terça-feira, 1 de outubro de 2019

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

A Carta de 1988 teve a pretensão de sepultar as possibilidades de retorno do autoritarismo político afirmando uma forte adesão ao liberalismo e ao sistema da representação, e robustecendo de modo inédito o poder judicial por meio de novos institutos como o mandato de injunção, e com a recriação do papel do Ministério Público que será deslocado do eixo estatal, conforme antiga tradição, para o da sociedade civil, a quem foi confiado, entre outras, a missão de defesa da ordem jurídica e do regime democrático, figura inexistente no direito comparado

Com a ressalva do PT, já um importante partido, influente no sindicalismo e com a auréola portada por seus dirigentes de ter conduzido greves vitoriosas no regime militar, a nova Carta encontrou recepção positiva na sociedade. Estava aberta uma via real para a internalização da democracia política entre nós. As instituições eram propícias e o cenário internacional favorável, faltava a ação humana capaz de portar uma política que soubesse se aproveitar dos bons ventos da fortuna que a tinham levado a seus êxitos contra o regime militar. Vargas Llosa, nas primeiras páginas de Conversa na Catedral, clássico da literatura latino-americana, indaga, amargando a história do seu país, o Peru, quando foi que ele se ha hodido. No nosso caso talvez resposta a uma questão desse tipo esteja no momento em que se abre a conjuntura da primeira sucessão presidencial do novo regime democrático institucionalizado com a Carta de 88. Aqui o que faltou não foi a fortuna, que nos sorria, mas o ator que, com suas ações desastradas malbaratou as oportunidades de que dispunha.


*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘O Desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira’. Texto apresentado ao 19º Congresso da SBS, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 10/7/2019

Hélio Schwartsman - Coisa de louco

- Folha de S. Paulo

Fantasiar com um crime e revelar essa fantasia não são crimes

Às vezes, um charuto é apenas um charuto. A declaração do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot de que quase disparou um tiro de pistola contra o ministro Gilmar Mendes durante sessão do STF é tão maluca e está tão fora da curva que não deve, a meu ver, ser tratada como sintoma de agravamento de uma suposta crise institucional.

O plano homicida de Janot envolve aspectos tão pessoais que não me parece plausível explicá-lo apenas como resultado de exacerbações políticas ou de uma polarização crescente entre o Ministério Público e o Judiciário. Não foi, afinal, uma tese jurídica que pôs o antigo chefe do parquet em rota de colisão com o magistrado, mas uma escalada de intrigas e falatórios que não poupou nem cônjuges e filhos.

Podemos no máximo especular sobre os motivos para a confissão tardia do ex-PGR. E eles vão de um esforço para promover seu livro de memórias até a preparação para disputar um cargo eletivo. O homem que quase matou Gilmar Mendes encontraria um eleitorado cativo. Não podemos nem mesmo descartar a possibilidade de que Janot tenha sido acometido por algum transtorno psiquiátrico, como a síndrome de Korsakoff, hipótese em que o fato narrado pode nem ter ocorrido.

Ranier Bragon - Bolsonaro acima de tudo

- Folha de S. Paulo

Governo demonstra não estar satisfeito com a atual e laboriosa rede de aduladores

Jair Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada nesta segunda-feira (30) demonstrando, mais uma vez, dissabor com a imprensa. "Gosto muito de vocês, mas quando fizerem uma matéria real sobre o que aconteceu na ONU, eu volto a dar entrevista", se limitou a dizer.

Não são meras palavras azedas ao vento. No fim de semana, o filhão que ele pretende empregar em Washington também teorizou sobre o problema do Brasil. Sim, no singular mesmo. Só há um problema no país, pelo visto --e é a imprensa, naturalmente, quem mais seria?

"O problema do Brasil é que a gente elegeu um conservador sem ter uma universidade conservadora, um partido conservador organizado e, obviamente, uma imprensa conservadora de grande porte", disse Eduardo Bolsonaro ao Correio Braziliense. Para o deputado, a péssima imagem do Brasil lá fora se deve não ao governo, mas à mania da imprensa estrangeira de dar ouvidos aos seus correspondentes ou aos grandes veículos de comunicação brasileiros.

Não pretendo falar do óbvio atentado histórico que é tratar simplesmente como "conservador" essa gosma que une preconceito, fanatismo, obscurantismo, autoritarismo, anti-intelectualismo, incultura, desinformação, delírio e tantas outras adoráveis facetas da humanidade.

Atenho-me à imprensa. Está em montagem a CNN Brasil, que alguns preveem como bolsonarista.

Pablo Ortellado* - Vítimas inocentes

- Folha de S. Paulo

Direitos humanos precisam escapar da pecha de mero obstáculo à ação da polícia

Segurança pública é o segundo tema que mais preocupa os brasileiros segundo o Datafolha. O debate sobre segurança, porém, parece estruturado de maneira assimétrica, com o discurso punitivista atingindo um conjunto amplo e diverso de brasileiros e a defesa dos direitos humanos circunscrita a círculos ideologicamente homogêneos.

Por vias tortas, o debate público, sobretudo o mais vulgar, se estruturou de maneira polarizada, com a defesa de uma ação policial dura, de um lado, e da contenção da polícia, de outro. Isso permitiu aos punitivistas apresentar os direitos humanos como um verdadeiro entrave ao exercício da justiça.

Apesar disso, alguns casos, como o triste assassinato da menina Ágatha no Rio e outros casos anteriores, como os de Amarildo, Claudia ou Douglas, têm mostrado que é possível eludir o gueto dos direitos humanos e sensibilizar parcelas amplas do público. Temos visto esse mesmo efeito na boa repercussão das reversões de condenações judiciais de inocentes conduzidas pela iniciativa "Innocence Project".

Nestes casos e apenas nestes casos foi possível escapar da impessoalidade e da frieza dos agregados estatísticos e impactar o grande público com histórias humanizadas das vítimas. Mas isso só foi possível porque eram "inocentes". Os episódios mostram que há meios pelos quais os direitos humanos podem escapar da pecha de obstáculo para a justiça e se recolocar no debate público como protetores dos inocentes --o que, aliás, é a função primordial da presunção de inocência.

Alvaro Costa e Silva - Reputação ilibada

- Folha de S; Paulo

Quem é o conselheiro do TCE envolvido no assassinato de Marielle Franco

A trajetória de Domingos Brazão --conselheiro do Tribunal de Contas do Rio denunciado pela Procuradoria-Geral da República por envolvimento no assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes-- é um exemplo, entre tantos, de como se fabricam políticos no Brasil.

Dono de uma rede de postos de gasolina investigada por adulteração de combustíveis e sonegação fiscal, em 1996 Brazão se elegeu vereador. Dois anos depois, deputado estadual, função que exerceu por 17 anos. Apadrinhado por Jorge Picciani --capo do PMDB fluminense por mais de uma década, hoje condenado a 21 anos de prisão--, seu curral eleitoral espalhava-se pela zona oeste, em bairros pobres e dominados por grupos paramilitares. Como se sabe, muitas vezes a milícia não é um poder paralelo, mas o próprio Estado.

Luiz Carlos Azedo - A reação à Lava-Jato

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O Supremo também acabou na berlinda, porque resolveu dar um freio de arrumação na Lava-Jato e garantir amplo direito de defesa aos réus, além de contingenciar as investigações”

A Operação Lava-jato foi irremediavelmente politizada, para o bem e para o mal. No primeiro caso, tornou-se um vetor decisivo da renovação dos costumes políticos do país, com forte impacto na mudança de comportamento dos partidos e gestores públicos, quando nada pelos efeitos que teve no processo eleitoral passado e, tudo indica, também terá no próximo. No segundo, pelo forte viés jacobino de seus integrantes, cujos métodos heterodoxos estão comprovados e provocaram reações do Congresso e do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que colocaram em xeque a legitimidade das investigações.

Todo jacobinismo tem o seu Termidor. A expressão tem origem na Revolução Francesa. Entre os anos de 1792 e 1794/95, essa foi a fase mais popular do movimento. A Assembleia, no ano de 1792, aprovou a declaração de guerra contra a Áustria, mas a burguesia e a aristocracia da Gironda, que haviam destituído o rei, traíram a revolução. Os jacobinos, liderados por Robespierre, tomaram o poder e impuseram uma nova república. Luiz XVI e Maria Antonieta foram presos e decapitados. A Constituição de 1793 garantiu o direito de voto a todos os cidadãos, a lei do máximo, a venda de bens públicos para recompor finanças, a reforma agrária, a extinção da escravidão negra nas colônias e a criação do tribunal revolucionário.

Mas esse foi também o período do Terror. Robespierre agiu como ditador e condenou todos os que eram considerados suspeitos à guilhotina. Entre junho de 1793 e julho de 1794, cerca de 16.594 pessoas foram executadas, sendo 2.639 só em Paris. A perseguição aos girondinos tornou-se uma perseguição a todos os “inimigos” da Revolução, inclusive a alguns jacobinos, como Danton. O Terror terminou com o golpe do Termidor (27/28 de julho de 1794), que desalojou Robespierre do cargo de presidente do Comitê de Salvação Pública e o executou no dia seguinte, junto com Saint-Just e mais de uma centena de líderes jacobinos.

A Reação Termidoriana, organizada pela alta burguesia financeira, pôs fim à participação popular. Um novo governo, o Diretório (1795-1799), em aliança com o exército, elaborou a nova constituição. No entanto, não era respeitado pelo povo, que acreditava na necessidade de uma espada salvadora que pudesse manter a ordem. É aí que surge Napoleão Bonaparte, general mais popular na época, que suprimiu o Diretório e instaurou o Consulado, com o golpe de 18 de brumário (9 de novembro de 1799), dando início ao período napoleônico.

Eliane Cantanhêde - Lula livre?

- O Estado de S.Paulo

A bola está no STF, mas a questão é se Lula vai liderar ou não a resistência a Bolsonaro

Lula livre ou Lula preso? Esse é o debate da semana, capaz de envelhecer prematuramente a confissão chocante de Rodrigo Janot e deixar em segundo plano a retomada da reforma da Previdência, a derrubada de mais um lote de vetos do presidente Jair Bolsonaro e o fica não fica do senador Fernando Bezerra na liderança do governo.

A história é razoavelmente simples: a legislação diz que presos com bom comportamento podem evoluir para o regime semiaberto depois do cumprimento de 1/6 da pena, como é o caso de Lula pelo triplex do Guarujá. Logo, já pode ser beneficiado pela progressão de pena e não será ilegal se a Justiça conceder a troca de Curitiba para São Bernardo.

Porém, nada com Lula é simples, tudo é complexo e questionável. Quinze procuradores pediram que o ex-presidente saia da prisão, entre eles Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato e apontado por petistas como líder da força-tarefa anti-Lula. E o que fazem Lula e seus advogados? Passam dias discutindo o que é mais conveniente politicamente para o preso, até Lula escrever uma carta “ao povo brasileiro”, à mão, num tom entre vitimista e heroico e desdenhando: “Não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade”.

Por que os procuradores pediram a liberdade de Lula? E por que Lula deu de ombros e respondeu que não? Nem Dallagnol e seus colegas querem ser bonzinhos com Lula, nem Lula, ou qualquer outro preso, prefere ficar trancafiado a ganhar a liberdade. Principalmente com nova namorada. Aliás, que “barganha”? Ninguém barganhou nada. Cumpriu o tempo, sai.

O que está por trás, nos dois comportamentos de certa forma estranhos, é um cálculo que também é jurídico, mas principalmente político: os dois lados apostam suas fichas no Supremo. A liberdade em função de uma tecnicidade jurídica é diferente de uma vitória no plenário da alta Corte.

Paulo Hartung* - Investimento verde

- O Estado de S.Paulo

Clima é economia na veia, é oportunidade para o Brasil e para os brasileiros

Os recorrentes abalos ético-políticos no âmbito das institucionalidades, somados à instabilidade econômica que assola o Brasil ao longo de tantos anos, vêm incrementando dia a dia as dificuldades para a retomada do desenvolvimento no País. Uma crise fiscal profunda cerca de 12,6 milhões de desempregados.

Queda de renda e muita desconfiança com relação ao nosso futuro mantêm um horizonte de prosperidade vicejante como pura miragem. A perspectiva é de crescimento tímido, mesmo quando concluída a reforma da Previdência.

O governo adotou medidas para tentar acelerar a retomada, como a liberação de saques do FGTS e o incentivo à Semana do Brasil. Mas o caminho seguro para crescer é o investimento. E nessa rota do desenvolvimento há uma estação de parada obrigatória: a efetivação das reformas estruturantes, como a tributária, reforma de RH dos governos e privatizações, entre outros.

Somente pela refundação de leis e marcos regulatórios nacionais nos tornaremos um país viável a investimentos de relevância e na medida de nossas necessidades e oportunidades. Esse é o meio para impulsionar projetos e obras que criem oportunidades, restabeleçam a confiança na economia e ponham o Brasil, novamente, no rumo do desenvolvimento.

Merval Pereira – Um caso curioso

- O Globo

Este é um caso singular, provavelmente inédito, de um preso (o ex-presidente Lula) que não quer progredir de regime prisional, e impõe condições para aceitá-lo

O ex-presidente Lula dizer que só aceita sair da prisão se for absolvido, ou tiver o julgamento anulado, é uma declaração tão política quanto ele considera política a decisão dos procuradores de Curitiba de pedir a progressão de sua pena.

Lula não tem o direito de recusar a progressão, assim como o Ministério Público, como parte da ação, pode pedir a progressão da pena, de acordo com a Lei de Execuções Penais. Mas a defesa de Lula não pediu, e ontem ele se reuniu com advogados e políticos para definir sua estratégia.

Se for obrigado a acatar uma provável decisão de ir para o regime semi-aberto, Lula não quer usar tornozeleira eletrônica, nem ter que voltar à noite para a prisão. A decisão será da rigorosa Juíza Carolina Lebbos.

Este é um caso singular, provavelmente inédito, de um preso que não quer progredir de regime prisional, e impõe condições para aceita-la. A discussão jurídica é se se trata de um direito subjetivo alienável, (do qual ele pode abrir mão), ou inalienável, que ele não pode recusar.

Vai ser curioso se, por exemplo, a juíza determinar a progressão de regime e a defesa recorrer contra a decisão, pedindo que o Lula fique preso em regime prisional mais grave.

Na visão dos procuradores, resumida nas palavras do procurador Marcelo Ribeiro, foi cumprido o requisito de tempo para progressão, que tem duas faces: uma é de direito do réu, a outra de obrigação do Estado. Nessa situação, o Ministério Público, como fiscal da lei, deve pedir e, mesmo se não pedir, a Justiça deve dar, porque o Estado não pode exercer mais poder do que tem.

Carlos Andreazza - Janot é o espírito do tempo

- O Globo

Ex-procurador-geral da República levou o justiçamento — ainda que somente em delírio de bravura para fins de faturar — a outro nível

O ímpeto homicida — jamais materializado, de súbito revelado — de Rodrigo Janot tem um objetivo: vender o livro que está por lançar. Há método na confissão; cálculo na estratégia comercial, para a qual decerto colaborará o arbítrio de Alexandre de Moraes ao determinar busca e apreensão na residência do ex-procurador-geral da República. Vai vender. Recursos doentios de convencimento nunca foram tão bem-sucedidos quanto neste Brasil corrente. Vai vender. Não serão poucos os de coração mexido pela fantasia de um justiçamento contra ministro do Supremo dentro do tribunal. Vai vender.

Janot, lavajatista raiz, andava esquecido. Uma injustiça, sobretudo da parte do bolsonarismo. Poucos trabalharam tanto — dispararam tantas flechas a esmo contra a atividade política — quanto ele pela eleição de Bolsonaro. Missão cumprida, criminalizada de todo a classe política, o arqueiro sumiu. Não o fez sozinho. (Ou alguém terá notícia de Marcelo Miller, outrora dublê de procurador e advogado dos delatores irmãos Batista?) E decerto o fez com intuição. Antecipando o espírito do tempo, Janot sempre soube farejar quando, como — aqueles vazamentos medidos que o transformariam em fonte da paixão — e para quem falar. Um trovador de si mesmo.

Aí está. Ele voltou. Perdeu o sócio, mas retornou à militância. Ao revelar sua intenção de matar Gilmar Mendes com um balaço na cara, reencontrou lugar privilegiado entre os justiceiros jacobinistas no altar do bolsonarismo. Ou não teremos visto, da boca de graúdos pastores da fé bolsonarista, pregações segundo as quais Janot não merecia ser julgado, tão próximo teria estado de fazer a vontade do povo?

Bernardo Mello Franco - Armadilhas para Lula

- O Globo

Depois de 542 dias preso, Lula está diante de duas armadilhas. Uma foi montada pela força-tarefa da Lava-Jato. A outra, pela sua própria estratégia de defesa

Preso há 542 dias, o ex-presidente Lula está diante de duas armadilhas. Uma delas foi montada pela força-tarefa da Lava-Jato. A outra, pela sua própria estratégia de defesa.

Na sexta passada, os procuradores pediram que a Justiça mande o petista para o regime semiaberto. Ele tem motivos para desconfiar do surto de generosidade. Dois dias antes, o Supremo formou maioria para rever uma série de sentenças da Lava-Jato.

Para Lula, a força-tarefa percebeu que seria derrotada e decidiu se antecipar, oferecendo a ele uma meia vitória. O ex-presidente poderia sair, mas teria que obedecer a uma série de condições. Ao que parece, Deltan Dallagnol e companhia não contavam com uma recusa.

Num gesto ousado, o petista informou que não aceita “barganhas” para deixar a cadeia. “Não troco minha liberdade pela minha dignidade”, afirmou, em carta escrita à mão. A atitude gerou um impasse. Afinal, um réu condenado pode rejeitar a progressão de sua pena e ficar na cadeia?

Lula sustenta que é um preso político. Portanto, não aceita nenhum benefício que possa soar como favor ou caridade. Ele reivindica que o Supremo anule integralmente a condenação imposta por Sergio Moro.

Míriam Leitão – Os dinheiros da Lava-Jato

- O Globo

Valor recuperado pela Lava-Jato mostra que ela não foi perseguição contra um partido, mas investigação de crimes contra os cofres públicos

A Lava-Jato é a mais bem-sucedida operação de combate à corrupção se for considerado o valor do dinheiro ressarcido. Como mostrou a reportagem deste jornal ontem, aproximadamente R$ 2 bilhões do dinheiro desviado já voltaram aos cofres públicos, somente pelos delatores. Mas há também o que foi pago pelas empresas em acordos de leniência. Só o JBS está pagando parcelado uma dívida R$ 10,3 bilhões corrigida pela inflação. Tem ainda o que foi pago pela Petrobras pelo acordo com o Departamento de Justiça americano que já está indo para cobrir despesas públicas.

Os acordos de leniências das empresas foram fechados com instâncias diferentes do setor público. Alguns com o Ministério Público Federal, outros com a AGU, outros com o Cade. É difícil saber tudo o que será pago ao fim do processo. Para se ter uma ideia, o acordo do MP com a JBS prevê pagamento de R$ 10,3 bi em 23 anos corrigido pelo IPCA. Já pagou quatro parcelas semestrais, um pouco mais de R$ 200 milhões, segundo apurações da coluna. Talvez o JBS tenha que antecipar pagamentos, em duas circunstâncias: se o STF decidir revisar as colaborações, e se o grupo fizer um acordo com o Departamento de Justiça de pagar em período mais curto.

O governo tem recebido dinheiro, mas perdeu muito mais. O jornal “Estado de S. Paulo” trouxe uma estimativa feita pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, de que o potencial de perdas com a Odebrecht pode ser de R$ 14,6 bilhões. Só que ele não disse que critério usou. Esse valor de R$ 14,6 bilhões é o total de dívida das empresas do grupo em recuperação judicial. Algumas têm garantia — como ações da Braskem, por exemplo. No caso da Atvos, tem que ser descontado o custo da Brenco, uma empresa de açúcar e álcool, com dívidas impagáveis, que o banco pediu para a Odebrecht assumir em troca de um financiamento. Enfim, a conta precisa ser bem feita e, na verdade, não é preciso exagerar porque as perdas do BNDES serão grandes mesmo, tanto com a Odebrecht quanto em outras operações que vêm sendo investigadas por corrupção.

Fernando Exman - A nova diplomacia presidencial brasileira

- Valor Econômico

Bandeiras pessoais e partidárias minam política externa


Demorou quase um ano, mas finalmente começa a ganhar forma a diplomacia presidencial do governo Jair Bolsonaro.

Além de uma participação tímida no Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro, Bolsonaro fez uma aposta pessoal equivocada na mudança da embaixada brasileira em Israel. Apostou também em parcerias, em Israel e na Argentina, com líderes que enfrentam dificuldades para se manterem no poder. Isso sem falar no próprio presidente americano, Donald Trump.

O mais dramático ato de inauguração da nova persona internacional de Bolsonaro ocorreu na semana passada. O presidente debutou como orador na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas, em um discurso anacrônico, abrindo as apostas de quanto a nova diplomacia presidencial poderá agregar - ou criar obstáculos - à política externa brasileira.

O mais provável é que uma resposta mais objetiva surja apenas depois das próximas viagens internacionais de Bolsonaro. Até o fim do ano, ele desembarcará no Japão, na China, na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes e no Catar. Em território nacional, poderá demonstrar sua desenvoltura e capacidade de construção de entendimentos como o anfitrião da próxima cúpula do Brics. O encontro dos líderes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul está previsto para ocorrer em meados de novembro, em Brasília.

Na sua estreia como orador na ONU, Bolsonaro desvelou o “novo Brasil” que se apresenta como antiglobalista, mas ao mesmo tempo diz estar mais aberto a investidores e turistas estrangeiros. Um país que bate de frente com parceiros europeus, porém, pelo menos por enquanto, faz questão de parecer animadíssimo com o acordo fechado entre o Mercosul e a União Europeia. Um país que critica iniciativas da ONU e ressente-se da perda de espaço em suas instâncias e colegiados.

Mais uma prova de que, no Brasil, a diplomacia presidencial é errática.

Depois de eleito, em 1985, Tancredo Neves realizou um périplo por Portugal, Espanha, Itália, Vaticano, França, Estados Unidos, México, Peru e Argentina. Apresentou ao mundo uma nova face democrática do Brasil, oferecendo também um aperitivo de uma política externa que não viria a se concretizar. Excluído desse planejamento e diante de inúmeros desafios após tomar posse, o ex-presidente José Sarney acabou privilegiando o Cone Sul, conquistando resultados concretos no processo de integração regional.

As diplomacias presidenciais de Fernando Collor e Itamar Franco também foram tolhidas por crises domésticas. Em suas viagens internacionais, Collor chegou a replicar os lances de marketing político que chegaram a marcar suas aparições públicas dentro do país. O ex-presidente levou ao exterior uma mensagem de abertura e modernização da economia, mas o processo de impeachment que enfrentou demonstrou ao mundo como o Brasil ainda não se tornara um local tão amigável quanto o descrito nos discursos.

Fabio Graner - Uma troca necessária

- Valor Econômico

Direcionamento de eventual redução das despesas obrigatórias para investimentos públicos é alvo de discussão no governo

Discute-se, no governo, a viabilidade de se garantir, na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da revisão de regras fiscais, o direcionamento de eventual redução das despesas obrigatórias para investimentos públicos.

Segundo uma fonte graduada da área econômica, esse caminho seria uma alternativa a propostas de modificações no teto de gastos, rejeitadas amplamente no time do ministro Paulo Guedes.

Independentemente de se formalizar ou não tal dispositivo na nova legislação que está sendo gestada, é possível perceber maior preocupação na área econômica com a forte contração dos investimentos públicos nos últimos anos e suas consequências para o nível de atividade do país.

A ideia de tentar assegurar que eventual espaço nos gastos obrigatórios seja pelo menos em parte ocupado por investimentos contém a premissa de que o país precisa crescer mais rapidamente, inclusive para reforçar o ajuste fiscal que vem sendo feito há anos. “Se a economia não crescer, não tem como resolver a questão fiscal”, disse a fonte.

É bom deixar claro que essa discussão não significa mudança de concepção da equipe econômica sobre a necessidade de reduzir o tamanho do Estado. Mas mostra um reconhecimento da importância de o setor público investir mais, como ocorre no mundo avançado, a despeito do objetivo de se promover maior presença privada no conjunto de investimentos do país, em especial na infraestrutura.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Reformando o passado

- Valor Econômico

“Novas” formas de trabalho dificultam, senão inviabilizam, reformas da Seguridade Social que não contemplem participação maior dos impostos gerais, com forte viés progressivo, sobre a renda e a riqueza

Ouso enfiar minha colher no debate sobre a reforma da Previdência. Desconfio que a reforma é anacrônica. Anacrônica porque desconsiderava o terremoto tecnológico e financeiro que está a abalar os “velhos” mercados de trabalho da Era Fordista.

Construídos sobre as garantias de estabilidade das relações salariais e das políticas econômicas nacionais de pleno emprego, os “velhos” mercados de trabalho sucumbiram às peripécias do Velho Capitalismo.

O Velho Capitalismo não é o capitalismo envelhecido, mas, sim, aquele reinvestido em sua natureza, revigorado nas forças da competição desenfreada entre mamutes empresariais. Empenhados em capturar mais valor dos empreendimentos já existentes, os mastodontes multiplicam as fusões e aquisições, ocupam os espaços globais, aceleram o tempo de produção, dispensam trabalhadores e achatam os salários. Nessa toada, amesquinham os espaços nacionais, onde insistem em sobreviver homens e mulheres de carne e osso.

Em sua reinvenção, o Velho Capitalismo dissipou as esperanças do capitalismo fordista dos Trinta Anos Gloriosos. O período glorioso alimentou a concepção, ao mesmo tempo solidária, generosa e ilusória da separação entre duas formas do capitalismo: 1) o capital produtivo em que homens e máquinas se combinam virtuosamente para a produção de bens e serviços; e 2) o capital “improdutivo” que não produz mercadorias, mas gera rendimentos “fictícios” para seus proprietários.

No renascimento do Velho Capitalismo, essas formas revelam que não são opostas, senão contraditórias: desenvolvem-se como dimensões do mesmo processo que subordina a produção dos meios materiais para a satisfação das necessidades ao império da acumulação de riqueza monetária. Ao derrubar as fronteiras erguidas pelas políticas intervencionistas para proteger a produção e o emprego, o Velho Capitalismo soltou o demônio monetário que carrega na alma.

Ricardo Noblat - Para que não se faça o jogo de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Separar o joio do trigo, sem publicar o joio

O presidente Jair Bolsonaro não precisa de uma imprensa para chamar de sua. Já tem. Poderia reunir parte dela sob o rótulo de Sistema Bolsonarista de Televisão (SBT). E outra parte num condomínio conhecido como Diários e Emissoras Associadas Contra o Socialismo – ou algo parecido com isso

Ele estrebucha na maca, como o fez, ontem, mais uma vez porque os maiores veículos de imprensa do país resistem aos seus encantos e à sua conversa fiada, e teimam em continuar fazendo jornalismo com independência. Na sua fala diária à saída do Palácio da Alvorada, ele voltou à prática do seu esporte favorito – atacar os jornalistas.

Dessa vez disse que só voltará a falar com eles quando retificarem muito do que foi escrito e dito sobre seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque. Pura estultice! Que mais adiante ele esquecerá. À falta de um projeto para o país, Bolsonaro governa de preferência por meio da palavra.

Na verdade, pouco se lhe dá se apanha por causa de tanta estupidez que diz – desde que se reproduza tudo o que saia de sua boca. A imprensa chapa branca reproduz sem fazer o menor reparo, como se espera dela. A imprensa crítica reproduz com o cuidado de oferecer o contraditório, que é o que dela se espera.

Pode-se ser mais seletivo para não dispender energia com o que é desimportante, não conferir o mesmo peso ao que é relevante e ao que não é, e não exaurir o distinto público. O desejo dos governantes é que se fale deles, mesmo que mal. Por que satisfazê-los?

Sai de cena “Lula, Livre!”. Entra “Lula, Preso!”

A nova palavra de ordem do PT
E se a juíza Carolina Lebbos, substituta de Sérgio Moro na 12ª Vara Federal da Polícia Federal, em Curitiba, mandar Lula para o regime semiaberto de prisão a que ele já tem direito por ter cumprido um sexto da pena a que foi condenado no caso do tríplex do Guarujá?

A defesa de Lula entrará imediatamente com algum tipo de recurso pedindo para que ele continue preso em regime fechado como está há 542 dias? No semiaberto, Lula poderá trabalhar durante o dia e voltar à noite para dormir na prisão. Ou dormir em casa.

Será algo inédito por estas bandas se a defesa preferir Lula preso a Lula mais ou menos livre. No interior remoto do país, há registro de presos que clamaram para não ser soltos porque a cadeia lhes garantia abrigo, comida e uma mínima sensação de segurança.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Proposta de Toffoli aponta caminho para a modulação – Editorial | O Globo

Presidente do STF deve ajudar a tornar palatável a aplicação da sentença que ameaça a Lava-Jato

Ao final da sessão de quinta-feira passada do Supremo Tribunal, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, anunciou que levará amanhã ao plenário uma proposta de “modulação” do que acabara de ser decidido por 7 votos a 3 —que o réu delatado tem o direito de falar no processo depois do réu delator.

A decisão ainda é preliminar, porque os votos podem ser alterados até a proclamação do resultado, faltando ainda o posicionamento do ministro Marco Aurélio Mello, ausente da sessão.

O desfecho do caso tem importância visceral para o destino da Lava-Jato: se tudo terá sido em vão —sentenças serão anuladas, e um rico acervo de provas e testemunhos irá para o lixo —ou se, por meio da “modulação” do veredicto a ser discutida na quarta-feira, o Supremo evitará que a Justiça volte a cair em descrédito perante a opinião pública. A partir do mensalão, passou-se a acreditar que políticos e empresários, ricos e poderosos, também poderiam vir a ser presos em processos sobre o roubo do dinheiro público. A depender do que acontecerá amanhã, haverá dúvidas.

André Luiz de Almeida* - O exercício histórico – Cidadania

Histórica da cidadania do Brasil há muitas oscilações que limitaram essa capacidade do indivíduo e foram de significativo destaque, embora sem progressos.

O analfabeto sempre foi interditado para o exercício do voto desde a lei imperial de 1881 até a Constituição Federal de 1988, logo, ele nunca foi cidadão em termos plenos; houve ausência do voto feminino, do voto secreto e de uma Justiça eleitoral profissional até o Código eleitoral de 1932 e a Constituição Federal de 1934; houve limitação do exercício do direito de voto durante toda a Primeira República por obra da submissão da maioria do eleitorado a práticas coronelísticas, tema este muito bem estudado pelo nobre professor Itami Campos.

Com o crescimento constante do Brasil, desde a redemocratização do regime político em 1945, surgiu o clientelismo urbano, como instrumento de deformação das vontades no plano eleitoral, fato este que ainda hoje se verifica em toda a sua extensão. Logo, a cidadania plena, desde a descoberta do Brasil, nunca foi exercida.

Surge outro problema: As câmaras municipais e as assembleias legislativas vêem conferindo “títulos de cidadania” aos residentes ilustres dos municípios ou do estado que, por clientelismo político ou por excessivo poder econômico, são agraciados com a “honraria”. Ora, nunca vi, por mais justa que seja, uma casa legislativa conceder uma “graça de cidadão” a um simples e honrado gari ou ambulante, os conhecidos subterrâneos informais, na visão de Zaffaroni, que também possuem relevância no cenário político de qualquer cidade.

Poesia | Joaquim Cardoso - Chuva de caju

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?
Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
e em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.

Música | Casuarina - Baile no Elite

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Opinião do dia – Alexandre de Moraes*

"Não custa ao Estado respeitar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. Nenhum culpado, nenhum corrupto, nenhum criminoso deixará de ser condenado, se houver provas, se o Estado respeitar esses princípios constitucionais".

*Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em seu voto, na sessão de 26/9/2019 (quinta-feira).

Marcus André Melo* - Polarização afetiva

- Folha de S. Paulo

O affair Janot marca a escalada do conflito no ciclo da Lava Jato

A polarização afetiva que se assenta em emoções negativas (desconfiança, desprezo, aversão) dirigidas a grupos políticos rivais é fenômeno novo nas democracias, mas no Brasil adquiriu especificidades: ela foi magnificada devido ao cataclismo produzido pela exposição pornográfica da corrupção.

O debate sobre seus determinantes e sobre se ela é maior entre as elites ou massas produziu duas explicações rivais. A primeira é que a polarização é fundamentalmente um fenômeno das elites --um subproduto do acirramento da competição política.

A segunda é que a polarização é social e resulta da sobreposição de identidades: grupos homogêneos fazem escolhas que as alimentam ("partisan sorting"). Nos EUA, por exemplo, os afro-americanos e evangélicos têm optado pelo partido democrata e republicano, respectivamente, e essa superidentidade acaba influenciando outras escolhas.

Celso Rocha de Barros* - A crise da Lava Jato

- Folha de S. Paulo

Já está claro que Bolsonaro não tem o mais remoto interesse em brigar pela operação

A semana passada foi muito ruim para a Lava Jato, começando com a derrota, de efeitos práticos incertos, no STF (Supremo Tribunal Federal), passando por novas denúncias da Vaza Jato e culminando no episódio grotesco em que o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, declarou que quase matou Gilmar Mendes a tiros. O ex-senador tucano Aloysio Nunes declarou que a operação manipulou o Supremo durante o processo de impeachment. Enquanto escrevo, ouço que a força-tarefa da Lava Jato lançou a campanha "Lula mais ou menos livre", e pediu sua mudança para o regime semiaberto. Especula-se que seja uma estratégia para evitar a anulação da sentença contra o ex-presidente.

Se tudo isso tivesse acontecido em 2015, o país estaria em convulsão. O auge do lavajatismo passou quando Dilma caiu, mas houve um novo surto de entusiasmo com a eleição de Bolsonaro e a nomeação de Moro para o Ministério da Justiça.

Vou morrer sem entender por que, em algum momento, o Brasil achou que Jair Bolsonaro estava preocupado em combater a corrupção. O atual presidente da República sempre foi um político do baixo clero, nunca teve qualquer participação nas investigações de corrupção no Congresso (alguém se lembra dele se destacando em qualquer CPI?), foi um dos articuladores da campanha de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara e apoiava Picciani no Rio de Janeiro. Em algum ponto de nossa loucura recente, achamos que esse sujeito era o Batman.

Leandro Colon – Uma instituição em crise

- Folha de S. Paulo

Janot, Dodge, Deltan, entre outros, mostram que órgão precisa de reflexão profunda

O desatino de Rodrigo Janot em declarar que por pouco não apertou o gatilho para matar Gilmar Mendes nas dependências do STF jogou ainda mais luz sobre o Ministério Público Federal, instituição que precisa de uma reflexão profunda.

Muita gente em Brasília não acredita na história de faroeste contada por Janot. Mas nada muda se o fato ocorreu ou se o ex-PGR está blefando para promover seu livro (recheado de incoerências, segundo reportagem publicada pela Folha).

Até que se prove o contrário, vale a versão confessada por um ex-chefe da Procuradoria de que levou uma pistola ao STF para matar Gilmar, mas (ainda bem) fraquejou na hora.

Janot deixou a PGR em setembro de 2017 com um gol contra no final: a delação desastrada da JBS, em que ele atropelou a liturgia das investigações para tentar derrubar um presidente da República (Michel Temer).

Vinicius Mota - Impeachment de Trump é golpe?

- Folha de S. Paulo

Quem deslegitimou tentativa de depor Bill Clinton agora aplaude ação democrata

A Suprema Corte do Reino Unido saiu do seu retiro secular e mostrou cartão vermelho para a intenção do premiê Boris Johnson de deixar fechado o Parlamento por cinco semanas. Os progressistas de todo o planeta comemoraram.

A presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, a democrata Nancy Pelosi, rompeu um longo período de hesitação e instalou inquérito que pode levar ao impeachment de Donald Trump. Nova salva de palmas na centro-esquerda.

Os adeptos da conversa do “jogo pesado constitucional”, difundida pelo best-seller “Como as Democracias Morrem”, também se uniram ao coro. Desta vez está tudo certo, afirmaram. Quando os deputados republicanos tentaram o impeachment de Bill Clinton, em 1998, aí não podia.

Fernando Gabeira - Lobo e o cordeiro no STF

- O Globo

O primeiro grande golpe sofrido pelo sistema anticorrupção partiu de Toffoli em conluio com Bolsonaro

A semana que passou foi complicada demais para caber num só artigo. Começou com aquele discurso de Bolsonaro na ONU e, no final, nem se falava mais nele.

Estava no Ceará cobrindo um encontro dos povos do mar. Nele, discutia-se o conhecimento das populações litorâneas: cultivo de algas para cosméticos e alimentação ou mesmo fazer um bonito lustre com escamas de um peixe grande, chamado lá de camburubim. No final do encontro, as praias nordestinas foram invadidas por um vazamento de óleo, morte de tartarugas e tudo mais.

Bolsonaro voltou de viagem, e dela ficou apenas sua briga com o cacique Raoni e a adolescente sueca Greta Thunberg, atacada pela família presidencial.

O grande fato foi produzido pelo STF, que aplicou uma derrota na Operação Lava-Jato e todas as outras que combatem a corrupção no Brasil.

Alguns processos serão anulados por uma filigrana jurídica: o condenado não apresentou suas declarações finais depois dos delatores.

A discussão desse tema poderia aperfeiçoar as coisas daqui para a frente. Mas anular processos que desviaram milhões só por causa da ordem final é apenas o sinal do momento.

A conjuntura mudou. A correlação de forças é outra. Os vazamentos do Intercept enfraqueceram a Lava-Jato, da mesma forma que a eleição de Bolsonaro, embora o discurso seja outro, e ele tenha integrado Moro ao seu governo.

Cacá Diegues - Meu discurso na ONU

- O Globo

Qual dessas alternativas, a barbárie ou a civilização, cada país deve escolher para o presente e o futuro?

Se a mim coubesse discursar na abertura da 74ª Assembleia Geral da ONU, se eu tivesse essa honra por causa de nossos antepassados políticos que a mereceram por suas ideias, elegância e dignidade, evitaria levar comigo uma pobre moça com cara de indígena que serviria apenas para me filmar encantada, com seu celular progressista de homem branco. Eu não teria coragem de dizer que a menina representa os índios do meu país. Apenas uns poucos, já que o resto a gente massacrou devidamente no passado.

Começaria meu discurso mandando meus confrades do mundo inteiro aprenderem logo o português para lerem “Escravidão”, o livro do professor Laurentino Gomes. Ele nos conta como subjugamos com eficiência, desde o primeiro leilão dos cativos em 1444, uma outra etnia que trouxemos para cá, atravessando com eles um oceano, para que nos servissem e inventassem o país que agora os despreza e discrimina.

Eu também citaria a Bíblia, mas um outro versículo mais apropriado. Podia ser, por exemplo, o que está no Livro Sagrado em Lucas 12, 1-3, que aprendi com Frei Betto: “Tomem cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia”.

Em meu discurso, talvez fosse o caso de lembrar o que muita gente tenta esquecer ou negar: a ditadura no Brasil, de 1964 a 85. Ela está nas primeiras páginas dos jornais da época, mesmo dos que a apoiavam. Como na manchete de 26 de março de 1969, onde o presidente-general afirma: “O governo já cuida da volta à democracia”. (Ora, o que volta é porque já foi). Ou, em 19 de agosto do mesmo ano, a declaração de membro do triunvirato militar no poder: “Nosso objetivo é restaurar a democracia”. (Ora, só se restaura o que não é mais). O mesmo jornal dizia, três dias depois, que “o Exército está decidindo a sucessão”. Pode ser mais claro?

Ana Maria Machado - Livros livres

- O Globo

Livros devem ser livres. Plurais. Ideias alheias em confronto com as nossas nos enriquecem. Sem imposição de pensamento único. Mesmo se o que está escrito em algum livro for uma bobagem.

Algo alentador no país hoje é a sede de leitura. Apesar das dificuldades. O ensino é capenga. Bibliotecas desatualizadas, só abertas em horário comercial. Indústria livreira em crise. Grandes livrarias fechando. Compras governamentais para escolas suspensas.

Mas na contramão, há sinais animadores. Pequenas livrarias resistem. Clubes de livros e blogs literários proliferam. Professores insistem em explorar com seus alunos o potencial que pulsa na literatura. Festas literárias se multiplicam por incontáveis cidades no interior.

Livros nos dão modelos (como o “Rondon” de Larry Rother) ou mostram males a combater — da escravidão (na obra de Laurentino Gomes) ao autoritarismo (na de Lilia Schwarcz).

Não adianta vetarem Míriam Leitão e Sérgio Abranches em Jaraguá do Sul —isso lhes dá maior ressonância. Não adianta proibir uma HQ com beijo gay —isso faz 14.000 livros sobre o tema serem distribuídos de graça. Não adianta um diretor da Funarte ofender Fernanda Montenegro—o público a cobre de carinho, o apoio a nossa atriz maior viraliza nas redes. Avelha lição: “você corta um verso, eu escrevo outro.”

Simon Schwartzman - Nem CLT nem funcionário

- O Globo

Como quase tudo neste ambiente polarizado em que vivemos, a questão do regime de trabalho dos professores das universidades está sendo discutida como tendo duas únicas possibilidades: ou somos a favor das universidades públicas, e defendemos o atual regime de funcionalismo público para professores e funcionários, ou somos contra, e queremos transformar todas as universidades em empresas comerciais, cobrando matrículas e vendendo serviços.

Na verdade, não tem que ser assim. O atual regime das universidades federais — em que todos os professores são funcionários do Ministério da Educação, e não das universidades, têm a mesma carreira em todo o país e estabilidade desde o dia em que passam no primeiro concurso — é totalmente inadequado, inclusive porque vai contra o princípio da autonomia universitária, que supõe que elas devam administrar com independência seus recursos humanos.

O simples regime CLT — em que os contratos são precários, e o professor pode ser demitido a qualquer momento com ou sem justa causa, e que predomina na maioria das instituições de ensino privadas no Brasil, sobretudo as de fins de lucro —também não é adequado para instituições cujo principal acervo é a reputação, competência e o envolvimento de seus professores. Existe alguma alternativa?

Claro que sim. Nos países que têm universidades de qualidade, as contratações não são feitas por concursos formais e burocráticos, em que a universidade delega a um grupo de professores a decisão de quem vai ser admitido para o resto da vida, e sim por processos de busca com a participação de professores, dirigentes, alunos e avaliadores externos, em que os candidatos passam por entrevistas e busca-se um consenso sobre se eles são os melhores para as funções que precisam ser preenchidas.

Denis Lerrer Rosenfield* - O que é ser conservador?

- O Estado de S.Paulo

Significaria conservar os valores da família, a tradição libertina ou a liberdade de escolha?

Ser conservador encerra muitas significações, sem que, muitas vezes, se saiba ao certo do que se está falando. Ultimamente, no País, estamos presenciando uma onda dita conservadora, como se, com esse termo, uma acepção de todos conhecida pudesse ser facilmente percebida.

Ser conservador, à maneira de Edmund Burke, significava, na época, manter as tradições inglesas, a monarquia constitucional e os valores vigentes, dentre os quais seus preconceitos em relação ao capital financeiro, aos agiotas e aos judeus, que ele acreditava serem aqueles similares a estes. Conservar a tradição e os valores pode igualmente significar aceitação acrítica de toda uma História recebida. Sua repercussão deveu-se, sobretudo, à sua crítica à Revolução Francesa, à concepção democrática que então emergia e a seus excessos no Terror, à concepção jacobina, que terminou se estendendo até o século 20. São valores históricos que estão assim em pauta.

Ser conservador, no Brasil de hoje, coloca precisamente a questão dos valores e da tradição a ser preservada. O discurso político é fortemente contaminado pelo conservadorismo sem que sua acepção seja definida. Cobra-se apenas que o inimigo seja aquele que não a compartilha, sem que o compartilhado, contudo, seja explicitado. Evidentemente, não se pode seriamente cogitar de uma monarquia constitucional do tipo da inglesa, por mais que dom Pedro II tenha sido um grande imperador, ímpar em seu tempo. Essa tradição se teria perdido no período republicano, salvo se entendermos por ser conservador a restauração da monarquia brasileira. Não é essa, porém, a pauta do atual governo, centrado na figura de um presidente que procura impor suas concepções, sem recorrer à História do País.

Cida Damasco - Quem se arrisca?

- O Estado de S. Paulo

Investimento precisa de segurança, tudo que está em falta no Brasil

Foi uma semana de sustos após sustos até para quem se diz acostumado com as turbulências do Brasil dos últimos tempos. Começou com a estreia de Bolsonaro na ONU, desafiando líderes da comunidade internacional e atacando tudo e a todos, em um discurso sob encomenda para o eleitorado mais fiel. Terminou com Rodrigo Janot, ex-chefão da Procuradoria Geral da República, impedido de se aproximar dos ministros do Supremo, depois de ter revelado que planejou assassinar Gilmar Mendes e se suicidar.

Mais que uma frase de efeito, o comentário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em seguida à confissão de Janot, dá o que pensar: “Quem vai querer investir num país desse?” Por mais que alguns empresários, executivos e investidores financeiros ainda tentem fechar os olhos para a balbúrdia que se instalou em várias áreas e prefiram concentrar a atenção na agenda ultraliberal da equipe econômica, não há como ignorar os riscos desse cenário. Insegurança é o que vem à cabeça de todos. E, como se sabe, trata-se de um motivo mais do que suficiente para pelo menos provocar dúvidas em quem está avaliando a possibilidade de colocar seu dinheiro no Brasil.

Fareed Zakaria* - Conduta do presidente americano segue padrão global

- The Washington Post, O Estado de S.Paulo

Desde 1995, cresce o número de pessoas que gostariam de ter um líder forte que não precisa se importar com um Parlamento ou eleições

Se você acha que foi uma transgressão passível de impeachment, devemos concordar que o que Donald Trump fez foi errado? Ele pressionou um governo estrangeiro a investigar um rival. Isto é bem diferente da investigação no caso da Rússia, para saber se Trump conspirou com o Kremlin. No caso da Ucrânia, o presidente é acusado de usar o poder dos EUA – que faz uma diferença de vida ou morte para a Ucrânia – para ganho pessoal.

Infelizmente, isto faz parte de um padrão de violações de normas democráticas. O relatório de Robert Mueller revela que Trump buscou restringir ou mesmo pôr fim à investigação do procurador especial. Trump ofereceu perdão para autoridades que infringiriam a lei, criticou agências de investigação do governo e as pressionou para investigarem seus oponentes.

Ele também ignorou convocações para depor no Congresso e recusou-se a entregar documentos, incluindo seu informe de imposto de renda, e enriqueceu suas empresas usando sua posição como presidente. Atacou o Judiciário e a mídia, chamando-a de “inimiga do povo.

Trump é um exemplo atroz, mas sua má conduta se insere num padrão global. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, se envolveu em manobras políticas que a Suprema Corte decidiu serem ilegais. O premiê indiano, Narendra Modi, tem aterrorizado as minorias do seu país e corroído sua cultura secular.

O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, elogia assassinatos extrajudiciais. E, em países como Turquia e Hungria, seus líderes, Recep Tayyip Erdogan e Viktor Orban, conseguiram mudar a Constituição para favorecer um governo de um único partido – ou um indivíduo.

Bruno Carazza* - A estratégia por trás do veto

- Valor Econômico

Bolsonaro beneficiou a si mesmo e ao Congresso

Na última sexta-feira Jair Bolsonaro vetou diversos dispositivos da reforma eleitoral aprovada pelo Congresso no âmbito da Lei nº 13.877. Atendendo à pressão das redes sociais, o presidente posicionou-se contra a possibilidade de aumento do fundo eleitoral, a eliminação de brechas para a não aplicação da Lei da Ficha Limpa e o retorno da propaganda partidária “gratuita” em rádio e TV - sem falar na farra que seria a permissão de adoção de sistemas de contabilidade paralelo à prestação de contas exigida pelo TSE.

Apesar de ter agradado àqueles que temiam que a sanção do projeto tal qual aprovado pela Câmara e pelo Senado contribuiria para a total degeneração da política em corrupção, o veto parcial de Bolsonaro merece ser analisado com bastante cuidado, pois revela uma bem arquitetada estratégia política.

Começamos pelo que não foi vetado. Bolsonaro fez vista grossa para três dispositivos relacionados ao uso do fundo partidário, uma bolada que gira em torno de R$ 1 bilhão de dinheiro público distribuída todo ano aos partidos. De acordo com a nova lei sancionada pelo presidente, os partidos agora poderão utilizar esses recursos para defender judicialmente seus membros em processos relacionados à eleição, para adquirir bens imóveis e móveis (inclusive veículos, jatinhos e helicópteros) e também no impulsionamento de conteúdo na internet.

Ricardo Noblat - O general e a “loura maluca”

- Blog do Noblat | Veja

A sensação do governo (no momento)

Gabinete de Segurança Institucional, apontado como o intelectual do governo e principal conselheiro do presidente Jair Bolsonaro. Até que Bolsonaro esvaziou os poderes de Heleno e, hoje, ele funciona apenas como conselheiro e acompanhante de luxo.

Depois foi o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, amigo de Bolsonaro há mais de 40 anos, o único dos seus auxiliares que o chamava de “você” e o censurava se necessário. Santos Cruz foi abatido por mensagens disparadas no Twitter pelo vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois.

O sucessor de Santos Cruz, general Luiz Eduardo Ramos, também paraquedista como ele e Bolsonaro, é a nova sensação do governo. Simpatia em pessoa, com livre trânsito no Congresso, surpreende os que o conhecem pela franqueza e sem cerimônia com que se refere a alguns dos seus colegas. Sobra para quase todos.

Segundo a mais recente edição do TAG Reporter, das jornalistas Helena Chagas e Lydia Medeiros, o ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, é um dos alvos preferidos do general que o critica por ter procedido mal ao fazer determinados acordos com partidos para a cessão de cargos.

Não escapa nem o ministro Paulo Guedes, da Economia. Para Eduardo Ramos, Guedes promete, promete, mas não entrega. Em reuniões com parlamentares, ele já usou a expressão “loura maluca” para bater na deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo no Congresso. O general está com a língua solta.

Há pouco mais de 15 dias, durante um encontro com a bancada de parlamentares federais do Paraná, depois de fazer as restrições de praxe a seus colegas, o general ouviu do deputado Ricardo Barros (PP), ex-ministro da Saúde do governo Michel Temer:

– Presidente não demite deputado, mas deputado demite presidente.

O general engoliu a seco.

A dor de cabeça de Bolsonaro

Tem uma pedra no meio do caminho
Nem o candidato do PT, que só será conhecido em cima da hora, mas que poderá partir de um patamar de intenção de votos na casa dos 20%. Nem o candidato do PSDB, talvez – quem sabe? – João Doria, governador de São Paulo, que atrairia o apoio de siglas do Centrão, tais como o DEM, o PSD e outras menos votadas.

Tampouco o apresentador de televisão Luciano Huck, que mais uma vez poderá ficar onde está para não perder a montanha de dinheiro que ganha e não ter que enfrentar o desconhecido. Sérgio Moro seria um pesadelo indesejável, mas ele se verá tentado a aceitar a indicação para ministro do Supremo Tribunal Federal.

Por ora, o que mais incomoda e mete medo em Jair Bolsonaro é ter que disputar a reeleição tendo como um dos seus competidores o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC). O Rio é a principal base eleitoral dos dois. E Witzel, mais do que os outros, está sabendo se apropriar do discurso que rendeu muitos votos a Bolsonaro.

Sergio Lamucci - O Brasil e um mundo de juros baixos

- Valor Econômico

Guerra comercial entre EUA e China poderá levar o mundo a transitar de uma fase de taxas reais de equilíbrio baixas para uma etapa de taxas “ultrabaixas”

O mundo desenvolvido convive com juros baixos desde a crise financeira global de 2007 e 2008, e a tendência é que isso continue por um longo período. Hoje, mais de US$ 17 trilhões em títulos públicos e privados oferecem rendimento negativo, num cenário de elevada incerteza, desaceleração do crescimento mundial e mudanças demográficas e tecnológicas. Esse quadro causa desconforto nos países avançados, levantando dúvidas sobre a eficácia da política monetária para combater a próxima recessão global, uma vez as taxas já estão baixas demais.

Esse ambiente tem obviamente impacto no Brasil, contribuindo para reduzir por aqui o juro neutro (a taxa que permite que a economia cresça sem gerar pressões inflacionárias). Nas contas do economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, o juro real neutro (descontada a inflação) caiu de 5,5%, no período de 2008 a 2014, para 2,5% hoje. Um terço desse recuo, segundo Kawall, se deve à queda dos juros no cenário internacional.

Para ele, os outros dois terços decorrem de mudanças na política fiscal - como o teto de gastos e a reforma da Previdência - e também na política parafiscal, com a contenção dos empréstimos dos bancos públicos. Essa combinação de fatores internos e externos permite ao Brasil experimentar um nível de juro neutro ineditamente baixo, com implicações favoráveis sobre a retomada do crescimento, a dinâmica da dívida pública e o mercado de capitais, por exemplo.

Maia e centrais se antecipam à reforma sindical

Presidente da Câmara acerta com entidades apresentação de uma PEC para discutir tema

Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - Em mais uma disputa de protagonismo com o governo, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), acertou com centrais sindicais, confederações patronais (como CNI, CNC, CNA e CNT) e federações, como a Febraban, a apresentação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) para discutir a reforma sindical.

A intenção dos trabalhadores, ao procurar Maia, é se antecipar à reforma sindical em elaboração pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho (PSDB) - principal responsável pela reforma trabalhista, que acabou com a contribuição sindical obrigatória e a tornou opcional.

Marinho montou um grupo de juristas, economistas e técnicos do governo para elaborar uma proposta até o fim do ano e deixou de fora sindicatos. O coordenador do grupo, o secretário do Trabalho, Bruno Dalcomo, prometeu aos sindicalistas ouvir sugestões, mas eles não terão direito a decidir na confecção do texto.

Marinho estaria se espelhando no modelo americano, de um sindicato para cada empresa, estrutura completamente diferente da brasileira, onde as entidades representam categorias por município ou região, como os metalúrgicos de São Paulo ou os motorista de ônibus do ABC. No modelo dos Estados Unidos, os funcionários do Banco do Brasil se uniriam em um sindicato exclusivo, por exemplo, sem a participação dos empregados de outros bancos.

“O governo sinalizou com o pluralismo por empresa. No Brasil vai haver milhões de sindicatos, vai ser pior do que era antes, e com um sindicalismo muito mais enfraquecido”, disse o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, que tem preferência pelo modelo alemão, de sindicatos nacionais por categoria.

Ainda não há uma definição consensual sobre o modelo a ser adotado, mas o fim da unicidade sindical (de um sindicato por município/ região), antes rechaçado no meio, agora já é aceito. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) já defendia a mudança nesse modelo, mas suas bases resistiam.