segunda-feira, 6 de maio de 2019

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso*

Como ainda estamos em crise (basta olhar o desemprego), é preciso haver sinais positivos para que a crença se mantenha. É hora de apresentar e explicar ao País uma agenda para vencer os desafios do crescimento econômico, da redução da pobreza e da injustiça social. Uma agenda que convoque a Nação, sem sectarismo, para a reconstrução do caminho difícil, mas possível, de desenvolvimento. Políticas que sejam de Estado, e não deste ou daquele governo. No mundo contemporâneo, o governo precisa explicar os porquês de sua agenda para alavancar o desenvolvimento. Este requer a conjugação entre políticas governamentais (incluídas as distributivas e demais pertinentes na área social), um grande esforço na área de ciência e pesquisa, para aumentar a produtividade, e requer ainda a cooperação da “iniciativa privada”, nacional e estrangeira, sobretudo na área de infraestrutura. O Estado, por si, será incapaz de tal proeza. Pior, poderá embaraçar a gestão sem conseguir o aumento da produtividade na economia e nas ações públicas.

*Sociólogo, foi presidente da República, artigo: ‘Assim não dá’, , O Estado de S. Paulo / O Globo, 5/5/2019.

Marcus André Melo*: Malaise na democracia

- Folha de S. Paulo

Estranhos parceiros: governar em má companhia cobra um preço

Quatro em cada cinco brasileiros estão insatisfeitos com a democracia no país segundo pesquisa do Pew Research Center recém-divulgada com base em dados coletados entre maio e agosto de 2018.

Para além dos fatores conhecidos que influenciam a forma de avaliação da democracia —frustração econômica e percepção dos cidadãos quanto à prevalência de corrupção ou injustiças—, a coalizão governativa importa, não só quem ganhou as eleições. Essa conclusão de um estudo de Singh Shane e J Thorton ajuda a explicar a persistência do mau desempenho relativo do Brasil nas avaliações (mesmo quando a popularidade presidencial está alta).

Em “Strange Bedfellows: Coalition Make-up and Perceptions of Democratic Performance Among Electoral Winners”, Electoral Studies, 2016 (Estranhos amantes: composição da coalizão e percepção de desempenho da democracia entre eleitores vitoriosos), os autores utilizam microdados de pesquisas, realizadas entre 1996-2011, com 18 mil eleitores de 46 países.

O estudo mostra que a avaliação da democracia é melhor entre os eleitores cujos candidatos ganharam as eleições e, portanto, estão no poder. Afinal, ganhar eleições produz um senso de eficácia política, de que o voto teve impacto.

Mas os parceiros da coalizão também importam porque, se há o que os autores chamam de “ambivalência de coalizão” (coalition ambivalence) —ou seja, se os parceiros de coalizão são rejeitados—, a avaliação do governo e do funcionamento da democracia piora. Governar com más companhias cobra um preço.

Celso Rocha de Barros*: Guerra às universidades

- Folha de S. Paulo

Sem nada para fazer, alunos de física podem acabar indo assistir aulas sobre Marx

Na semana passada, o governo Bolsonaro marcou mais um item no checklist do novo autoritarismo: declarou guerra às universidades.

Como no caso da guerra ao Supremo Tribunal Federal, foi uma jogada inspirada no que o ditador Viktor Orbán está fazendo na Hungria. Recentemente, o líder húngaro mudou a lei para inviabilizar a permanência da Universidade Centro Europeia (CEU) na Hungria. A universidade deve se transferir para Viena, na Áustria.

A CEU foi idealizada por intelectuais que combateram a ditadura comunista, como o dissidente e depois presidente da República Tcheca Vaclav Havel, e financiada pelo bilionário húngaro George Soros.

Durante a transição para o capitalismo nos anos 1990, a CEU era considerada uma referência de excelência na Europa Central. A universidade foi expulsa da Hungria por ter sido um importante centro de promoção e estudo da democracia húngara, e por sua agenda modernizante, que incluía um programa de estudos de gênero.

É neste mesmo embalo que vamos por aqui.

Bolsonaro começou a semana declarando que cortaria verbas destinadas aos cursos de sociologia e filosofia, argumentando que essas coisas não têm muita utilidade prática.

Na verdade, é difícil saber que pesquisas serão úteis no longo prazo. Por exemplo, quando fui para Oxford fazer meu doutorado em sociologia sobre a transição do Leste Europeu do comunismo para o capitalismo, nunca imaginei que um dia um idiota destruiria a democracia húngara e inspiraria um bando de idiotas brasileiros a tentarem a mesma coisa.

Leandro Colon: Laranjal e balbúrdia

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro teve dois encontros privados com ministro envolvido em esquema de laranjas

A Polícia Federal sob o governo de Jair Bolsonaro avança cada vez mais nas investigações do esquema de desvio de verba pública por candidatas laranjas do PSL, partido do próprio presidente.

O inquérito foi aberto após esta Folha, em uma apuração realizada pelos repórteres Ranier Bragon e Camila Mattoso, revelar que mulheres foram usadas pelo PSL em Minas para burlar a regra que destina 30% de recursos para uma cota feminina nas eleições.

E quem dirigia o PSL local na época? O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado eleito. Empresas ligadas a assessores dele receberam recursos das chapas. Uma candidata acusou o ministro de participação na falcatrua.

Ruy Castro*: Ideias feitas

- Folha de S. Paulo

A jabuticaba não é exclusiva do Brasil. Mas a arrogância, a pretensão e a ignorância querem ser

As ideias feitas são um perigo. Elas nos dispensam de pensar. Como circulam sem contestação, tendemos a ouvi-las, aceitá-las e usá-las como se sobre elas não restasse a menor dúvida. Mas e se estiverem erradas? Eu próprio escorreguei em uma, outro dia (17/4). Referi-me à impressionante afirmação do presidente Jair Bolsonaro, de que onazismo era uma ideologia de esquerda, como uma ideia que, “como a jabuticaba”, só existia no Brasil. Ninguém discutiu a exclusividade brasileira da frase de Bolsonaro —onde mais alguém teria tal ideia? Mas, a da jabuticaba, sim.

Um leitor escreveu para alertar que a ideia de que a jabuticaba só existe no Brasil, que todos repetem, não é verdadeira. Segundo ele, encontram-se pés de jabuticaba também no México, Bolívia, Peru, Paraguai e nordeste da Argentina. Apanhado no contrapé, fui investigar. Consultei amigos com notório saber em jabuticabas —um já produziu um “paper” acadêmico sobre elas— e fui informado de que, de fato, nativa do Brasil, a jabuticaba saiu flanando por aí e pode ser encontrada nos países citados. Donde a famosa frase sobre ela é, no máximo, meia verdade.

Paulo Ghiraldelli Jr.: Em defesa da filosofia e da sociologia na universidade

- Folha de S. Paulo

Disciplinas são, sim, altamente profissionalizantes

A filosofia é importante porque é "a mãe das ciências". A sociologia é essencial porque nos dá modelos de "como funciona nossa sociedade". Esses jargões fáceis contêm verdades simples que todo ministro da Educação deveria saber, até mesmo aqueles nomeados por presidentes com pouca aptidão cognitiva.

No Brasil atual, no entanto, parece que não temos mais como dizer essas coisas evidentes para os que estão no poder. Não escutam. Não sabem o básico e não querem aprender. Então, podemos tentar contar o correto para os outros, os que não são autoridades, mas que não lidam com filosofia e sociologia, e que caíram no velho engodo de que tais disciplinas são improdutivas.

A filosofia e a sociologia são disciplinas altamente profissionalizantes no mundo atual. Na universidade, elas são mais profissionalizantes que computação ou outros ensinamentos tecnológicos. São disciplinas que permitem ao universitário se tornar um profissional diferenciado, que por lidar com os fundamentos de outras ciências, ganha condições de aprender mais rapidamente as técnicas de diversos afazeres. Os que sabem só as técnicas ditas profissionais --facilmente obtidas, não raro, no próprio trabalho-- têm uma dificuldade imensa de trocar de emprego. Nessa situação atual, em que todos são postos para se reinventar a cada dez anos, os filósofos e sociólogos levam vantagem.

Vinicius Mota: Tão perto e tão longe da Venezuela

- Folha de S. Paulo

País que recebe mais refugiados do chavismo marcha para a prosperidade

A Colômbia é o país que mais recebe refugiados da diáspora venezuelana. Segundo as Nações Unidas, mais de 1 milhão, do total de 3 milhões que preferem ver o ditador Nicolás Maduro pelas costas, acabou em terras colombianas.

A julgar pelo contraste entre as trajetórias das duas nações nas últimas décadas, a fronteira entre elas parece um daqueles portais de filmes de ficção conectando dois universos distintos. Ao cruzá-la, deixa-se uma sociedade em colapso para outra que marcha para a prosperidade.

No último decênio, a economia da Colômbia cresceu à taxa anual de 3,5%, ritmo que tende a no mínimo manter nos próximos anos. É quase o triplo da velocidade brasileira (1,2%), que periga declinar ainda mais conforme se aproxima o fecho da segunda década do século 21.

Falta pouco para a renda por habitante colombiana se igualar à brasileira. Em 1980, cada morador da nação vizinha ganhava menos de 60% do que se obtinha no Brasil. A desigualdade aqui parou de cair. Lá não.

Fernando Gabeira: Bolsonaro, rápido no gatilho

- O Globo

Ele diz tantas coisas polêmicas que, ao cabo de sete dias, ninguém se lembra das que abriram a série

Bolsonaro deu um passeio no lado íntimo, falando de sexo, definindo o que pode ou não pode, sobre o número de pênis amputados.

Pensei em comentar o assunto, mas Bolsonaro é tão rápido no gatilho que desatualiza um cronista semanal. Diz tantas coisas polêmicas que, ao cabo de sete dias, ninguém se lembra das que abriram a série.

Bolsonaro disse que o turismo gay deveria ser proibido, por causa das famílias. Os gays lembraram a ele que não nasceram de chocadeiras, mas são filhos de família.

Os jornais enfatizaram que o turismo gay cresceu mais que os outros e ele acaba ajudando lugares arruinados como o Rio.

Bolsonaro disse que vir transar com a mulher brasileira pode. Recebeu críticas. Afinal, um presidente não deveria se meter em relações sexuais de adultos, nem para proibir nem para elogiar.

O que mais me surpreendeu em Bolsonaro é o fato de ter escolhido o tema e deixado de lado algo que realmente tem nos preocupado ao longo dos últimos anos: a prostituição infantil.

Demétrio Magnoli: STF curva-se perante Erdogan

- O Globo

Ato de Fachin converte o sistema judicial brasileiro em tentáculo da repressão do regime autoritário turco

Ali Sipahi era, até um mês atrás, um homem comum. De lá para cá, por um ato do STF, tornou-se o único preso político do Brasil. No 6 de abril, cumpriu-se sua prisão preventiva para fins de extradição, determinada pelo ministro Edson Fachin, sob a acusação de terrorismo. Kafka passeia entre nós: a prova do “crime” de Sipahi, brasileiro naturalizado de origem turca, foi depositar, em 2014, uma ínfima quantia no Banco Asya, então um banco legal na Turquia. Caímos baixo: o ato de Fachin converte o sistema judicial brasileiro em tentáculo da repressão do regime autoritário turco de Recep Erdogan.

Narro uma história que, a essa altura, Fachin teria o dever de conhecer. A cisão entre Erdogan e o clérigo Fethullah Gulen, seu antigo aliado, em 2013, provocou o declínio do experimento democrático na Turquia. A perseguição ao Hizmet, movimento dirigido por Gulen com centenas de milhares de aderentes, ganhou as dimensões de um expurgo colossal desde a tentativa de golpe militar de julho de 2016, atribuída sem provas a seu inimigo político. Sipahi está preso por pertencer à Câmara de Comércio Turco-Brasileira e ao Centro Cultural Turco-Brasileiro, instituições inspiradas pelo Hizmet. Ele é um prisioneiro de consciência feito pela nossa precária democracia, que presta vassalagem judicial a um tirano.

Fachin não está só no pátio da vergonha. Tem a companhia do vice-procurador-geral da República, Luciano Mariz Maia, que assina um parecer do MPF contrário à revogação da prisão preventiva. Conto o que os dois doutores fingem não saber.

Cacá Diegues: Mais abuso

- O Globo

Devemos desaparecer, como as Humanas estão sendo condenadas a desaparecer do ensino superior?

O “Filme B”, publicação dedicada ao que se passa nos mercados brasileiro e mundial de cinema, inicia seu boletim desta semana com o seguinte texto: “Nas ruas e no mercado, só se fala em uma coisa: Vingadores — Ultimato (Disney). O longa chegou feito um vendaval, varrendo dos cinemas os filmes em cartaz, e sem dar espaço para outros lançamentos. (...) O lançamento do filme ocorreu em 3.103 salas de 737 cinemas, isto é, em aproximadamente 92% do circuito total disponível no país”. A euforia é do texto original, os destaques são meus.

Como não está aí para criar polêmica, o redator do “Filme B” não avisa que em todo país do mundo existe uma regra, em geral na forma de lei, que impede esse evidente abuso de poder. Nos Estados Unidos, por exemplo, o país do capitalismo liberal, nenhum filme pode ser lançado em mais que 15% do circuito nacional. No Brasil, a ocupação máxima já foi de 30%, um exagero. Hoje não tem mais isso, o filme americano é lançado como quiser e fica quanto tempo quiser, numa mesma sala.

Isso talvez faça parte do que Delfim Netto (imagine!) chamou recentemente de “direita incultural”, com o governo combatendo defensores de conhecimentos que prometem a construção de uma organização social que pensa sobre seu próprio futuro. Que não estejam condicionados, como “formigas operárias”.

Bruno Carazza*: O lobby a favor do lobby

- Valor Econômico

Projeto de lei em pauta compromete a transparência

No Brasil o poder passa de pai para filho, neto e até bisneto. Com a regra de destinar 30% dos fundos públicos para mulheres, oligarcas privilegiaram mãe, esposa, filhas e até ex para continuar tudo em família. Do outro lado do balcão, as elites empresariais também se perpetuam de geração em geração: Marcelos sucedem Emílios, que pegam o bastão de Norbertos.

Nos anais dos escândalos de corrupção que nos assolam de tempos em tempos, curiosidades ilustram como se articulam as engrenagens entre os donos do poder na política e na economia ao longo das décadas. Na Lava Jato, o lobista da Odebrecht no Congresso era filho do lobista da mesma construtora no escândalo dos Anões do Orçamento, mais de um quarto de século atrás. Os genes da política são dominantes no Brasil.

Apesar do desserviço prestado por políticos e grandes empresários inescrupulosos, não podemos generalizar e demonizar a representação de interesses junto aos órgãos do Estado. De associações de vítimas de rompimentos de barragens a ruralistas, passando por empreiteiras e ONGs ambientais, todos têm o direito de levar seus pleitos, defender suas posições e apresentar informações a nossos representantes no Executivo, Legislativo e Judiciário para que suas decisões sejam tomadas da melhor forma possível.

Para evitar que o lobby legítimo degringole em corrupção, porém, dois requisitos são essenciais: transparência e condições equilibradas de acesso.

Gustavo Loyola*: Expectativas limitam recuperação

- Valor Econômico

Em qualquer cenário de recuperação econômica a reforma da previdência tem uma centralidade absoluta

Os primeiros quatro meses da administração Bolsonaro trouxeram sinais conflitantes para os agentes econômicos que de uma maneira geral iniciaram o ano com expectativas positivas sobre o desempenho do novo governo no campo da política econômica. Essa frustração das expectativas tem sido uma das causas, embora não a única, das dificuldades para uma recuperação mais vigorosa da economia brasileira neste início de ano.

A eleição de Bolsonaro e sua opção por uma equipe econômica de viés indubitavelmente liberal sinalizavam para uma oportunidade ímpar para o Brasil realizar finalmente uma reforma previdenciária que tirasse do horizonte os riscos fiscais e também desse início a um programa de reformas destinadas a aumentar a produtividade da economia e a melhorar o ambiente de negócios vigente no país.

É certo que sempre houve dúvidas sobre a conversão de Jair Bolsonaro às ideias liberais em economia, ele que ao longo de sua carreira política jamais tivera posições alinhadas a esse credo. Porém, a fala do "posto Ipiranga" e sua admissão pública de ignorância em economia bastaram para levar a maioria a crer que Paulo Guedes fosse ditar os rumos da política econômica, sem muita interferência do novo presidente da República.

Ocorre que a indigente capacidade de articulação política no Congresso, a insistência do governo em posturas ideológicas polêmicas e divisivas e a evidente incompetência de alguns dos auxiliares diretos do presidente da República estão contribuindo para minar a confiança inicialmente depositada pela maioria dos agentes econômicos na capacidade de Bolsonaro conseguir com relativa rapidez, e aproveitando o capital político advindo das urnas, obter as vitórias legislativas indispensáveis ao sucesso de uma agenda reformista, nomeadamente na questão da previdência social.

Cida Damasco: No cheque especial

- O Estado de S.Paulo

Governo pede crédito extra para evitar calote e apela à ideologia no corte de gastos

Que o sufoco nas contas públicas não teria alívio tão cedo, ninguém duvidava. A novidade, nesse caso, é a ameaça iminente de descumprimento da chamada regra de ouro, aquela que proíbe o governo de se endividar para cobrir gastos correntes, como pagamento de salários e benefícios previdenciários. Uma confissão de que a situação fiscal é pior do que se dizia. Mecanismo previsto na Constituição, a regra de ouro é uma das bases da responsabilidade fiscal. E corre o risco de ser derrubada justamente agora, apesar da quase “subordinação” da política econômica ao controle das finanças públicas.

A saída é garantir no Congresso a liberação de crédito extra de quase R$ 250 bilhões, para financiar despesas essenciais, entre elas o pagamento das aposentadorias e pensões, dos Benefícios de Prestação Continuada (BPCs) – concedidos a idosos mais pobres ou com deficiência – e do Bolsa Família. A busca desse socorro tornou-se inevitável, frente ao perigo de rupturas no funcionamento da máquina pública. Afinal, não estamos falando de interrupção de atividades específicas e de impacto localizado, como a emissão de passaportes, que ficou suspensa durante algum tempo em 2017 e causou transtornos, mas de atividades cruciais para a população. A possibilidade de calote faz parte de um cenário próximo, a partir de julho.

Ricardo Noblat: Complô para derrubar general

- Blog do Noblat / Veja

À falta do que fazer, outra crise
A bola da vez já foi o ministro Gustavo Bebbiano, da Secretaria-Geral da presidência da República, e ele acabou demitido pelo presidente Jair Bolsonaro.

A bola seguinte da vez foi o vice-presidente Hamilton Mourão. Como ele é inadmissível e sequer pensou em renunciar ao cargo, ficou, mas aparentemente enquadrado.

Desta vez a bola atende pelo nome de Carlos Santos Cruz, general da reserva, ministro da Secretaria de Governo, à qual se subordina a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom).

O busílis tem a ver com a Secom. Ela é responsável pela comunicação do Governo Federal, “coordenando um sistema que interliga as assessorias dos ministérios e das empresas públicas”.

Quem manda nela tem muito poder. Por ora, manda Santos Cruz. Carlos Bolsonaro, apoiado por seus irmãos e pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, quer mandar.

Eles estão perto de conseguir o que querem, com a complacência de Bolsonaro, o pai. O empresário Fábio Wajngarten, que assumiu recentemente a Secom, é amigo de Carlos e discípulo de Olavo.

Wajngarten foi o autor da portaria que informou às empresas estatais que suas campanhas de propaganda deveriam ser submetidas ao crivo da Secom antes de irem ao ar.

A portaria acabou revogada por Santos Cruz que não fora consultado a respeito. De resto, ela desrespeitava a Lei das Estatais que confere soberania às empresas. O general começa a pagar pelo que fez.

Em ação coordenada, o humorista Danilo Gentili pinçou um trecho de uma entrevista concedida por Santos Cruz há cerca de um mês e sugeriu no Twitter que ele era defensor da regulamentação da mídia.

Olavo, guru da família presidencial, dispensou os bons modos que quase nunca usa e bateu duro no general: “Controlar a internet, Santos Cruz? Controlar a sua boca, seu merda”, escreveu no Twitter.

Então os garotos foram para cima. Eduardo, sem citar o general: “Mesmo ao falar de uma fake news contra Bolsonaro sempre defendemos a não regulamentação da internet ou da imprensa”.

Carlos, sempre prolixo: “A internet ‘livre’ foi o que trouxe Bolsonaro até a Presidência e graças a ela podemos divulgar o trabalho que o governo vem fazendo! Numa democracia, respeitar as liberdades não significa ficar de quatro para a imprensa, mas sempre permitir que exista a liberdade das mídias!”.

Finalmente, o pai, psicografado por Carlos: “Em meu governo, a chama da democracia será mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluída as sociais. Quem achar o contrário recomendo um estágio na Coreia do Norte ou Cuba”.

Meteu-se na fritura do general quem menos se esperava, o ministro Sérgio Moro, da Justiça e da Segurança Pública, um adepto recente do Twitter e das demais redes sociais. Ele bajulou o presidente:

“Bom lembrar que não fosse a vitória eleitoral do PR Jair Bolsonaro, estaríamos hoje sob ‘controle social’ da mídia e do Judiciário e que estava expresso no programa da oposição ‘democrática’”.

A hashtag #ForaSantosCruz foi um dos assuntos mais comentados no Twitter. O general subiu no telhado. Dali poderá descer suavemente, mantendo o emprego. Ou despencar.

Rodrigo Maia*: O parlamento tem compromisso com o futuro

- Valor Econômico

O relógio que marca o tempo da política tem peculiaridades. Uma delas é o funcionamento ininterrupto independente da fonte de energia que o alimenta: renovável ou não? Contemporânea ou ultrapassada? A outra é a impossibilidade de fazer os ponteiros voltarem atrás. Logo, fixar os olhos no retrovisor em vez de contemplar o horizonte e buscar soluções para o futuro encarando de frente os desafios do presente pode ser erro fatal.

A Previdência Social será reformada respeitando-se os ritos, os debates e o tempo do Parlamento. Nenhum dos nossos 594 deputados e senadores fugirá a essa responsabilidade, tenho certeza disso. Vislumbrando o Brasil que surgirá no dia seguinte à aprovação da reforma previdenciária, eu e o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre, insistimos para que a Câmara e o Senado comecem a discutir o futuro.

A Educação tem de se tornar ao mesmo tempo matriz e vetor das ações de todos os cidadãos ansiosos por somar esforços e modernizar o país. É obsoleta e inútil a tentativa de criar um gueto, chamando-o de "escola sem partido", a fim de cercar o tema e reduzir a amplitude e da firmeza com que temos de mergulhar nesse tema. É necessário analisar a qualidade dos gastos e os resultados deles para o país. O objetivo deve ser sempre reduzir o gap tecnológico e aproximar os jovens e a Academia daquilo que se investiga em todos os segmentos científicos e tecnológicos. Fundamental realçar: inclusive em Ciências Sociais, núcleo de produção do pensamento crítico.

Em seu livro "21 Lições para o Século 21" o israelense Yuval Noah Harari aposta que os filósofos perfilarão numa das profissões mais requisitadas do futuro. Ele antevê o crescimento da demanda por Filosofia em razão dos vertiginosos avanços de máquinas e equipamentos dotados de Inteligência Artificial (I.A), como nos automóveis autônomos. Dilemas éticos, escreve Harari, serão resolvidos pela I.A. dos dispositivos. Logo, só carecem de uma alimentação humana de ponta naquilo que chama de "algoritmos filosóficos". A indústria de dispositivos com Inteligência Artificial movimentará ao menos US$ 37 bilhões até o ano de 2025. A partir daí, estima-se, crescerá exponencialmente.

O Parlamento vai liderar esse debate. É preciso apostar na melhoria da qualidade dos cursos de Filosofia, Antropologia, Sociologia, Ciências Humanas em geral. A Câmara tem o dever de mediar conflitos entre concepções distintas de uso do saber como ferramenta de libertação. Quando partidários de correntes antagônicas de opinião colidem no ringue educacional o alto preço dos embates é pago por toda a sociedade. Intervir nesse embate paralisante é necessário, urgente e dialoga com a contemporaneidade.

Estudantes de instituições federais protestam contra Bolsonaro no Rio

Presidente participa de cerimônia dos 130 anos do Colégio Militar do Rio (CMRJ); protesto acontece nos arredores

Marcio Dolzan e Denise Luna / O Estado de S.Paulo

RIO - Um grupo com pelo menos 300 manifestantes, a maioria estudantes, se reuniu próximo ao Colégio Militar do Rio (CMRJ), onde o presidente Jair Bolsonaroparticipa de cerimônia alusiva aos 130 anos da instituição na manhã desta segunda, 6. O protesto é contra o corte de verbas na Educação anunciado pelo governo federal na semana passada.

Quase a totalidade dos manifestantes é formada por alunos de instituições federais, em especial dos Colégios Pedro II, Cefet e Instituto Federal, além de alunos de universidades, como UFRJ. Além deles, um grupo carrega bandeiras e faixas da Frente Internacionalista dos Sem Teto. O ato é acompanhado por guardas municipais e Polícia do Exército e nenhum incidente foi registrado até o momento.

Bolsonaro chegou por volta das 8h cercado de forte aparato de segurança. O evento terá várias etapas, entre elas a entrega de uma medalha do Colégio ao presidente, desfiles e discursos das autoridades presentes. Acompanham Bolsonaro o governador do Rio, Wilson Witzel, e o prefeito da cidade, Marcelo Crivella.

Estudantes protestam contra cortes na Educação em frente a colégio que abriga evento com Bolsonaro

Ato reúne pais, professores e alunos do Pedro II e Cefet e de outros institutos impactados com contingenciamento de recursos

Ana Paula Blower / O Globo

RIO — Entoando palavras de ordem como “não vai ter corte, vai ter luta” e “Uh, sai do chão quem defende a educação”, cerca de 800 pais, alunos e professores do Pedro II , Cefet, IFRJ e dos Colégios de Aplicação da Uerj e da UFRJ protestam na manhã desta segunda-feira em frente ao Colégio Militar, na Tijuca, Zona Norte do Rio, onde o presidente Jair Bolsonaro participa de lançamento de selo e medalha comemorativa pelos 130 anos da instituição. O trecho da rua São Francisco Xavier em frente ao colégio está fechado ao trânsito.

Os estudantes protestam contra os cortes de mais de 30% nas verbas destinadas aos institutos e universidades federais, anunciados na semana passada. Organizado pelos grêmios estudantis dos colégios, o ato tinha mais de 3 mil confirmações em sua página no Facebook.

Mãe de uma aluna do Colégio Pedro II do Humaitá, Maryana Queiroz veio apoiar a manifestação dos alunos.

— Nós e outros responsáveis viemos nos unir aos estudantes pra dar apoio na mobilização que é toda deles. É potente. Eles estão organizados, mantendo o controle.

A advogada Claudia Moreira é ex-aluna do Pedro II Tijuca e mãe de aluna co colégio. Ela se juntou à fiilha e demais estudantes no ato, e diz que teme pelo futuro da jovem de 13 anos e de seus colegas diante do corte na instituição.

— Do jeito que está, vai fechar as portas. Chegou num nível que não dá mais — afirma. — O que está acontecendo hoje aqui é muito válido e está ganhando visibilidade.

"Vemos no país clima de ódio", diz Alckmin

Por Fernando Taquari | Valor Econômico

Alckmin: "Querem distribuir armas à vontade e voltar ao Velho Oeste"

SÃO PAULO - O ex-governador de São Paulo e presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin, fez ontem duras críticas ao governo de Jair Bolsonaro, seu adversário na sucessão presidencial de 2018. Sem citar nominalmente a atual gestão, o tucano disse que o país tem hoje uma agenda com ideologia ultrapassada e que representa o "PT de ponta-cabeça". As declarações foram feitas na convenção do PSDB paulista, que elegeu o secretário estadual Marco Vinholi para o comando do diretório estadual.

"Vemos no Brasil hoje um clima de ódio. É o PT de ponta-cabeça, da intolerância, dos donos da verdade e do puxa-saquismo", afirmou Alckmin sob aplausos da militância. Em sua fala, o ex-governador ainda manifestou preocupação com o impacto comercial das críticas de Bolsonaro à China e de sua aproximação com o governo de Israel, desafeto dos países árabes.

"A economia não anda. Falta confiança. Precisamos de uma agenda de competitividade e de inserção internacional. Somos um país de pequeno comércio exterior e ficamos brigando com a China e mundo árabe, comprando briga à toa, uma ideologização ultrapassada", frisou Alckmin, que também condenou a posição do governo Bolsonaro em favor da flexibilização da posse de armas.

"Querem distribuir armas à vontade e voltar ao Velho Oeste", afirmou Alckmin, para em seguida citar uma frase atribuída ao padrinho político, o governador Mário Covas, falecido em 2001. "O cidadão que é coronel e está instruindo o soldado não pode dizer que ele tem que matar. Quem mata bandido, mata também gente que é inocente", acrescentou.

PSDB: Doria e Alckmin divergem sobre futuro

- O Globo

Numa convenção do PSDB marcada por discursos do ex-governador e ex-candidato à presidência da República Geraldo Alckmin, pregando o retorno do partido às origens da Social Democracia, e do atual governador paulista, João Doria, defendendo a renovação da legenda, os tucanos de São Paulo se reuniram ontem para escolher o novo presidente da sigla no estado. O eleito foi o secretário estadual de Desenvolvimento, Marco Vinholi, aliado de Doria

Em conversa com jornalistas, após a convenção, Do ria defendeu uma pesquisa para avaliara mudança de nome do PSD B.

—Defendo que tenha pesquisa não só para avaliar o nome, mas as posturas do PSDB. Isso é mecanismo moderno, como fazem Ibope, Datafolha e outras instituições —disse.

Mais cedo, Alckmin indicou que prefere que o PSDB retorne aos ideais da Social Democracia, que pautaram a fundação do partido, em 1988.

—Hoje nós vivemos rodízios, hoje está na moda mudar de nome, como se nome tornasse um partido melhor ou pior, nos trouxesse alguma virtude, ou, de out rolado, perdoasse algum erro—disse.

Questionado sobre a possível expulsão de Aécio Neves — ovacionado na convenção mineira — do partido, Doria não opinou.

Alckmin prega volta às origens e Doria, renovação, em convenção do PSDB

Encontro acontece em momento no qual os tucanos trocam de direção e repensam futuro da sigla

Carolina Linhares / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com o governador João Doria pregando renovação e o ex-governador Geraldo Alckmin defendendo a volta às origens e combate a modismos, o PSDB elegeu Marco Vinholi (PSDB), 34, novo presidente do partido em São Paulo.

Num momento em que os tucanos trocam a direção e pensam o futuro da sigla, os líderes defenderam o liberalismo e as políticas sociais, mas deram peso diferente ao legado e à juventude da sigla.

"O PSDB mais do que nunca, a partir de agora, deverá ser o partido da juventude, dos jovens, das novas ideias, daqueles que sabem respeitar os cabelos brancos. Esses mesmos cabelos brancos que vão abraçar os jovens e estimulá-los", discursou o governador Doria na convenção estadual do partido neste domingo (5).

Doria exaltou os jovens tucanos que assumem protagonismo na condução do partido —todos aliados do governador, que expande seu domínio sobre o PSDB. Além de Vinholi, ex-deputado e secretário estadual de Desenvolvimento Regional, Fernando Alfredo assumiu o PSDB municipal, Cauê Macris se reelegeu presidente da Assembleia Legislativa, e Bruno Araújo (PE), presente na convenção, já foi saudado por todos como novo presidente nacional do PSDB. A eleição para o cargo será no fim deste mês.

Em contraposição, Alckmin, que é o atual presidente do PSDB, fez um discurso voltado às origens do partido, relembrando sua fundação e citando Mário Covas. "Nós devemos hoje voltar à nossa história, aos nossos princípios, aos nossos valores, à origem que fez o PSDB existir. Por que criaríamos mais um partido? já tem tantos. Para manter o establishment? Para defender gente rica?", questionou o ex-governador.

Alckmin também teceu críticas ao governo de Jair Bolsonaro (PSL). "A gente vê um clima de ódio, é o PT ao inverso, o nós contra eles, a intolerância", disse. O tucano defendeu o estatuto do desarmamento e foi aplaudido: "Quem mata bandido mata também gente que é inocente".

Doria diz que vai aguardar decisão nacional do PSDB para falar sobre Aécio

Governador de SP falou em 'tomar atitude' um dia após Aécio ser ovacionado por tucanos em MG

Carolina Linhares / Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Um dia após Aécio Neves (PSDB-MG) ressurgir como estrela na convenção tucana em Minas Gerais, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), preferiu não tomar partido em relação à expulsão do deputado e ex-governador mineiro.

Aécio passou a ser alvo de críticas de caciques do partido pelo país após ser gravado pelo empresário Joesley Batista, da JBS, em maio de 2017, pedindo R$ 2 milhões. Investigado na Lava Jato, perdeu protagonismo e teve sua expulsão da sigla cogitada por correligionários.

Doria, que é tido como o principal líder tucano hoje, no entanto, evitou defender abertamente a expulsão e disse que irá esperar a decisão da direção do PSDB, que será renovada neste mês.

"Eu acho que nós temos que ter uma atitude, mas em respeito à nova executiva, que assume no dia 1º de junho, eu vou aguardar essa eleição para me manifestar", afirmou durante a convenção do PSDB de São Paulo neste domingo (5).

Aliado de Doria, Bruno Araújo (PE) deve ser eleito o novo presidente do PSDB, em substituição a Geraldo Alckmin (PSDB).

"Esse é um tema que nós temos que discutir no PSDB, não podemos colocar isso debaixo do tapete e fingir que não é um problema. É um tema que a nova executiva do PSDB vai ter que debater e vai ter que enfrentar, não dá para dizer que não tem nenhum tipo de problema e que vai ficar como está", afirmou Doria.

Alckmin diz que tucanos devem fortalecer Social Democracia

Em convenção, presidente nacional do PSDB diverge da proposta de mudar nome do partido, capeitaneada por Doria

Paula Reverbel / O Estado de S.Paulo

Presidente nacional do PSDB e candidato tucano derrotado nas eleições presidenciais do ano passado, Geraldo Alckmin disse neste domingo se opor a uma eventual mudança de nome do partido, possibilidade estudada pelo atual governador de São Paulo, João Doria. “Hoje nós vivemos rodízios, hoje está na moda mudar de nome, como se nome tornasse um partido melhor ou pior, nos trouxesse alguma virtude, ou, de outro lado, perdoasse algum erro”, declarou, em seu discurso na convenção que sagrou Marco Vinholi, aliado de Doria, como o presidente do diretório paulista do PSDB.

“É acessório. Nós temos e que fortalecer aquilo que fez a origem, o nascimento do PSDB, que é a social-democracia. Democracia que começa dentro de casa, que é saber ouvir e dialogar. Hoje a gente vê no Brasil o clima de ódio. É o PT de ponta-cabeça”, defendeu. O ex-governador deixará a presidência do PSDB no final do mês, quando deve ser sucedido pelo ex-deputado Bruno Araújo (PE).

Em abril, Doria disse que encomendou uma pesquisa para avaliar, entre outras coisas, a possibilidade de uma mudança no nome. Na convenção deste domingo, o governador voltou a defender que o partido estude a mudança de nome.

“Vamos fazer uma pesquisa. Ao invés de achar, vamos pesquisar. E quem vai emitir a opinião sobre o nome do partido vai ser a população”, disse à imprensa. “Eu defendo que devemos fazer a pesquisa”, concluiu. Segundo ele, o levantamento também vai definir “posturas” do partido.

Aliados
Além de Vinholi e de Bruno Araujo, diversos aliados de Doria têm subido a posições importantes do PSDB. O governador conta com o apoio de Fernando Alfredo, que assumiu mês passado como presidente do diretório paulistano; Bruno Covas, prefeito de São Paulo e Cauê Macris, presidente da Assembleia Legislativa do Estado, entre outros.

Quando perguntado que espaço Alckmin, um dos fundadores do PSDB, terá no na legenda a partir do mês de junho, os aliados de Doria afirmam que Alckmin e um membro partidário importante. “Geraldo e um quadro fundamental para a gente”, disse Vinholi ao Estado. O ex-governador não terá, no entanto, nenhum cargo.

Planice
Ao lembrar que vai deixar a presidência do PSDB no final do mês, Alckmin deu a entender que vai estar menos envolvido com a política.

“Volto para a planice. Vou ser um militante igual a todos vocês. Batendo forte no peito as crenças que me fizeram 45 anos atrás, ingressar na vida pública”, afirmou no discurso. “Mas não vamos nos ver tanto, eu vou ter que me dedicar mais à medicina e ao magistério”, completou.

'Vemos no Brasil um clima de ódio, é o PT de ponta-cabeça', diz Alckmin

Presidente nacional do PSDB caracterizou governo Bolsonaro, sem mencioná-lo, a um 'PT ao inverso' e afirmou que País tem hoje uma agenda com ideologia ultrapassada

Aline Bronzati / O Estado de S.Paulo

O ex-governador de São Paulo e presidente nacional do PSDB, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou neste domingo, 5, que o Brasil está tomado por um clima do ódio e caracterizou o governo do presidente Jair Bolsonaro, sem mencioná-lo, a um “PT de ponta-cabeça”, a um “PT ao inverso”. Além disso, ele disse que o Brasil tem hoje, segundo ele, uma agenda com ideologia ultrapassada e que não conversa com os anseios do povo.

“A economia não anda porque o Brasil ficou caro, ideologicamente ultrapassado em termos de agenda. Não é a agenda do povo“, disse Alckmin, durante discurso na convenção estadual da legenda, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).

O ex-governador de SP criticou também a posição do governo Bolsonaro na questão da flexibilização da posse de armas. “Querem distribuir armas à vontade e voltar ao velho oeste. Quem mata bandido mata também gente inocente”, disse Alckmin.

Ele enfatizou ainda que todos os partidos estão hoje enfraquecidos, inclusive, o PSDB. Segundo Alckmin, as eleições são circunstanciais e os partidos permanentes, por isso, é preciso refletir sobre esse ponto.

“Devemos hoje voltar à nossa história e princípios, valores e origem. Temos que fortalecer o que fez a origem do PSDB, que é a social-democracia”, afirmou Alckmin, acrescentando que o PSDB não existiria se não fosse Mário Covas.

Sobre a reforma da Previdência, ele garantiu que será feita uma “boa reforma” e que ela está em boas mãos com o deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), que foi escolhido no mês passado para ser o relator da matéria na Câmara. “Para gente rica, aposentadoria do INSS é gorjeta”, emendou Alckmin.

CPMF gigante: Editorial / Folha de S. Paulo

Proposta de um imposto sobre pagamentos é exotismo que turva debate da reforma tributária

Se as correções na Previdência constituem condição necessária para colocar as contas públicas em ordem e consolidar um cenário de juros baixos, a reforma do sistema de impostos apresenta o maior potencial para alavancar a produtividade e ampliar investimentos.

Após décadas de tentativas frustradas de mudanças, o momento se mostra propício para uma agenda ambiciosa na seara tributária. Para tanto, precisa-se de um diagnóstico correto e de bom senso na escolha de prioridades.

A equipe econômica de Jair Bolsonaro (PSL) parece dispor do primeiro requisito, mas o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, peca ao dar ênfase a uma ideia fixa sua —a criação de um imposto sobre pagamentos, que se assemelha à malfadada CPMF.

Provoca-se com isso polêmica desnecessária e perigosa, que pode galvanizar oposição a outras propostas essenciais.

O governo pretende atuar em três vertentes, todas meritórias. A primeira e mais crítica é simplificar a taxação de bens e serviços, que hoje onera em demasia a atividade produtiva e cria enorme contencioso judicial. Tal objetivo conta com virtual consenso entre os estudiosos do assunto.

Agentes públicos protagonizam ataques à liberdade: Editorial / O Globo

Apesar de três décadas da inclusão da livre expressão na Carta, este direito ainda é desrespeitado

A Constituição determina: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Poucos fundamentos republicanos são descritos com tamanha clareza e objetividade. São apenas dezessete palavras no Artigo 5º (Inciso IX) da Carta, mas raros são os dispositivos da ordem jurídica desrespeitados cotidianamente como este.

O pacto político nacional que transformou em cláusula pétrea o direito à liberdade de expressão, de pensamento e de imprensa já conta três décadas. Paradoxalmente, o direito da cidadania à informação continua a ser questionado, na maioria das vezes, por iniciativa de ocupantes de funções públicas, ou seja, aqueles cuja missão precípua deveria ser o resguardo e o zelo dos valores sociais cristalizados na Carta.

A alergia à crítica e ao controle público por parte de grupos que se revezam no poder é motor de iniciativas judiciais contra jornalistas e empresas de mídia em todos os estados.

Essa hostilidade sistemática, e disseminada, fomenta ambiente de constantes violações do direito coletivo à informação. São materializadas até em ameaças de morte, tentativas de assassinato, homicídios e sequestros — contaram-se 52 casos na média anual do último quinquênio, de acordo com a ONG Artigo 19, que estuda causas dessa violência.

Liberdade para empreender: Editorial / O Estado de S. Paulo

Até agora, a atividade de costureira, mesmo desenvolvida em casa, seria considerada ilegal se não dispusesse de alvará prévio. A autorização prévia de autoridade pública não será mais exigida. Esta é uma das medidas de desburocratização incluídas na Medida Provisória (MP) n.º 881, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira passada. A MP 881 institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, com normas que buscam proteger e estimular a iniciativa privada e o livre exercício de atividade econômica, por meio da redução da atuação do Estado, reduzindo ou eliminando exigências prévias para o início de um negócio, controle sobre as atividades e punição em caso de irregularidades apontadas pela fiscalização, entre outros atos que inibem a atividade econômica privada.

Com a edição da MP 881, o governo procura melhorar a imagem do País junto aos investidores, especialmente os internacionais. Essa imagem tem sido caracterizada por pouca liberdade econômica em decorrência do excesso de controle estatal e de exigências burocráticas para a atividade empresarial. Medidas para facilitar a abertura e o encerramento de um negócio, reduzir os controles administrativos e estimular investimentos e inovação vêm sendo prometidas e algumas anunciadas e implementadas nos últimos anos. Mas o quadro geral sobre competitividade da economia brasileira e ambiente para a atividade empresarial continua ruim.

Promessa de gás novo para a competitividade da indústria: Editorial / Valor Econômico

Desde que o ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu um "choque de energia barata" para reindustrializar o país, reduzindo em até 50% o custo do gás natural como insumo, formou-se grande expectativa no setor produtivo em torno de eventuais medidas do governo para quebrar o "monopólio" da Petrobras. A simples iniciativa de colocar o assunto em pauta é muito bem vinda, pois realmente necessária, mas convém calibrar as expectativas.

Deve-se lembrar, antes de mais nada, o contexto das discussões. Com o pré-sal, a oferta de gás associado ao petróleo no Brasil deve saltar dos atuais 65 milhões para 150 milhões de metros cúbicos por dia, em um período de dez anos. Guedes está convencido de que surge, assim, uma chance de repetir-se por aqui o mesmo ganho de competitividade vivido pela indústria americana com o desenvolvimento do "shale gas". Para dar vazão à oferta, é preciso criar demanda - hoje inexistente por causa dos altos preços no país. A indústria brasileira paga mais de US$ 12 por milhão de BTU (unidade térmica britânica e referência no setor), excluindo impostos, na Ásia o custo fica em US$ 10 e US$ 7 na Europa. Nos Estados Unidos, com o gás de xisto, gira em torno de US$ 4.

Carlos Pena Filho: Soneto oco

Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,
pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.

Fabiana Cozza | Mas quem disse que eu te esqueço

domingo, 5 de maio de 2019

Opinião do dia: Yascha Mounk*

A desilusão do cidadão com a política é coisa antiga; hoje em dia, ele está cada vez mais inquieto, raivoso, até desdenhoso. Faz tempo que os sistemas partidários parecem paralisados; hoje, o populismo autoritário cresce no mundo todo, da América à Europa e da Ásia à Austrália. Não é de hoje que os eleitores repudiam esse ou aquele partido político ou governo; agora muitos deles parecem estar fartos da democracia liberal em si.

*Yascha Mounk, cientista político, alemão, professor da Universidade Johns Hopkins. “O povo contra a democracia – por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la”, Introdução, p. 16. Companhia das Letras, 2019

*Fernando Henrique Cardoso: Assim não dá

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Para o Brasil ter rumo é preciso ver os que mandam empenhados no bem-estar coletivo

Já recordei em outras oportunidades o que ouvi de Bill Clinton em Camp David. Quando visito um país, disse ele, pergunto e procuro responder: qual seu maior temor e seu maior sonho? Palavras simples e profundas. No âmago do sentimento de cada povo sempre há algo em torno dessas questões. Aplicando ao Brasil, penso que no inconsciente nacional o que mais tememos é não “dar certo” e o que mais desejamos é crescer, ter desenvolvimento.

Esses sentimentos raramente são conscientes. Traduzem-se de forma concreta, por exemplo, em “quero ter emprego”, quero que “os meus” tenham percursos prósperos; ou, ao contrário, o País não vai para a frente porque “os políticos” roubam muito, “os governos” não ajudam. Ou ainda, na versão mais antiga, não avançamos porque “eles” não deixam (o imperialismo, os estrangeiros ou quem seja). Até agora, porém, não perdemos a esperança de “dar certo”. Depois de 1988, com a nova Constituição, passamos a entender que desenvolvimento requer democracia e inclusão social.

Talvez estejamos começando a viver outro momento. O da desesperança. As pessoas deixam, aos poucos, de acreditar nelas próprias como coletividade. A “culpa” não é de ninguém, é de todos.

Nem culpa é, trata-se de desalento. Também, dirão os mais ácidos, “com esta classe política”... E imaginam que o País seria melhor sem os políticos. Com quem, então: com tecnocratas, com autoritários? Os que assim pensam, sem dar continuidade a seus temores, nos deixam com eles. Para contrastar, li recentemente um texto sobre a China. Chama-se O sonho chinês ou como evitar a dupla armadilha, de Osvaldo Rosales. Desde o governo de Deng Xiaoping, os chineses têm metas aceitas pela maioria (ou inculcadas nela), o governo dispõe de estratégias para orientá-las e de táticas para pô-las em prática. Dispensa, contudo, a democracia que conhecemos e queremos.

Será que não é possível para os brasileiros voltarmos a ter esperança? Nos momentos de incerteza é que mais se precisa de crença. Falta chacoalhar o País outra vez, como fez Juscelino em seu tempo e mesmo o Plano Real, e vislumbrar um futuro mais venturoso. É melhor sonhar com os pés no chão, logo, é preciso dar os primeiros passos. Como imaginar um futuro melhor se as taxas de desemprego não se reduzem? Como reduzi-las sem investimento e como investir sem acreditar no futuro? Parece a quadratura do círculo, mas não é.

Vera Magalhães: O paradoxo de Paulinho

- O Estado de S. Paulo

O ‘sincericídio’ tosco do deputado mostra um risco real para a reforma da Previdência

Paulo Pereira da Silva deve ter dito a primeira coisa sincera em todos os Primeiros de Maio nos quais discursou ao longo da vida de dublê de dirigente sindical e deputado federal – um posto se retroalimentando do outro, num círculo nada virtuoso.

Nesse surto de sincericídio, enunciou o que pode ser batizado daqui para a frente do “paradoxo de Paulinho”: os deputados sabem que precisam aprovar a reforma da Previdência, mas hesitam em apoiar uma proposta robusta, pois ela pode significar o triunfo político de Jair Bolsonaro, sua eventual reeleição e, por consequência, mais quatro anos de infortúnio para a classe política.

Trata-se, por óbvio, de um raciocínio abjeto. Reduz a mero cálculo político um tema crucial para que o País saia do lodaçal econômico e social em que se encontra pelo menos desde 2014, um buraco cavado diligentemente pelo PT sob Dilma Rousseff.

A economia real está parada. Empregos, produção industrial, investimentos, tudo espera algum sinal de que o Brasil vai conseguir romper com o ciclo de escalada da dívida e de produção de déficits fiscais que já dura cinco anos e está contratada para pelo menos mais três – isso se tudo correr conforme o previsto, ou seja, num cenário positivo.

Eliane Cantanhêde: Licença para matar

- O Estado de S. Paulo

Brasil não tem pena de morte, mas número de vítimas em operações policiais dispara

O número de mortos pela polícia no Brasil aumentou 18% neste trimestre, em relação ao ano passado. Em São Paulo, 8%. No Rio, 439 vítimas, o maior número em 20 anos. Esse resultado não é à toa. Reflete o ambiente e a apologia oficial a favor das armas, do recrudescimento policial, da expansão do “excludente de ilicitude” (dispensa de punição para crimes em circunstâncias específicas).

A primeira ação concreta do presidente Jair Bolsonaro foi propor leis para flexibilização de posse de armas, cumprindo uma estridente promessa de campanha e fazendo a festa no comércio de revólveres pelo País afora. E é inesquecível a entrevista do governador Wilson Witzel ao Estado, em que ele confirmou o uso de “snipers” (atiradores de elite) e defendeu abater qualquer um que portar fuzis: “É mirar a cabecinha e... fogo!” Ressuscitou o velho “bandido bom é bandido morto”.

Todos concordam que a violência no Brasil está fora de controle contra homens, mulheres, velhos, jovens e crianças. Logo, o País precisa endurecer. Como? Com leis mais rígidas, a aplicação efetiva e rápida dessas leis e as tais medidas preventivas das quais a gente ouve falar desde criancinha: educação, saúde, igualdade, inclusão social.

Enquanto isso, é preciso de fato radicalizar contra o crime, mas há dúvidas se a solução é sair matando pessoas, mesmo criminosos. Além de o Brasil não ter pena de morte, há o risco de “efeitos colaterais”.

O músico Evaldo dos Santos Rosa foi morto por engano por militares que dispararam 80 tiros contra o carro em que seguia com a família para uma festa infantil.

As mortes em operações policiais crescem, como vimos, e o presidente anuncia que o “excludente de ilicitude” deve ser expandido dos centros urbanos para o campo e de agentes públicos para produtores rurais, que se livrariam de punições por matarem invasores de suas propriedades.

Mario Vargas Llosa *: Acordos em Madri

- O Estado de S.Paulo

Provável aliança entre o PSOE e o Podemos deve incluir algum dos partidos independentistas

Como o Partido Popular temia que a hemorragia de eleitores para o partido nacionalista de ultradireita Vox lhe tirasse muitos votos, ele se inclinou ainda mais para a direita. Como resultado, nas eleições do dia 28, perdeu quase toda a centro-esquerda que o apoiava. Contabilizou o pior resultado da sua história, perdendo mais de 3,6 milhões de votos.

O Vox, que para a esquerda se tornou o lobo feroz dessa campanha eleitoral, com seus ataques à “direita covarde”, contribuiu de modo importante para a debacle do Partido Popular. Ingressa agora no Parlamento com 24 deputados, mas estará ali, provavelmente, apenas para que socialistas, independentistas e comunistas utilizem suas bravatas e imprecações de forte cunho nacionalista, como os alertas de um “fascismo” em perspectiva.

Essa política justificará sem dúvida algumas medidas acertadas, mas também outras ruins e muitas péssimas. O fato é que a sociedade espanhola já é democrática o suficiente para não apoiar um movimento verdadeiramente fascista. Formado por famílias conservadoras aturdidas com a modernização da sociedade espanhola e grupos nostálgicos do franquismo, é provável que o Vox tenha atingido o porcentual máximo de aceitação nessas eleições: 10% dos votos. Mas os estragos causados são consideráveis. Entre eles, o fato de ter prestado um serviço involuntário, mas de grande importância, ao movimento independentista catalão, como veremos adiante.

O partido de Albert Rivera, Ciudadanos, no qual votei, é o outro grande vitorioso dessas eleições. Desesperados diante da contundente vitória do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) e sua possível aliança com o Podemos, muitos empresários, dirigentes sociais e famílias da classe média e alta acham que uma aliança de socialistas e o Ciudadanos poderia livrar a Espanha de uma Frente Popular na qual ambos teriam de incluir também partidos bascos e catalães. Uma ilusão impossível.

Lourival Sant'Anna: Falta de paciência

- O Estado de S.Paulo

Eleitor volta a apoiar Cristina, responsável pela crise econômica que Macri não pôde reverter

A semana foi reveladora dos impasses vividos na América do Sul. Venezuela e Argentina, cada uma ao seu modo, aprofundaram suas agonias. Juan Guaidó, presidente interino proclamado pela Assembleia Nacional, perdeu uma queda de braço pelo apoio dos militares com o homem forte venezuelano, Nicolás Maduro.

No mesmo dia 30, o presidente Mauricio Macri venceu o duelo com os sindicatos alinhados com a principal líder da esquerda, Cristina Kirchner. A Frente Sindical, a CUT argentina, convocou para a véspera do Dia do Trabalho greve geral, cuja adesão foi pequena.

Como costuma acontecer também em outros países, os trabalhadores do metrô de Buenos Aires e das companhias aéreas aproveitaram a facilidade e a impunidade com que emparedam a população e pararam. Mas a maior parte das linhas de ônibus, trens e táxis da capital funcionou.

Macri venceu uma batalha, mas a vitória na guerra está distante. Duas sondagens divulgadas na quarta-feira indicam que o presidente está perdendo terreno na corrida para as eleições de outubro e novembro.

De acordo com a pesquisa Query Argentina, a imagem negativa de Macri soma 61% e a positiva, 30%. Dos entrevistados, 70% dizem que sua situação econômica piorou e 60% acham que continuará piorando. Se as eleições fossem agora, Cristina sairia na frente no primeiro turno com 32% dos votos, e Macri teria 25%. No segundo turno, Cristina ficaria com 38% e Macri com 30%. Ainda há 30% de indecisos.

A consultoria Real Time vê apenas 38% de chance de Macri se reeleger. Kirchner conta com 45%. Os motivos apontados pelos entrevistados estão interligados: inflação persistente e instabilidade cambial. Cristina está estável nessa pesquisa desde o mês passado, enquanto Macri caiu 4 pontos.

Bernardo Mello Franco: Os rejeitados no poder

- O Globo

Na campanha, Bolsonaro se vendeu como um “patinho feio”. No poder, transformou a vingança em política de Estado

Devoto da seita olavista, o chanceler Ernesto Araújo prometeu pautar a política externa pela “fé cristã”. Na sexta-feira, ele revelou uma leitura peculiar do Evangelho. Em discurso para novos diplomatas, o ministro comparou Jair Bolsonaro a Jesus Cristo. Citando o Novo Testamento, descreveu o presidente como um rejeitado que virou “pedra angular” do “novo Brasil”.

“A pedra que os órgãos de imprensa rejeitaram, que a mídia rejeitou, a pedra que os intelectuais rejeitaram, a pedra que tantos artistas rejeitaram, a pedra que tantos autoproclamados especialistas rejeitaram, essa pedra tornou-se a pedra angular do edifício, o edifício do novo Brasil”, exaltou.

O tema da rejeição não aparece só nas palavras do chanceler. Ao se lançar candidato, Bolsonaro disse ser um “patinho feio” na política. “Não sou um patinho feio. Sou um patinho horroroso”, corrigiu-se, quando já liderava as pesquisas. Em outra ocasião, ele se apresentou como um “ilustre desconhecido do baixo clero”.

A descrição era correta, mas também continha um cálculo eleitoral. Ao se vender como um outsider indesejado, o presidenciável buscava a simpatia do eleitor que se sente rejeitado pelo sistema. Bolsonaro apostou no ressentimento, uma receita que tem ajudado a eleger populistas de direita em todo o mundo.

No poder, o sentimento de rejeição costuma produzir ações de vingança. É o que se vê no governo atual, que transformou a revanche em política de Estado. Intelectuais, artistas e professores estão na mira do bolsonarismo. Viraram alvo de ameaças, perseguições e cortes de verba.

Ascânio Seleme: A coragem de Damares

- O Globo

Sem querer parecer preconceituoso ou leviano, mas de onde vejo o mundo, está claro que a ministra Damares Alves exagera ao se mudar para um hotel em razão de supostas ameaças de morte que estaria recebendo. Suas declarações para a revista “Veja” e para a rádio Jovem Pan beiram o inacreditável. Primeiro, ela se compara a Jair Bolsonaro ao dizer, abre aspas, “no momento da posse havia ameaças a mim e ao presidente”. Imagine. Que importância tinha a ministra para ser ameaçada de morte? Seria por causa dos meninos que vestem rosa ou das meninas que preferem o azul?

Ela explica, sem parecer constrangida diante da barbaridade, que o crime organizado estaria tramando contra ela. E elenca quatro modalidades de crimes que ela imagina estar incomodando a ponto de seus chefes planejarem um atentado contra sua vida. “Vamos lembrar que pedofilia é crime organizado. Legalização das drogas, que eu me coloco veementemente contra, tem crime organizado. Crianças desaparecidas, tráfico de mulher, também”.

Alguém consegue imaginar um sujeito que distribui fotos de menores na internet ou arranja encontro entre crianças e pedófilos planejando o assassinato de Damares por causa de sua ação no ministério contra esse tipo de crime? Até porque as políticas do Ministério são de prevenção, nunca de repressão. Também não parece verossímil que pessoas ligadas ao tráfico de mulheres e crianças pensariam em matá-la, apesar de esses crimes serem graves e abundantes no Brasil.

Míriam Leitão: O passado não tem futuro

- O Globo

Há quem defina o governo como a aliança de liberais e conservadores. Liberais têm amargado derrotas e certas teses não são apenas conservadoras

Economistas do governo têm dito que chegou agora ao poder no Brasil uma aliança entre liberais na economia e conservadores nos costumes. É uma narrativa, mas não define esta administração. Liberais têm amargado derrotas. Certas decisões e declarações são contrárias ao progresso e à tendência dos tempos atuais. Quando o governo nega a mudança climática, dá o sinal verde para o desmatamento, demonstra preconceito contra a diversidade étnica e de gênero, anuncia que combaterá o feminismo, não está sendo conservador, está sendo reacionário.

A palavra é vista como ofensa política, mas tem definição precisa. O escritor Mark Lilla, professor de Columbia, no seu livro “A mente naufragada”, explica essa corrente do pensamento. “Os reacionários não são conservadores. Onde os outros veem o rio do tempo fluindo como sempre fluiu, o reacionário enxerga os destroços do paraíso. Ele é um exilado do tempo.”

Quando o presidente Bolsonaro manda tirar do ar uma propaganda, porque ela exibe a natural diversidade dos jovens, ele confessa a natureza da sua reação. Não é liberal um governo em que o chefe de Estado interfere em banco público e determina como deve ser a política de marketing. O Banco do Brasil não é estatal, tem sócios privados. A ordem custou os R$ 17 milhões da campanha fora as perdas intangíveis na imagem da instituição. É um sinal de que os economistas liberais terão que engolir que suas teses sejam ofendidas, no cotidiano da prática administrativa. A agenda liberal andou pouquíssimo, mas o governo já criou barreiras ao comércio de leite em pó, o presidente prometeu mais subsídios ao agronegócio e quis decidir o preço do diesel. Bolsonaro ainda não entendeu o que é ser um liberal na economia.

Suzana Kahn*: Só o conhecimento salva

- O Globo

Não reconhecer a relevância da área de pesquisa, desenvolvimento e inovação em toda a sua abrangência é condenar o país a permanecer à margem do futuro

O mundo atravessa um período de transformações importantes nos padrões de produção, concorrência e consumo, incluindo estilos de vida. Os vetores dessa transformação atuam, pelo lado da demanda, por conta do envelhecimento da população, do aumento de renda e das restrições ambientais. E pelo lado da oferta, por meio de novos atores globalizados e dos avanços da ciência e da tecnologia.

É fundamental que se atente para as mudanças culturais e de comportamento, uma vez que a tecnologia, sozinha, não garantirá o desenvolvimento sustentável. Portanto, ao contrário do que vem sendo defendido equivocadamente por alguns, o conhecimento da área de Ciências Humanas é essencial. A evolução da tecnologia digital ocorre com enorme rapidez: novos produtos, plataformas e serviços são inseridos de maneira acelerada no cotidiano das pessoas. No entanto, essas tecnologias, a exemplo de redes inteligentes, internet das coisas, sensoriamento remoto, “Big Data”, inteligência artificial, afetam e são afetadas pelo comportamento humano. E é exatamente nesse momento que o conhecimento humano não encontra substituto, pois automação e algoritmos não dão conta de compreendê-lo adequadamente, sendo essa área, portanto, uma nova fronteira a ser investigada. Como muito bem apontado por Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia, a Economia Comportamental passa a ser importante no desenvolvimento de novas tecnologias e plano de negócios das organizações.