segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Luiz Sérgio Henriques*

Este não será um tempo de partidos - oficialmente em crise, eles que foram moldados segundo os requisitos da sociedade industrial, hoje em trânsito acelerado para a digitalização -, mas continua a ser de homens partidos e de má política. Expliquemo-nos sobre esta última expressão: a política é má quando, por deficiência subjetiva dos atores ou pela natureza inédita das transformações que varrem o mundo, não dá conta dos fenômenos, vê-se atropelada por eles, sem conseguir identificar as boas possibilidades existentes mesmo durante os processos mais tumultuosos. E não se trata, obviamente, de uma condição fatal: ela, a política, é má quando ainda não compreende tais processos e deixa homens e mulheres comuns sem a capacidade, tanto intelectual quanto emocional, de tomar conta das forças que dirigem sua vida. Como se costuma dizer, em tais momentos os fatos, e não os sujeitos, parecem estar no comando. E os resultados em casos assim são, no mínimo, sofríveis, se não desastrosos.

*Tradutor e ensaísta, é autor de ‘reformismo de esquerda e democracia política’ (Fundação Astrojildo Pereira). “Guerras falsas, guerreiros de fancaria”, O Estado de S. Paulo, 19/1/2020.

Carlos Pereira* - Para que haja menos partidos

- O Globo

Presidencialismo brasileiro continuará fragmentado

A formatação de sistemas políticos e partidários é fruto de escolhas que sociedades fazem ao longo da sua história. Essas escolhas se dão por tentativa e erro, com adaptações e correções de potenciais problemas que vão sendo identificados por gerações futuras.

O sistema político brasileiro é conhecido pela grande permissividade de suas regras eleitorais. Uma combinação de representação proporcional com lista aberta em distritos de grande magnitude, que tem estimulado a inclusão dos mais variados interesses da sociedade no jogo político, gerando assim fortes incentivos para a criação de muitas legendas partidárias. A escolha por esse sistema inclusivo foi uma resposta aos efeitos negativos dos partidos regionais oligárquicos da Primeira República decorrentes do voto distrital majoritário.

Entretanto, os partidos, na grande maioria, não têm sido veículos de agregação ideológica ou mesmo programática, mas fundamentalmente organizações políticas que unem interesses eleitorais. Daí porque os eleitores terem tanta dificuldade de identificá-los e diferenciá-los entre si.

Atualmente, 30 partidos ocupam pelo menos uma cadeira na Câmara dos Deputados. A fragmentação é alta mesmo quando a medimos a partir do número efetivo de partidos (NEP), que leva em consideração não apenas o número de siglas partidárias, mas também o tamanho do partido em relação ao total de cadeiras do Parlamento e às demais bancadas partidárias. E, portanto, considera também a dispersão/concentração do mercado partidário. Entre 1989 e 2010, por exemplo, o NEP ficou em torno de 9, passou para 13 em 2014 e pulou para mais de 16 partidos em 2018, tornando o Brasil a democracia presidencialista mais fragmentada do mundo.

Fernando Gabeira - As dores do Rio

- O Globo

Não foram os pecados que levaram a cidade à beira do colapso. Foram escolhas econômicas e políticas

Quase não paro no Rio. É o tempo de matar saudade da família, refazer as malas, obter da emissora o sinal verde para um novo projeto e cair na estrada.

Isso aumenta minha preocupação com a cidade. No fim de semana, assisti ao filme “Coringa”. Parecia ter chegado a Gotham City. O filme começa com a notícia da greve dos lixeiros, a sujeira se acumulando e Gotham sendo tomada por uma grande quantidade de ratos.

No Rio, a notícia era o medo com a contaminação da água, as autoridades pedindo desculpas, especialistas dizendo que não há previsão de normalidade e a água mineral sumindo do mercado.
Em Gotham City, a polícia baixava o pau na multidão fantasiada de palhaço que se indignou com as autoridades e protestava contra os ricos. No Rio, cassetetes, gás lacrimogênio contra uma multidão fantasiada que, ao que parece, queria apenas extravasar sua alegria.

Não é a primeira vez que o Rio se parece com as metrópoles distópicas do cinema. Tive sensação semelhante ao ver “Blade Runner”, que era uma investigação sobre o futuro.

A diferença é que no filme sobre cidades do futuro, a natureza já não tem nenhum papel. Gotham City trata do lixo produzido pelo consumo, as luzes são artificiais, assim como os reflexos que pontuam a narração dramática.

É impossível dissociar a natureza do Rio, mesmo na sua decadência. Talvez seja por isso que, no meio da década de 50 do século passado, Rubem Braga escreveu sua célebre crônica “Ai de ti, Copacabana”.

Ana Maria Machado - Um terreno comum

- O Globo

Ideias progressistas ou virtudes éticas não são monopólio de um só lado

Sensatez em uma área não é incompatível com sanidade em outra. É possível apoiar o combate a milícias e querer a privatização da Cedae, por exemplo. Ser de centro esquerda e defender votos dissidentes como o de Tabata no caso da Previdência e o de Freixo no pacote anticrime. Ou considerar que alguns excessos ultrapassam linhas a respeitar mas também ter certeza de que a Lava-Jato faz bem em ser firme no combate à corrupção de quem foi convivente e não inocente.

Exercer autoridade sem abuso pressupõe seguir as leis. Mas não significa blindar poderoso. Criticar arbitrariedades na investigação não impede de reconhecer corrupção sistêmica e querer sua punição. Sem jogadas marotas.

Ricardo Noblat - Escolha de Regina Duarte para Cultura é um aceno à Rede Globo

- Blog do Noblat | Veja

Conversas de bastidores
Ao convidar a atriz Regina Duarte para secretária ou ministra da Cultura do seu governo, o presidente Jair Bolsonaro levou em conta o conselho de vários dos seus ministros de que é preciso que ele busque uma maneira de estabelecer uma relação menos conflituosa com a Rede Globo de Televisão, a quem tem tratado tão mal.

No final do ano passado, para surpresa do comando da emissora, um dos seus diretores foi convidado para uma conversa com o ministro da Educação Abraham Weintraub. Ouviu do ministro que até exércitos em guerra muitas vezes concordam em suspender os combates para o recolhimento dos seus mortos e feridos.

Este ano, o mesmo diretor foi chamado para um encontro sigiloso com Bolsonaro, o primeiro desde que o atual governo tomou posse. Embora fora da tela há algum tempo, Regina faz parte do elenco fixo da Globo. Seu nome foi bem recebido por parte da classe artística do Rio. O que por enquanto não quer dizer que ela aceitará o convite.

A atriz é estreitamente ligada aos tucanos paulistas. Não dirá sim ou não a Bolsonaro sem antes consultar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – se é que ainda não o fez. Sua decisão ficou para hoje. Bolsonaro já tem outro nome para o cargo caso ela o recuse.

Sem pressa, por medo de derrota

Aliança para depois
O menos interessado na formação imediata do partido Aliança pelo Brasil é o presidente Jair Bolsonaro. Ele teme que seu partido, e o dos seus filhos, montado assim às pressas, acabe tendo um desempenho pífio nas eleições municipais de outubro próximo.

Bolsonaro prefere testar as chances do Aliança só nas eleições gerais de 2022 quando imagina que a avaliação positiva do seu governo estará em alta. Este ano, se limitará a apoiar poucos candidatos de outros partidos com os quais tenha afinidade ideológica.

Marcus André Melo* - O poder do presidente

- Folha de S. Paulo

A combinação de Executivo institucionalmente fraco e governabilidade é inédita

Há certo consenso que as relações Executivo-Legislativo sob Bolsonaro têm se dado em um novo padrão: em vez de propalada expansão do poder presidencial em um governo iliberal, observamos sua redução.

Há duas questões inter-relacionadas: ocorreu transformação (estrutural ou cosmética)? O que a causou? A chave para ambas é a excepcionalidade das circunstâncias da ascensão de Bolsonaro: uma tempestade perfeita resultante da conjugação de escândalo ciclópico de corrupção e crise econômica inédita. Como consequência a corrupção substituiu as questões redistributivas e de inclusão como eixo vertebrador da disputa política.

O cataclismo levou ao impeachment, à destruição das reputações das principais lideranças e à proibição do financiamento empresarial de campanhas. Como consequência, os fatores decisivos para as eleições no passado —financiamento de campanha, tempo de TV, tamanho das alianças— perderam importância, e permitiram que um outsider brandindo bandeiras novas —corrupção e segurança— se tornasse politicamente viável.

Celso Rocha de Barros* - Não há nada de normal em nada disso

- Folha de S. Paulo

As instituições estão rechaçando o autoritarismo, mas não é normal que sejam testadas todo dia

Na semana passada, dois artigos foram publicados colocando em questão a tese de que a democracia brasileira está ameaçada. Eu defendo que está, por isso vou discuti-los.

Os artigos são “Apesar dos alarmistas, um país normal”, de Fernando Schüler, publicado nesta Folha, e “Ih...A democracia brasileira não ruiu”, de Carlos Pereira, publicado no Estadão.

O artigo de Pereira se baseia em um estudo do cientista político Kurt Weyland que concluiu que populistas só ameaçam a democracia quando as instituições são fracas e quando seus governos transcorrem na recuperação de uma crise econômica aguda.

O artigo de Weyland é muito interessante, mas tem problemas. Em um dado momento, argumenta que Collor não conseguiu consolidar-se como populista porque não resolveu a crise econômica da hiperinflação (correto) e porque o Brasil tinha um histórico de 20 anos em que todos os presidentes terminaram seus mandatos, o que é errado.

Não se pode usar estabilidade da ditadura como índice de robustez da nova institucionalidade democrática. E Weyland não fez uma análise estatística, mas de uma comparação usando o método booleano de Charles Ragin. Não desqualifico o método, que é uma tentativa de lidar com amostras pequenas, mas sugiro cautela em citar as conclusões obtidas dessa maneira como “demonstrações”. Nem análises estatísticas são isso.

Vinicius Mota - Política da presepada

- Folha de S. Paulo

Atos ridículos e insultos vicejam com testosterona de mais e capacidade de menos

O que acontece quando chega ao governo federal um conjunto de ressentidos que passou a vida gramando para tirar uma nota C na prova, achava que bons modos eram coisa de pessoas frescas e sobrevivia das migalhas do poder?

Acontece o governo Jair Bolsonaro.

A insciência passa a ser vendida como virtude, e o insulto, como método de comunicação. Mas, porque competência não se improvisa, a presepada amiúde vira a resultante do entrechoque entre habilidade de menos e testosterona de mais.

A dicção imperial de Roberto Alvim a interpretar o arauto genocida do 3º Reich, embolado numa maçaroca simbólica, talvez não ache rival na escala de cenas ridículas já originadas na Esplanada dos Ministérios. Mas a distância para outras quixotadas deste governo é apenas de grau.

No Carnaval passado, o presidente veiculou imagens obscenas a pretexto de denunciar o que considera indecência. A escatologia —as alusões a detritos e excrementos— nunca frequentou tanto a expressão de um chefe de Estado brasileiro, o que é tema para psicanalistas.

Leandro Colon – Conflito de interesse na Secom

- Folha de S. Paulo

Presidente reage sob pressão; caso contrário, barco segue, como nos casos do Turismo e da Secom

As redes sociais amanheceram em chamas na sexta (17) com o nefasto vídeo de Roberto Alvim, então secretário de Cultura do governo, copiando discurso nazista.

Autoridades do Legislativo e do Judiciário repudiaram logo cedo. O mundo político, de esquerda e de direita, se manifestou imediatamente.

Por volta das 10h, a assessoria da Presidência informou por escrito que não comentaria. Somente minutos depois das 13h, Jair Bolsonaro anunciou a demissão de Alvim.

Ele titubeou em mandar embora quem, um dia antes, chamara de “secretário de verdade”. A demissão ocorreu mais em razão da cobrança de outros Poderes do que pela convicção do presidente de que não havia outro caminho a tomar. Bolsonaro só reage sob pressão política. Se demora a chegar, o barco segue.

Ruy Castro* - A Terra é chata

- Folha de S. Paulo

Estou a fim de concordar com os terraplanistas. Mas, antes, meu cérebro terá de virar uma pizza

Um novo planeta foi descoberto por um satélite da Nasa. Fica na primeira galáxia à direita depois do Sol, a cem anos-luz daqui. É um pouquinho maior que a Terra e, como se constatou, redondo, em forma de globo.

Também como a Terra, gira em torno de si mesmo e de uma estrela e é dilatado nos polos e achatado no equador, ou vice-versa. Eles o estão chamando de TOI 700 d, sendo TOI a sigla em inglês para “Objeto de Interesse do Tess”. Tess é a nova sensação das varreduras espaciais: um satélite caça-planetas. Desde que entrou em ação, em 2018, já achou três.

Para descobrir um planeta, o Tess passa 27 dias observando uma estrela, de olho em qualquer oscilação de seu brilho. O que, se acontecer, terá sido provocado pela passagem de um corpo celeste —um planeta— ao redor dela. A vida é meio parada no espaço, donde não há outras opções. Mas, para não restar dúvida, exige-se que tal oscilação se dê pelo menos três vezes. Cada operação congrega um batalhão de cientistas, quase todos nóbeis, fazendo cálculos fora do alcance da nossa aritmética escolar.

Denis Lerrer Rosenfield* - Impostura

- O Estado de S.Paulo

Lula se colocar como defensor da democracia contra o presidente Bolsonaro é hilariante

É bem verdade que o atual governo tem dado ensejo a um pendor autoritário, como quando o próprio presidente mostra intolerância no tratamento com a imprensa ou seus filhos investem nas mídias sociais tratando todos os que deles discordam como inimigos. A crítica não é bem vista, apesar de constituir um elemento central de qualquer sociedade democrática, baseada no diálogo, seja com os Poderes republicanos, seja com a opinião pública em geral. Contudo a reação de setores da esquerda a essa atitude bolsonarista, colocando o PT, seus grupos e partidos assemelhados como defensores da democracia, é claramente uma impostura. Que essa esquerda queira se colocar como polo democrático só serve para enganar incautos. Pretende borrar o seu próprio passado.

O presidente Jair Bolsonaro, apesar de seus arroubos, não tomou nenhuma medida autoritária no encaminhamento de leis ou no exercício do Poder Executivo. Uma coisa é a sua narrativa, que obedece a uma lógica eleitoral, outra, muito diferente, é sua não apresentação de medidas concretas que coíbam a liberdade de pensamento ou empreendam a perseguição social ou policial de seus adversários. Algo inverso fazia o PT no governo. Sua narrativa era supostamente democrática e suas medidas práticas na arte de governar eram frequentemente autoritárias, embora procurassem se legitimar “socialmente”. Aqui “socialmente” significa o controle petista da sociedade.

No governo Lula, mais que no governo Dilma, várias foram as iniciativas de criação de conselhos ditos populares, visando, no discurso, a “democratizar” a sociedade. Várias foram as iniciativas, nesse sentido, de controle dos meios de comunicação, além do financiamento das mídias “amigas”, irrigadas com dinheiro público, o que, aliás, hoje criticam no atual governo. “Conselhos populares” foram constituídos pretensamente enquanto órgãos de interlocução com a sociedade, quando, na verdade, eram instrumentos de controle do próprio partido, seja atuando diretamente ou por intermédio de seus “movimentos sociais”. O governo Bolsonaro não só não tomou nenhuma iniciativa desse tipo, como aboliu os ditos conselhos, ferramentas autoritárias.

José Goldemberg* - O ‘fim da História’ e da inovação

- O Estado de S.Paulo

Analistas questionam se não atingimos os limites do nosso conhecimento científico

Em 1992 Francis Fukuyama, um renomado cientista político norte-americano, publicou um livro intitulado O Fim da História, que teve enorme repercussão. Nele o autor argumenta que a queda do Muro de Berlim e o fim do império soviético significavam a vitória final do capitalismo com liberalismo econômico e democracia. A globalização da economia mundial nas últimas décadas e a redução dos conflitos provocados pelo nacionalismo exacerbado, que levou às grandes guerras mundiais do século 20, parecem confirmar a análise de Fukuyama.

O único desafio real a essa visão da História foi a ascensão do Estado Islâmico, que, apesar do grande impacto que teve, não abalou a estrutura mundial. Até a China, que poderia mudar o curso do desenvolvimento da História com um novo socialismo, se incorporou à grande corrente mundial da globalização, apesar das suas restrições internas à democracia.

Em outras palavras, parece plausível a visão de Fukuyama de que o desenvolvimento social e econômico mundial teria atingido um nível tal que evitaria as grandes revoluções e guerras do passado, que, em geral, são o objeto do que se chama de História.

Mais recentemente surgiram outras análises que mostram que o mesmo pode estar acontecendo com a tecnologia e até com a própria ciência. Estudos sobre o “fim da tecnologia” e mesmo sobre o “fim da ciência” estão se tornando populares.

O primeiro desses estudos, feito por Robert Gordon, professor de uma universidade americana, atribui a estagnação da economia dos EUA nas últimas décadas ao fato de que a produtividade deixou de crescer na segunda metade do século passado. O professor Gordon argumenta que isso se deve ao fato de que os avanços tecnológicos mais recentes – principalmente na área da computação e informática – não são tão impressionantes como os que ocorreram na primeira metade do século 20, quando máquinas de lavar roupa, geladeiras, ar-condicionado, automóveis e aviões mudaram o mundo de uma maneira revolucionária e o que estamos presenciando hoje são apenas pequenos aperfeiçoamentos, muitos dos quais de caráter puramente comercial.

As ideias que captam hoje as manchetes dos jornais são inteligência artificial, automóveis sem motorista e viagens espaciais, que ainda não tiveram grande impacto na vida das pessoas e até sua necessidade está sendo questionada.

Bruno Carazza* - Férias numa colônia penal

- Valor Econômico

Rotina de presos da Lava Jato reproduzia privilégios

A vida dos detentos da Lava-Jato melhorou muito quando puderam utilizar na cadeia um produto denominado “bloqueador de odores sanitários”. Com o problema do mau-cheiro resolvido, o cotidiano na sexta galeria oferecia um serviço cinco estrelas comparado com as demais prisões no Brasil: rádio e TV liberados, um pátio maior para fazer exercícios físicos e livre trânsito entre as celas dos colegas.

A cena é descrita por Wálter Nunes em “A Elite na Cadeia: o dia a dia dos presos da Lava Jato”, lançado recentemente pela editora Objetiva. Repórter da “Folha de S.Paulo”, Nunes cobriu in loco o entra-e-sai de políticos e executivos de algumas das mais importantes companhias do país na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e no Complexo Médico Penal de Pinhais.

Nos plantões em que acompanhava os efeitos de decisões judiciais e acordos de delação premiada no âmbito das várias fases da operação, o jornalista obteve a confiança de agentes penitenciários, carcereiros e diretores das prisões, além de advogados e parentes dos detentos, que lhe contaram o comportamento e a rotina dos presos mais famosos do Brasil - relatos esses que são a matéria-prima do livro.

A presença de políticos, empreiteiros, lobistas, doleiros e dirigentes de estatais no sistema prisional é um feito incomum dado nosso longo histórico de leniência não apenas com a corrupção, mas com os chamados crimes de colarinho branco em geral. Não é à toa que menos de 1% da população carcerária brasileira tem curso superior.

As prisões brasileiras são uma amostra, em cores ainda mais sombrias, da imensa desigualdade social brasileira, e o livro-reportagem de Wálter Nunes mostra como esse sistema gera privilégios para os mais ricos e poderosos até mesmo na cadeia.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Finalmente estamos fora do buraco negro

- Valor Econômico

Para trazer a carga tributária a um nível que estimule a atividade empresarial será necessário enfrentar o mito da Constituição cidadã

Podemos, neste início de ano, dizer com segurança que, depois de seis anos de muito sofrimento, as consequências mais perversas criadas na sociedade brasileira por uma quase depressão econômica estão ficando para trás. Ainda que de maneira tímida o crescimento econômico está voltando e, mantida nos próximos anos a política econômica atual, poderemos progressivamente nos afastar das piores armadilhas criadas pela incompetência dos governos petistas em seus mais de 12 anos de poder.

Antes de continuar, faço uma observação que tem sido pouco citada pelos analistas sobre este período: nós só não vivemos a verdadeira depressão econômica porque não tivemos no Brasil uma crise bancária que, normalmente, vem associada à queda do PIB na dimensão da ocorrida em 2015 e 2016. Evitamos esta armadilha porque no governo Itamar Franco, com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no comando da economia e Gustavo Loyola na presidência do Banco Central, uma corajosa reestruturação do sistema bancário brasileiro, que se chamou Proer, foi levada adiante com muito custo para o Tesouro federal.

E por uma armadilha que a história sempre prega, o Proer foi violentamente criticado à época pelo PT e demais partidos de esquerda sem que soubessem que, mais de vinte anos depois, ele evitaria que uma catástrofe ainda maior ocorresse no governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

Feitas estas observações, volto agora ao eixo central desta coluna que é a confirmação de que deixamos o pior da crise para trás e entramos agora em nova fase, denominada pelos economistas de recuperação cíclica. De certa forma esta coluna é o complemento de outras escritas por mim ao longo do ano passado em que tratei da minha convicção de que este momento ocorreria ainda em 2020. Esta confiança nascia da observação de vários momentos da história em que economias de mercado sofreram - por erros de gestão de seus governantes - uma queda violenta da atividade econômica. Em um primeiro momento ocorre uma queda no vazio - vejam o gráfico acima - seguida por uma recuperação ainda lenta, caso uma política econômica adequada seja implementada. E foi o que ocorreu no governo Temer e, de forma mais abrangente e segura, agora em 2019, a partir de reforma da Previdência e da gestão fiscal de alta qualidade e disciplina.

Fórum de Davos este ano será mais verde

A edição deste ano de Davos, que marca seus 50 anos, será inevitavelmente mais verde. A discussão ambiental supera o número de sessões previstas para macroeconomia. Muitos ministros de Meio Ambiente participarão do evento - mas não o brasileiro Ricardo Salles

Por Daniela Chiaretti – Valor Econômico

São Paulo e da Cidade do Cabo (África do Sul) - Greta Thunberg antecipou há dez dias o tom de sua participação no Fórum Econômico Mundial, que acontece esta semana em Davos, na Suíça. É a segunda vez que a jovem ativista sueca vai ao principal encontro mundial de chefes de Estado, empresários e executivos do mercado financeiro. “Nossa casa está queimando”, disse a adolescente a uma plateia surpresa com sua retórica, em janeiro de 2019, ano em que grandes incêndios de diferentes origens queimaram a Amazônia, a Califórnia e a Austrália, sempre agravados pela mudança do clima. Desta vez Greta promete tocar no ponto fraco do debate e dizer aos líderes que deixem de investir em combustíveis fósseis. A edição de Davos este ano, o 50º aniversário do encontro, será inevitavelmente mais verde.

Quase três mil participantes são esperados. Muitos virão em jatinhos emitindo grandes volumes de gases-estufa, como bem disse a CNN. Trata-se de uma contradição evidente em encontro onde questões ambientais ligadas à mudança do clima estão entre as cinco maiores preocupações dos líderes pela primeira vez em 10 anos, segundo o relatório de riscos globais do Fórum Econômico Mundial feito anualmente pelo Marsh & McLennan e a seguradora Zurich.

Falando em nome da sua geração, Greta publicou um artigo no “The Guardian” onde diz: “Exigimos que no fórum deste ano, participantes de todas as empresas, bancos, instituições e governos interrompam imediatamente todos os investimentos na exploração e extração de combustíveis fósseis, encerrem já todos os subsídios em combustíveis fósseis e deixem de investir imediata e completamente em combustíveis fósseis”. Como se pudesse ser mais clara, seguiu: “Não queremos que essas coisas ocorram até 2050, 2030 ou mesmo em 2021. Queremos que sejam feitas agora, neste exato momento.”

‘Desigualdade global está fora de controle’

Grupo de 2.153 bilionários tem mais riqueza que 4,6 bilhões de pessoas, diz Oxfam

Por Daniel Rittner – Valor Econômico

Davos (Suíça) - Um grupo de apenas 2.153 indivíduos no mundo com patrimônio superior a US$ 1 bilhão detém mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas, o equivalente a 60% da população global, conforme indica um novo levantamento da rede de organizações não-governamentais Oxfam. O estudo chega à conclusão de que o número de bilionários dobrou na última década e a desigualdade econômica está fora de controle.

“Os 22 homens mais ricos do mundo detêm mais riqueza do que todas as mulheres da África”, compara a Oxfam no relatório, lançado horas antes da abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Para ilustrar o “grande fosso” de renda, há uma ilustração: se alguém tivesse juntado US$ 10 mil por dia desde que as pirâmides do Egito começaram a ser construídas, teria hoje só um quinto da fortuna média dos cinco maiores bilionários do planeta. Enquanto isso, quase metade da população global sobrevive com menos de US$ 5,50 por dia.

O estudo renova as discussões sobre concentração de renda e desigualdade, que estiveram no topo da agenda durante todo o ano passado, com manifestações espalhadas pela América Latina, além de protestos na França e no Líbano. Muitos atos, como no Chile, desaguaram em crise política.

Davos vai propor um novo capitalismo

O “Manifesto de Davos 2020” estabelece como premissas: pagamento justo de impostos, tolerância zero com a corrupção, proteção do meio ambiente, estímulo à qualificação dos empregados, uso ético das informações privadas na era digital, vigilância dos direitos humanos em toda a cadeia de fornecedores e remuneração responsável dos executivos

Por Daniel Rittner – Valor Econômico

Davos (Suíça) - O Fórum Econômico Mundial começa hoje sua 50ª reunião anual, no pacato resort alpino de Davos, tentando colocar em prática uma cartilha lançada meio século atrás por seu fundador, Klaus Schwab, para guiar as práticas corporativas. Agora, diz o alemão de 81 anos e sotaque carregado, a hora de colher uma reforma do capitalismo finalmente chegou. Tanto que ele lançou o “Manifesto de Davos 2020” para atualizar conceitos pensados originalmente em 1971.

Nunca foi tão urgente, segundo Schwab, dar significado concreto à ideia de um “capitalismo das partes interessadas” (stakeholder capitalism) no lugar de outros dois modelos em voga nas últimas décadas. O “capitalismo de acionistas” teve seu momento de esplendor enquanto centenas de milhões de pessoas prosperavam, tinham acesso a bens de consumo inéditos, empresas abriam novos mercados e empregos eram criados.

O que a mídia pensa – Editoriais

Ano de reformas – Editorial | O Estado de S. Paulo

Se o presidente Jair Bolsonaro pretende fazer de 2020 um ano de avanço econômico e social do País, será preciso não tratar esse período apenas como um ano de eleições e de campanha eleitoral. Para uma retomada da economia consistente, apta a gerar confiança e emprego e a aumentar a produtividade, o governo federal precisa ser capaz de tornar 2020 um ano de efetivas reformas.

Em 2019, o Congresso aprovou, mesmo sem o apoio integral do Palácio do Planalto, uma importantíssima reforma da Previdência. Mas neste ano, com as eleições municipais de outubro, será difícil que o Poder Legislativo leve adiante uma agenda reformista sem a ajuda efetiva, de negociação e coordenação, do Poder Executivo. Além disso, por óbvio, neste ano, é mais que necessário que o presidente Jair Bolsonaro e seu entourage se abstenham de produzir crises e instabilidades políticas.

Recentemente, o Estado mostrou o alto risco que as eleições municipais representam para a tramitação das reformas no Congresso. Em toda campanha eleitoral, tem-se forte pressão para postergar a discussão e a aprovação de temas considerados espinhosos, mesmo que sejam prioritários para o País. É como se todos os temas que não geram imediatos efeitos positivos perdessem urgência e relevância, dando a equivocada impressão de que os grandes desafios nacionais podem esperar. E aí está a grande ameaça para um 2020 produtivo: que o presidente Jair Bolsonaro assuma uma atitude eleitoreira, de cálculo imediatista, em cada decisão e negociação.

Música | João Gilberto - Rio de Janeiro - (Tom Jobim )

Poesia | Manuel Bandeira - Louvação a cidade do Rio de Janeiro

Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.

Louvo o santo padroeiro
- Bravo São Sebastião -
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.

Louvo a Cidade nascida
No morro Cara de Cão.
Logo depois transferida
Para o Castelo, e de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores
Grande Rio de Janeiro!

Rio de Janeiro, agora
De quatrocentos janeiros...
Ó Rio de meus primeiros
Sonhos! (A última hora
De minha vida oxalá
Venha sob teus céus serenos,
Porque assim sentirei menos
O meu despejo de cá.)

Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.

domingo, 19 de janeiro de 2020

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna*

IHU On-Line – Qual é a expectativa em relação ao governo neste ano?

Luiz Werneck Vianna – Pelo que entendemos da prática do governo até aqui, ele não vai mudar. Ele vai continuar neste caminho, insistindo na abertura de novas possibilidades para uma sociedade diferente da nossa: ele quer destruir a antiga para construir a nova, para edificar um projeto neoliberal e sujeitar a sociedade a um movimento livre do capitalismo selvagem. Essa é a pretensão do governo: um economicismo primário do ministro Guedes, que entende que a economia é capaz de, sozinha, mudar o mundo. Não é; nunca foi. Ela precisa da política, precisa da sociedade, e só o movimento do mercado não é capaz de trazer a novidade para nós. Mas essa é a marca do governo e ele não vai abandoná-la, porque faz parte do seu DNA.

Estamos, aos poucos, encontrando formas de resistir, e a resistência hoje é diversa daquela que ocorreu nos anos 1960: até agora não se falou – e espera-se que não se fale – em resistência armada. A sociedade teve um aprendizado com isso. A senha para o avanço da direita, para uma sociedade totalitária, estaria numa esquerda que perdesse o rumo, perdesse o tino, mas como isso não ocorreu, não ocorre e provavelmente não ocorrerá, o governo se debate com ele mesmo diante de uma sociedade cada vez mais complexa e diferenciada. Em qualquer circunstância, este é um país difícil de governar.

O Brasil, como disse o nosso grande poeta, não é para principiantes. Esta gente que está aí é principiante. O Guedes não entende nada da sociedade brasileira, se é que ele entende alguma coisa de economia. Ele não sabe qual foi a história do capitalismo brasileiro, a formação da burguesia brasileira, e se recusa a entender o papel que o Estado teve, que a política social teve na imposição do capitalismo entre nós, especialmente no mundo sindical. Através da fórmula corporativa, o sindicalismo foi atraído pela ordem burguesa na era Vargas, de forma harmoniosa; tutelada, mas harmoniosa. Agora, sem o mundo do trabalho, como a economia vai se montar, se edificar? Sem a inovação tecnológica da robótica, da inteligência artificial, como isso vai ficar? Com universidades sem recursos, com uma formação universitária capenga, com um sistema educacional desses? Não vai, não tem como.

Você esboçou que eu estaria otimista. Não é verdade, mas fico olhando e consultando as possibilidades que estão aí e as possibilidades de se constituírem forças alternativas ao que está aí. Isso está acontecendo. É lento? É muito lento. Precisa de calma? Precisa. Paciência, perseverança dia a dia; é uma luta do cotidiano.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio, Em entrevista 13/1/2020

Luiz Sérgio Henriques* - Guerras falsas, guerreiros de fancaria

- O Estado de S.Paulo

A atual generalizada redução das classes a massas não prenuncia nada favorável

Guerras culturais têm uma aparência kitsch e costumam girar em torno de monstros fabulosos, a tal ponto que nunca se sabe muito bem se os contendores argumentam de boa-fé ou estão mesmo perdidos entre sofismas que inventaram com intenções pouco claras. Quando ouve falar da ameaça rediviva do bolchevismo mundial ou de inimigos imaginários apontados à execração pública - inimigos que, a depender da latitude, podem ser um milionário judeu, como George Soros, um pedagogo brasileiro, como Paulo Freire, ou ainda o demoníaco Antonio Gramsci de mil faces -, qualquer pessoa formada segundo padrões racionais e contemporâneos haverá de torcer o nariz com certo enfado. “Paranoia ou mistificação?”, poderá perguntar a si mesma, ecoando talvez Monteiro Lobato, grande intelectual moderno paradoxalmente reativo à modernidade artística que abria caminho há cem anos.

Esse nosso personagem de formação razoável sabe, entretanto, que com ideias não se brinca. Elas podem ser abstrusas e até divertidas, se consideradas com distanciamento, mas num tempo ideologicamente confuso e agitado, que a tantos chega a lembrar a crise dos anos 1930 e as soluções totalitárias então engendradas, têm o poder de formar convicções e sentimentos de grandes massas, tornando-se por isso mesmo uma força material tão densa e concreta quanto qualquer fato bruto da economia ou mesmo da realidade natural. Ideias podem matar ou, no mínimo, propiciar catástrofes históricas. Podem configurar aquele “assalto à razão” que um grande filósofo marxista do século passado denunciou com vigor na cultura alemã e que seria a antessala do nazismo - o mesmo filósofo que, no entanto, não viu acontecer o assalto semelhante que iria corroer por dentro a experiência do socialismo inaugurada em 1917.

Este não será um tempo de partidos - oficialmente em crise, eles que foram moldados segundo os requisitos da sociedade industrial, hoje em trânsito acelerado para a digitalização -, mas continua a ser de homens partidos e de má política. Expliquemo-nos sobre esta última expressão: a política é má quando, por deficiência subjetiva dos atores ou pela natureza inédita das transformações que varrem o mundo, não dá conta dos fenômenos, vê-se atropelada por eles, sem conseguir identificar as boas possibilidades existentes mesmo durante os processos mais tumultuosos. E não se trata, obviamente, de uma condição fatal: ela, a política, é má quando ainda não compreende tais processos e deixa homens e mulheres comuns sem a capacidade, tanto intelectual quanto emocional, de tomar conta das forças que dirigem sua vida. Como se costuma dizer, em tais momentos os fatos, e não os sujeitos, parecem estar no comando. E os resultados em casos assim são, no mínimo, sofríveis, se não desastrosos.

Luiz Carlos Azedo - A banalidade do ódio

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Ricardo Alvim procurou implantar uma política cultural reacionária, de inspiração — agora está comprovado — nazista”

Hannah Arendt (1906-1975), a filósofa judia de origem alemã que cunhou o conceito de “banalidade do mal” no livro Eichmann em Jerusalém, criou grande polêmica ao afirmar que a massificação da sociedade gerou uma multidão incapaz de fazer julgamentos, aceitando e cumprindo ordens sem questionar. Por essa razão, Adolf Eichmmann, raptado pelos serviços secretos israelitas na Argentina em 1960, e julgado em Jerusalém (caso que a filósofa acompanhou de corpo presente no tribunal, numa reportagem para a revista The New Yorker), não é tratado como um monstro. Ela o considerou apenas um funcionário zeloso que foi incapaz de resistir às ordens que recebeu, embora fosse um dos responsáveis pela execução da chamada “solução final”, o Holocausto.

Arendt escandalizou a comunidade judaica ao citar exemplos de judeus e instituições judaicas que se submeteram aos nazistas ou cumpriram as suas diretivas sem questionar. A autora de As origens do totalitarismo; A condição humana; Sobre a violência; e Homens em tempos sombrios merece ser revisitada nesses momentos nebulosos que a sociedade brasileira atravessa, a propósito da citação de trechos do ideólogo nazista Joseph Goebbels pelo dramaturgo Roberto Alvim, recém-exonerado do cargo de secretário de Cultura do governo Bolsonaro por esse motivo.

Discípulo de Olavo de Carvalho, gozava de grande prestígio junto ao chefe do governo, a ponto de o presidente Jair Bolsona, numa live, na quinta-feira passada, ter afirmado: “Ao meu lado, aqui, o Roberto Alvim, o nosso secretário de Cultura. Agora temos, sim, um secretário de Cultura de verdade. Que atende o interesse da maioria da população brasileira, população conservadora e cristã”.

O vídeo de inspiração nazista de Alvim foi o auge de uma série de fatos nos quais o ex-secretário procurou implantar uma política cultural reacionária, de inspiração — agora está comprovado — nazista. Num vídeo institucional, o dramaturgo interpretou o papel do ministro da propaganda nazista, tendo a Cruz de Lorena como insígnia no cenário; como trilha sonora, a ópera Lohengrin, de Richard Wagner, compositor favorito de Adolf Hitler. O mais grave foi ter utilizado o conceito de cultura de Goebbels, num trecho de sua fala, na qual imitava o ar sisudo do político nazista: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que é profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo — ou então não será nada”.

Merval Pereira - Asneiras

- O Globo

Bolsonaro diz que proibiu seu partido de usar o fundo eleitoral. Ele terá até 2022 para se desdizer, como faz com frequência

O presidente Jair Bolsonaro sancionou o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões, mas continua fingindo para seus eleitores que era obrigado a sancionar, não poderia veta-lo, pois corria o risco de ser impedido por crime de responsabilidade. Não é verdade, mas ele quer sempre passar a ideia de que é um político “fora da caixa”.

Já proibiu que seu partido use essa verba. Como o partido provavelmente não estará pronto para concorrer às eleições municipais, ele pode prometer qualquer coisa, pois terá até 2022 para se desdizer, como faz com frequência.

Sabendo da impopularidade do Congresso, (na primeira pesquisa do ano pela XP Investimentos, a Câmara tem 83% de desaprovação e o Senado 79%) - Bolsonaro procura tirar proveito da fama de ser um político diferente dos demais, mesmo depois de ter passado mais de 30 anos nos subterrâneos do Congresso, membro desimportante do chamado “baixo clero”.

Mas Bolsonaro fala tanto que acaba dando bom dia a cavalo, como diz o ditado popular. Ontem, em evento do Aliança pelo Brasil, seu partido, voltou a fazer uma comparação que o agrada: para ele, a presidência da República é um casamento. Mas desta vez fez dois adendos, contrários entre si, mas reveladores de seu estado de espírito.

“Um casamento de quatro ou oito anos, quem sabe por mais tempo lá na frente. Tenho um compromisso com vocês. Jamais pensei que uma pessoa do nosso perfil chegaria à Presidência”. Muita gente nunca pensou também que uma pessoa com o perfil de Bolsonaro chegasse onde chegou, e a cada dia esse espanto só faz aumentar.

Bernardo Mello Franco - Tempos anormais

- O Globo

Num governo normal, em tempos normais, um imitador de nazistas jamais alcançaria o topo do poder. Alvim chegou lá porque estamos no Brasil de Bolsonaro

“Antes de mais nada, é preciso lembrar o que o governo Bolsonaro não é: um governo normal em tempos normais”. Assim começa o artigo “O método do governo Bolsonaro”, do cientista político Christian Lynch. O texto teve repercussão modesta quando foi publicado, em agosto passado. Cinco meses depois, transformou o autor em alvo da caça às bruxas federal.

Na quarta-feira, Lynch foi anunciado para um cargo técnico no centro de pesquisas da Casa de Rui Barbosa. Horas depois, teve a indicação vetada pelo secretário de Cultura do governo. Roberto Alvim acusou o pesquisador de pregar “ideias execráveis” sobre o presidente. A nomeação subiu no telhado antes de sair no “Diário Oficial”.

No dia seguinte ao expurgo, Alvim foi elogiado publicamente pelo chefe. “Depois de décadas, agora temos um secretário de Cultura de verdade”, celebrou o capitão. O dramaturgo cairia horas depois, após copiar um discurso de Joseph Goebbels. A indignação de meia República não bastou para derrubá-lo. Bolsonaro só entregou sua cabeça após uma ligação do embaixador de Israel.

Dorrit Harazim -Tremendo erro

- O Globo

Citar e ressuscitar Goebbels (ainda) não passa despercebido. Tampouco (ainda) foi tratado como bússola aceitável

Em final de novembro passado, poucas horas antes de subir ao palco para um recital em Halle, Alemanha, o pianista Igor Levit foi dar uma última checada em seu e-mail. “Seu porco judeu”, anunciava uma das mensagens. Caso ele não desistisse de se apresentar, seria morto ali mesmo, no palco da sala de concerto lotada. Levit, de 32 anos, nunca havia recebido ameaça de morte tão precisa, apenas ataques em mídias sociais por ser um cidadão ativo e crítico.

Sentiu raiva ao sentar ao piano. Mas tocou, protegido por complexo esquema de segurança armado às pressas. Conta que sentiu medo só depois — e não por ele, mas pelo seu país de adoção, a Alemanha, que o acolhera ainda criança dentro de um programa para famílias judias egressas da antiga União Soviética. “Apesar de tantos avisos, o Estado continua a fechar os olhos para o racismo, o antissemitismo, o extremismo de direita, o terror”, escreveu em contundente artigo publicado no diário berlinense “Der Tagesspiel”. Ele alerta que já passa da hora de só falar em democracia. “Nós — tanto os cidadãos como o Estado democrático — precisamos agir”. No dia seguinte à ameaça recebida, a “Appassionata” de Beethoven e as “Variações Goldberg” de Bach lhe soaram diferentes. A música e o músico fazem parte da mesma vida.

Míriam Leitão - Os riscos fatais do planeta Terra

- O Globo

A economia mundial foi atravessada pela emergência climática e não há escolha que possa ser feita sem considerar esse risco

Quando será tarde demais? A pergunta que precisa ser feita diante do aumento do perigo, qualquer perigo, tem que estar conosco como uma inseparável companheira na era da emergência climática. Quando será tarde demais? Fiz essa pergunta a cientistas ingleses quando visitei o Met Office, o Inpe inglês, em 2009. Eles me mostraram as projeções, os cenários, os riscos, os tipping points. Um dos deflagradores desse ponto, a partir do qual nada mais é possível fazer, disseram eles, é a perda da floresta amazônica. O Inpe contou de novo que o desmatamento continua a crescer. Subiu 85,3% de janeiro a dezembro de 2019, comparado com 2018.

Foi exatamente o Deter, sistema de detecção de desmatamento em tempo real, que foi atacado pelo governo, a ponto de o presidente da República demitir o diretor do instituto. E o que o instituto alertou aconteceu. O Prodes já havia mostrado quase 30% de aumento. Esse sistema tem dados mais consolidados sobre 12 meses que terminam em julho de cada ano. O Deter é sistema de alerta, vai na frente, vai avisando. Na semana passada, ele divulgou os números do ano inteiro, de janeiro a dezembro, o primeiro desse governo que deliberada e abertamente estimula o desmatamento.

Elio Gaspari - Bolsonaro precisa levantar o tapete

- Folha de S. Paulo / O Globo

Comissão de Ética deveria dar alegrias, mas tem sido fonte de tristezas

No próximo dia 28 a Comissão de Ética da Presidência da República tratará do caso do secretário especial de Comunicação do Planalto, Fabio Wajngarten. Como se sabe, até ser nomeado para o cargo ele dirigia uma empresa que tinha contratos com emissoras de TV e agências de publicidade que vendem serviços à Secom. Depois que se desligou funcionalmente, foi substituído por pessoa de sua confiança que vem a ser irmão do seu braço direito na Secom. Ele continua dono de 95% das cotas da empresa.

A Comissão de Ética da Presidência tem um passado de tumultos e frangos. Dois de seus presidentes já se demitiram (Marcílio Marques Moreira, em 2002, e Sepúlveda Pertence, em 2012). Passou por baixo das pernas dos seus doutores a evolução patrimonial do comissário Antonio Palocci, e ela conviveu com a escalafobética prática dos ministros que tinham empresas de consultoria. Em 2011, eram cinco.

Instituição que deveria dar alegria aos contribuintes, a comissão foi fonte de tristezas. Em 2012, a presidente Dilma Rousseff dispensou legalmente 5 do seus 7 integrantes, e essas cadeiras ficaram vazias por cinco meses. No ano seguinte, a comissão deixou de publicar suas atas. Deu no que deu.

Janio de Freitas – Perguntas e respostas

- Folha de S. Paulo

Presidente não dá explicação satisfatória às relações comerciais do seu secretário de Comunicação

"Cala a boca!". "Você tá falando da tua mãe?" Ainda não foi dessa vez. A repórter e o colega ficaram impassíveis, tal como outros jornalistas profissionais têm suportado as reações de Jair Bolsonaro a perguntas que não pode responder, apesar de legítimas e necessárias. Mas não está eliminada a possibilidade, um dia qualquer, de que um repórter não aceite ver sua mãe em frase de moleques, e reaja à altura. Pode ser outra a frase insultuosa, e sempre será uma situação sem precedente, porém não exótica.

Nada mais é exótico sob o regime bolsoneiro. Nem por isso é menor a curiosidade sobre o que sucederá. Certo é que haverá efeitos importantes. Nenhum deles capaz, por exemplo, de dar explicação satisfatória às relações comerciais que têm, em uma ponta e na outra, o secretário de Comunicação da Presidência —Fabio Wajngarten, empresário chamado a controlar os altos gastos de todo o governo em propaganda.

Esse agressivo mentor de ataques de Bolsonaro à imprensa diz que a Folha mente, ao noticiar o conflito de interesses, porque ele deixou o comando da empresa em questão. Mas não deixará de lado, quando partilhados os lucros, os 95% que tem da composição societária. Nem o dinheiro público que possa haver, também, no caldeirão dos ganhos empresariais. Essa é a origem de uma das respostas que Bolsonaro, não podendo dar aos repórteres, substituiu por insulto de moleques.

Vinicius Torres Freire - Nazista sai do armário, crise na gaveta

- Folha de S. Paulo

Denúncia contra o filho 01, disputa palaciana e arrochão são os problemas reais

A crise do nazista que saiu do armário na Cultura deve se desfazer como espuma. O lodo torvo de onde emanam essas borbulhas permanecerá, sim, mas as próximas conturbações do governo não devem vir daí.

No Planalto, na Educação e no Itamaraty, principalmente, o expurgo da “esquerdalha”, de “globalistas” cosmopolitas e de “pessoas anormais” em geral, além da recuperação da arte e da cultura “degeneradas”, são um programa de governo, embora confuso e subletrado.

Esse plano não ousa dizer seu nome nem é articulado como Roberto Alvim, que explicitava sua política Goebbels desde que assumira a secretaria. Mas, embora seja parte do bolsonarismo e de sua paranoia essencial, não deve preocupar o público em geral, a elite política operante e menos ainda os donos do dinheiro.

Esse ruído de fundo fascista não causava sensação até esse surto de exibicionismo do secretário da Cultura, aliás não muito diferente dos shows de narcisismo juvenil perturbado do ministro da Educação.

Até que o governo tenha força para dobrar instituições de modo que quebrem (dobrando já está), o trabalho de demolição deve ser gradual. Dificilmente vai afetar interesses maiores do bloco no poder do país (não apenas no governo); o assunto não é de interesse maior do povo comum.

Por isso, a crise do “gauleiter” da Cultura parece espuma.

Bruno Boghossian - Lula e o complô da América

- Folha de S. Paulo

Ex-presidente atribui aos americanos Lava Jato, quebra de empreiteiras e junho de 2013

Em 2008, ladrões abriram um contêiner da Petrobras e furtaram quatro notebooks e dois HDs com dados sigilosos sobre a exploração da bacia de Santos. A Polícia Federal tratou o caso como espionagem industrial. O ex-presidente Lula acredita que aquele foi o episódio inicial de um conluio estrangeiro para prejudicar o Brasil e o PT.

A teoria de um complô patrocinado pelo governo dos EUA contra a esquerda não é novidade entre os integrantes da legenda. O próprio líder petista, no entanto, passou a desenhar uma teia conspiratória cada vez mais larga para mascarar alguns dos grandes dissabores do partido.

Lula atribui aos americanos influência nos protestos de junho de 2013, na Lava Jato, na derrocada da Petrobras e na quebra de empreiteiras brasileiras envolvidas em corrupção. Mistura fatos com boatos das redes e junta casos isolados, ainda que não haja ligação comprovada entre eles. Tudo para perturbar a discussão política sobre esses episódios.

Vera Magalhães - Mudança x concessão

- O Estado de S. Paulo

Demissão de Alvim não sinaliza que Bolsonaro vá mudar, mas que foi obrigado a recuar

Como tudo no Brasil de hoje, o filme Dois Papas foi tragado pela polarização rasa e redutora que engolfa da política às artes, passando pelo esporte e pelas relações familiares. Direita e esquerda “adotaram" cada uma um Papa, alheias à complexidade de uma Igreja de milhares de anos e aos aspectos sutis da obra.

Numa das cenas mais marcantes do filme, os dois monstros Anthony Hopkins (Bento 16) e Jonathan Pryce (ainda Bergoglio) discutem a diferença entre mudança e concessão. “Eu mudei”, diz o argentino ao Papa, diante de cobranças sobre a revisão que ele fez de dogmas e ritos da Igreja. “Não, você fez concessões”, replica Bento. “Não, eu mudei. É algo diferente.” De fato.

Em mais um episódio de espantosa gravidade, o País foi dormir na quinta-feira e acordou na sexta assombrado por um pesadelo: num vídeo de composição macabra, o então secretário nacional de Cultura, Roberto Alvim, recitava com excitação indisfarçada e olhos vidrados um texto com trechos copiados de Joseph Goebbels, o mais fanático dos ideólogos do nazismo, que foi com Hitler até o final e morreu e matou a mulher e os seis filhos para não fazer nenhuma concessão e não abdicar da ideologia mortífera que ajudou a implementar.

Eliane Cantanhêde - Goebbels na era digital

- O Estado de S. Paulo

Alvim sai, mas Bolsonaro fica e Goebbels, Bannon e Olavo continuam pairando no ar

Poderia ter sido apenas uma papagaiada chocante, mas o que o secretário nacional de Cultura Roberto Alvim fez foi muito pior: uma performance bem construída e ensaiada. Ator e diretor de teatro, ele encarnou o gênio do mal Joseph Goebbels, plagiando seus textos e usando o mesmo cabelo, o mesmo olhar, o tom solene e, como fundo musical, a ópera preferida de Hitler.

Poderia também ter sido um surto individual, um fato isolado, um ponto fora da curva, mas o arroubo nazista foi num habitat onde, vire e mexe, um protagonista acena com a volta do tenebroso AI-5 e o presidente Jair Bolsonaro se delicia fazendo loas aos ditadores sanguinários Pinochet e Stroessner.

A própria trajetória de Roberto Alvim no governo já diz tudo. Ele foi premiado com o principal cargo da Cultura nacional por ter atacado Fernanda Montenegro como “sórdida” e “mesquinha”, convocado artistas para uma “máquina de guerra cultural” e planejado ceder espaços culturais para teatros evangélicos. Nomeado com carta branca numa secretaria de cultura jogada como estorvo no Ministério do Turismo, ele teve passagem tão rápida quanto devastadora. Na Fundação Palmares, um negro racista. Na Funarte, um terraplanista que identifica rock com drogas e satanismo. Na Casa de Rui Barbosa, alguém muito distante de ser personalidade e alheio aos meios acadêmicos. Na Biblioteca Nacional, um monarquista. Verdadeiro strike.

Pelos elogios feitos ao secretário, o presidente da República parecia bem satisfeito com esse desmonte macabro da Cultura, que é a alma de uma nação e um dos mais calorosos orgulhos brasileiros, mas acaba de atrair o Brasil para mais uma onda de manchetes vexaminosas pelo mundo afora.

Roberto Romano* - O brutalitarismo santo

- O Estado de S.Paulo

O costume de realizar cultos em edifícios públicos é ilegal, intolerante, usurpador

O Estado moderno exige três monopólios para evitar o morticínio generalizado: o uso exclusivo da força física contra a virulência dos indivíduos e grupos (assassinatos, roubos, sequestros) e defesa coletiva na guerra ou tensão internacional. Só o Estado pode prender corpos e treinar soldados para batalhas. A segunda exclusividade a temos nas formas jurídicas. Só o Estado pode editar leis. O terceiro monopólio reside nos impostos. Apenas o mando estatal tem o direito de os exigir. Nenhum particular tem legitimidade para prender, obrigar a obediência à lei, recolher contributos. Tais monopólios não podem ser aplicados de modo imprudente.

Os limites do poder surgiram nas primeiras cidades. O controle social perde força se ocorre abuso. A natureza humana exige respeito e liberdade. Recordemos que o poder absoluto corrompe absolutamente e, assim, mina a própria base da obediência.

Spinoza, grande autor ético, longe de ser otimista ingênuo afirma que nenhuma sociedade subsiste “sem governo (imperio) e força, sem leis que moderem e controlem o apetite do prazer e das paixões”. Mas a ordem pública erra ao exagerar no uso da força. “A natureza humana não suporta ser constrangida de maneira absoluta. Como diz Sêneca, o Trágico, ‘governos ferozes não persistem muito tempo, o poder moderado permanece, violenta imperia nemo continuit diu; moderata durant’” (Tratado Teológico-Político, capítulo 5). A advertência volta no capítulo 16: “Ninguém conserva um poder violento, (...) pois é quase impossível que a maioria dos indivíduos concorde com um absurdo” desses. O governo deve possuir força para comandar. Logo, é preciso que a sociedade lhe transfira a potência para que ele exerça a soberania à qual todos devem obedecer, livremente ou por medo. Lemos na mesma página: “Democracia é a união dos homens em um todo que possui direito soberano coletivo sobre tudo o que está sob seu poder”.

Antonio Risério* - O País da ficção

- O Estado de S. Paulo / Aliás

A história humana é feita de apropriações e mesclas; o turbante, que muitos julgam africano, foi levado à África Negra pelos invasores árabes, que conquistaram muitos de seus reinos

É preciso continuar chamando a atenção para o significado perverso do avanço do fascismo de esquerda no Brasil. Hoje, a cada passo que damos, topamos com dois conceitos excludentes vociferados de forma agressiva, violenta mesmo, pelas milícias (vulgo “coletivos”) do multiculturalismo identitário: o chamado “lugar de fala” (circunscrevendo legitimidades discursivas só para “oprimidos”) e a chamada “apropriação cultural”, pretendendo isolar e compartimentar “culturas”.

De fato, o multiculturalismo encontrou sua expressão política mais aguda e belicosa no fascismo da esquerda identitária. E o que é mesmo o multiculturalismo? Sejamos claros: é um “apartheid” de esquerda. A ideologia multiculturalista se opõe às interpenetrações culturais, defendendo o desenvolvimento apartado de cada “comunidade étnica”, de modo que ela possa permanecer sempre idêntica a si mesma, numa espécie qualquer de autismo antropológico. E o Brasil nunca foi e não é um espaço multicultural. Ao contrário, somos um país sincrético.

Como escrevi outro dia artigo sobre o “lugar de fala”, vou me deter hoje, mesmo brevemente, em torno da “apropriação cultural”, que é um retrato acabado da atual ignorância a respeito da história cultural da humanidade, toda ela feita de imposições, apropriações, empréstimos, trocas e mesclas. A coisa ficou conhecida no Brasil graças ao “caso do turbante”, que uma mulata escura tomou como signo cultural especificamente negroafricano. O turbante foi levado à África Negra pelos árabes, que invadiram e dominaram muitos de seus reinos (é provável, inclusive, que a palavra “mulato” venha do árabe, designando originalmente filhos de árabes e pretos). É conhecida a história da revolta do Gobir, reino hauçá, contra a dominação muçulmana. Proibiu-se ali, naquela conjuntura, que negros usassem símbolos da opressão islâmica – entre eles, o turbante. A mulata brasileira que tomou o turbante como signo negro nada conhecia de história africana.

Mas podemos chegar também a outra perspectiva sobre “apropriação cultural”, no caminho do musicólogo Flávio Silva, em seu importantíssimo Musicalidades Negras no Brasil. Flávio fala aí da afirmação do sistema tonal entre nós, marcando de uma ponta a outra nossa criação musical. Lembra que a tonalização do ouvido brasileiro, no sentido do pré-classicismo europeu, foi difundida aqui “por compositores e instrumentistas mulatos e negros instruídos por mestres lusos durante o período colonial”.

O que a mídia pensa – Editoriais

A autocrítica que o PT se recusa a fazer – Editorial | O Globo

Ex-governador, ex-ministro e ex-senador, Cristovam Buarque aponta erros da esquerda

Há um lado B na trajetória do PT, partido de importância histórica, que se inicia nas primeiras prefeituras conquistadas no entorno da cidade de São Paulo, no fim dos anos 1980, e chega ao petrolão, desmantelado pela Operação Lava-Jato, lançada em 2014. É uma longa história de casos de corrupção, em que não se consegue delimitar bem o que foi arrecadado para financiar a causa, o projeto de poder da legenda, ou para melhorar o padrão de vida e garantir o futuro de companheiros. Em paralelo, há outra história, de indiscutíveis vitórias e da construção de Lula como o maior líder popular surgido no país desde Getúlio Vargas.

Os altos e baixos justificariam autocríticas, principalmente em um partido de esquerda. Em especial num momento de agudo descenso, uma queda pontilhada de processos e prisões de dirigentes por corrupção. Inclusive o ex-presidente Lula, preso durante um ano e sete meses em Curitiba, condenado no processo em que é acusado de receber um tríplex na praia do Guarujá da empreiteira OAS, em troca de favorecimentos à empresa em contratos na Petrobras. Condenado na segunda instância, Lula está livre, mas é inelegível.

Música | Maria Bethânia- Histórias Pra Ninar Gente Grande

Poesia | Fernando Pessoa - Aqui, neste misérrimo desterro

Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz em suma - quanto a sorte deu
A cada coração o único bem
De ele poder ser seu.