quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci*

Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens massa ou homens coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico de conformismo, de homem massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção do mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído. Significa também, portanto, criticar toda a filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que é realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços acolhidos sem análise crítica. Deve-se fazer, inicialmente, essa análise.

*Antonio Gramsci (1891-1937). “Cadernos do Cárcere” v.1, p. 94. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2006.

Luiz Carlos Azedo - Inflamável

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e governadores é a tabela de frete rodoviário, cuja constitucionalidade será julgada pelo STF. Há inquietação entre os caminhoneiros”

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), subiu o tom contra o presidente Jair Bolsonaro, ontem, na reunião dos governadores, por causa da queda de braço envolvendo a questão dos combustíveis. Bolsonaro havia desafiado os governadores a zerar a cobrança de ICMS sobre combustíveis, prometendo fazer o mesmo.

“Estamos trabalhando em uma postura de que, em primeiro lugar, se trata as coisas sérias de uma forma séria. Essa questão de impostos é uma questão tributária, é uma questão muito séria. Então, o presidente da República deveria ter reunido primeiramente sua equipe econômica antes de entrar em um debate tão criminoso como esse, que é o debate de quebrar todos os estados, inclusive a Federação, prejudicando aqueles que são mais pobres”, declarou Ibaneis.

Presente à reunião, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou apagar o incêndio e disse que a redução dos impostos sobre combustíveis só pode ser um objetivo de médio e longo prazos. O ICMS sobre combustíveis é o único imposto cobrado no destino, e não na origem, como os demais, sendo uma das principais fontes de receita dos estados.

“Nós, governadores, estamos apanhando há 15 dias, de todo mundo, inclusive do senhor e do presidente”, disse Ibaneis ao ministro Guedes. Porta-voz do encontro, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, disse que “Guedes sabe que só pode reduzir a carga tributária a partir da aprovação do pacto federativo e da reforma tributária. Não é um assunto que pode ser resolvido imediatamente”.

O pano de fundo da disputa entre Bolsonaro e os governadores é a tabela de frete dos transportes rodoviários, cuja constitucionalidade será julgada no próximo dia 19 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Há grande inquietação entre os empresários do setor de transportes e os caminhoneiros avulsos, que ameaçam fazer uma nova greve. O tabelamento do frete foi aprovado pelo Congresso após a greve dos caminhoneiros, no governo Michel Temer, em 2018. Na época, Bolsonaro apoiou o movimento, conquistando apoio maciço dos caminhoneiros.

Nos bastidores do Supremo, é dada como certa a inconstitucionalidade da tabela de frete, cujo julgamento fora adiado pelo ministro Luiz Fux, relator do caso, a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU). A tabela em vigor trouxe como novidade no cálculo de valor a obrigação do pagamento do frete de retorno para algumas cargas, como combustível.

O texto também incluiu a cobrança de diárias de estadia e de refeição do caminhoneiro e um novo tipo de carga, a pressurizada. Com isso, a regulamentação passou a abranger, ao todo, 12 categorias. Além do aumento no preço dos fretes, os caminhoneiros querem ampliar a pauta para redução do diesel, com a exigência, por exemplo, de uma alíquota única de ICMS sobre os combustíveis para todos os estados. O combustível representa 38% dos custos do transporte rodoviário.

Bernardo Mello Franco - Amor não correspondido

- O Globo

A relação entre Bolsonaro e Trump lembra um amor não correspondido. Um faz de tudo para demonstrar fidelidade. O outro reage com desprezo e rasteiras no comércio

Em novo revés para o Itamaraty, os Estados Unidos removeram o Brasil da sua lista de países emergentes. A canetada não vai nos promover ao olimpo das nações desenvolvidas. Apenas abrirá caminho para a imposição de novas barreiras às exportações brasileiras.

A Confederação Nacional da Indústria classificou a medida como“ilegal ”. O presidente Jair Bolsonaro preferiu abaixara cabeça. Ontem ele voltou a exaltar Donald Trump. “Por que o Trump é tão criticado pela imprensa?”, reclamou, antes de fazer novos elogios ao aliado.

Desde a vira dado ano, o capitão radicalizo una subserviência a Washington. Em janeiro, ele apoiou a deportação de imigrantes brasileiros sem visto de permanência. Na semana passada, fez uma live para festejara absolvição de Trump no processo de impeachment.

Em horário de expediente, Bolsonaro passou 1h12m em frente à TV assistindo ao discurso do ídolo. Durante a transmissão, chamou Trump de “grande líder” e se referiu ao senador republicano Mitt Romney, que votou contra o colega de partido, como “traíra”.

Elio Gaspari - Conta outra, doutor

- O Globo | Folha de S. Paulo

A vida e a morte de Adriano da Nóbrega, do Escritório do Crime, tornaram-se duas histórias mal contadas

Ganha um fim de semana em Rio das Pedras quem conseguir montar um cenário plausível para a seguinte situação:

Setenta policiais participam de uma operação para a captura do “Capitão Adriano”, foragido desde o ano passado. Suspeitando-se que ele se escondeu na chácara do vereador Gilsinho da Dedé (PSL), alguns deles formam um triângulo e cercam a casa. Tratava-se de uma área rural, sem vizinhos.

Segundo a versão da polícia baiana, ratificada pelo governador Wilson Witzel (Harvard Fake ’15), “chegamos ao local do crime para prender mas, infelizmente, o bandido (Medalha Tiradentes ’05) que ali estava não quis se entregar, trocou tiros com a polícia e infelizmente faleceu”.

Conta outra, doutor. Ou, pelo menos, conta essa direito. Adriano da Nóbrega estava cercado. O bordão “trocou tiros” é um recurso gasto. Antes da chegada da polícia, o miliciano já fugira da casa onde estava com a família, na Costa do Sauípe, e do esconderijo onde se abrigara, numa fazenda próxima. Os policiais podiam ficar a quilômetros da casa, e o bandido poderia atirar o quanto quisesse, mas continuaria cercado. Se a intenção fosse capturá-lo vivo, isso seria apenas uma questão de tempo. Três dias depois da operação, as informações divulgadas pelas polícias foram genéricas e insuficientes para se entender o que aconteceu.

Ricardo Noblat - Perguntas sem respostas até aqui e que teimam em ser feitas

- Blog do Noblat / Veja

A quem interessar, possa
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Até quando o presidente Jair Bolsonaro continuará insultando jornalistas e desacreditando a imprensa impunemente sem que aja uma reação coletiva a isso?

Até quando se insistirá na crença de que a atriz Regina Duarte assumirá a Secretaria de Cultura com o propósito de adotar, ali, políticas sem viés ideológico?

Até quando persistirá a impressão de muitos de que a política do troca-troca com o Congresso acabou depois que Bolsonaro introduziu o que chama de Nova Política?

Quem matou e quem mandou matar a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), cujo assassinato completará dois anos daqui a um mês?

A quem interessava a morte do miliciano que guardava segredos

Troca de tiros. Ou execução pura e simples

Deixa ver se entendi. Setenta policiais do BOPE baiano, tropa de elite bem treinada, cercaram o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega num espaço de vaquejadas no município de Esplanada. Uma semana antes, ele escapara ao primeiro cerco na Costa do Sauípe. Ao escapar também do segundo, refugiou-se numa casa acanhada de um vereador do PSL a 8 quilômetros de distância.

A casa, abandonada, ficava numa área isolada. Sem vizinhos. Só com o descampado à vista. Um conhecido de Nóbrega deu o serviço à polícia e ela cercou o miliciano pela terceira vez. Ele estava sozinho, mas, segundo a Secretaria de Segurança Pública da Bahia, portava um fuzil e uma pistola, além de 13 celulares. Teria reagido à prisão disparando contra os policiais. Acabou morto.

Chico Alencar* - Desafios do PT aos 40 anos

- O Globo

A direita viralizou a falsa ideia de que a corrupção de 500 anos tinha sido inaugurada pelo petismo

Há 40 anos, o Partido dos Trabalhadores foi importante novidade no cenário político do país. Partidos de caráter nacional, com doutrina e base militante, só surgiram entre nós depois do Estado Novo, com a democratização de 1945 — à exceção do Comunista, fundado em 1922. E de movimentos como a Ação Integralista Brasileira e a Aliança Nacional Libertadora, nos anos 30.

Antes, o que tínhamos eram ajuntamentos de interesses aristocráticos: os de “portugueses” e “brasileiros” na época da Independência quase bicentenária, “liberais” e “conservadores” no Império, partidos republicanos à feição das oligarquias provinciais na República Velha.

O PT nasceu na contramão do padrão costumeiro: veio das praças para os palácios. Novidade também na esquerda, chegou criticando ortodoxias e experiências autoritário- burocráticas do “socialismo real”. Não queria ser mera legenda para disputas eleitorais. Não aceitava substituir a cidadania, e sim representá-la e estimulá-la.

Seus documentos inaugurais afirmavam que o socialismo do programa do PT, radicalmente democrático, só o seria se fosse obra de milhões, combatendo todas as desigualdades. Um partido ético, crítico e criativo. Com essas virtudes, cresceu e ganhou influência. Graças a essa nitidez tornou-se, ainda hoje, a despeito da maré montante da antipolítica, a sigla mais reconhecida no cipoal (recém-“renovado”) de legendas de fantasia.

Zuenir Ventura - Não pode se deslumbrar

- O Globo

Regina demorou a perceber que a pastora procurava passar por cima da chefe

Pegou mal a reação de Regina Duarte. Como secretária de Cultura, seria de praxe que cumprimentasse a diretora do filme “Democracia em vertigem”, Petra Costa, pela indicação ao Oscar. Em vez disso, fez uma provocação irônica: postou na internet a foto antiga de uma manifestação pró-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. E a legenda: “Um Oscar pra você que foi pra rua derrubar o governo mais corrupto da história”.

É a segunda vez que, se deixando levar pelo viés ideológico, ela comete, digamos, uma descortesia. A primeira foi quando publicou uma montagem com as fotos de colegas que aprovavam sua nomeação para o cargo. Ela se esqueceu de pedir a indispensável autorização. Pior. Atribuiu a alguns não só o apoio a ela, como ao presidente. Fez isso, por exemplo, com Carolina Ferraz e Maitê Proença, que sempre lutaram pelo que este governo vive ameaçando: a liberdade de expressão.

Por isso, Carolina chegou a dar uma lição de moral na amiga: “Acho muito indelicado de sua parte. Gostaria, com todo o carinho, que (...) retirasse minha foto, por gentileza”. Maitê completou: “Eu também não gostei de ter sido usada em uma montagem que dá a entender o apoio a um governo que não aprovo. Regina se excedeu!”

Míriam Leitão - As polêmicas de Paulo Guedes

- O Globo

Falas desastradas de Guedes em várias situações, mesmo com o contexto, têm criado resistências às reformas

O ministro da Economia tem uma comunicação desastrada e vai criando polêmicas, pedindo desculpas quando uma frase causa mais estrago e, claro, sempre culpando a imprensa, por “tirar do contexto”. Parasita é nome do filme vencedor do Oscar e da última confusão em que Paulo Guedes se envolveu. Não há contexto que salve o que ele disse, ao se referir aos servidores públicos. Ele falava das reformas, em especial da PEC emergencial, para o ajuste em todos os níveis da federação:

— A notícia que eu quero dar. A primeira grande notícia é a seguinte: o Congresso abraçou as reformas, mesmo. O Pedro Paulo está lá com a PEC emergencial dele na Câmara, ela no início estava focada na União, eu tentei botar prefeitos, governadores, todo mundo no jogo, está aí a cláusula de emergência fiscal, o sujeito aperta o botão, é descentralizado.

Em vez de o governo dar ordem e controlar, não é o governo, nós somos uma federação. Se o prefeito quiser ir para o saco, deixa ele ir para o saco, ele foi eleito. Votaram nele, deixa ele depois fugir da polícia, correr lá da população. O problema é dele, se ele não quiser . Agora, se ele quiser, aperta o botão vermelho: Estado de Emergência Fiscal. Na mesma hora abre a porta do céu pra ele. Entra no programa de privatização, vem dinheiro do BNDES, ganha o direito de não dar aumentos automáticos de salários. O governo está quebrado, gasta 90% da receita toda com salário e é obrigado a dar aumento de salário. O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação. Tem estabilidade de emprego, tem aposentadoria generosa. Tem tudo. O hospedeiro está morrendo e o cara virou um parasita. O dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático. Não dá mais, a população não quer isso: 88% da população brasileira são a favor inclusive de demissão do funcionalismo.

Maria Alice Setubal* - Que agenda queremos para construir nossas políticas?

- Folha de S. Paulo

Instituições falhas reduzem desejo de cooperação

Anualmente, o Fórum de Davos impacta o direcionamento das políticas e estratégias econômicas e sociais para o mundo. Em 2020, Klaus Schwab, criador do encontro, lançou um novo manifesto que redireciona o papel das empresas na criação de valores sustentáveis e no engajamento entre todos seus “stakeholders”: funcionários, clientes, fornecedores, comunidade local e a sociedade mais ampla. Schwab explicita que a performance das empresas deve ser medida não apenas pelos dividendos aos seus acionistas, mas também pela forma como os negócios alcançam seus objetivos ambientais, sociais e de boa governança.

O debate ambiental teve papel de destaque em Davos, e, mesmo antes dele, Larry Fink, presidente do BlackRock, maior fundo de gerenciamento de dinheiro do mundo, já havia anunciado que não investiria em empresas que apresentem riscos ambientais e que não façam progressos na sustentabilidade. Finalmente, o tema das desigualdades voltou a aparecer de forma relevante nos debates, com o lançamento dos relatórios da Oxfam e da OIT.

O alinhamento entre fatores econômicos e a importância do investimento em pessoas também são ponto de destaque e apontam, como mostram outros estudos e pesquisas, para um movimento global na direção do bem-estar, em que fatores como emprego e renda devem estar articulados com um trabalho equilibrado, com saúde, educação, engajamento cívico, coesão social, meio ambiente, segurança pessoal e bem-estar subjetivo.

Desigualdades econômicas estão diretamente relacionadas com desigualdades de oportunidades —no caso brasileiro, com a falta de acesso à educação e à saúde de qualidade, a falta de segurança e o uso de violência policial atingindo prioritariamente jovens pobres e negros e, ainda, com o fato de a população mais vulnerável ser mais diretamente atingida por desastres ambientais.

Ruy Castro* - Amigos 'tóxicos'

- Folha de S. Paulo

Hoje, Bolsonaro quer distância de gente que o serviu tão bem nos velhos tempos

A família Bolsonaro sabe escolher os amigos. Eles não precisam ler Dostoievski, mas devem ter a ver com violência, crime, tráfico de influência, extorsão, contravenção, transações escusas, álibis mal explicados, sentenças judiciais suspeitas, destreza no gatilho e um quê de cafajestice musculosa.

Vide Adriano da Nóbrega, ex-capitão da PM prematuramente executado na Bahia neste domingo (9). Aos 43 anos, seu currículo incluía condenações por assassinato, intimidação de testemunhas, prestação de serviços de proteção a bicheiros, chefia das milícias de Rio das Pedras, comando de um grupo de assassinos profissionais e, no passado, agraciado pelos Bolsonaro com medalhas e menções honrosas. Se não tivesse sido morto, quem sabe a que alturas não chegaria?

Bruno Boghossian – Parasitas e vagabundos

- Folha de S. Paulo

Ofensa de Guedes a servidores só deu combustível a políticos que não querem reforma

No famoso episódio em que Fernando Henrique Cardoso tentou estabelecer uma idade mínima para as aposentadorias, a proposta foi derrotada por um voto. O deputado Antonio Kandir disse que se enganou e apertou o botão errado no plenário. Um colega fez troça: “Se for difícil apertar botão, fica difícil viver”.

O governo tinha maioria no Congresso, mas tombou com trapalhadas desse tipo. Dias depois, FHC ainda chamou de “vagabundos” aqueles que se aposentam cedo demais. Tentou se explicar, mas pagou caro e bloqueou discussões mais profundas sobre a reforma da Previdência.

Jair Bolsonaro conseguiu mudar as regras de aposentadoria, mas dá outras trombadas na agenda econômica. Na prometida reforma administrativa, que deveria mudar normas do serviço público, o governo abusa de barbeiragens e hesitações.

A ofensa de Paulo Guedes a funcionários que chamou de “parasitas” só deu combustível a políticos que não queriam reformar coisa alguma. Parlamentares e integrantes do governo passaram a levantar dúvidas sobre o clima para aprovar o projeto.

Vinicius Torres Freire – Mau começo do governo no Congresso

- Folha de S. Paulo

Plano de zerar imposto de combustíveis morre, mais vetos de Bolsonaro caem

O governo começa o ano no Congresso pagando contas de sua balbúrdia boquirrota, de sua falta de planejamento, de articulação política e de prioridades. Mau sinal para um ano parlamentar curto e mais difícil por causa da eleição e porque a boa vontade parlamentar já não é a mesma de 2019.

O programa reformista ainda deve andar neste ano, no essencial. Mas, como previsto, muito deputado e senador se pergunta por que deve sustentar a estabilidade político-econômica do governo de Jair Bolsonaro, aprovando leis duras, sem nenhum bônus e, além do mais, sofrendo campanhas de difamação das milícias virtuais bolsonaristas.

Para começar, era bravata e bazófia aquela história de “zerar” impostos sobre combustíveis (“zere o seu que eu zero o meu”, disse mais ou menos Bolsonaro). O presidente e suas milícias fizeram chacrinha nas redes por uns dias com essa ideia obviamente lunática de deixar de tributar combustíveis, começando pelo ICMS, o que quebraria de vez os estados.

O ministro Paulo Guedes e os governadores, avacalhados por Bolsonaro, “concordaram” em deixar que o assunto seja tema dos debates da reforma tributária e do pacto federativo —“na volta a gente compra”, como diziam as mães. Em resumo, houve uma tentativa de sair de fininho do vexame de uma ideia inviável, mera demagogia agressiva.

O saldo da bravata é um tanto mais de desmoralização político-intelectual do Planalto, como se fosse possível, e ainda mais desconfiança dos governadores.

Para continuar, os parlamentares vão derrubar mais vetos de Jair Bolsonaro a novidades na lei que dá diretrizes para a proposta e a organização do Orçamento, algumas de fato amalucadas.

Rosângela Bittar - Movimento binário

- O Estado de S.Paulo

Guedes negocia a reforma administrativa pelo caminho do confronto antecipado

O ministro Paulo Guedes, sempre que quer muito uma coisa, acaba por passar pelo risco de, mais do que perdê-la, ganhar o seu contrário. Repete um comportamento binário: proposta-agressão; retificação-desculpas. E final feliz, obviamente desgastado e politicamente enfraquecido para retomar a dianteira da negociação.

Tem dificuldades extremas com as palavras civis, as nuances do vocabulário corrente. Sua linguagem social não funciona para a sociedade como funciona para seu público da Economia. Para os iniciados, a agressividade transforma-se em franqueza e é até admirada, e o insulto transforma-se em piada de auditório. Para o público em geral, porém, o ministro passa por agressor gratuito, fanfarrão, boquirroto e desastrado. Torna-se, desnecessariamente, o enfant terrible do governo.

Até parece acreditar que a provocação e a ameaça velada são argumentos eficazes numa negociação política. Não são. Todas as vezes em que se dirigiu ao Congresso para pedir voto favorável à sua reforma da Previdência acabou por ganhar novos opositores a ela. Desdenhou dos deputados, defendeu o tudo ou nada.

O presidente da Câmara, por duas ou três vezes, teve de esperar a fervura baixar para negociar ao modo do Parlamento a aprovação das medidas que eram também prioritárias para deputados e senadores.

Sem capitalização não tem reforma, sentenciara Guedes. Teve. Ou economia de R$ 1 trilhão ou não adianta nada, advertira. Com R$ 850 bilhões o governo celebrou a vitória e Guedes não pediu o boné, como ameaçara repetidamente. Foi-se firmando o estilo.

Vera Magalhães - O clima pesou

- O Estado de S.Paulo

Enchentes são outra mostra de que emergência climática não é para ‘daqui a 500 anos

Quem esteve no Fórum Econômico Mundial, em Davos, em janeiro, sentiu que, no intervalo de apenas um ano, a preocupação com a emergência climática e as formas de retardá-la deixaram de ser uma pauta lateral para se tornar uma das prioridades de países e investidores.

No mesmo intervalo de tempo, o governo Jair Bolsonaro deixou de ser uma incógnita em relação à qual havia grande desconfiança, graças às demonstrações de desapreço pela questão ambiental, para se tornar uma certeza de ameaça aos esforços globais para mitigar os efeitos do aquecimento.

Não foi por acaso que até Bolsonaro sentiu que o clima já tinha esquentado e designou uma comissão, liderada pelo vice Hamilton Mourão, para intervir na gestão ambiental da Amazônia.

Se faltavam evidências, ainda assim, de quão atrasados estamos em entender o que a ciência já demonstrou a respeito das consequências da emergência climática, as chuvas violentas que castigaram grandes capitais do Sudeste neste verão vieram completar o álbum.

Ricardo Salles – ainda hoje ministro do Meio Ambiente, embora manietado pela intervenção em sua pasta –, chegou a dizer, quando ainda ostentava o discurso negacionista que agora tenta mitigar, que a preocupação com o clima era algo para “daqui a 500 anos”. Algumas declarações se tornam históricas pela sua clarividência. Outras viram memes pelo seu histrionismo. Esta certamente não se enquadra no primeiro grupo.

Paulo Delgado* - Como as democracias adoecem

- O Estado de S.Paulo

Lesões oportunistas são obra de ideologias diversas que enfraquecem uma nação

Para saber como as democracias morrem há legistas mais capazes na autópsia. Mas para diagnosticar como adoecem melhor observar o mal-estar dos fatos polêmicos à luz da ousadia pessoal dos influentes que os cometem e da letargia cívica com que os influenciados reagem a eles. Lesões oportunistas são obra de ideologias diversas que enfraquecem uma nação e comprometem sua saúde democrática.

Neste artigo olho um período cheio de egolatrias em que ficamos à mercê da marca do outro. Assim como a gula, apetite sem limite de quem se sente situado no topo da cadeia alimentar, a voracidade é mecanismo próprio do mau instinto de quem não tem predador natural.

Se todos têm suas próprias razões no que fazem e estão tão mergulhados de interesse nelas, não se trata de liberdade de pensamento e é difícil imaginar reflexão de boa-fé. Existem ficções e existem fatos concretos. Embora pouco praticada entre nós, a psico-história da política costuma ser mais hábil para entender os venenos sutis que alimentam a ambição dos que são notícia.

Anda, evidente, muito mal conduzida nossa democracia. Mas isso não significa que tenha morrido. Lembra mais a lenda brasileira de que ninguém presta e não vai dar em nada. Lenda que impulsiona o caráter arbitrário do tipo que manda ver. Um costume primitivo, institucional, cuja dimensão ainda não compreendemos inteiramente. É onde estacionou a curva da civilização brasileira e dali jamais passou. Ali onde o mundo em que são cometidos crimes e as aberrações legais ameaça ficar parecido com o mundo onde deveria ser possível corrigir suas consequências.

Fábio Alves - O fim da euforia?

- O Estado de S.Paulo

O crescimento não será tão forte quanto o que se esperava na virada do ano passado

Há, neste momento, uma desconfortável correlação entre o ritmo da atividade econômica e o desempenho da Bolsa brasileira: após um período de euforia, ambos passam por um processo de revisão para baixo das expectativas.

Quanto ao PIB, houve até quem projetasse, em determinado momento, um crescimento de 1% no quarto trimestre de 2019. Agora, depois da decepção dos indicadores de atividade referentes a novembro e de alguns para o mês de dezembro, como a produção industrial, as estimativas de expansão no quarto trimestre migraram para 0,5%.

Em relação à Bolsa, depois de atingir a máxima histórica intraday de 119.593,10 pontos no dia 24 de janeiro passado, o Ibovespa cedeu mais de 7 mil pontos até bater a mínima intraday de 112.134,40 pontos no pregão da segunda-feira.

Contribuíram para esse recuo do Ibovespa fatores ligados à geopolítica mundial, como o ataque aéreo dos Estados Unidos que matou o líder militar do Irã, e também o temor do impacto nas economias global e chinesa com o surto do coronavírus.

Mas é o desempenho aquém do esperado dos últimos indicadores da economia o pano de fundo da consolidação do Ibovespa para um patamar mais abaixo do recorde histórico. Isso porque havia aposta de que um crescimento mais robusto do PIB brasileiro em 2020, por volta de 2,5%, poderia atrair um fluxo maior de investidores para a Bolsa, em especial de estrangeiros, além de turbinar os resultados das empresas.

Cláudio Gonçalves Couto* - Bolsonarismo e lava-jatismo

- Valor Econômico

Moro não teria como ser um limitador do autoritarismo de Bolsonaro, pois sua concepção da política é similar à do chefe

Quando o então juiz, Sergio Moro, foi convidado para o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, houve quem acreditasse que ele seria aquele capaz de colocar freios aos notórios ímpetos autoritários do presidente eleito. Moro era visto por esses otimistas como possível bastião do estado de direito num governo cuja liderança principal nunca lhe demonstrara apreço. O curioso otimismo talvez se justificasse se fosse Moro, ele mesmo, em sua carreira de magistrado, referência para a defesa do império da lei, dos direitos individuais e do devido processo legal. Contudo, quando se considera o que foi a Operação Lava-Jato, não é esse o quadro.

Conduções coercitivas a rodo, de pessoas que sequer sabiam que deveriam depor e, logo, nunca se negaram a fazê-lo; prisões preventivas a perder de vista, até que os presos, ainda não condenados, nem de alta periculosidade, decidissem confessar ou delatar algo; aceleração considerável de processos de determinados réus; condução das audiências de forma a intimidar os advogados de defesa; divulgação politicamente oportuna de informações relativas a processos - como a delação de Antonio Palocci, às vésperas do primeiro turno de 2018; grampos em escritório de advogados do réu; e, por último, mas não menos importante, o vazamento de um grampo telefônico tomado em momento não autorizado pelo próprio juiz, envolvendo autoridade fora do alcance de sua jurisdição - no caso, a presidente da República.

Algo foi esquecido? Provavelmente sim. Porém, tudo já era conhecido previamente ao anúncio do convite para o ministério e, portanto, antes também das revelações da Vaza-Jato pelo “The Intercept”, que demonstraram existir conluio do juiz com procuradores - estes últimos, sempre bom lembrar, parte do processo, não seu árbitro.

Cristiano Romero* - Tão longe do Brasil e tão perto do poder

- Valor Econômico

A ideia de estabilidade no emprego no serviço público é tão disseminada que os empregados de estatais gozam desse privilégio sem nenhum amparo na lei

Embora o governo Bolsonaro tenha demonstrado até agora pouco interesse na reforma administrativa, o tema ocupou o debate e é parte da agenda do Congresso Nacional. A reforma é necessária e a justificativa vai além da premente questão fiscal. No conceito mais amplo, de mudança radical na forma como o Estado brasileiro está estruturado, as mudanças não dizem respeito apenas aos servidores públicos, mas a todos os setores específicos da sociedade que se beneficiam do orçamento público, em detrimento dos interesses difusos.

A máquina pública brasileira não foi pensada para defender os interesses de quem não possui representação política em Brasília. Mas, mesmo quem tenha essa agenda - seja um político, seja um movimento, seja uma entidade da sociedade civil -, não é o ideal porque, na luta democrática, esses serão apenas mais um grupo de pressão. Distribuição de renda, acesso gratuito a serviços de saúde e educação, combate à pobreza e auxílio a indigentes, por exemplo, não deveriam ser bandeiras de grupos de pressão nem de partidos políticos, mas missões do Estado brasileiro em todas as esferas, como prescreve a Constituição de 1988.

Nilson Teixeira* - Potência incerta da política monetária

- Valor Econômico

Diversos BCs apontam que a política monetária perde parte da sua potência com juros básicos baixos

Especialistas têm defendido nas últimas décadas que a implementação de reformas econômicas aumenta a potência da política monetária. Eventos como o Plano Real e a adoção do regime de metas de inflação, bem como a implementação de reformas microeconômicas, com medidas que melhoram as condições de negócios, são vistos como indutores dessa dinâmica.

Essa discussão não é nova. As atas das reuniões do Copom entre setembro de 2010 e dezembro de 2011 projetavam aumento da potência de política monetária. Essa avaliação também surgiu na ata de abril de 2014, por exemplo, com essa dinâmica sendo atribuída à elevação dos empréstimos livres, à ampliação da maturidade dos instrumentos de crédito e à alta da participação dos prefixados na dívida pública. O desempenho da economia naquelas épocas, no entanto, não autoriza uma conclusão robusta sobre o aumento dessa potência.

O comunicado e a ata da reunião do Copom deste mês sugeriram que os efeitos defasados na economia do corte de juros de 225 pontos base entre julho de 2019 e fevereiro podem ser intensificados pelo “aumento da potência da política monetária decorrente das transformações na intermediação financeira e no mercado de crédito e capitais”. A ata reconheceu, por outro lado, a incerteza sobre esse suposto aumento e sobre a defasagem e a magnitude dos estímulos já concedidos. A leitura sobre a maior efetividade dos canais de transmissão monetária é razoável, ainda mais quando se observam uma melhoria dos fundamentos e a implementação de ajustes econômicos nos últimos anos. Só o tempo, porém, permitirá a comprovação dessa avaliação.

Martin Wolf* - Reeleição de Trump é perigo para o mundo

- Valor Econômico

O povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente

De uma só cartada, o presidente dos EUA, Donald Trump, ficou livre. Com a esperada demonstração de partidarismo puro e simples, os republicanos do Senado (com exceção de Mitt Romney) abandonaram seus papéis de juízes constitucionais dos supostos abusos de poder cometidos por ele. Eles transferiram a decisão para os eleitores, nas eleições presidenciais de novembro. Trump terá muitas vantagens: apoiadores fervorosos, um partido unido, o colégio eleitoral e uma economia saudável. Sua reeleição parece provável.

A razão mais óbvia da possível vitória de Trump é a economia. Até mesmo por seus parâmetros, o discurso sobre o Estado da União na semana passada foi um caso de exagero carregado de hipérboles. Conforme observou Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, o desempenho dos EUA parece fraco pelos padrões de outros países em aspectos importantes, especialmente a expectativa de vida, as taxas de emprego e a desigualdade.

Além disso, o PIB, o nível de emprego, o desemprego e os salários reais seguem em grande parte tendências definidas no pós-crise. Dada a escala do estímulo fiscal, que resultou em grandes e persistentes déficits fiscais estruturais, isso não é uma grande realização. Mesmo assim, muitos americanos sentirão que a economia está melhorando. E isso certamente terá um grande papel nas próximas eleições.

Se Trump vencer, a nova vitória poderá ser ainda mais significativa que a primeira. Pois o povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente. Será um momento decisivo.

O que a mídia pensa – Editoriais

Hora de repensar atitudes – Editorial | O Estado de S. Paulo

Não deixará de chover em São Paulo. Mudanças climáticas são determinantes para que o volume de chuvas seja cada vez maior ou mais concentrado. Dadas suas características geográficas e intervenções urbanísticas, São Paulo é uma cidade que enche quando chove com mais intensidade. Essas três premissas devem nortear as ações do governo e da sociedade na maior cidade do País. Caso contrário, as consequências dos temporais serão corriqueiramente classificadas como “tragédias”, quando trágicas não precisam ser.

Na madrugada de domingo para segunda-feira, os paulistanos padeceram com o temporal mais intenso que caiu sobre a cidade no mês de fevereiro nos últimos 37 anos. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), somente nesse período de horas choveu 66% do volume esperado para todo o mês. No dia, foi registrada uma precipitação total de 114 milímetros. Um temporal desta magnitude causará estragos e mexerá com a vida das pessoas em qualquer cidade do mundo, até nas mais desenvolvidas. O que se espera das autoridades é que adotem as devidas medidas para mitigar os danos e, principalmente, evitar mortes. A Prefeitura e o governo estadual agiram nessa direção.

Em que pesem os enormes prejuízos financeiros e o caos instalado na cidade, ninguém morreu em decorrência do temporal que desabou sobre São Paulo. Em outros tempos não tão remotos, dezenas de famílias, quiçá centenas, estariam pranteando seus mortos ou passando pela angustiante busca por desaparecidos.

Música | Mangueira 2020

Pier Paolo Pasolini* - Versos do testamento

A solidão: é preciso ser muito forte
para amar a solidão; é preciso ter pernas firmes
e uma resistência fora do comum; não se deve arriscar
pegar um resfriado, gripe ou dor de garganta; não se devem temer
assaltantes ou assassinos; há que caminhar
por toda a tarde ou talvez por toda a noite
é preciso saber fazê-lo sem dar-se conta; sentar-se nem pensar;
sobretudo no inverno, com o vento que sopra na grama molhada
e grandes pedras em meio à sujeira úmida e lamacenta;
não existe realmente nenhum conforto, sobre isso não há dúvida,
exceto o de ter pela frente todo um dia e uma noite
sem obrigações ou limites de qualquer espécie.
O sexo é um pretexto. Sejam quais forem os encontros
― e mesmo no inverno, pelas ruas abandonadas ao vento,
ao longo das fileiras de lixo junto aos edifícios distantes,
que são muitos ― eles não passam de momentos da solidão;
mais quente e vivo é o corpo gentil
que exala sêmen e se vai,
mais frio e mortal é o querido deserto ao redor;
é isso o que enche de alegria, como um vento milagroso,
não o sorriso inocente ou a prepotência turva
de quem depois vai embora; ele traz consigo uma juventude
enormemente jovem; e nisso é desumano,
porque não deixa rastros, ou melhor, deixa um único rastro
que é sempre o mesmo em todas as estações.
Um jovem em seus primeiros amores
não é senão a fecundidade do mundo.
É o mundo que chega assim com ele; aparece e desaparece,
como uma forma que muda. Restam intactas todas as coisas,
e você poderia percorrer meia cidade, não voltaria a encontrá-lo;
o ato está cumprido, sua repetição é um rito; pois
a solidão é ainda maior se uma multidão inteira
espera sua vez; cresce de fato o número dos desaparecimentos ―
ir embora é fugir ― e o instante seguinte paira sobre o presente
como um dever; um sacrifício a cumprir como um desejo de morte.
Ao envelhecer, porém, o cansaço começa a se fazer sentir,
sobretudo naquela hora imediatamente após o jantar,
e para você nada mudou; então por um triz você não grita ou chora;
e isso seria enorme se não fosse mesmo apenas cansaço,
e talvez um pouco de fome. Enorme, porque significaria
que o seu desejo de solidão já não poderia ser satisfeito;
e então o que o aguarda, se isto que não se considera solidão
é a verdadeira solidão, aquela que você não pode aceitar?
Não há almoço ou jantar ou satisfação do mundo
que valha uma caminhada sem fim pelas ruas pobres,
onde é preciso ser desgraçado e forte, irmão dos cães.

(Tradução de Cide Piquet e Davi Pessoa)

*Pier Paolo Pasolini (1922-1975), cineasta, poeta e escritor italiano

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Luiz Carlos Azedo - Notícias Populares

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A morte do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, no interior da Bahia, embora a versão oficial seja a de que resistiu à prisão, alimenta suspeitas de queima de arquivo”

Os programas de tevê que fazem a cobertura policial no estilo “bandido bom é bandido morto” foram a principal causa do fechamento do jornal Notícias Populares, ligado ao Grupo Folha, que circulou de 1963 a 2001 na capital paulista e se notabilizou pelas manchetes “se-espremer-sai-sangue”e fotos de mulheres nuas. Criado pelo romeno Jean Nelle, abusava do que hoje seria chamado de fake news, como a história do Bebê Diabo, uma série fantasiosa de reportagens sobre uma criança que nasceu com deformações físicas, e o desaparecimento de Roberto Carlos, que, na verdade, estava em viagem aos Estados Unidos e, por isso, não havia sido localizado pelos repórteres do jornal.

No Rio de Janeiro, o jornal Luta Democrática, fundado pelo político fluminense Tenório Cavalcanti, que circulou de 1954 a 1980, também abusava de manchetes sensacionalistas, como “Violada no Auditório”, a propósito do fato de o cantor Sérgio Ricardo ter quebrado o violão durante uma apresentação musical, e “Cachorro fez mal à moça”, um caso banal de infecção intestinal por causa de um sanduíche de salsicha, ambas de autoria do jornalista Carlos Vinhaes. Sexo, sangue, dinheiro e poder eram os quatro pilares dos jornais policiais norte-americanos da década de 1950 que serviram de paradigma para o NP e a Luta.

O escritor norte-americano James Ellroy, autor de Los Angeles — Cidade Proibida, se inspirou no noticiário policial para escrever sua trilogia sobre a política norte-americana, que começa com Tablóide Americano, sobre os bastidores do assassinato do presidente John Kennedy, continua com Seis Mil em Espécie, a operação de “queima de arquivo” da conspiração, e termina com Sangue Errante, no qual narra a derrocada norte-americana no Vietnã e os bastidores do governo de Richard Nixon. Todos foram publicados no Brasil pela Editora Record. Ellroy é um dos grandes escritores “noir”, gênero de literatura policial que surgiu nos Estados Unidos na época do macarthismo. Sua narrativa se baseava em pesquisas sobre personagens reais e muita literatura, ou seja, a fusão de realidade e ficção.

A morte do ex-capitão do Bope do Rio de Janeiro Adriano da Nóbrega, que estava foragido no interior da Bahia, é um prato cheio para um escritor “noir”. Embora a versão oficial seja a de que resistiu à prisão, as circunstâncias de sua morte alimentam suspeitas de que teria havido uma “queima de arquivo”. Adriano não estava sendo investigado no caso do assassinato da vereadora do PSol Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, mas era um dos chefões do chamado Escritório do Crime, grupo de extermínio da milícia do Rio de Janeiro, do qual faziam parte o sargento reformado da PM Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio de Queiroz, suspeitos do assassinato de Marielle.

Adriano era um dos denunciados da Operação Intocáveis, coordenada pelo Gaeco do Rio de Janeiro. Quando foi deflagrada, em janeiro de 2019, foram presos cinco homens acusados de integrar a milícia que atuava em grilagem de terra, agiotagem e pagamento de propina em Rio das Pedras e na Muzema, na Zona Oeste do Rio. Segundo a polícia baiana, estava sendo investigado por envolvimento em operações de compra e venda de gado e de fazendas na Bahia, para lavagem de dinheiro.

José Casado - O silêncio do clã Bolsonaro

- O Globo

Com o filho Flávio, Jair cultuava o ex-capitão do Bope

Escolheram o silêncio, estranharam amigos de ambos na Polícia Militar do Rio. Até há pouco não perdiam chance de louvá-lo: um “brilhante oficial”, nas palavras do patriarca Jair, ou, um homem de “excepcional comportamento”, na definição do primogênito Flávio. Viam nele um combatente urbano, treinado no Batalhão de Operações Especiais, hábil no gatilho à distância, sagaz em perseguição camuflada na geografia carioca.

Os Bolsonaro o reverenciavam. Jair, por exemplo, se apresentou como deputado federal no julgamento do amigo, no outono de 2005. Assistiu à sua condenação (19 anos e 6 meses de prisão) pela execução “de um elemento que, apesar de envolvido com o narcotráfico, foi considerado pela imprensa um simples flanelinha”, como descreveu em discurso de protesto na Câmara.

Com o filho Flávio, cultuava o ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega como símbolo de uma PM cuja prioridade, julgavam, deveria ser a eliminação sumária de suspeitos, “porque vagabundo tem de ser tratado dessa maneira”. Dedicaram-lhe discursos, homenagens e até inscreveram seus parentes na folha salarial do Estado do Rio.

Ricardo Noblat - O que poderão revelar os celulares do miliciano morto ligado aos Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

Witzel, com a faca e o queijo na mão

Há duas razões para o silêncio da família Bolsonaro sobre a morte a tiros de fuzil, na Bahia, do ex-capitão do BOPE do Rio de Janeiro e miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega.

A primeira: fazer de conta que não tinha ligações com ele, defendido em discurso na Câmara pelo então deputado Jair Bolsonaro e homenageado na Assembleia Legislativa do Rio por seu filho, Flávio.

A segunda e principal razão: o que possam revelar os 13 celulares apreendidos com Nóbrega no local onde ele se escondia e foi morto, uma chácara do povoado de Palmeira, no município baiano de Esplanada.

Nóbrega usava chips de sete diferentes operadoras para se comunicar via celulares. Conhecia a fundo a arte de monitorar bandidos procurados. Não queria cair em armadilhas que ele mesmo montara para os outros.

Mesmo assim, é possível que a memória dos celulares revele com quem ele falava – e, quem sabe? – o quê. Os aparelhos serão escrutinados pela Polícia Civil do Rio, sob o comando do governador Wilson Witzel.

O governador e o presidente da República romperam relações. Bolsonaro está convencido de que Witzel tem acesso e controla as investigações do Ministério Público sobre eventuais deslizes de sua família.

Ontem, Witzel, deu mais uma estocada indireta nos Bolsonaro: “No meu governo, não admito milicianos”.

O PT envelheceu. Ou se liberta de Lula ou não terá futuro

À sombra da hegemonia da extra-direita
Lula jamais imaginou que seria condenado pela Lava Jato. Uma vez que foi, jamais imaginou que seria preso. Uma vez preso, imaginou que acabaria solto a tempo de tentar se reeleger presidente da República pela terceira vez. Quem sabe não compensaria as três vezes (1989, 1994 e 1998) em que foi derrotado, duas, em primeiro turno, por Fernando Henrique Cardoso. Lula nunca perdoou Cardoso por isso.

Hélio Schwartsman - Queima de arquivo?

- Folha de S. Paulo

Não há, por ora, elementos objetivos a sustentar essa tese no caso Adriano da Nóbrega

Não há, por ora, elementos objetivos a sustentar a tese de que a morte do miliciano Adriano da Nóbrega tenha sido uma operação de queima de arquivo para beneficiar o clã Bolsonaro. O chocante é constatar que essa hipótese é verossímil, a ponto de os principais órgãos de imprensa terem publicado textos em que ela é contemplada.

Não faz tanto tempo, seria inconcebível imaginar um presidente da República e seus filhos envolvidos nesse tipo de noticiário. Não que só tenhamos tido líderes impolutos, mas não era comum ver políticos de alto coturno com ligações tão abertas com a baixa criminalidade. Se as tinham, ao menos as escondiam.

Não os Bolsonaros. O próprio presidente fez, quando ainda era deputado federal, um discurso em que defendeu o miliciano de uma acusação de assassinato. O primeiro filho, Flávio, foi mais longe e, além de defendê-lo e condecorá-lo, contratou-lhe a mãe e a irmã. As familiares de Nóbrega só se desligariam do gabinete de deputado estadual de Flávio em novembro de 2018.

Pelo menos parte dessas ligações perigosas apareceu nos jornais antes do pleito e, apesar disso, Bolsonaro foi eleito. Como explicar isso?

Bernardo Mello Franco - Memórias de um chefe de milícias

- O Globo

A relação entre o clã Bolsonaro e Adriano da Nóbrega durou ao menos 17 anos. Ontem o presidente não quis comentar a morte do miliciano, a quem já chamou de “brilhante oficial”

Durou ao menos 17 anos a relação entre a família Bolsonaro e o miliciano Adriano da Nóbrega, morto na madrugada de domingo. Em 2003, o herdeiro Flávio propôs uma menção de louvor ao “ilustre tenente”. “Desenvolve sua função com dedicação, brilhantismo e galhardia”, justificou.

Em julho de 2005, o primeiro-filho voltou a premiar o PM com a Medalha Tiradentes, a mais importante do Estado. A honraria foi entregue na cadeia. Adriano estava preso pelo assassinato de um guardador de carros que acusou policiais de extorsão.

Três meses depois, o patriarca Jair saiu em defesa do detento. Na tribuna da Câmara, disse que Adriano era um “brilhante oficial” que não merecia estar em cana. “Coitado, um jovem de vinte e poucos anos”, lamentou. Ao fim do discurso, ele informou que o advogado do réu recorreria da sentença.

Cristian Klein - Menos um CPF para Bolsonaro

- Valor Econômico

Morte de miliciano é seguida do silêncio do presidente e de Moro

De tão nebulosa e mal explicada, a relação entre a família Bolsonaro e a milícia parece um daqueles mistérios insondáveis, supostos assuntos de Estado que governos carimbam como “top secret”. Ao que tudo indica, o selo de alta confidencialidade dura enquanto durar a correlação de forças e a popularidade do bolsonarismo, por sinal pouco abalado pela proximidade do presidente com os grupos paramilitares que praticam extorsão em cada vez mais extensos territórios no Rio, ou fora dele. As mílicias - formadas por PMs, policiais civis, bombeiros - já foram “exportadas” para mais da metade dos Estados brasileiros. Mas é no Rio, e com o apoio do clã Bolsonaro, que cresceram e se aliaram ao poder político.

O presidente da República e seu filho mais velho já defenderam com ardor a existência dessas organizações criminosas que cobram os mais variados tipos de “pedágios” às populações ameaçadas e subjugadas. Da taxa de segurança a moradores e comerciantes aos botijões de gás comercializados com ágio; do transporte ilegal de vans ao fornecimento clandestino de TV por assinatura, internet e energia elétrica; da venda de imóveis irregulares à exploração de novos produtos e serviços como cestas básicas, consultas médicas, seguros de carro e recolhimento de lixo. Sobre estas regiões, já não se fala mais de Estado paralelo. A milícia é o próprio Estado. E tem suas relações institucionais construídas nos escombros de uma polícia civil e militar em sua face falida, corrupta e violenta.

Era dessa PM que vinha o ex-capitão Adriano Magalhães da Nóbrega, morto numa troca de tiros com a polícia no fim de semana numa operação no interior da Bahia. Foragido há mais de um ano, Nóbrega - ou ‘capitão Adriano’ - foi apontado por seu próprio advogado, Paulo Emílio Catta Preta, como alguém que queria se entregar, mas temia ser morto, numa queima de arquivo.

Thaís Oyama* O risco de querer ser amado

- O Globo

Bolsonaro passou a pedir e receber informes diários da repercussão nas redes tanto de seus posts quanto de suas ações de governo

No começo de 2017, quando boa parte do Congresso e da imprensa tratava Jair Bolsonaro como um excelentíssimo zé-ninguém, o então deputado do baixo clero era recebido nos aeroportos do país por multidões que o carregavam nos ombros e o chamavam de “mito”. Eram cenas intrigantes por mais de um motivo. Muitos dos que as testemunharam se perguntavam, por exemplo, por que razão os fãs do ex-capitão assobiavam, uivavam e tocavam corneta a cada vez que ele, do alto de palanques improvisados no capô de picape, colocava um par de óculos escuros no rosto. Era uma referência ao meme que circulava na internet em que óculos pixelados apareciam sobre a imagem do pré-candidato à Presidência da República sempre que ele “mitava”. Ou seja, quando dizia algo, em geral engraçado ou provocativo, que extasiava seus seguidores. O meme dos óculos era só um dos itens do repertório do bolsonarismo nascente, que começava a transbordar para as ruas naqueles meses que antecederam às eleições de 2018 depois de inundar o universo paralelo das redes sociais — o habitat original de Jair Messias Bolsonaro.

Em 2019 — eleito, empossado e tendo de substituir a retórica de campanha por ações — o ex-deputado socorreu-se junto aos militares que subiram a rampa com ele e passaram a ser vistos como o lastro de credibilidade institucional do novo governo, além de tutores informais do presidente estreante. Bolsonaro pisava no tapete vermelho do poder com a humildade de um capitão entre os generais. Em junho, a situação mudou. Os militares concluíram que seus conselhos de pouco valiam diante do voluntarismo e da influência do entorno familiar do presidente. A demissão do ministro Carlos Alberto Santos Cruz, um general que foi para a guerra, provocou um abalo tectônico e jamais superado na relação entre Bolsonaro e os fardados.

Eliane Cantanhêde - Do caos à eleição

- O Estado de S.Paulo

Chapa Haddad-Marta contra 'azuis', 'verdes' e 'verdes desbotados' em outubro

Nada como o caos de ontem em São Paulo, com a cidade dramaticamente debaixo d’água, para nos lembrar que as eleições municipais estão logo aí e o quanto é importante acompanhar os nomes, articulações e alianças em construção para disputar a Prefeitura da mais rica e estratégica capital do Brasil. Aliás, não só dela.

Há ainda muitas dúvidas, mas começa a se desenhar uma chapa no campo da esquerda: Fernando Haddad, do PT, com Marta Suplicy na vice, ainda sem partido definido. Na avaliação dos articuladores, Haddad e Marta têm “recall”, já foram prefeitos da capital paulista e são complementares eleitoralmente, ele com classe média alta e academia, ela com as periferias e movimentos sociais.
Marta não diz claramente, mas já definiu que não quer ser cabeça de chapa, ir a debates, fazer campanha de rua. Também não aceita ser vice de qualquer um, ou uma, apenas de Haddad. São decisões ditadas pelo coração, mas encontram sua dose de pragmatismo nas pesquisas de opinião.

Abdicar de disputar a Prefeitura faz sentido para Marta, que fará 75 anos em março, não quis tentar a reeleição ao Senado, não tem mais prazer em campanhas extenuantes e só mantém uma meta política: voltar à Prefeitura de São Paulo, a função mais gratificante que ocupou em sua vida pública.

Carlos Andreazza – Censura

- O Globo

A vida de um livro é a vida dos que o desejam ler

Governador Marcos Rocha,
Espero que o senhor já tenha demitido o secretário de Educação do Estado de Rondônia, assim como a diretora-geral de Educação. Nada pessoal, senão pelo fato de que — ao não o fazer — será somente do senhor a responsabilidade pela tentativa de censura contida no memorando 4/2020, aquele que propõe o Index Librorum Prohibitorum do século XXI, expedido por uma secretaria de seu governo e enviado às coordenadorias regionais.

Permita-me lembrá-lo de como a mensagem começa, desde já me desculpando por constrangê-lo com o uso do idioma por auxiliares que escolheu: “Solicitamos aos senhores que verifiquem nos kits de livros paradidáticos encaminhados às escolas para compor os acervos das bibliotecas, os livros relacionados no Adendo ID (10053329), e procedam com o recolhimento dos mesmos imediatamente, tendo em vista conterem conteúdos inadequados às crianças e adolescentes”.

Espero que já os tenha demitido também porque, de qualquer outra forma, recairá sobre o senhor a obrigação de explicar à sociedade o que seriam — nos livros que se pretendeu censurar —os tais “conteúdos inadequados”. O que seriam? Uma sugestão, governador: pergunte aos autores do memorando censor e então tenha — qualquer que seja a resposta — a justa causa para exonerá-los.

O outro caminho será o habitual, o da covardia, o que o senhor trilha até aqui: assumir, com o silêncio, a incompetência dos subordinados, passando-lhes a mão na cabeça, e, por omissão, plantar que desconhecia o ato, torcendo para o fervo baixar — combinação que intenta descaracterizar o propósito difundido pelo memorando, opção que reforça o propósito sem negar a incompetência.

Míriam Leitão - Águas do verão e as crises públicas

- O Globo

Há tarefas urgentes para proteger a vida nas cidades: preparar para as fortes chuvas e investir em saneamento

Este começo de ano está particularmente difícil. As chuvas têm despencado sobre algumas regiões de forma espantosa. Ontem foi o dia de São Paulo viver uma emergência, Minas Gerais têm tido dias trágicos na capital e no interior. As cidades brasileiras nunca foram preparadas para os extremos do clima. Porém, agora esses extremos serão mais frequentes e mais intensos. A cada temporada de chuvas fortes, o país vê a mesma repetição de caos urbano, que às vezes vem acompanhado de mortes, como em Minas Gerais. O Brasil ainda vive com um grau de atraso em saneamento intolerável.

No drama da água do Rio, que se arrasta desde o começo do ano, há uma mistura de várias incúrias governamentais. A falta de investimento em saneamento há muitas administrações federais, a insistência dos governos do Rio de não privatizarem a Cedae, as falhas da regulação da prestação desse serviço, e a fiscalização precária no entorno das áreas de captação. Isso somado faz com que os municípios da região metropolitana do Rio estejam em 2020 convivendo com uma água com cheiro forte e gosto ruim. Essa falha das várias agências do estado colocam em risco a saúde da população.

O caminho de ampliar investimento em saneamento é tão óbvio que é irracional o país ficar patinando nesse assunto, com as coalizões de veto que impedem os projetos de andarem tanto no Congresso quanto nas assembleias. Há uma expectativa de que este ano se consiga, depois de quatro tentativas desde 2018, aprovar o marco regulatório do saneamento.

Rubens Barbosa* - Retomando o diálogo com a Argentina

- O Estado de S.Paulo

Os dois governos não podem deixar de levar em conta o determinismo geográfico da vizinhança

O ministro do Exterior da Argentina, Fernando Solá, visita o Brasil amanhã, no primeiro contato de alto nível depois da posse do presidente Alberto Fernández. Tudo indica que com essa visita comece a ser restabelecido o diálogo governamental direto entre os dois países, interrompido por declarações críticas do presidente Jair Bolsonaro acerca do candidato peronista antes das eleições e pelas respostas de Fernández.

Como é normal entre países vizinhos, Brasil e Argentina passaram por muitos desencontros e crises ao longo da História. Agora, volta a tensão entre Brasília e Buenos Aires, em decorrência de uma escalada retórica por divergências ideológicas entre um governo de direita, liberal na economia e conservador nos costumes, no Brasil, e um governo de centro-esquerda na Argentina.

Nas relações comerciais, as preocupações de Brasília residem nas restrições protecionistas contra produtos brasileiros e quanto ao futuro do Mercosul e do acordo com a União Europeia (UE). Recentemente, pela primeira vez uma alta autoridade do governo brasileiro, o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, Marcos Troyjo – que está hoje em Buenos Aires dialogando diretamente –, criticou o governo argentino depois da posse de Fernández. Referindo-se a restrições ao comércio e à taxação das exportações, Troyjo disse que o Brasil está com impaciência estratégica em relação à Argentina em razão dos sinais negativos na política econômica. Quanto ao Mercosul, o secretário reiterou o interesse brasileiro na aprovação da redução da tarifa externa comum (TEC)e no avanço das negociações de acordos com o Canadá e outros países. “O Brasil não deseja andar em velocidade de comboio, onde a velocidade de todos é determinada pelo veículo mais lento”. Por isso o lado brasileiro não descarta um Mercosul flex, no qual novos acordos comerciais possam ter velocidades diferentes de liberalização em cada sócio.