segunda-feira, 15 de julho de 2019

Fernando Gabeira: Um pouco além das bananas

- O Globo

Trabalhei na infância em fábrica de meias e loja de tecidos. Rigidez dos horários e tarefas mecânicas me entristeciam

Bolsonaro andou falando sobre trabalho infantil. De um modo geral, não costumo comentar todas as frases do presidente. Fazia o mesmo com Lula. Líderes populares falam muito e em lugares diferentes. Às vezes, precisam de um habeas língua; se não, nos obrigam a parecer rigorosos fiscais do politicamente correto.

Acontece que este artigo é resultado de algumas coincidências. Bolsonaro carregava banana nas plantações de Eldorado, no Vale do Ribeira. Eu, quando menino, vendia bananas num balaio. Hoje, também por coincidência, passei o dia documentando a rotina dos bananais. Nada a ver com Bolsonaro, apenas aspecto do meu aprendizado no Vale do Ribeira, nessas três semanas em que me dediquei a viajar pela região.

Vender bananas no balaio foi o trabalho mais fácil que tive. Era independente, podia sempre deixar o balaio num canto e, com um pedaço de cipó, montar um cavalo manso a pelo, colher goiabas ou mesmo tomar um refresco de groselha no armazém de um italiano chamado Seu Menta.

Mas trabalhei ainda na infância numa fábrica de meias e numa loja de tecidos. A rigidez dos horários, as tarefas mecânicas, tudo isso me entristecia como menino. Na verdade, gostava de brincar e satisfazer minha curiosidade sobre coisas que não estavam ali, naquele trabalho.

Isso foi o suficiente para que jamais pensasse em repetir com os filhos aquela experiência de 70 anos atrás. E a passagem dos anos confirmou em teses e até políticas internacionais a importância do brinquedo e do estudo na vida das crianças.

Cacá Diegues: A civilização se transforma

- O Globo

A história da literatura, a construir ou a modificar ideias e projetos, vai mudar a nossa própria história

Foi Jorge Furtado, consagrado realizador de cinema e televisão, quem me alertou para “O mundo da escrita”, livro do qual me deu de presente um exemplar. Nele, o autor afirma que uma sucessão de tecnologias mudou a história da humanidade ao longo do tempo. Algumas levaram séculos entre sua invenção e o uso regular delas. Outras foram inventadas mais de uma vez, conforme as necessidades locais, a distância entre as culturas e os territórios onde eram praticadas.

Uma delas é a escrita, do papiro ao papel, uma tecnologia primeiro inventada na Mesopotâmia, há cerca de cinco mil anos, para servir à burocracia do Estado, à política e aos negócios. Bem antes portanto de servir à literatura propriamente dita. A escrita criada e desenvolvida em diferentes cantos do planeta, durante tanto tempo, é o tema de Martin Puchner, professor de literatura na Universidade de Harvard, em seu livro publicado recentemente pela Companhia das Letras.

Puchner começa “O mundo da escrita” em 1968, num capítulo a propósito da viagem à Lua da Apollo 8. A espaçonave americana levava três astronautas aos céus, e eles traziam consigo um exemplar da Bíblia cristã. Com sincera emoção diante do que viam rodando lá embaixo (me desculpem os discípulos de Olavo, mas a Terra não é plana), cada um dos três leu um trecho do Gênesis, que se inicia dizendo: “No princípio, Deus criou o céu e a terra”. Pelo mundo afora, 500 milhões de espectadores acompanhavam a transmissão do feito pela televisão.

Ao êxtase místico de Anders, Lovell e Borman, Puchner contrapõe Yuri Gagarin, o astronauta soviético que se tornara o primeiro homem a viajar no espaço, cerca de sete anos antes. Gagarin não havia levado consigo uma cópia do “Manifesto do Partido Comunista”, nem discursos de Lênin ou Kruschev, para ler na viagem. Mas, ao descer na Terra, declarou meio sério, meio irônico: “Olhei, olhei, mas não vi Deus”. O piloto soviético e os três astronautas americanos se tornaram parte de uma nova e mais sofisticada etapa da Guerra Fria entre os blocos liderados por seus países. A Guerra Fria também tinha muito de uma guerra entre textos literários fundamentais.

Demétrio Magnoli: Receita para reeleger Trump

- O Globo

‘Havia uma criança na Califórnia, que pertencia à segunda turma da integração das escolas públicas, e ela foi conduzida de ônibus à escola todos os dias. Essa criança era eu.” O depoimento da senadora Kamala Harris, 55 anos, deixou uma marca no primeiro debate televisionado entre os pré-candidatos presidenciais democratas nos EUA. Os democratas movem-se para a esquerda, sob aplausos da militância mobilizada, sinalizando o caminho da reeleição de Donald Trump.

O chamado busing foi um expediente amparado pelos tribunais para promover a dessegregação racial nas escolas, a partir do final da década de 1960. Crianças negras eram transportadas a escolas antes segregadas em ônibus gratuitos.

Harris não recordou sua infância para celebrar o movimento pelos direitos civis, mas para cravar uma seta no rival Joe Biden, o vice de Barack Obama e ainda favorito à nomeação partidária. Biden, um moderado de 76 anos, começou sua carreira política durante a difícil ruptura de seu partido com as políticas segregacionistas. Mais de quatro décadas atrás, ele apresentou um projeto de lei contrário ao busing. Os democratas que tentam puni-lo pelo pecado do passado distante nada aprenderam da tragédia eleitoral de 2016.

A lição estava clara para Obama. Na encruzilhada decisiva de sua primeira campanha à Casa Branca, em março de 2008, ele pronunciou o discurso “Uma mais perfeita união”, que respondia a controversas declarações de seu antigo pastor, Jeremiah Wright. Nele, o “candidato negro” conclamou os americanos à unidade para enfrentar dilemas “que não são negros ou brancos ou latinos ou asiáticos mas que nos confrontam a todos”. Hillary Clinton não soube seguir a trilha desmatada por Obama, sucumbindo à pressão multiculturalista da militância partidária. Cairão os democratas na mesma armadilha uma segunda vez?

Não que só Biden seja capaz de derrotar Trump. Três anos atrás, Trump chegou à Casa Branca perdendo no voto popular por margem de quase 3 milhões de votos. As sondagens indicam que, apesar do ciclo de crescimento econômico, o presidente experimenta consistente reprovação majoritária. Há uma maioria que rejeita, por princípio, o nacionalismo extremado, a arrogância isolacionista, os modos repugnantes e os discursos asquerosos do herói de Bolsonaro. Mas isso não garante o triunfo democrata no Colégio Eleitoral de 2020.

Carlos Pereira: O paradoxo da coordenação

- O Estado de S.Paulo

Quando o espírito do estado de direito estaria sendo violado pela coordenação?

A suposta falta de coordenação entre a polícia, o Ministério Público e o Judiciário sempre foi identificada como uma das principais causas da impunidade no Brasil. A baixa capacidade de articulação, a superposição de funções e até a competição entre essas organizações que fazem parte do sistema de justiça costumavam ser apontadas como as principais causas da morosidade e da baixa eficácia da justiça brasileira, especialmente no que se refere a punir políticos envolvidos em escândalos de corrupção.

A Operação Lava Jato parece ter rompido essa armadilha. O Ministério Público e a Polícia Federal passaram a funcionar sob a organização de "força-tarefa. O então juiz Sérgio Moro foi exclusivamente alocado para trabalhar nos casos da Lava Jato em estreita conexão com promotores e investigadores.

Por meio desses ganhos de coordenação inéditos, o êxito da Lava Jato parece inegável. O portal do MPF mostra resultados expressivos: quase 2.500 procedimentos judiciais instaurados até o momento, incluindo 244 condenações contra 159 pessoas (políticos das mais variadas matizes ideológicas e partidárias, empresários, agentes públicos, etc.) e a recuperação de quase R$ 13 bilhões por acordos de colaboração, sendo R$ 846 milhões objeto de repatriação e R$ 3 bilhões em bens de réus já bloqueados.

Após a divulgação pelo site The Intercept Brasil, de conversas entre algumas das autoridades da Lava Jato, que sugerem ação coordenada e estratégica de seus membros no combate à corrupção, a credibilidade da operação ficou em cheque. Questiona-se a isenção da operação sob o argumento de que a ação coordenada do então juiz Sérgio Moro com os promotores, com objetivos comuns predefinidos, violaria a legislação processual e a ideia de estado de direito.

Será que os resultados exitosos da Lava Jato teriam sido obtidos sem os ganhos de uma ação coordenada e estratégica de seus membros?

Cida Damasco: Impulso para o PIB

- O Estado de S.Paulo

No pós-reforma, debate sobre crescimento inclui estímulos fiscais

Falou-se tanto e por tanto tempo que a reforma da Previdência traria de volta o crescimento, que o debate sobre a viabilidade da retomada virou questão de urgência urgentíssima. Com a aprovação final da reforma praticamente garantida, aumentam as discussões sobre o que é preciso fazer para retirar a economia brasileira da estagnação a um prazo razoável.

O olhar geral é para a pauta específica que o ministro Paulo Guedes e sua equipe preparam nessa direção. Segundo informações antecipadas pelo próprio Guedes, há de tudo um pouco nessa pauta pró-crescimento: da já conhecida liberação de contas ativas e inativas do FGTS e do PIS-Pasep a um impulso no programa de privatização, passando por medidas de desburocratização.

É visível que, em termos de crescimento, 2019 já está perdido. A Secretaria de Política Econômica formalizou a projeção de um modesto Produto Interno Bruto (PIB) de 0,8% em 2019, a exemplo do que já vinha apontando a pesquisa Focus, do Banco Central. A metade do que constava no boletim de maio e quase um quarto das expectativas mais otimistas manifestadas no começo do ano, ainda sob efeito do alto astral da mudança de governo.

José Goldemberg*: Mercosul, UE e a pesquisa científica

- O Estado de S.Paulo

Para competir, indústria local vai ter de procurar melhores tecnologias e métodos de produção

Uma das consequências importantes do acordo firmado pelo Mercosul com a União Europeia (UE) será a de elevar a pesquisa científica e tecnológica do Brasil a um novo patamar. O acordo estabelece que dentro de dez a 15 anos as tarifas de importação de produtos que o Brasil importa da União Europeia, como máquinas, vinhos e cosméticos, serão praticamente eliminadas. O que isso significa é que os produtos importados ficarão mais baratos, competindo fortemente com os produzidos localmente. Hoje muitos deles só sobrevivem porque as tarifas de importação são elevadas, o que protege os produtores nacionais.

Para poderem competir as indústrias locais vão ter de procurar melhores tecnologias e métodos de produção, que se encontram nas universidades e nos institutos de pesquisas do País que foram preparadas para essas atividades, pelas seguintes razões:

• O apoio dado pelo governo de São Paulo às universidades públicas estaduais. O governo paulista dedica cerca de 10% dos recursos do ICMS às três universidades do Estado – USP, Unicamp e Unesp –, o que só ocorre em poucos países do mundo. O governo federal criou, ao longo dos anos, 68 universidades federais.

• O apoio dado pelo governo federal, inclusive no período militar, à pesquisa científica por meio da Finep e do BNDES, como parte de uma visão nacionalista e até de autarquia tecnológica em áreas estratégicas – nuclear, espacial, informática e outras. Essas visões se revelaram, de modo geral, irrealistas como se viu, exceto no caso do petróleo, em que a Universidade Federal do Rio de Janeiro desempenhou importante papel.

O sistema universitário público, no qual se concentra a pesquisa científica e tecnológica do País, beneficiou-se extraordinariamente desse apoio. Até 2014, 120 mil estudantes obtiveram o doutorado e cerca de 300 mil, o mestrado

A julgar pelo número de publicações, formação de mestres e doutores, o setor de ciência e tecnologia (C&T) do Brasil vai bastante bem, principalmente nas universidades do Estado de São Paulo e em algumas universidades federais, como as do Rio de Janeiro (UFRJ) e de Minas Gerais (UFMG), e em institutos de pesquisa, como Embrapa e Fiocruz.

Marco Antonio Villa: Do otimismo ao pessimismo

- Istoé

Nada parecia impossível. Era só uma questão de tempo até virarmos uma potência. Daí vieram os sucessivos tropeços econômicos e políticos

No século XX, até o final dos anos 1970, o Brasil foi o País que mais cresceu no mundo ocidental. O otimismo era uma marca nacional. Os desafios enfrentados eram sempre vencidos. As divergências políticas resumiam-se às distintas formas de crescimento econômico. Mas não havia dúvida: o Brasil era o País do futuro. Uma ampla literatura foi produzida apresentando diversos projetos econômicos, um mais detalhado que outro. No Parlamento, na imprensa, na universidade, no mundo editorial, debatia-se os rumos do País com entusiasmo.

Era raro, muito raro, alguém escolher morar no exterior e desenvolver sua vida profissional fora daqui. Era algo exótico, tendo em vista as oportunidades criadas pelo progresso econômico. Acontecia o inverso: o Brasil recebia anualmente milhares e milhares de imigrantes. Internamente, a população se deslocava em direção às áreas mais desenvolvidas. O futuro — mesmo que imediato — era sempre melhor que o presente.

Marcus André Melo*: A forma da reforma

- Folha de S. Paulo

Jogo de soma positiva: não há um grande vencedor, mas vencedores

O que explica o paradoxo da aprovação do texto-base da reforma da Previdência, por larga margem, por um presidente sem base formal?

Foram 139 dias para a aprovação —Lula levou 104 dias, FHC, 34 meses. FHC e Bolsonaro tiveram que enfrentar resistência por parte da oposição. No primeiro caso, efetiva, no segundo, inócua. Isso explica a diferença de tempo, em dias, para a instalação da comissão especial: 60 (Bolsonaro), 34 (Lula) e 162 (FHC). Lula contou com os votos da oposição, mas deparou-se com uma rebelião de correligionários.

A base parlamentar explica pouco: na fase de tramitação dessas PECs na Câmara, as coalizões estavam em gestação. O PMDB, o partido pivô, não as integrava.

Reformas da Previdência são politicamente difíceis. Os custos são tangíveis e ninguém é ganhador líquido: é uma guerra de atrito em torno de como não perder ou ser menos afetado do que os demais. Os benefícios são difusos e seu impacto diferido no tempo: promessa de crescimento.

O cálculo de custo-benefício dos cidadãos é alterado quando há ameaças aos seus benefícios. Enquanto essas ameaças forem intangíveis, não-críveis —"no futuro a Previdência estará falida"— ele não se altera.

Contudo, a crise fiscal dos estados e o não pagamento de benefícios e salários conferiu credibilidade a tais ameaças. É a crise que explica o forte e paradoxal apoio —popular e, por extensão, congressual— à reforma. A crise afetou assim os preços relativos da reforma mitigando para o presidente e os parlamentares o custo de patrociná-la e apoiá-la.

Celso Rocha de Barros*: A Vaza Jato até agora

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- Folha de S. Paulo


É hora de brigar por menos heróis, menos bodes expiatórios, e leis melhores

Na Festa Literária Internacional de Paraty, realizada na última semana, vagabundos bolsonaristas tentaram impedir a participação do jornalista Glenn Greenwald, ganhador do Pulitzer e editor do Intercept Brasil, em um dos debates. O evento aconteceu em meio aos protestos e, a crer nos relatos de quem assistiu, foi bem animado.

Os bolsonaristas prosseguem tentando soterrar a Vaza Jato com seu vazamento Samarco de notícias falsas e fraudes variadas, todas elas endossadas pelo presidente da República como forma de envolver Moro no submundo do crime virtual bolsonarista.

E há o risco de a versão fraudulenta acabar prevalecendo.

A Lava Jato conversou com aspirações muito fortes do povo brasileiro de combate à corrupção. As pessoas querem acreditar que a Vaza Jato não revelou nada de muito sério, e é compreensível que se sintam assim.

Por isso talvez valha a pena começar a compor o quadro geral revelado pelos vazamentos até agora. Como bem notou Elio Gaspari na Folha de domingo (14), os vazamentos parciais do Intercept Brasil podem “saturar ou confundir” quem não estiver acompanhando com atenção.

Sugiro classificar os vazamentos em dois grupos principais: os que têm consequências jurídicas graves, mas são difíceis de a população entender, e os que podem não ter grande impacto jurídico, mas indicam viés político que qualquer um entende.

De longe, os vazamentos mais graves são os do primeiro grupo. Já na primeira reportagem ficou claro que Moro atuava como líder da acusação, o que foi amplamente comprovado por reportagens posteriores.

Leandro Colon: Desista, presidente

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro deveria ter sobriedade e recuar de ideia lunática sobre filho nos EUA

Jair Bolsonaro conseguiu uma proeza ao anunciar a decisão de indicaro filho e deputado Eduardo para embaixador nos EUA.

A intenção recebeu críticas do guru Olavo de Carvalho e dos raros aliados no Congresso. Foi vista com desconfiança pelo núcleo militar do Planalto e avaliada com deboche e espanto nos bastidores do Itamaraty.

A única exceção foi o assessor especial Filipe Martins, amigo do peito de Eduardo Bolsonaro e figura inexpressiva do PSL alçada a especialista em política internacional no Planalto.

Se Bolsonaro tiver um pouco de bom senso (algo um tanto improvável tratando-se do personagem), deveria recuar e afirmar que teve um delírio causado pela euforia familiar com os 35 anos completados pelo seu 03 na última quarta-feira (10).

Aliás, o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, homem de confiança do presidente, indicou que essa história pode ser apenas um balão de ensaio.

“É um processo que tem de ver se vai ser confirmado. Ele (Bolsonaro) não disse da embaixada em Jerusalém? Ela está onde? Em Tel Aviv. O presidente tem esses momentos”, afirmou o ministro aos jornalistas.

Bruno Carazza*: Contra o aumento do fundo eleitoral

- Valor Econômico

Partidos deveriam ir atrás do eleitor, e não do erário

O relator do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, deputado Cacá Leão (PP-BA) pretende aumentar de R$ 1,7 bilhão para R$ 3,7 bilhões o orçamento do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas para o ano que vem. Existem inúmeras razões para ser contra essa medida. Abaixo eu listo 12 delas:

1. Partidos e políticos até hoje não se conformam com o fim das doações de empresas. Entre 2012 e 2014, grandes companhias injetaram mais de R$ 6,8 bilhões em campanhas eleitorais, e a Lava-Jato demonstrou que boa parte desse montante era propina travestida de doações oficiais. Não faz sentido, portanto, querer que se compense, com dinheiro público, valores astronômicos alcançados quando as engrenagens da corrupção giravam em alta rotação.

2. Além do fundo eleitoral, os políticos já contam com o fundo partidário, que desde 2013 teve seu valor multiplicado por quatro e neste ano chegou a R$ 810 milhões.

3. Sem regras de governança, o poder de distribuição desses valores bilionários fica nas mãos dos caciques. Luciano Bivar (PSL-PE), por exemplo, ficou com 15% do fundo eleitoral destinado ao seu partido em 2018 - três vezes mais do que foi destinado a Jair Bolsonaro. No MDB, na disputa para a Câmara, os maiores agraciados tinham sobrenome Barbalho (PA), Alves (RN), Vieira Lima (BA), Raupp (RO), Miranda (TO) - ou seja, são os mesmos que sempre dominaram a política em seus redutos eleitorais.

4. Não cola o argumento de que no ano que vem serão necessários mais recursos porque as eleições serão realizadas em mais de 5.500 municípios. Campanhas para vereador e prefeito são bem mais baratas, pois são realizadas em territórios menores. Em 2016, 83,7% de todos os vereadores do país conseguiram se eleger utilizando menos de R$ 10 mil. No caso dos prefeitos, 74,6% chegaram ao poder gastando abaixo de R$ 100 mil.

Alex Ribeiro: O ajuste fino na política monetária

- Valor Econômico

Tamanho do estímulo dependerá das projeções de inflação

Os movimentos e palavras do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estão sendo vigiados com atenção redobrada pelo mercado financeiro depois que ele cumpriu o período inicial de afirmação de sua credibilidade e começou a indicar a retomada dos cortes na taxa básica de juros.

Para alguns, ele passará a agir com maior liberdade na condução da política monetária, valendo-se mais de sua experiência de operador do mercado financeiro e ficando menos preso ao roteiro teórico mais convencional do regime de metas de inflação. Uma visão popular é que os juros são o único instrumento disponível no governo Bolsonaro para dar um impulso na economia. Sem uma reação mais forte da atividade, o apoio às reformas econômicas liberais deverá se reduzir.

Se essa mudança vai de fato ocorrer, só o tempo dirá, mas por enquanto todos os movimentos de Campos seguem os passos de seu antecessor, Ilan Goldfajn, inclusive quanto à possibilidade de cortes na taxa básica de juros.

Mais para o começo do ano, Ilan disse algumas vezes que considerava que, com a Selic em 6,5% ao ano com taxas reais "ex-ante" perto de 3% ao ano, a política monetária estava no campo estimulativo. Segundo ele, mais adiante, depois de observar a economia por algum tempo, poderia se discutir se o grau de estímulo era suficiente ou não.

Luiz Carlos Mendonça de Barros*: Agora é a vez da economia

- Valor Econômico

Recuperação depende de uma gestão correta de curto prazo de variáveis como taxa de juros e oferta de crédito

A aprovação da reforma da previdência em primeiro turno, com uma votação muito acima da esperada por todos, abre espaço para que a economia brasileira busque finalmente a tão esperada recuperação cíclica e o fim da recessão que vivemos há mais de cinco anos. Entende-se aqui como recuperação cíclica de uma economia de mercado a volta natural do crescimento depois de um ajuste para baixo da atividade causada por uma recessão de forte intensidade.

No caso brasileiro de hoje, vivemos a conjugação de uma recessão provocada por erros de gestão da economia entre 2010 e 2014 e uma crise política grave criada pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff. Adicionalmente, as revelações da Operação Lava-Jato levaram ao colapso do sistema político que prevaleceu por mais de 30 anos, sem que uma alternativa tenha sido colocada em seu lugar. O resultado foi uma quase depressão econômica que trouxe a queda expressiva na arrecadação de impostos e um salto perigoso no déficit fiscal primário do governo central e dos estados.

Após a troca do comando do governo, com a posse de Michel Temer e a mudança radical na condução da política econômica, tivemos dois momentos em que a recuperação cíclica deu sinais de aparecer no horizonte para, logo em seguida, ser fragilizada por fatores externos à economia. A primeira, logo no início de seu mandato, foi abortada pelo escândalo político que se seguiu às gravações do empresário Joesley Batista. A segunda chance veio com a redução da crise política envolvendo o presidente da República depois da rejeição pelo Congresso de seu afastamento, mas que teve curta duração por conta da greve dos caminhoneiros.

Ricardo Noblat: Para quem governa o capitão

- Blog do Noblat / Veja

De costas para a maioria

A maioria dos brasileiros é contra os projetos do presidente Bolsonaro que enfraquecem as regras de fiscalização do trânsito, segundo pesquisa Datafolha realizada nos últimos dias 4 e 5 com 2.006 pessoas acima de 18 anos, em 130 municípios.

A proposta de acabar com a multa para quem transporte crianças de até sete anos sem cadeirinhas nos automóveis é rejeitada por 68% dos entrevistados. Em Nova Iorque, sem cadeirinha, nem recém-nascido sai da maternidade.

Bolsonaro quer acabar com radares de velocidade nas rodovias. Pois bem: 67% dos entrevistados pelo Datafolha são contra. Aumentar de 20 para 40 o limite de pontos da carteira de habilitação? Nem pensar, segundo 56% deles.

É verdade que a família de Bolsonaro – ele próprio, a mulher Michelle e os três filhos – coleciona pelo menos 44 multas de trânsito nos últimos cinco anos. Mas, convenhamos, nem por isso se deve mudar a lei. O problema é deles.

Na semana passada, o Datafolha mostrou que 70% dos brasileiros reprovam o projeto de Bolsonaro para facilitar a compra e o porte de armas. Foi sua principal promessa de campanha. Apoio ao projeto, só entre os mais ricos.

Para quem realmente governa Bolsonaro? Outras pesquisas indicam que a maioria dos brasileiros apoia a reforma da Previdência. Ele, Bolsonaro, foi constrangido a apoiar. Mandou a reforma para o Congresso e espera que seja aprovada

Parece terrivelmente desconectado até dos que o elegeram.

Paulo Fábio Dantas Neto* : Tabata Amaral e a esquerda

A voz da deputada federal Tabata Amaral (PDT/SP) tem sido, politicamente, a mais completa dentre as sensatas e lúcidas que têm sido ouvidas ultimamente na política partidária brasileira. Sim, porque em meio ao aparente deserto em que estamos vivendo, sensatez e lucidez tem havido na direita, no centro e na esquerda. Dou como exemplos, dentre outros, Rodrigo Maia e ACM Neto, no DEM; Fernando Henrique Cardoso, no PSDB; Eduardo Jorge, no PV, Jacques Wagner, no PT. Cada um desses no seu papel, tem atuado para defender a política e as instituições dos perigos da polarização ideológica e cultural. Importante, especialmente, o papel construtivo e crucial que tem tido Maia na presidência da Câmara, como contraponto ao ânimo destrutivo do presidente da República, sua família, seu entourage e gurus. Trata-se de uma atitude necessária, do ponto de vista da conservação das instituições. Mas ela não é suficiente, do ponto de vista da construção de um novo polo político democrático.

Tabata Amaral também está ajudando a conservar instituições democráticas e indo além. Ela inspira (e promove) renovação política. Sendo a jovem que é e tendo as qualidades pessoais e políticas que tem, estabelece contraste poderoso com contrafações anti políticas, de vários tipos, que têm usado a grife "nova política" para auto promoção de personagens que mais parecem mirar a fama do que a vida pública. Ela, ao contrário, assume, com maturidade rara, as implicações de ter optado por buscar um mandato eletivo, numa democracia. Em vez de demonizar negociações e acordos, argumenta que são necessários; em vez de alinhar-se a uma das turmas da guerra cultural em que se quer converter a política brasileira, tem mostrado capacidade de refletir, de opinar sobre as matérias de modo sério e qualificado, como fez com a reforma da Previdência.

Aceitou com realismo a ideia de que o Brasil não poderia mais adiar essa pauta, mas fez isso sem se alinhar previamente ao conteúdo dado a essa ideia pelo mercado, ou pelo governo, afastando-se claramente de uma defesa ideológica ou fisiológica da reforma. Atuou criticamente, mas responsavelmente e nisso diferenciou-se, também, da maior parte da esquerda e da centro-esquerda brasileiras, que tomaram, seja por equívoco, atraso, oportunismo, ou pelas três coisas (isso pouco importa ao que quero dizer), o rumo da negação da realidade pela mistificação populista. Apoiou a ideia de uma reforma como necessidade do Brasil, um dos passos importantes para que haja o equilíbrio das contas públicas, condição sem a qual naufraga a ideia de uma renovação nacional com mais justiça social e mais pluralismo democrático nas instituições e nos costumes - ideia que, como parlamentar, ela tem representado. Desse modo, ela vem se tornando um canal de reconexão da política institucional com camadas sociais e pessoas abertas a energias positivas de renovação, aquelas energias que podem promover mudanças sem romper o fio da trajetória democrática inaugurada na década de 1980.

Legislativo precisa ser cauteloso com as reformas: Editorial / O Globo

No jogo por visibilidade na vanguarda reformista, Câmara e Senado deixaram a reboque governo de Jair Bolsonaro

Câmara e Senado iniciaram uma disputa pelo protagonismo em reformas estruturais na economia e na modernização do setor público. O êxito da mobilização legislativa em torno das mudanças na Previdência, liderada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), estimulou o Senado a acelerar a tramitação de alguns projetos para modernizar o sistema tributário e reduzir o peso da burocracia no ambiente de negócios.

O presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou a retomada de tramitação de uma proposta de emenda constitucional, aprovada há tempos pelos deputados e que adormecia na Casa. Avisou que esse será o ponto de partida das mudanças na estrutura de impostos. Deputados reagiram, e instalaram uma comissão especial para definir os parâmetros da reforma tributária.

A proposta que o Senado retoma foi aprovada pela Câmara no ano passado e prevê a extinção de oito tributos federais (IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, Salário-Educação e Cide-Combustíveis), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Seriam substituídos por um imposto sobre o valor agregado (estadual), e outro federal sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo). Haveria um período de 15 anos de transição para o novo sistema.

Um trabalho hercúleo: Editorial / O Estado de S. Paulo

Desde 1979, com a criação do Ministério da Desburocratização, institucionalizou-se no governo federal a pretensão de reduzir os entraves burocráticos na economia e na vida social do Brasil. No atual governo, essa função está a cargo da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, parte do Ministério da Economia. A julgar pelos resultados reunidos pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em recente estudo sobre esse tema, os esforços até aqui não tiveram os efeitos desejados. O País continua a ser um intrincado labirinto de leis, exigências e padrões dentro do qual têm de perambular todos os brasileiros que decidem empreender, o que compromete decisivamente sua produtividade e sua competitividade.

O TCU identificou o que chamou de “disfunção burocrática”, expressão que resume a complexidade das “regras do jogo”, incluindo “a elevada quantidade de normas que regem um mesmo assunto, a falta de organização dessas normas e a ausência de transparência e apresentação adequadas”, o que “gera dúvidas, insegurança jurídica, custos de atualização e cumprimento de obrigações”. E tudo isso se dá mesmo na vigência de uma legislação específica sobre a transparência, como a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), o Decreto n.º 7.724/2012 – que demanda dos órgãos do Estado o acesso do público à informação oficial por meio de “procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão” – e o Decreto 9.094/2017 – que demanda dos órgãos federais “informações claras e precisas sobre cada um dos serviços prestados”.

No entanto, o TCU constatou vários obstáculos para o pleno cumprimento dessa legislação. A Receita Federal, por exemplo, “não sabe informar a quantidade de normativos vigentes por ela expedidos” anualmente. Esse problema é especialmente grave quando se sabe, conforme lembra o tribunal, que “existem 57 tributos instituídos no Brasil (com exceção das taxas), e que foram editadas mais de 377 mil normas tributárias desde a Constituição de 1988, sendo mais de 3 mil atos editados apenas pela Receita Federal”.

Más intenções: Editorial / Folha de S. Paulo

Ideia de ampliar fundo evidencia vícios do financiamento público de campanhas

Um dos muitos efeitos políticos da Operação Lava Jato foi a mudança no modelo de financiamento eleitoral no país —o que não se deu, porém, com um debate racional.

No afã de oferecer uma resposta imediata ao escândalo provocado pela associação, nem sempre bem fundamentada, entre vultosas doações e propina a políticos, proibiram-se, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, as contribuições de empresas privadas.

Depois, por obra do Congresso Nacional, criou-se um sistema de financiamento público que trouxe uma nova gama de problemas. E estes podem se agravar.

Relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020, o deputado federal Cacá Leão (PP-BA) propôs que parte dos recursos destinados a emendas apresentadas por bancadas estaduais seja destinado ao fundo instituído em 2017 para financiar campanhas.

Mercosul precisa correr após prolongada paralisia: Editorial / Valor Econômico

O Mercosul saiu da letargia. Para se fazer justiça, foi um movimento iniciado pelo governo do ex-presidente Michel Temer, que já havia dado um caráter de pragmatismo ao bloco e recuperado sua vocação original: a de integrar comercial e economicamente os quatro países do Cone Sul - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Não se duvida aqui do desejo sincero de lideranças como Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff, Néstor e Cristina Kirchner de unir politicamente a região. O problema é precisamente esse: convertido em tribuna, o Mercosul descumpria seus verdadeiros objetivos. Enquanto as cúpulas presidenciais serviam para proclamar, com evidente exagero, que nunca se havia feito tanto pelo fortalecimento do bloco, nós comerciais se multiplicavam e exigiam intervenções em instâncias políticas cada vez mais altas para serem desatados. Criaram-se fóruns de pouca serventia, como o Parlasul e o Instituto Social, mas o básico da integração não funcionava e continua sem funcionar. Basta perguntar a qualquer turista brasileiro se consegue recarregar o telefone celular em um hotel em Buenos Aires, sem uso de adaptador, ou questionar qualquer aposentado argentino se acha fácil retirar sua pensão morando no Rio.

Carlos Drummond de Andrade: Congresso Internacional do Medo

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Casuarina - Dia de Graça (com Teresa Cristina

domingo, 14 de julho de 2019

Luiz Carlos Azedo: A esquerda em seu labirinto

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Pela natureza do animal político, digamos assim, como na fábula do escorpião e o sapo, é ingenuidade não perceber que a gana de poder de Bolsonaro é mais absolutista do que republicana”

A derrota acachapante dos partidos de esquerda na reforma da Previdência, na qual obtiveram apenas 131 votos, é a repetição de duas outras quedas históricas na Câmara: a votação do impeachment de Dilma Rousseff e a aprovação do teto de gastos no governo Temer. Qualquer estrategista político diria: tem algo errado aí! Ainda mais porque houve uma mudança de rumo na opinião pública e o vento passou a soprar a favor da reforma, inviabilizando tentativas de mobilizar trabalhadores e corporações historicamente lideradas pelos partidos de esquerda para barrar o texto. Ao olharmos o resultado das votações das emendas, que resultaram numa lipoaspiração de R$ 150 bilhões em relação ao proposto pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP), veremos que a esquerda somente saiu do isolamento quando se uniu aos ruralistas e à bancada da bala para barganhar a aprovação das emendas a favor do regime especial de professores e do pessoal da segurança. Pode-se dizer que isso é “fazer política”, mas não é a grande política no sentido da construção de alternativa de poder. Muita água ainda vai rolar sob a ponte até as eleições de 2022, mas as três derrotas da esquerda no Congresso sinalizam o que pode vir a acontecer: a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.

Explico: o presidente da República, com suas atitudes, perdeu o amplo apoio que obteve no segundo turno das eleições, mas entusiasma sua base eleitoral com propostas de direita, com viés reacionário em matéria de costumes. Bolsonaro mantém coerência com o discurso de campanha do primeiro turno, como se nela permanecesse, principalmente nas redes sociais. O caso da indicação do filho Eduardo para a embaixada em Washington humilhou o Itamaraty e chocou a opinião pública, mas é um lance claro de que pretende estreitar sua aliança com Donald Trump e transformar o filho num articulador internacional desse campo de forças de direita. Provavelmente, tentará fazê-lo uma espécie de chanceler de fato.

Em circunstâncias normais, as atitudes de Bolsonaro, com essa orientação política assumidamente de direita, permitiriam a articulação de uma ampla frente de forças políticas, unindo o centro democrático às forças de esquerda. A oportunidade é generosa, se levarmos em conta que a votação da reforma da Previdência rearticulou no Congresso as forças que ficaram de fora da disputa do segundo turno com a derrota do ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB). Na Câmara, o reagrupamento desses setores ocorreu sob a liderança do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ); fora do parlamento, porém, ainda é uma incógnita. Está bloqueada pelo “Lula livre!” e a divisão do PSDB. O governador João Doria (SP), apesar de aliado a Maia, também enfrenta dificuldades para liderar esse bloco em razão do histórico isolamento de São Paulo em relação aos demais estados. Além disso, seu discurso modernizador mira uma alternativa de poder cuja viabilidade depende do fracasso de Bolsonaro e não do resgate da centro-esquerda perante a sociedade, deixando o campo livre para a velha política do PT.

Eliane Cantanhêde: Eduardo bin Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

‘03’ nos EUA confirma que Bolsonaro governa em família, como se fosse dono do Brasil

Quando a então primeira-dama Marisa Letícia manchou o gramado do Palácio da Alvorada com uma vistosa estrela vermelha do PT, foi um Deus nos acuda e todos nós criticamos o presidente Lula e sua mulher por se comportarem como se fossem donos da residência oficial da Presidência.

Ao indicar publicamente o seu filho Eduardo, o “03”, para ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, o presidente Jair Bolsonaro age como se sentisse dono, não de um imóvel público, mas do próprio Brasil, supondo que pode fazer o que bem entende.

A estrela vermelha era inadequada, mas flores num gramado são apenas um símbolo. Indicar o próprio filho para a principal embaixada do planeta não é só símbolo, mas uma decisão concreta que diz muito sobre o presidente e o governo.

Quais as credenciais do deputado Eduardo Bolsonaro para ser embaixador, e logo em Washington, para onde vão os diplomatas mais experientes, preparados e reluzentes da carreira? Fez intercâmbio, fala inglês e espanhol, passou frio no Maine. Ah! E já fritou muito hambúrguer para os gringos.

Ele não cursou o Instituto Rio Branco e só passou em um concurso público: para escrivão de polícia. Segundo o embaixador Rubens Ricupero, ao Estado, “trata-se de uma medida sem precedentes em nossa tradição diplomática e na história diplomática de países civilizados e democráticos”.

Rolf Kuntz: Bolsonaro, escolhido por Deus, pisou em Luís XIV

- O Estado de S.Paulo

Se alguém aceitar indicação para o STF com base em religião, será um juiz confiável?

Luís XIV, o Rei Sol, era, afinal, um sujeito modesto. A frase mais famosa a ele atribuída é citada como síntese do espírito absolutista: “O Estado sou eu”. É uma declaração quase franciscana, quando comparada com as palavras do presidente Jair Messias Bolsonaro: “O Estado é laico, mas nós somos cristãos. Ou, para plagiar minha querida Damares, nós somos terrivelmente cristãos. E esse espírito deve estar presente em todos os Poderes”. Em outras palavras, o cristianismo, pelo menos o do presidente e de seus companheiros, deve sobrepor-se à laicidade do Estado brasileiro e, portanto, permear os Poderes da República. Mais uma vez é indisfarçável o desprezo às instituições.

Esse desprezo ficou evidente em muitas ocasiões, como no dia 30 de junho, quando ele tuitou para cumprimentar os participantes de passeatas a favor da Lava Jato: “Respeito todas as instituições, mas acima delas está o povo, meu patrão, a quem devo lealdade”.

Instituições incluem, por exemplo, o Código Penal. Se o povo está acima do código, poderá determinar a aplicação da pena de morte a um condenado? Poderá inocentar um culpado e condenar um inocente? E quem dirá se a manifestação terá partido realmente do “povo”? E como se identifica, nos eventos políticos, essa entidade tão difícil de definir? Pelo tamanho da multidão? Pela natureza de seus protestos ou reivindicações? Se for pelo tamanho, havia mais “povo” nas manifestações de 15 de maio, quando se protestou principalmente contra os cortes de verbas para a educação.

Celso Ming: Afinal, o que é o povo?

- O Estado de S.Paulo

Esta é uma categoria social indefinida que, no entanto, encabeça documentos oficiais e tratados internacionais. Mais do que isso, passou a ser a base de um dos maiores valores sociais e políticos da modernidade.

“A democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo”, definiu o presidente americano Abraham Lincoln, na sua declaração mais conhecida. O preâmbulo da Constituição dos Estados Unidos consagra o povo como sujeito supremo das leis e do exercício do governo: “We the People of the United States (...) establish this Constitution” (“nós o povo dos Estados Unidos (...) estabelecemos esta Constituição”).

Há a vontade do povo, a cultura popular, a voz do povo (que é a voz de Deus, como diz o ditado popular), o carro do povo (Volkswagen). Há até o time do povo ou do povão. Mas a sociologia não reconhece a categoria povo, que não se enquadra nem na teoria de classes nem na teoria das elites dirigentes. Parece considerá-la como espécie de assombração, que não é objeto de nenhuma das chamadas ciências da natureza.

Na sua origem, democracia é o governo do povo. Para os gregos, os mesmos que inventaram a democracia, o governo do povo excluía do processo decisório público as mulheres, os escravos e os estrangeiros. Até mesmo estrangeiros ilustres moradores de Atenas, como Aristóteles, o tutor de Alexandre Magno, era um desses excluídos, porque nascera na insignificante localidade de Stagirus, cujas ruínas estão na atual Macedônia. Por aí se vê que, já na sua gênese, o conceito de povo era bem mais restrito do que usado hoje.

A democracia dos Estados Unidos, sacramentada no texto “We the people” acima citado, subscrito em nome do povo, também excluía mulheres, escravos e estrangeiros. Só muito recentemente as mulheres puderam votar nos Estados Unidos (em 1920) e no Brasil, em 1932. Por aqui, os analfabetos só foram admitidos como eleitores a partir de 1988.

*José Roberto Mendonça de Barros: O mundo entre otimistas e pessimistas

- O Estado de S.Paulo

Os pessimistas, entre os quais me incluo, veem uma reversão de ciclo e uma recessão próxima

A economia global está desacelerando. Isso é visível na Europa, na China e no mundo emergente, exceto Índia.

A única exceção, dentre as nações relevantes, é a economia americana. Ela não só é a maior do mundo (com um PIB de mais de US$ 20 trilhões) como vem crescendo sem parar há dez anos.

Mais do que nunca, a direção do país será a determinante do que ocorrerá com o mundo, especialmente porque a política agressiva e errática do presidente Trump vem elevando a incerteza e as tensões por conta das inúmeras disputas comerciais e dos atritos em regiões sensíveis, como no Oriente Médio. Entretanto, o conflito mais relevante segue sendo com a China, pois vai muito além do comércio: seu centro está relacionado ao desenvolvimento tecnológico e suas projeções sobre o poder militar.

Essa disputa ainda vai muito longe e a recente decisão, na reunião do G-20 no Japão, de retomar as negociações sobre tarifas tem de ser vista como apenas tática.

Janio de Freitas: A incógnita dos militares

- Folha de S. Paulo

Bolsonarismo não favorece o conceito das Forças Armadas

As Forças Armadas e a imprensa estão em situações equivalentes na opinião pública percebida pelo Datafolha: estão mal em seus respectivos papéis. A posição de mais confiável, ocupada pela instituição militar, é enganosa, porque seu destaque é influído pelo descrédito das demais instituições e categorias.

Os militares do bolsonarismo não estão favorecendo o conceito das Forças Armadas. Excluída a dança da margem de erro, pioraram as três faixas de opinião. Nos últimos três meses, o percentual dos que "confiam muito" nos militares caiu de 45% para 42%. Como, na verdade, quem "confia um pouco" não confia, esses e quem diz com clareza que "não confia" elevam a 57% a proporção dos que não têm confiança nas Forças Armadas.

É um indicador gravíssimo. Também exposto na dedução de que no máximo 43% têm a confiança necessária. Nos países de intenções democráticas, Justiça e Forças Armadas devem ser os pilares de confiança inflexível da população, para todos os efeitos individuais e coletivos. Da Justiça nem é preciso dizer alguma coisa. Das Forças Armadas, o Datafolha dá o básico e os militares do governo dão sua contribuição.

Negativa. O país até hoje não sabe que planos levaram tantos militares reformados, e bom número de ativos, a acorrerem para o governo de um ex-militar que renegou todos os princípios de que os militares se dizem praticantes: lealdade, pundonor (sic), entrega ao dever, e por aí vai.

Se era para controlar o desatino de Bolsonaro, como foi dito ao surgir a aliança, o plano desaguou em fracasso patético. Se, como dito depois, os militares dariam os rumos do governo e Bolsonaro animaria o auditório, a realidade é que os militares não mandam nada. Mal conseguem remendar algum eco do que um deles chamou de "show de besteiras".

Fernando Canzian: Centro, volver

- Folha de S. Paulo

Após curto-circuito político, Brasil volta ao centro

O Brasil tem só 20% de seus eleitores nos dois extremos do espectro político, à direita e à esquerda. Essa minoria mais radical se divide igualmente, com 10% em cada ponta.

Os demais são eleitores de centro e os que se posicionam mais moderadamente à esquerda ou à direita, cindidos mais ou menos ao meio.

Essa distribuição foi encontrada pelo Datafolha consultando os brasileiros sobre valores sociais, políticos, culturais e econômicos meses antes do curto-circuito que foi a eleição de 2018, quando a brutal recessão e a corrupção inédita atingiram políticos tradicionais.

Na campanha eleitoral, prevaleceu o radicalismo. Maior na direita bolsonarista contrária aos gays e pró armas; mas persistente na esquerda do Lula Livre e do "eles (a elite) contra nós (o povo)".

No primeiro turno, pequenas novidades e políticos manjados de centro, centro-esquerda e centro-direita fracassaram enquanto Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad/Lula (PT) foram em frente, com 46% e 29% dos votos válidos cada. No segundo turno, o mais radical de todos levou.

Mesmo tendo vencido com 55% dos votos válidos em outubro, Bolsonaro é visto hoje por 64% dos eleitores como ruim/péssimo ou apenas regular.

Bruno Boghossian: A reforma na direita

- Folha de S. Paulo

Em campo desorganizado, Maia e Bolsonaro disputam protagonismo pós-Previdência

Se é fácil identificar a esquerda como a grande derrotada na votação da reforma da Previdência, a estranha competição pela paternidade da proposta revela alguma desarrumação no outro lado do espectro político. A briga por protagonismo nesse episódio só tem alguma relevância porque a direita saiu disforme das urnas em 2018.

A criação de regras para limitar o volume de aposentadorias e benefícios pagos pelo Estado é uma pauta inequívoca do campo liberal. Aliados de Rodrigo Maia e de Jair Bolsonaro tentam tomar os louros da vitória porque entendem que podem ficar bem na fita desse lado do corredor.

O que está em jogo, no entanto, é menos a agenda ideológica e mais a consequência da aprovação da reforma. Nesse caso, os efeitos políticos são menos claros do que os dois personagens querem fazer crer.

Não é exagero dizer que o texto só passou pelo plenário por obra do presidente da Câmara, mas o dono das chaves do Palácio do Planalto é quem tende a colher os benefícios com mais facilidade. Embora Maia tenha autoridade para fazer propaganda de seu trabalho de articulação, Bolsonaro ficará com a fama se a economia melhorar de verdade.

Vinicius Torres Freire: O resto do ano da depressão

- Folha de S. Paulo

No país bestificado, parece que a era da revolta, 2013-2018, chegou ao fim

O país quase inteiro assistiu de modo resignado à aprovação da reforma da Previdência. Na prática e no grosso, espera de modo conformado que a economia dê sinal de vida.

Talvez a reação bestificada ou perplexa fosse esperança modesta e calada em algum alívio próximo. Não é o que parecem dizer pesquisas de confiança econômica, de outros sentimentos da vida e de prestígio do governo, que sugerem desilusão e medo.

Talvez tenhamos chegado à fase de aceitação, como se diz do último estágio do luto, como se não houvesse mais a fazer além de atravessar o deserto de modo paciente. Acabou a era da revolta, 2013-2018?

Claro que esta caricatura de psicologia é apenas um modo tentativo de descrever a pasmaceira, obviamente não um diagnóstico do silêncio. O país parece ruidoso nas redes insociáveis ou no governo e nas demais minorias extremistas, mas não se movimenta política ou socialmente mesmo diante de questão controversa como a Previdência.

Antes da tramitação quase pacífica ou funérea da reforma das aposentadorias e pensões, parecia razoável estimar que o plano de mudanças previsto para o ano causasse conflito. Vai?

*Ruy Castro: Um outro 14 de julho

- Folha de S. Paulo

Nos 150 anos da Revolução Francesa, tudo ia bem para a marquesa

Paris sempre foi uma festa no dia 14 de julho, mas o de 1939 foi especial. Eram os 150 anos da Revolução. Por toda parte, debates, conferências, bailes, shows patrióticos, desfiles militares. As cores nacionais, bleu-blanc-rouge, pendiam das sacadas em cartazes, bandeiras, estandartes, lençóis e até ceroulas. As pessoas dançavam nas ruas, vestidas de Robespierre ou de Maria Antonieta, segundo a preferência. Os tataranetos dos guilhotinados confraternizavam com os tataranetos de seus carrascos.

Enquanto isso, a Europa estava toda olhos e ouvidos. Em março, Hitler tomara a Tchecoslováquia. Dias depois, era o fim da Guerra Civil espanhola, com a vitória de Franco e o massacre dos republicanos. Na Páscoa, a Itália de Mussolini invadira a Albânia. Na própria Paris, o Quartier Latin fervia de refugiados espanhóis, tchecos, turcos, romenos e judeus. Tudo parecia conduzir à guerra. A qual, se viesse, teria a França bem no centro do tabuleiro.

Míriam Leitão: Absurdos diários de Bolsonaro

- O Globo

Após seis meses no cargo, Bolsonaro ainda não entendeu o mais elementar do papel de governar para todos os brasileiros

Tanto tempo depois, já era de se esperar que o presidente Jair Bolsonaro soubesse as funções do cargo que exerce. Seis meses é prazo suficiente para qualquer aprendizado, ainda que o natural seria que ele já soubesse, ao se candidatar, as funções de quem chega ao cargo máximo do país. A grotesca e inconstitucional defesa do trabalho infantil num país que vem lutando contra essa chaga há anos, a ideia de nomear o filho para o posto diplomático mais estratégico do país, a declaração mesquinha sobre João Gilberto mostram que ele não entendeu o mais elementar do papel de governar para todos os brasileiros.

Com Bolsonaro não dá para registrar todas as impropriedades de uma vez. São tantas nestes seis meses que ocupariam um jornal inteiro. Os absurdos têm que ser listados em bases diárias, no máximo semanais, para caberem num espaço de uma coluna.

A semana terminou em vitória para ele, pela aprovação da reforma da Previdência, mas ela ocorreu a despeito dele. Durante esse período da tramitação, Bolsonaro levantou sucessivas polêmicas sobre os mais aleatórios assuntos, como se ainda fosse o deputado bizarro que ocupou por 28 anos o mandato sem relatar um único projeto. Enquanto a reforma andava, ele não construiu pontes, não dialogou e atacou quem defendia o projeto. Ele sequer entendeu a reforma que propôs. Prova disso é sua mobilização em favor dos policiais. O projeto consagra a estranha situação de um policial legislativo, que fica lá entre os tapetes verde e azul, ser o brasileiro que se aposenta mais cedo. Jair Bolsonaro continua sendo o que foi: um político paroquial e corporativista, com posições histéricas em questões de direitos humanos e que faz declarações histriônicas e impensadas.

Bernardo de Mello Franco: O capitão e os generais

- O Globo

Trapalhadas de Bolsonaro podem afetar imagem dos militares, diz José Murilo de Carvalho, que relança livro sobre as Forças Armadas na política

Há quatro anos, uma editora avisou José Murilo de Carvalho de que não tinha planos para sua obra “Forças Armadas e política no Brasil”, então sumida das livrarias. “Eles pensaram que o problema já estava resolvido”, brinca o historiador, um dos principais convidados da 17ª Flip. Com a ascensão da família Bolsonaro, ele decidiu relançar o livro pela Todavia. No prefácio à nova edição, explica por que o assunto voltou à tona.

“A origem militar do presidente eleito em 2018, amplamente alardeada por ele próprio, e a inédita e massiva presença de militares em postos-chave do governo fizeram ressurgir em alguns setores da população o receio de regresso a uma nova ditadura. Justificado ou não, o temor trouxe de volta o interesse pelo tema da relação entre Forças Armadas e política”, escreve.

Para o imortal da Academia Brasileira de Letras, que faz 80 anos em setembro, a presença de militares no poder não permite dizer que estamos diante de um regime parecido com o de 1964. “Ironicamente, o pouco de sensatez e equilíbrio em meio a posturas radicais e desastrosas do presidente, incentivado por seus apoiadores mais fanáticos, tem sido devido aos generais em posições-chave”, observa.

“O curioso é que agora os generais têm que obedecer a um capitão indisciplinado”, acrescenta, em conversa com a coluna em Paraty.

Ex-professor da Escola de Guerra Naval, Carvalho pondera que os oficiais de hoje não são iguais aos que lideraram o golpe contra João Goulart. Mesmo assim, ele se diz preocupado com novos episódios de interferência militar na política. Um dos mais barulhentos foi o tuíte do general Eduardo Villas-Bôas em abril de 2018, na véspera de um julgamento do Supremo Tribunal Federal que poderia libertar o ex-presidente Lula. O então comandante escreveu que o Exército estava aliado aos “cidadãos de bem” e “atento às suas missões institucionais”.

Merval Pereira: Crise da renovação

- O Globo

A maior renovação da Câmara Federal nos últimos 20 anos está na base da aprovação da reforma da Previdência e do choque entre as direções partidárias de esquerda e os novos deputados
eleitos

A maior renovação já havida na Câmara Federal nos últimos 20 anos está na base não apenas da votação expressiva de aprovação da reforma da Previdência mas, sobretudo, do choque entre as direções partidárias de esquerda e os novos deputados eleitos sem compromissos com erros do passado.

Nada menos que oito dos 27 deputados da bancada do PDT e 11 dos 32 do PSB votaram a favor da reforma e agora enfrentam possíveis punições, que podem ir até a expulsão. Esse embate, que tem na deputada Tabata Amaral o rosto mais visível, coloca com clareza a disputa entre os genuínos novos políticos e a velha estrutura partidária, especialmente da esquerda brasileira, que vive momento de isolamento no debate nacional.

A crise partidária provocada pela rejeição aos políticos tradicionais fez com que surgissem diversos movimentos para formar novos candidatos. O Agora, que tem entre seus idealizadores o apresentador de televisão Luciano Huck, que chegou a ser cogitado como candidato à Presidência da República; o RenovarBR, curso de liderança política organizado pelo empresario paulista Eduardo Mufarej; o Acredito; e o Rede de Ação Política pela Sustentabilidade elegeram 36 deputados.

Outro movimento, o Unidos Contra a Corrupção, que deu apoio a deputados que assinaram seu manifesto, viu 34 deles serem eleitos. Estes estão na base da aprovação, sem muitos cortes por enquanto, do pacote anticrime enviado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.

A eleição de 2018 foi responsável por colocar em minoria, pela primeira vez nos últimos anos, os deputados que se reelegeram. Dos 513 deputados que tomaram posse, apenas 48,9% se reelegeram, quando a média histórica era de 54% a 58%.

A renovação radical da representação tem um número definitivo: 91 candidatos, nada menos que 18% dos eleitos, nunca haviam disputado uma eleição antes, como Tabata, que tem 25 anos e é cientista política formada pela Universidade Harvard.

Também foi reduzido o número de políticos que já fizeram parte da Câmara em outras ocasiões, como o hoje deputado federal Aécio Neves, que foi eleito senador e agora voltou como deputado federal. A representatividade na Câmara reflete a polarização contínua entre esquerda e direita. O maior número de candidatos novos eleitos é do PSL, partido que tinha uma bancada minúscula antes de ser escolhido por Bolsonaro para ser a sigla pela qual concorreria à Presidência da República.

Dorrit Harazim: A serventia de um embaixador

- O Globo

Anunciado pelo pai 48 horas após completar 35 anos, o escrivão da Polícia Federal, deputado federal mais votado em São Paulo, aceita seu destino

A semana é oportuna para se relembrar a utilidade primária de um embaixador: enviar avaliações francas, sem enfeites, sobre o país ao qual foi alocado, através de canais de comunicação confidenciais e presumivelmente seguros. A partir do momento em que o receio de vazamentos e/ou a autocensura começam a interferir, o trabalho do diplomata deixa de ter peso político e valor histórico.

Por pouco mais de dois anos, Sir Kim Darroch serviu como embaixador do Reino Unido em Washington, posto mais relevante na carreira de todo diplomata da era moderna. Até ser forçado a pedir demissão do cargo dias atrás, vinha sendo um olheiro astuto da tempestuosa governança Donald Trump e um valioso servidor público de seu país.

O vazamento seletivo de seus telegramas diplomáticos para o tabloide londrino “Mail on Sunday”, que aponta para a briga intestina entre brexistas e menos brexistas no esfacelado governo britânico, também atesta o valor das avaliações francas de Darroch.

Não que ele tenha desvendado um cenário intocado até então. A pilha de livros e relatos na mídia sobre o estado de fervura permanente na Casa Branca indicam, dia a dia, a “insegurança”, “intempestividade”, “caos” de seu principal ocupante.

Desta vez, porém, o que mais doeu em Trump, a ponto de chamar o embaixador de “maluco... sujeito burro... bobalhão pomposo” e cortá-lo de cerimônias oficiais, foi a humilhação pública de se ver assim retratado por um embaixador da Velha Albion. E Kim Darroch não é um embaixador qualquer —já foi representante permanente da Grã-Bretanha na União Europeia, assessor de Segurança Nacional do governo anterior, e tido como nome estelar do Foreign Office.

Ascânio Seleme: Uma enxurrada de dinheiro em Brumadinho

- O Globo

Dinheiro nem sempre é solução para os problemas de uma pessoa, de uma família ou de uma comunidade. Claro que ajuda, mas precisa ser bem administrado porque pode também atrapalhar. O caso do dinheiro esparramado pela Vale em Brumadinho, em razão da tragédia da barragem do Córrego do Feijão, ajuda indivíduos, mas parece estar atrapalhando a cidade. Desde janeiro, os moradores do município estão recebendo até um salário mínimo de indenização. Também recebem a ajuda mensal pessoas que tinham casa a até um quilômetro da calha do Rio Paraopeba, de Brumadinho até a cidade de Pompéu. A Vale assina 99.835 cheques a cada mês.

O derrame de dinheiro, que alcança a todos, mesmo os que não foram atingidos diretamente pela tragédia, é absolutamente justo. Eles estão sendo reparados imediatamente, sem qualquer impacto sobre decisões da Justiça mais adiante, porque além das perdas humanas e materiais evidentes, houve uma desvalorização geral dos imóveis na localidade. A Vale não faz mais do que sua obrigação. Ocorre que dinheirama igual jamais foi vista nos bolsos dos brumadinenses. Todos ficaram “ricos” de uma hora para outra.

Esta “riqueza” etérea, que tem data para acabar, dezembro deste ano, desarrumou a economia local. Trabalhadores sem vínculo empregatício, que fazem empreitadas, foram os primeiros a entrar em férias voluntárias. Em seguida, empregados domésticos entenderam ser mais interessante ficar em casa do que trabalhar. Em menor número, empregados do comércio de Brumadinho também começaram a faltar ao trabalho ou a abandoná-lo simplesmente.