram a representar grupos de interesses, secundarizaram os diferentes grupos de identidade e classes sociais que constituem a diversidade do que é propriamente o povo brasileiro.

O vazio ganhou visibilidade e intensidade nos movimentos de rua de 2013, cujos atores levaram ao impedimento da presidente da República. Até então, o Partido dos Trabalhadores havia cooptado os movimentos populares surgidos à margem do sistema partidário e lhes servira de mediação política. Permitiu-lhes atuar como sujeitos, ainda que adjetivos, da estrutura política do Estado. A partir de então ficou evidente que a margem vinha para o centro do processo político, escapava do controle do PT e escapava da própria política.

Não obstante, uma pobre concepção binária da política cegou as esquerdas, sobretudo o próprio PT, para a nova realidade social e política do país, complexa, diversificada, povoada de sujeitos com nova cara, novas funções sociais e econômicas, novas modalidades de consciência, novas carências. Enquanto isso, políticos de carreira permaneceram agarrados ao poder e a uma visão de mundo atrasada em meio século ou mais.

Dora Kramer: Ilusão verde-oliva

- Revista Veja

A força das Forças Armadas é menor do que supõem alguns civis

Constatação provada e comprovada: gente fraca (governante ou governada) vivencia a própria fraqueza na ilusão de que possa importar fortaleza da gente autorizada e legalmente armada na sociedade, seja tal força oriunda da polícia, do Exército, da Marinha e/ou da Aeronáutica.

Daí termos hoje não só um governo fraco, mas também uma boa parcela da sociedade frágil, aquela que acredita no chamado “ao general” para resolver as coisas. No que tange ao Planalto, ele não resolveu a situação do Rio de Janeiro nem deu o jeito esperado na esquisitíssima greve dos transportadores de insumos essenciais ao funcionamento das cidades.

No tocante a boa parte do eleitorado que aparece nas pesquisas justificando a intenção de voto em Jair Bolsonaro pelo desejo de “volta dos militares” ao comando do país, a História conta a história de um equívoco, como a recente divulgação dos documentos da CIA que revelam o envolvimento direto do presidente-ditador Ernesto Geisel no assassinato de dezenas de brasileiros combatentes do regime militar.

Garotos e garotas precisam ser muito bem ensinados a respeito disso. Esse pessoal não viveu nem sofreu os horrores dos medonhos anos da ditadura. Algo diferente ocorre com os integrantes do atual governo, todos contemporâneos dos anos duros; embora nem todos tenham sofrido torturas, todos sabiam o que acontecia. Entusiastas do regime, colaboradores voluntários ou involuntários, quando não entusiastas do regime fechado.

É o caso dos integrantes da cúpula do atual governo. Quase todos filiados ao MDB, mas não praticantes do MDB de Ulysses Guimarães e companhia. Alguns são oriundos da Arena, outros emedebistas de ocasião, nenhum deles herdeiro da luta contra a ditadura. De onde se relacionam sem medo nem limites com os militares, dando a eles mais poderes do que seria aconselhável.

Ricardo Noblat: Engana-me que eu gosto

- Blog do Noblat

Digo o que você quer ouvir e você finge que acredita

O truque é velho, embora não tão velho assim, mas costuma funcionar. Meses antes de eleições, os políticos mais abastados encomendam pesquisas para saber o que pensam as pessoas sobre os assuntos que possam lhes render mais votos. E depois ajustam seus pontos de vista às opiniões expressas pela maioria dos entrevistados.

Parece democrático, mas não é. Não passa de um engodo. Que quase sempre resulta em estelionato eleitoral. Os políticos servem aos eleitores o que os eleitores querem ouvir, mas não necessariamente o que eles pensam. E assim mentem, escamoteiam. E assim também transfiguram a realidade que enfrentarão mais tarde se eleitos.

Fernando Henrique Cardoso fez isso, por exemplo, para se reeleger em 1998. Não precisou de pesquisas para saber que perderia a eleição se admitisse a verdadeira situação falimentar do país, muito menos que seria forçado a desvalorizar o real. Negou que pretendesse fazê-lo. Mas o fez logo no primeiro mês do seu segundo mandato.

Dilma Rousseff agiu da mesma forma para se reeleger em 2014. Jamais admitiu promover um duro ajuste fiscal se eleita. Dizia que ajuste era discurso da oposição ao seu governo, interessada em derrotá-la. Uma vez reeleita, tentou fazer o ajuste. Cortou gastos com projetos sociais. Faltou-lhe vontade e também apoio para completar a tarefa.

Singer×Sallum

O cientista político e o sociólogo divergem sobre o impeachment e as origens da crise política atual

Por Ruan de Sousa Gabriel | O Globo / Época

• A crise e as eleições por dois respeitados intelectuais brasileiros A greve dos caminhoneiros torna mais aguda a crise política que o Brasil vive?

ANDRÉ SINGER A crise que estamos vivendo agora é decorrência da ruptura inconstitucional que ocorreu em 2016. A derrubada da Dilma por um golpe parlamentar, por uma manobra, representou um esgarçamento da democracia. A fraqueza do governo Temer, que fica visível com a crise dos caminhoneiros, é consequência dessa ruptura institucional. É um governo que tem muita dificuldade para encaminhar uma solução para uma situação desta gravidade. Infelizmente, o que estamos vivendo é consequência de um conjunto de decisões muito mal encaminhadas desde aquela época. Temos de conseguir atravessar este período difícil para chegar até as próximas eleições dentro de condições normais, dentro do calendário normal e, com isso, conseguir virar essa página. A legitimidade do governo Temer é muito baixa. Portanto, ele tem muita dificuldade para solucionar situações como esta que estamos vivendo. A crise é consequência da ruptura institucional e do esgarçamento da democracia que começou a ocorrer com o impeachment da ex-presidente Dilma.

BRASILIO SALLUM Nossa democracia está em crise. Essa crise se manifestou no impeachment de Dilma e nas tentativas de impedir o presidente Temer. O exercício do poder ficou muito difícil. A situação na qual ocorreram as paralisações dos caminhoneiros já era uma situação de fragilidade. Temer não tem força para dirigir o processo. A greve dos caminhoneiros não enfraqueceu o governo. O governo já estava fraco. O Estado brasileiro não consegue definir seus rumos. Não é uma crise nova. Estamos em crise há muito tempo. O impeachment da Dilma foi uma “solução” institucional que não superou a crise. É uma crise grave, que afetou muito a organização do Estado brasileiro, deslegitimando todo o sistema político, que se assentava num solo de corrupção. A greve dos caminhoneiros revelou a fragilidade do governo, as dificuldades do governo para exercer autoridade. Mas tudo isso já vem de muito tempo.

• Foi golpe?

AS Foi golpe. É preciso reconhecer que a Constituição prevê o impeachment, mas exige a comprovação de crime de responsabilidade, o que jamais ficou demonstrado. Logo depois da reeleição de Dilma, diversas forças políticas, como o PSDB, começaram a questionar a legitimidade da presidente. Nos bastidores, Eduardo Cunha começou a trabalhar para que a presidente não concluísse seu mandato. E a extrema-direita começou a fazer manifestações pelo impeachment imediatamente, uma pauta que, na época, ninguém assumia. Até o PSDB era crítico da ideia de um impeachment sem base. Essa falta de embasamento jurídico persistiu. O impeachment de Dilma claramente não se sustenta do ponto de vista legal. É por isso que eu afirmo que, sim, houve um golpe parlamentar.

BS Não foi golpe. O termo “golpe parlamentar” é uma figura de retórica que foi utilizada por quem perdeu. Collor também falava em “golpe parlamentar”. Temos de reconhecer o valor das regras democráticas. Os perdedores da disputa democrática não devem desqualificar as regras. Não se pode dizer que o impeachment não tem base jurídica ou que dois terços da Câmara e do Senado são golpistas porque concluíram que as pedaladas fiscais constituem crime de responsabilidade. Os perdedores podem discordar da tese, mas isso não transforma os outros em golpistas. Infelizmente, esse discurso do “golpe” se manteve, o que prejudica a democracia, pois desqualifica as regras segundo as quais vivemos. Mas, principalmente, esse discurso do “golpe” é um equívoco político tremendo porque tira do principal partido de esquerda do país a capacidade de negociar ao desqualificar seus adversários e transformá-los em inimigos.

• Por que Dilma caiu se, diferentemente do que aconteceu no impeachment de Collor, não havia um amplo consenso das forças políticas em favor de sua destituição?

AS Também por isso podemos falar em golpe. Para derrubar Dilma, formou-se uma maioria relativa para atender ao número de votos que a Constituição exige. No entanto, não se formou nenhum consenso capaz de um impedimento, ao contrário do que ocorreu na época do ex-presidente Collor. Naquela época, havia um consenso no Congresso e na sociedade de que o mandato tinha de ser interrompido porque havia crime de responsabilidade. Nada disso aconteceu agora. Repito: formou-se uma maioria relativa, mas não um consenso que garantisse, além de razões legais, bases sociais e políticas para sustentar o impedimento.

BS No impeachment de Collor, houve um consenso entre as forças políticas que tinham promovido a redemocratização e a Constituição de 1988. Essas forças políticas democratizantes se articularam numa frente para evitar que Collor atuasse antidemocraticamente. Ele agia de forma extremamente voluntarista, não seguia as regras do presidencialismo de coalizão. Collor tinha uma coalizão precária e suspeitas de corrupção pessoal. No caso de Dilma, houve uma sucessão de equívocos da presidente, que tinha uma extraordinária dificuldade de manejar o sistema político — além de uma crise econômica terrível. Nos dois casos, eram presidentes voluntaristas e incapazes de manejar as demandas do Congresso. O que torna extraordinário o impeachment de Dilma é que não havia acusação de corrupção contra ela. Ela caiu por inabilidade política.

• Qual o peso da economia na queda de Dilma?

AS Enorme. É difícil quantificar, porque também houve a Lava Jato e a formação de uma frente antirrepublicana, comandada por Eduardo Cunha e Michel Temer. Mas, claro, a economia pesou muito. A ex-presidente tomou decisões econômicas consistentes. O problema não foi de competência. Não quero dizer que não tenha havido erros técnicos, mas, sim, que houve um plano econômico defensável e consistente, que respondia às demandas dos principais setores industriais, como desvalorização do real, queda dos juros e medidas de proteção à indústria. A nova matriz econômica era consistente, mas perdeu o apoio dos industriais. Dilma fez tudo isso para alavancar o investimento industrial, mas os empresários começaram a reclamar que o governo era muito intervencionista. Mas o governo intervinha em favor da indústria. Há um paradoxo político aí. De fato, em meados do primeiro mandato, Dilma perdeu uma base de apoio fundamental e não conseguiu se recuperar dessa perda.

BS Tremendo. Houve a junção de duas coisas: crise econômica e suspeita de corrupção. O ritmo da economia caiu violentamente a partir de 2014. A crise, combinada à percepção de corrupção no governo petista, criou um mal-estar que justificou a paulatina oposição dos empresários, que, inicialmente, apoiavam Dilma.

• Houve sete impeachments na América Latina entre 1992 e 2015. Esse número elevado contribui para a instabilidade das democracias da região?

AS O impeachment é um recurso constitucional para ser usado muito raramente. Na América Latina, o impeachment está se tornando uma espécie de semiparlamentarismo. Governos muito fracos são interrompidos, o que é um recurso típico de regimes parlamentaristas. Nestes, os governos caem quando não têm mais maioria parlamentar. Mas, na América Latina, não há parlamentarismo, e sim presidencialismo. Esse uso do impeachment é uma completa distorção de sua finalidade.

BS As democracias latino-americanos têm demonstrado extraordinária resistência. Os governos civis se mantiveram. Nos últimos 30 anos, os principais países do continente têm apresentado crescimento econômico medíocre se comparado ao desenvolvimento econômico pujante que ocorreu entre os anos 1930 e 1980. Depois dos anos 1980, houve uma queda assustadora do ritmo de crescimento. Nesse contexto de pobreza relativa, a preservação das regras democráticas é positiva. As quedas de presidentes simplesmente atestam que um presidente não pode governar de forma voluntariosa. Quando um presidente ultrapassa certos limites, ele não se sustenta mais. Ou se sustenta apenas na base da opressão.