quarta-feira, 1 de abril de 2020

Luiz Carlos Azedo - A alegoria de Camus

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A epidemia de meningite só acabou após a vacinação de 80 milhões de pessoas, o que seria impossível com a manutenção da censura sobre a doença”

Publicado em 1947, A Peste, do escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), é uma alegoria da ocupação nazista. Por isso, fez tanto sucesso não só na França como na Europa do pós-guerra e também na América Latina, inclusive no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970. Camus foi um militante da Resistência, mas teve uma posição muito moderada em relação aos que colaboraram com os invasores alemães durante a II Grande Guerra, condenando os “justiçamentos”. Já era um escritor consagrado, com duas obras elogiadíssimas pela crítica: O estrangeiro e O mito de Sísifo.

Albert Camus nasceu em 7 de novembro de 1913 na Argélia, à época uma colônia francesa, cenário de seu romance, que conta a história de uma epidemia na cidade de Oran, no norte daquele país. Em 1940, um médico encontrou um rato morto ao deixar seu consultório. Comunicou o fato ao responsável pela limpeza do prédio. No dia seguinte, outro rato foi encontrado morto no mesmo lugar. A esposa do médico tinha tuberculose e foi levada para um sanatório. A quantidade de ratos aumentou exponencialmente. Em um único dia, oito mil ratos foram coletados e encaminhados para cremação.

Em pânico, a cidade declarou estado de calamidade, as pessoas tinham febre e morriam em massa. Os muros foram fechados, em quarentena, ninguém entrava ou saía; os doentes foram isolados, as famílias, separadas. Enquanto o padre apregoava que tudo aquilo era um castigo divino, prisioneiros eram mobilizados para enterrar os cadáveres, que empilhavam nas ruas: velhos, mulheres e crianças morriam. O livro é uma alegoria da condição de vida regulada pela morte, fez muito sucesso porque era uma crítica ao fascismo e relatava as diferenças de comportamento diante de situações-limite. Fora escrito durante a ocupação militar alemã. Camus foi editor do jornal clandestino Combat, porta-voz dos partisans.

Em 1951, Camus lançou o livro O homem revoltado, no qual condenava a pena de morte e criticava duramente o comunismo e o marxismo, o que provocou uma ruptura com seu amigo e filósofo Jean-Paul Sartre, que liderou seu linchamento moral por parte da intelectualidade francesa. Mesmo depois do Prêmio Nobel de Literatura, em 1957, continuou sendo um renegado para a esquerda. Seu discurso na premiação foi profético. Permanece atual nestes tempos de epidemia de coronavírus.

“Cada geração se sente, sem dúvida, condenada a reformar o mundo. No entanto, a minha sabe que não o reformará. Mas a sua tarefa é talvez ainda maior. Ela consiste em impedir que o mundo se desfaça. Herdeira de uma história corrupta onde se mesclam revoluções decaídas, tecnologias enlouquecidas, deuses mortos e ideologias esgotadas, onde poderes medíocres podem hoje a tudo destruir, mas não sabem mais convencer, onde a inteligência se rebaixou para servir ao ódio e à opressão, esta geração tem o débito, com ela mesma e com as gerações próximas, de restabelecer, a partir de suas próprias negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer”, disse Camus.

Merval Pereira - Um homem atormentado

- O Globo

Relatos falam em choros súbitos, e não seria estranho, pois há meses ele próprio já declarou que chora durante a noite

Só o futuro dirá mas, pelo pronunciamento de ontem por rede nacional de televisão, está caindo a ficha do presidente Jair Bolsonaro. Com atraso, parece ter começado a se mover na direção do bom-senso que a realidade está fazendo prevalecer em todo mundo, em governos populistas de direita, como o dele e o de Trump nos Estados Unidos, e de esquerda, como o de Lopez Obrador no México.

Pela manhã, o presidente havia dado a entender que usaria a fala do diretor-geral da OMS Tedros Ghebreyesus para defender o fim do isolamento horizontal, mas teve que recuar diante do desmentido formal da Organização.

Mesmo assim, Bolsonaro sonegou frases para montar uma versão que, para os mais desinformados, parece ser uma concordância com a sua posição. Mas em nenhum momento ousou defender o fim do isolamento social, mesmo porque o número de mortes e infectados entre nós começa a crescer de maneira exponencial, e ainda nem estamos no pico da epidemia.

Cada vez mais solitário, o presidente Bolsonaro é um homem atormentado, conforme depoimento de pessoas que estiveram com ele recentemente. Alguns relatos falam em choros súbitos, e não seria estranho, pois há meses o presidente, ele próprio, já declarou que chora durante a noite.

Reclama dos ministros, acha que a imprensa elogia Mandetta, ou Moro, ou Guedes para diminuí-lo, como se ter escolhido bons ministros não fosse uma qualidade sua. Parece sentir não estar à altura do momento. Mas, apesar do comportamento errático que frequentemente espanta ministros e assessores palacianos, Bolsonaro consegue manter um apoio na classe militar, na qual desde o começo baseou seu governo.

Militares influentes, mesmo discordando de muitas atitudes, levam em conta sua reclamação de que o Congresso e a imprensa não o deixam trabalhar, emperram suas decisões com críticas exageradas e posições radicalizadas, como se ele não fosse o primeiro a radicalizar.

Ricardo Noblat - Bem-aventurados os puros de coração que acreditam em Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

O chefe dos salva-vidas derrete ao sol

Por que acreditar que desta vez a ficha do presidente Jair Bolsonaro começou de fato a cair? E o que isso significa? Que ele mudará seu comportamento? Que a loucura dará lugar à sensatez? Que o líder desagregador será substituído como por encanto pelo líder capaz de unir o país pelo menos no momento da desgraça?

Está para se ver se será assim como desejam os que torcem por ele, mas também pelos que aspiram um momento de trégua à medida que a tormenta, o desespero e a dor das perdas se aproximam. Bem-aventurados os puros de coração porque deles será o reino dos céus. Bem-aventurados os que têm esperança.

A mais recente fala do trono de um homem que não nasceu para ser presidente como ele mesmo disse, que não ambicionou o cargo durante 28 anos como obscuro deputado federal que era, e que só foi à luta por ele para ajudar as carreiras dos filhos e se aposentar em seguida, vale ser examinada pelo que não conteve.

Temia-se que Bolsonaro aproveitasse a data para exaltar o golpe militar de 64 que aniversariava – ele preferiu deixar para fazê-lo em mensagem no Facebook. Nela, escreveu que não houve golpe, uma vez que o primeiro general ditador foi eleito pelo Congresso. Esqueceu-se de dizer que por um Congresso emasculado.

Míriam Leitão - Pela economia, é melhor parar

- O Globo

Economista do Banco Mundial especializado em saúde explica por que é necessário parar a economia para reduzir o impacto da recessão

Não há dilema entre economia e combate à pandemia. É o oposto. A economia reduz a atividade e tenta parar exatamente para evitar a recessão maior. O economista André Medici, do Banco Mundial, especializado em saúde, diz isso com números. A economia mundial pode encolher 4,9% no primeiro semestre, mas se recuperar no segundo e terminar o ano com queda de 1,5%. Se relaxar o isolamento, há mais risco de uma ressurgência do vírus e então o tombo do PIB global será de 4,7%.

Ele elaborou os dados com base nos cenários da McKinsey e Oxford Economic Analysis para este ano. O que vai acontecer segundo essas grandes consultorias é a economia ter um baque forte no primeiro semestre. O que elas dizem é que se houver um isolamento total - das atividades não essenciais, evidentemente - o custo econômico será menor.

– A China terá uma queda de 3,3% no primeiro semestre, mas termina o ano com um ligeiro negativo de 0,4%. Os Estados Unidos caem 8% no primeiro semestre, mas a retomada do segundo semestre permitirá reduzir essa recessão para 2,4%. A zona do euro sofre mais. Deve cair 9,5% no primeiro semestre e depois reduzir essa queda para 4,4% – diz o economista.

Bernardo Mello Franco - Um engavetador na defesa do capitão

- O Globo

Na pandemia, o procurador Augusto Aras insiste em blindar Bolsonaro. Ele já engavetou duas representações contra a atuação temerária do presidente

O procurador Augusto Aras diz que é “extremamente injusto” chamá-lo de omisso. Impossível discordar. De acordo com os dicionários, omisso é quem não age e não se manifesta. Aras faz as duas coisas, mas sempre em defesa do governo.

Prestes a completar seis meses no cargo, o procurador tem se empenhado para blindar Jair Bolsonaro no Supremo. Sua atuação lembra o inesquecível Geraldo Brindeiro, que ganhou o apelido de engavetador-geral da República na era FH.

Em entrevista ao GLOBO, Aras fez malabarismo para não melindrar quem o indicou. Questionado sobre o “corona tour” em plena pandemia, disse que a mobilidade “está no campo de uma certa vontade de cada um”. “O presidente tem a sua forma de pensar e não me cabe criticá-lo”, desconversou.

Na semana passada, o chefe do Ministério Público Federal arquivou duas representações de colegas contra os desmandos do capitão. Os procuradores queriam que Aras pressionasse o presidente a respeitar as autoridades sanitárias na pandemia do coronavírus.

Zuenir Ventura - Mas ele tem método

- O Globo

Presidente só pensa na reeleição

No domingo, o presidente parece que surtou. Foi para a rua cometer desatinos. Fez tudo o que a Organização Mundial da Saúde e o seu próprio governo exigiam não fazer. No passeio-comício que realizou por cidades-satélites de Brasília, promoveu aglomerações, desrespeitou a quarentena, não manteve distância entre as pessoas, teve contatos físicos até com crianças e não lavou as mãos nem usou álcool em gel. E disse coisas assim: “Devemos enfrentar o vírus como homem, porra, não como um moleque”. Diante disso, o Twitter, Facebook e Instagram retiraram os posts por violarem as regras das redes sociais.

Na segunda-feira, Bolsonaro deixou claro, porém, que tem método. Só pensa naquilo, na reeleição, e está pouco ligando para a divergência conceitual — se o isolamento deve ser horizontal ou vertical. O que irritava o seu ego era o protagonismo que o ministro Luiz Henrique Mandetta adquiriu com suas entrevistas diárias, que faziam muito sucesso, apesar de uma permanente preocupação de agradar ao chefe, que nem assim estava satisfeito. As informações de bastidores dão conta de que ele desabafou com amigos que estava de “saco cheio do Mandetta”. Mas como demitir o ministro acirraria a crise, a solução seria enquadrá-lo.

Luciano Huck* - A cura

-Folha de S. Paulo

Vida nas favelas: não é possível que continue assim

Até os sete anos, Carlos Jorge passava as tardes acorrentado ao pé da cama. Nada de circular pelas vielas da Quadra 12, favela localizada em Vergel do Lago, na periferia de Maceió (AL). Pela manhã frequentava a escola pública da favela. No contraturno, sua única companhia era o mesmo cadeado.

Este calvário durou até a mãe se enroscar com um novo companheiro. E o que parecia impossível aconteceu: tudo piorou. Surras diárias com abusos frequentes. Aos 17 anos, perdeu seu primeiro emprego e driblou amigos que praticavam pequenos furtos. Com os trocados da rescisão, decidiu mudar o mundo para melhor. Acolhido por uma vizinha com nome de santa, Maria Madalena, o menino, agora adolescente, iniciou sua marcha em busca da nova missão.

Eram 11h e eu caminhava pela Favela do Mundaú com Carlos Jorge, 15 anos depois da sua decisão de mudar o mundo. E estava inconformado com tudo o que via.

A Covid-19 ensaiava os primeiros passos para além do território chinês. Meus pensamentos não se conectavam com a doença, que parecia distante. A realidade imediata era mais grave. Meu único registro de algo semelhante remetia à visita que fiz anos antes à Cité Soleil, a maior favela de Porto Príncipe, capital do Haiti. Na época, saí de lá convencido de que a humanidade não havia dado certo. Como era possível pessoas viverem naquela condição a meros 40 minutos de voo da Flórida?

Aquele gosto amargo ameaçava se repetir, mas dessa vez no Brasil, em casa. Pelo menos ali havia Carlos Jorge, que virou uma potência. Hoje lidera a ONG Manda Ver, que atende centenas de crianças, jovens e adultos. Em parceria com a escola pública do bairro, conseguiu quadruplicar o número de alunos matriculados. E só não faz mais, por que lhe faltam recursos.

As favelas na região do Vergel do Lago —Mundaú, Sururu de Capote, Torre, Peixe e Muvuca— deveriam ser visitadas por todos, principalmente pela elite inerte deste país.

A maior parte da comunidade vive da cadeia produtiva do sururu, um tipo de marisco. Trabalho duro, que rende míseros R$ 0,50 por quilo.

Deixei a Favela do Mundaú com a cabeça fervendo. Ninguém pode se sentir rico no Brasil enquanto houver tanta pobreza por aí.

Poucas semanas se passaram desde a minha visita, e agora o Brasil se curva frente à pandemia. Os 7.000 cidadãos das favelas de Vergel do Lago já estão sem renda.

Hélio Schwartsman - O pior cenário

- Folha de S. Paulo

Um cenário epidemiológico mais assustador pode afetar a magnitude da epidemia

Quanta gente vai morrer na pandemia de Covid-19? A pergunta é, por ora, irrespondível, embora não faltem modelos epidemiológicos que tentam oferecer às autoridades sanitárias uma base minimamente racional para a tomada de decisões.

Os cenários traçados nessas simulações vão desde os verdadeiramente lúgubres, que preveem, na pior hipótese, 40,6 milhões de óbitos globais (Imperial College), aos mais róseos, nos quais menos de um de cada mil infectados fica doente o bastante para precisar de tratamento médico (Oxford).

Bruno Boghossian - Bolsonaro sentiu o baque

- Folha de S. Paulo

Quem dizia só lamentar a morte de milhares de brasileiros finge agora alguma preocupação

Jair Bolsonaro sentiu o baque. Por semanas, o presidente desprezou os alertas de autoridades internacionais sobre a gravidade do coronavírus. Agora, ele busca uma correção de rumo forçada, com direito a falsificação das avaliações técnicas desses mesmos personagens.

O presidente abandonou os diminutivos "resfriadinho" e "gripezinha" em seu pronunciamento desta terça (31). Depois de conduzir a crise com uma estratégia cruel e insensata, Bolsonaro percebeu que a catástrofe na saúde pública poderia esfarelar a popularidade de seu governo.

O homem que dizia apenas lamentar a morte de milhares de brasileiros resolveu fingir alguma preocupação com a saúde da população. Ensaiou um lance de empatia com os espectadores, afirmou já ter perdido entes queridos e emendou: "Sei o quanto isso é doloroso".

Elio Gaspari - A lição do SUS para o mundo

- Folha de S. Paulo / O Globo

Capotou o Brasil Paraíso dos grandes grupos de medicina privada

Em agosto passado, numa entrevista à repórter Érica Fraga, o professor José Pastore avisou: “Nosso mercado de seguros e previdência ainda não despertou para o fato de que 50% da população economicamente ativa está na informalidade”. Com que proteção? “Nada, zero. Nem proteção trabalhista, nem CLT, nem previdência, nem seguro-saúde, nada.”

Ele foi adiante: “No novo mundo do trabalho, você tem três enfermeiras num mesmo hospital. Uma é fixa, outra é terceirizada e a outra, freelancer. Fazem a mesma coisa, mas têm remuneração e benefícios diferentes. Isso é um escândalo para o direito do trabalho convencional”.

Tristemente, esse Brasil Fantasia explodiu com a epidemia da Covid-19. Capotou a economia que estava a “um milímetro do paraíso” (palavras de Paulo Guedes) com 38 milhões de brasileiros na informalidade. Capotou também o Brasil Paraíso dos grandes grupos de medicina privada. A conta da Covid-19 está nas costas do SUS, o patinho feio da medicina nacional.

Alguém poderia supor que num país desigual a desigualdade seria desigualmente repartida. Ilusão.

Ruy Castro* - Bolsonaro Jones

- Folha de S. Paulo

Em busca do recorde de Jim Jones na categoria holocausto particular

Em novembro de 1978, um americano, James Warren Jones, 47 anos, "reverendo" da seita Templo do Povo, fundada por ele mesmo, induziu seus 909 seguidores numa comunidade agrícola chamada Jonestown, na Guiana, a cometer suicídio em massa, tomando suco de frutas (sabor uva) misturado com cianeto. Os primeiros a morrer foram as 276 crianças do local, envenenadas pelos pais. Em seguida, estes se deitaram e tomaram a beberagem fatal. Ato contínuo, Jim Jones, como passou à história, se matou com uma bala na cabeça.

Seu argumento para convencer os fiéis a morrer foi uma ameaça de invasão da comunidade por um suposto inimigo, nunca devidamente definido, que os escravizaria e submeteria a lavagem cerebral. O conteúdo das pregações de Jones era confuso e envolvia marxismo, budismo e metodismo, tudo embrulhado em roupagem messiânica ao estilo de Stalin ou Hitler. Não por acaso, sua mãe, quando ele nasceu, em 1931, na rural e atrasada Indiana, dizia ter dado à luz um "messias". Jones também devia se ver assim, porque parecia acreditar no que dizia. O fato é que nenhum outro líder carismático levou tantos seguidores —quase mil, de uma só vez e a uma simples ordem— tão cegamente à morte. Até agora.

Igor Gielow - Bolsonaro ponderado que recuou na TV pode ter chegado tarde à crise

- Folha de S. Paulo

Tutela militar sobre o pronunciamento do presidente é evidente até na escolha de frase de efeito

Nem parecia Jair Bolsonaro. O presidente que surgiu no pronunciamento em rede nacional na noite desta terça (31) adotou um tom mais tranquilo, ponderado e sem grandes malabarismos retóricos.

Parece tudo sob medida para servir de vacina contra os murmúrios de crime de responsabilidade em torno de sua condução na crise do novo coronavírus, mas talvez o presidente tenha demorado demais.

Seja como for, depois de falar em "gripezinha" e de supor que seu "histórico de atleta" o tornaria quase imune aos efeitos da Covid-19, como disse no apoplético pronunciamento da terça-feira passada (24), Bolsonaro agora sacou o "maior desafio da nossa geração" para definir a pandemia instalada entre nós.

O termo não saiu do nada. Ele foi tirado da fala do comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que em mensagem gravada na semana passada falou em "maior missão de nossa geração", e trai a origem da inspiração do novo posicionamento do presidente.

Se os militares, sejam da ativa ou da ala abrigada no Palácio do Planalto e em outros prédios da Esplanada dos Ministérios, concordam de forma geral que há riscos de instabilidade social associados à crise econômica que quase certamente se agravará com a Covid-19, ninguém estava satisfeito com a posição de Bolsonaro até aqui.

A gota d´água foi a visita do presidente a comerciantes em área popular do Distrito Federal no domingo (29), um dia depois de ouvir do ministro da Saúde, o engolidor de sapos Luiz Henrique Mandetta, que o isolamento parcial defendido por Bolsonaro "por princípio" não era exequível, nem recomendável.

Vinicius Torres Freire - Governo federal está lento diz Meirelles

- Folha de S. Paulo

Ideias vão na linha correta, mas falta levá-las à prática, diz ex-ministro e secretário paulista

Nos últimos dias, o governo de São Paulo tem ouvido clientes de bancos reclamarem de juros em alta e da redução da oferta de crédito —da dificuldade crescente de conseguir empréstimos a taxas e prazos suportáveis, enfim.

O governador do estado, João Doria, e seu secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, conversaram com os bancos a respeito, segundo o próprio Meirelles, ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do Banco Central e ex-banqueiro.

O que os bancos disseram? Meirelles não se estende sobre o assunto. Em resumo, disseram um “não é bem assim”.

“Levamos a preocupação, as queixas sobre cortes de linha de crédito etc. Não temos os dados, claro. O Banco Central tem, em tempo real, pode saber o spread, a oferta de crédito. Mas deve haver uma contração de crédito com uma crise deste tamanho”, diz Meirelles.

Vera Magalhães - 31 de março/1º de abril

- O Estado de S.Paulo

País tem pior dia da pandemia entre apologia ao arbítrio e o império da mentira

Este texto é escrito no aniversário do golpe militar de 1964, e será lido no Dia da Mentira. Essa mudança no calendário ocorre no momento em que vivemos o agravamento da pandemia do novo coronavírus submetidos, de um lado, à apologia do arbítrio e, de outro, ao império da mentira como política de Estado.

Eis por que o País passou o dia prendendo o fôlego já curto, imaginando se o pronunciamento de rádio e TV de Jair Bolsonaro seria para espalhar fake news sobre a pandemia e mandar as pessoas saírem às ruas ou para louvar a ditadura. Ou ambas as coisas.

Mas o que se viu e ouviu foi um presidente assustado recuar de todas as bravatas recentes e fazer apenas menção à ajuda das Forças Armadas no combate à pandemia, sem revisionismo histórico.

Bolsonaro pela primeira vez colocou a defesa da vida à frente da dos empregos. Procurou mostrar empatia sincera enquanto lia um teleprompter com expressão e olhos contraídos.

O suspense que antecedeu o pronunciamento era extensivo a ministros, que não sabiam qual seria o tom da fala. Não por acaso. O presidente começou o aniversário do golpe na toada do confronto e da mentira: reuniu sua claque de blogueiros e youtubers fanáticos para interromper e hostilizar os jornalistas na frente do Palácio da Alvorada. Desta vez, no entanto, a imprensa virou as costas e foi embora. Deixou o presidente nu: solitário e cercado de acólitos, o que tem sido a marca de seu governo em 2020.

Rosângela Bittar - Quarentena de votos

- O Estado de S.Paulo

Há uma ciência que Jair Bolsonaro ouve: a da análise das pesquisas de opinião

Jair Bolsonaro nutre profunda descrença pela ciência. Ou, talvez, não faça a mais pálida ideia do que seja. Como, por sinal, demonstrou na formação do governo, ao chamar um astronauta para conduzi-la, refletindo, com isso, sua visão sobre a órbita da pesquisa e da inovação no Brasil.

Mas há uma ciência a que dá ouvidos: a da análise aritmética das pesquisas de opinião. Entre estas e o avassalador ciclo da pandemia que assombra o mundo, sua opção foi ignorar urbi et orbi, até relevar os pitos que tomou das autoridades mundiais, para escolher o que lhe interessa de verdade, a campanha da reeleição.

A rota de fim do mundo que a covid-19 sugere não é problema para o presidente. Bolsonaro, à vontade como um médico que não é, até receitou remédio, de eficácia duvidosa e efeito colateral certeiro, desafiando a doença. Também pediu conformismo diante das estatísticas da morte, já que, na sua lógica displicente, todos morreremos um dia. Limitou a estas suas considerações.

Fábio Alves - Voo cego na Bolsa

- O Estado de S. Paulo

O mercado só terá noção precisa do estrago causado pelo coronavírus em julho

Em reação ao tombo da Bolsa e ao temor crescente de uma recessão na economia brasileira, vários analistas já começaram a revisar fortemente para baixo suas projeções para o Ibovespa no fim deste ano, seguindo o que os economistas vêm fazendo em relação à estimativa de PIB em 2020, mas a verdade é que o mercado está ainda completamente no escuro sobre o tamanho do estrago que a pandemia do coronavírus causará à atividade econômica e, por tabela, aos lucros das empresas.

Os estrategistas do Bank of America Merrill Lynch, por exemplo, reduziram a projeção para o Ibovespa ao fim de 2020, de 130 mil pontos para 87 mil pontos. Já o banco Fator passou a estimar o índice a 48 mil pontos. A previsão do PIB em 2020 tem variado entre uma queda de 0,5% até uma contração superior a 4%.

Analistas, economistas e investidores estão num voo cego: sem precedente histórico de uma pandemia que paralisou a economia globalmente de forma súbita e com os indicadores de atividade ainda apontando para uma realidade anterior à crise, as oscilações na Bolsa têm sido brutais, levando o Ibovespa a despencar num dia e disparar no dia seguinte.

Maria Cristina Fernandes - Discurso dá guinada contra isolamento

- Valor Econômico

Presidente dá guinada de 180 graus e abandona o discurso da “histeria e pânico” que marcou o pronunciamento anterior

Numa reação ao isolamento que lhe foi imposto desde o pronunciamento da semana passada, o presidente Jair Bolsonaro girou em 180 graus sua abordagem sobre a pandemia em pronunciamento em rede nacional. 

No pior dia desde o início do enfrentamento do coronavírus no Brasil, quando foram registrados 42 mortos e 1.138 novos casos, o presidente abandonou o discurso da “histeria e pânico” que marcou o pronunciamento anterior. Disse que os efeitos das medidas não podem ser piores do que a doença que visam combater. “Minha preocupação sempre foi a de salvar vidas, tanto aquelas ameaçadas pela pandemia quanto pelo desemprego”.

O presidente voltou a comparar sua abordagem àquela feita pelo diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Bolsonaro citou um trecho do discurso do dirigente da OMS em que ele lembra sua origem pobre para se dizer preocupado com aqueles que precisam trabalhar para ganhar a vida.

Omitiu, no entanto, que este trecho foi precedido pela ponderação de Ghebreyesus de que os governos, ao adotarem medidas para restringir a circulação, devem garantir apoio às pessoas que perderam renda e aos mais velhos e vulneráveis.

Cristiano Romero* - E assim caminha a humanidade

- Valor Econômico

Civilização vive pendor para o totalitarismo que parecia adormecido

Cientistas nunca chegaram a um acordo para definir se um vírus é ou não um ser vivo. Eles carregam material genético, mas não têm célula como as bactérias, por isso, dependem das células de um ser vivo para se reproduzir e, dessa forma, viver. Viver? Mas, como, se não são seres vivos? Parasitas obrigatórios, sua missão é odiosa. Eles infiltram seu código genético em células dos hospedeiros, mudam a programação original, fazendo com que as células produzam vírus até explodir. O plano é diabólico: a explosão não é um ato suicida; ela libera milhões, bilhões de partículas, prontas para infectar outros corpos.

Volta e meia brotam da natureza vírus com grande capacidade de assombrar a humanidade. Nossos avós fizeram relatos terríveis sobre a gripe “espanhola” teria infectado, entre 1918 e 1920, um quarto da população mundial na época (2 bilhões) e matado pelo menos 17 milhões de pessoas - os números da tragédia são muito díspares; há dados sustentando a morte de 50 milhões e até de 100 milhões de pessoas.

Os vírus são específicos para cada hospedeiro. O novo coronavírus covid-19 apareceu para infectar seres humanos. Chama-se covid-19 porque foi descoberto pelos chineses em 2019, aliás, no derradeiro dia do ano. Isso é assustador porque, em menos de três meses, o novo coronavírus chegou aos quatro cantos do planeta, a todos os Estados de três (China, Estados Unidos e Brasil) dos cinco maiores países.

Fernando Exman* - Oportunidade para a política tradicional

- Valor Econômico

Congresso e Estados constroem saídas para a crise

A política, tão difamada pelo presidente Jair Bolsonaro, tem a grande oportunidade de refazer sua imagem perante a população. Diante da demora do Executivo em adotar as medidas necessárias para combater os efeitos socioeconômicos da pandemia provocada pelo novo coronavírus, foi a política quem tirou o Estado da inércia.

Parlamentares e governadores tomaram a dianteira na construção de saídas para a crise, enquanto o poder central claudicava, mostrando a importância do sistema de pesos e contrapesos em uma República. O risco que se coloca, porém, é o governo Bolsonaro também ajudar a reabilitar os aspectos mais nefastos da chamada política tradicional.

Os primeiros casos de covid-19 surgiram na China no fim do ano passado, mas neste primeiro momento apenas as autoridades de saúde entraram em alerta. Aos poucos, mais áreas do governo passaram a monitorar o avanço da doença. A cúpula do Executivo só caiu em si quando a Itália sucumbiu.

Diante da insistência do presidente da República em relativizar o problema, os congressistas demandaram que Bolsonaro assumisse o protagonismo que o sistema presidencialista pressupõe. Ele atendeu o pleito, mas não exatamente como queriam os parlamentares. Como de costume, preferiu partir para o ataque contra o próprio Congresso e os governadores que adotaram medidas mais restritivas para tentar conter o avanço do vírus.

A cúpula do Congresso e os partidos políticos decidiram, então, não ficar apenas aguardando. Optaram por adiar temporariamente a agenda de reformas que eles mesmos haviam construído e montar uma pauta emergencial. A iniciativa uniu partidos de esquerda, de centro e de direita, os mais intervencionistas e os mais ortodoxos: concluiu-se que será preciso usar todo o instrumental disponível para salvar empresas, manter empregos e preservar vidas.

Tiago Cavalcanti* - Desafios de uma pandemia

- Valor Econômico

O que falta é uma estratégia clara da Presidência da República. A ausência de ações é a pior política

A revista americana Wired lançou em 2002 um programa de apostas de longo prazo (“long bets”) entre influentes cientistas. A ideia dessas apostas era tentar prever futuros avanços na ciência, tecnologia e mudanças na humanidade que poderiam ocorrer nas décadas seguintes.

O astrônomo Martin Rees, fundador do Centro de Riscos Existenciais da Humanidade da Universidade de Cambridge, apostou que, entre 2002 e 2020, uma pandemia, causada por bio-terror ou não, levaria à morte milhares de pessoas. Não há dúvidas que Martin Rees, humanista, preferiria perder essa aposta. Contudo, o mundo cada vez mais interconectado facilita o contágio global de algum vírus que o ser humano ainda não tem imunidade.

O planeta inteiro está em estado de pânico pela pandemia chamada de Coronavírus ou covid-19. Até o dia de hoje, já há registros de mais de 800 mil casos de coronavírus em 200 países. O número de infectados é bem superior já que a maioria das pessoas não é testada. O número de mortes está acima de 40 mil pessoas.

Apesar da atual pandemia ser a crise de saúde e (talvez a) econômica mais importante da geração que nasceu após a Segunda Guerra Mundial, é importante lembrar que a história humana tem sido marcada por ciclos de epidemias. Em geral, são ataques naturais que atingem todos os espaços geográficos e setores da sociedade. No entanto, cientistas cada vez mais tem alertado para um possível terror biológico.

Há registros de epidemias com potencial de dizimar uma fração importante da população desde o declínio do período Neolítico, por volta de 3000 AC. Como, por exemplo, a “Praga de Atenas” entre 430 e 426 AC, quando 30% da população ateniense pereceu por um surto de varíola; ou a “Praga de Cipriano”, epidemia de sarampo e varíola, entre os anos 249 e 262 da era Cristã, que devastou o Império Romano.

Vinicius Carvalho* Coronavírus e a ‘irrevogável’ lei da oferta e da procura

- Valor Econômico

Excesso de mercado pode gerar efeitos severos sobre o tecido social. Nessa hora, o Estado tem de ser melhor e não pior que o mercado

Recentemente, o “The New York Times” divulgou matéria tratando de tema que vem recebendo atenção também no Brasil: a venda de produtos de higiene em tempos de coronavírus. Alguns países, como os Estados Unidos, divulgaram medidas de acompanhamento e punição por aumento de preços de materiais como álcool-gel, luvas e máscaras. Com receio de sanções, plataformas como Amazon e Bay passaram a desativar contas de ofertantes que estavam praticando preços maiores que em períodos anteriores. O primeiro movimento do tipo foi visto no Brasil quando a OAB/CE solicitou que o governo federal congele os preços de produtos.

Medidas assim parecem uma solução fácil, mas na verdade não mitigam e muitas vezes até agravam o problema. Em uma economia de mercado, o padrão utilizado para lidar com a alocação de um bem escasso é o preço. O critério é simples: adquire o bem quem estiver disposto a pagar mais. Evidentemente, em uma crise de saúde de tamanhas proporções, esse critério parece - e muitas vezes é - perverso. Mas simplesmente congelar os preços ou impedir vendas não elimina o problema original: há mais demanda do que oferta.

Há sérias dúvidas, portanto, se cortar fornecedores e congelar preços é o caminho. O mesmo vale para o confisco de produtos, já observado em alguns Estados. Tais medidas podem inclusive piorar a crise. Nos casos de interrupção de fornecedores e confisco, o problema é óbvio: a oferta do produto diminui ainda mais. Eliminar completamente o mecanismo de oferta e demanda não tem se mostrado eficiente.

O resultado das medidas adotadas no caso Amazon foi indesejado: o vendedor tem uma demanda reprimida e grande quantidade de produto disponível, mas é impedido de vender o material. Já o congelamento, para além de não endereçar o problema da oferta escassa, pode também piorá-lo.

É que o mecanismo de oferta e demanda opera de forma que, se a procura por um determinado produto aumenta, aumenta também o incentivo para que ele seja fabricado. Boa parte desse incentivo para aumento de produção passa por uma fase inicial de escassez, em que o valor do produto na prateleira sobe. Se os preços são congelados, o mecanismo pode falhar, afinal o produtor não verifica o benefício em aumentar a oferta ao mercado.

Martin Wolf* - Tragédia de duas superpotências falhas

- Valor Econômico

Qualquer ordem mundial depende da cooperação entre os Estados mais fortes

A história se acelera em crises. Esta pandemia pode não transformar o mundo por si só, mas pode acelerar mudanças que já estavam em andamento. Uma delas é a relação entre China, a superpotência ainda em formação, e os Estados Unidos, a atual superpotência. Ser uma superpotência não é apenas uma questão de força bruta, mas também de ser visto como um líder competente e decente. Depois das vitórias na Segunda Guerra Mundial e na Guerra Fria, os EUA eram um líder desse tipo. A China, apesar da força econômica cada vez maior, não. Mas os tempos mudam. O coronavírus pode acelerar o processo.

Kishore Mahbubani, um ex-diplomata de Cingapura, escreveu um livro marcadamente provocador sobre a luta pela primazia entre as duas superpotências sob o provocador título “Has the West Lost It?: A Provocation” (algo como, “O Ocidente Perdeu?: Uma Provocação”, em inglês). A resposta, sugere ele, é “ainda não”. Mas poderá. Isso não apenas pelo seu tamanho, mas também pelos erros americanos, incluindo suas falsas percepções sobre a realidade chinesa. Talvez, a conclusão mais importante a extrair de sua análise é que a influência mundial deriva das próprias escolhas.

China e EUA cometeram, ambos, grandes erros. Mas o fracasso dos EUA em criar uma prosperidade compartilhada em casa e sua belicosidade no exterior estão se mostrando impeditivos. A deplorável presidência de um incompetente maléfico é um dos resultados disso.

Agora, veio o vírus, um evento não considerado no livro. A pandemia direciona os duros holofotes sobre a competência e a decência das superpotências. Faz o mesmo sobre a solidariedade (ou sua ausência) da União Europeia, a efetividade dos Estados, a vulnerabilidade das finanças e a capacidade de cooperação mundial. Em tudo isso, o desempenho dos EUA e da China é de suprema importância. Então, o que sabemos?

O que a mídia pensa - Editoriais

Luta contra covid-19 segue, sem e apesar de Bolsonaro – Editorial | Valor Econômico

Bolsonaro projetou-se, em um mundo que tinha até ontem mais de 41 mil mortos, como um dos líderes mais irresponsáveis do planeta

O presidente Jair Bolsonaro não foi infectado pelo coronavírus, mas o comportamento de parlamentares, governadores e ministros é o de como se ele tivesse sido - um prudente afastamento. O presidente está sendo isolado e em breve estará falando sozinho nos corredores do poder, à espera de que sua turma nas redes sociais ainda o escute com atenção.

O afastamento, como no caso do coronavírus, é uma estratégia de defesa. O ministro da Saúde, Luiz Mandetta, segue em frente com a única estratégia sensata e científica disponível para o país - que não possui insumos suficientes para testes em massa.

O ministro Paulo Guedes acordou para a necessidade de criar uma rede de proteção social à altura da devastação econômica que a covid-19 provocará e o Congresso acelerou e aperfeiçoou as medidas que estão prestes a ser executadas. Diques de defesa na saúde e na economia estão sendo levantados em uma união de esforços. Só o presidente da República age como se tudo isso fosse bobagem.

Música | Alceu Valença - Na primeira manhã

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Infância (Vídeo)

terça-feira, 31 de março de 2020

Opinião do dia - Kathryn Sikkink*

Para que uma economia funcione bem temos de proteger nossa população. Como podemos pensar numa economia que avance se nossa população está em risco? Como podemos colocar a economia acima da saúde se sem saúde não há economia?

Não sabemos exatamente como tudo isso vai nos marcar, mas não podemos minimizar esta ameaça. Se um Estado não cumpre suas obrigações, não respeita o direito de seus cidadãos, outros grupos farão a mesma coisa. As pessoas ficam desorientadas.

Como no Brasil, nos EUA alguns estados atuaram mais rápido do que o governo federal. Me surpreende a atitude do presidente brasileiro, nem Trump nega mais a gravidade da pandemia.

*Kathryn Sikkink, professora do departamento de Políticas de Direitos Humanos da Harvard Kennedy School, dos Estados Unidos. O Globo, 30/3/2020

Míriam Leitão - Fim de um mito da ditadura

- O Globo

Dois estudiosos derrubam o mito do milagre econômico da ditadura: foi estagnação ou recessão para 70% dos trabalhadores

Um estudo inédito desmonta o maior argumento econômico da ditadura de 1964: o de que houve um milagre. Não houve. Dois grandes estudiosos mostram que 82% do crescimento da renda dos salários, nos primeiros anos do chamado “milagre”, foi apropriado pelos 10% mais ricos. O estudo chega no momento exato dos arremedos autoritários do presidente Bolsonaro exibidos no meio de uma pandemia. Ele se comporta como se tivesse poderes ilimitados. Na democracia não tem, felizmente. É bom que se desmonte mais um mito da ditadura: o de que ela foi boa na economia durante os anos em que houve crescimento do PIB.

Crescimento para quem? Foi isso que se perguntaram os economistas Marcelo Medeiros, professor visitante da Princeton University, e Rogério Barbosa, pós-doutorando da Universidade de São Paulo. A nota técnica a que esta coluna teve acesso com exclusividade desmonta todo o mérito econômico da ditadura. “Nossa principal conclusão até o momento é de que o crescimento de 1960 a 1970 foi altamente pró-ricos, com grandes parcelas da população tendo perdas ou permanecendo praticamente estagnadas.”

Os militares insistiram ontem em reescrever a história. A ordem do dia elogia a ditadura militar e repete o delirante argumento de que os militares defendiam a democracia quando a golpearam. É cansativo, 56 anos depois, ver as Forças Armadas se prestando a esse papel.

Ricardo Noblat - Uma data para ser lembrada como a do estupro da democracia

- Blog do Noblat | Veja

31 de março de 1964, nunca mais

A ditadura militar de 1964 durou 21 longos anos – parte deles tenebrosos, com a morte e o desaparecimento de 434 pessoas e o envolvimento de 377 outras, direta ou indiretamente, em práticas de tortura e assassinato. A tortura a presos políticos e a eventuais inocentes foi adotada como política de Estado.

A liberdade e o respeito aos direitos humanos foram suprimidos no país por largo tempo. As garantias individuais, também. A Constituição foi rasgada e deu lugar a periódicos atos institucionais, o mais célebre deles o AI-5, que garantiram a continuidade do regime autoritário até ele se desmanchar.

Há dois dias, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, disse que o golpe de 64, que ele não chama de golpe, é um fato que “pertence à História”. Se o reconhecesse como um fato positivo o teria dito com todas as letras, como no passado já disse. Mas seus ex-colegas de farda insistem em exaltar o feito.

Ordem do dia assinada pelo ministro da Defesa e pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica a propósito do 56 anos do golpe completados hoje, confirma que os militares nunca engoliram e talvez jamais venham a engolir o fato de terem rompido com a legalidade e implantado no país uma ditadura.

Merval Pereira - Bolsonarices

- O Globo

A cada bolsonarice que faz, mais eleitores se descolam de seu compromisso eleitoral, como demonstram os panelaços

A tentativa de tirar o protagonismo do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta no combate ao Covid-19 não passa de mais uma bolsonarice, entre muitas que o presidente comete cotidianamente com palavras, gestos e hábitos.

Bolsonarice ainda não existe na língua portuguesa oficial, mas caminha para tornar-se um neologismo similar a tolice, burrice, asnice, todos derivados de substantivos com o sufixo “ice”, que tem em certos casos, como nesses, uma carga pejorativa indelével.

É uma característica da língua portuguesa a criação de palavras como essa, que primeiro dominam o português falado informalmente e acabam, pela frequência do uso, se imiscuindo na língua oficial, sendo reconhecidas pelos dicionários. Talvez, portanto, estejamos vendo o surgimento de uma nova palavra, pela necessidade de classificar as atitudes de um presidente da República colocado no Palácio do Planalto por circunstâncias políticas, como um jabuti em cima de uma árvore.

Boa parte das mãos que o colocaram lá, no caso do nosso jabuti, já não o aparam. A ideia propagada de que representa mais de 57 milhões de eleitores que votaram nele é uma falácia, pois como dizia Tancredo Neves, voto você não tem, você teve.

A cada bolsonarice que faz, mais eleitores se descolam de seu compromisso eleitoral, como demonstram os panelaços diários. Uma característica de sua personalidade é a paranóia, e Mandetta caiu na sua malha fina.

Carlos Andreazza - O ganha-ganha de Bolsonaro

- O Globo

Bolsonaro é parte — grande — do problema; um agente para o agravamento do drama

Vi muita gente boa, não faz tanto tempo, dizer que o perfil de louco rompedor, de irresponsável trombador, era o necessário — finalmente o gatilho — para dar um tranco no Brasil e fazer o país avançar para as reformas liberais de que o Estado precisaria. Nunca acreditei nisso. Reformas estruturais dependem de estabilidade, de um chão de previsibilidade. Condições impossíveis se é — se sempre foi — o próprio presidente da República, de resto um líder sindical da ativa, com histórico golpista, a principal usina de traumas, de cismas.

Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro. Sempre foi. Por três décadas expôs sua natureza no Parlamento, não raro se comportando como um sociopata. Ai está. Ninguém se pode dizer surpreso.

De toda maneira, o tempo — a chance — de reformar o Estado passou. O perfil do presidente, no entanto, continua o mesmo. E não é o de um mero maluco beleza que abriria caminhos ao liberalismo econômico; mas o de um populista autoritário, centralizador, cujo reacionarismo tem por ar a forja artificial de conflitos, e cuja a natureza rompedora, inegável, só abre picadas para desguarnecer progressivamente a democracia liberal. Repito: um golpista em busca da (de fazer a) ocasião. Uma real ameaça em tempos excepcionais.

Aqueles românticos que acreditaram que esse sujeito — alguém que reage, tanto mais se acuado, cindindo e radicalizando — poderia liderar o país num amplo e profundo programa reformista agora decerto são os que creem que esse elemento poderá dirigir os esforços brasileiros de enfrentamento de uma crise mundial sem precedentes. Este sujeito: o que há três semanas — atacando a Justiça Eleitoral —afirmou ter provas (jamais apresentadas) de que a eleição de 2018 fora fraudada.

Chega de ilusão. Bolsonaro é parte — grande — do problema; um agente para o agravamento do drama. Jamais será solução. Dá mostras disso diariamente, como quando ameaça a ordem pública — investindo num choque de desobediências civis — ao aventar um decreto que desmobilizaria trabalhadores da quarentena determinada por governadores e recomendada pelo seu Ministério da Saúde. Choque de desobediências civis — resultando em caos social: uma possível ocasião para o golpista.

José Casado - ‘Vão morrer, ué, lamento’

- O Globo

Governadores têm aprovação até 30 pontos acima do presidente

A sociedade se move. De Manaus a Porto Alegre, incontáveis voluntários, líderes religiosos, comunitários e empresariais multiplicam a coleta de alimentos e de kits de higiene para áreas onde o poder público não alcança, porque delas sempre se manteve distante — salvo nas ações de repressão policial.

São 74 milhões (37%) de brasileiros sem saneamento, parte abrigada em imóveis com mais de três por quarto, e a maioria agrupada em famílias cuja renda oscila no salário mínimo. Estão mais expostos ao vírus.

“Alguns vão morrer? Vão morrer, ué, lamento” — disse Jair Bolsonaro, semana passada, com a naturalidade de quem lava as mãos e o distanciamento, talvez consciente, de possíveis cenas de comboios de caixões, com vítimas da “gripezinha”. A lógica de Bolsonaro é a da campanha pela reeleição mesmo num cenário devastado pelo medo coletivo: “Nós não podemos parar a fábrica de automóveis porque tem 60 mil mortes no trânsito por ano, está certo?”

Bernardo Mello Franco - O Capitão Corona contra o ministro equilibrista

- O Globo

No meio da pandemia, o presidente resolveu torpedear o ministro da Saúde. A razão é simples: Mandetta ganhou luz própria e se recusa a endossar seu discurso populista

Jair Bolsonaro é um chefe inseguro. Perde o controle quando um subordinado não se dobra totalmente à sua vontade. O capitão já fritou e demitiu diversos auxiliares que ousaram contrariá-lo. Agora sua mira está apontada para o ministro da Saúde, Henrique Mandetta.

No meio da pandemia, o presidente resolveu torpedear o principal responsável pelo combate ao vírus. A cruzada tem dois motivos: o ministro ganhou luz própria e se recusa a endossar seu discurso populista contra as medidas de isolamento social.

No domingo, Bolsonaro partiu para a provocação explícita. Numa afronta a Mandetta, deixou o palácio para fazer corpo a corpo nas cidades-satélites. Cumprimentou eleitores, estimulou aglomerações e conclamou o povo a abandonar a quarentena. Tudo na contramão do que o ministro prega diariamente na TV.

Luiz Carlos Azedo - O tsunami

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Mesmo que a pandemia avance, Bolsonaro mantém litígio com governadores, prefeitos e autoridades de saúde, que defendem a permanência de Mandetta”

A epidemia de coronavírus é um tsunami invisível que varre o mundo. No momento, seu epicentro é Nova York, nos Estados Unidos, o que obrigou o presidente Donald Trump a mudar completamente o discurso no domingo, quando pediu para a população ficar em casa até 30 de abril. Trump vinha defendendo o afrouxamento das medidas de isolamento e chegou a declarar no sábado que uma quarentena não seria necessária em Nova York, New Jersey e Connecticut. Mudou de ideia no dia seguinte, quando admitiu que o pico da epidemia será daqui a 15 dias. Já são mais de 2 mil mortos e mais de 100 mil casos confirmados, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, na economia mais poderosa do mundo. O sistema de saúde de Nova York está à beira do colapso.

Ao contrário de Trump, aqui, no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou o domingo para contestar a política de isolamento social e deu um rolé pelo comércio do Sudoeste, de Ceilândia e de Taguatinga, defendendo que as pessoas precisam trabalhar para sobreviver. Depois do périplo, devidamente registrado no Twitter — que apagou duas de suas postagens por colidirem com a orientação das autoridades de saúde pública —, Bolsonaro disse que era preciso enfrentar a situaçao como homem e não como moleque, porque as pessoas um dia vão mesmo morrer. Não se sabe a quem ele se referia, mas o fato é que desautorizou a orientaçao do seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que aumentou as especulações de que ele seria demitido.

Miguel De Almeida* - Um mundo sem bozoloides

- O Globo

São os apps de entrega de comida que no momento alimentam as cidades no claustro forçado pela pandemia

O tear mecanizado levou perto de 120 anos para se espalhar fora do continente europeu. Mesmo assim, foi avassalador seu impacto na sociedade.

Já a internet, incluída dentro da terceira onda industrial, em menos de uma década chegou a todo o planeta. São os apps de entrega de comida que no momento alimentam as cidades como Nova York e São Paulo no claustro forçado pela pandemia da Covid-19. No mundo enclausurado, o e-commerce antecipa as cidades futuristas de Asimov e Heinlein: as máquinas já adivinham nossas necessidades diárias.

Meu herói Ray Kurzweil, no que chamou de Lei dos Retornos Acelerados, prevê que a humanidade irá experimentar dois mil anos de mudança tecnológica nos próximos cem anos. Seria como se (num filme) vivêssemos da invenção da agricultura ao surgimento da internet durante as primeiras horas da manhã.

Alvaro Costa e Silva - Crivella não mergulha no esgoto

- Folha de S. Paulo

Mesmo precisando de Bolsonaro para sua reeleição, prefeito manda o Rio parar

Com o fracasso da Aliança pelo Brasil (partido de extrema direita que não deu liga), a família Bolsonaro pediu abrigo ao Republicanos, feudo do bispo Edir Macedo, dono da Igreja Universal e da Record. Na semana passada, o senador Flávio e o irmão dele, o vereador Carlos, filiaram-se à legenda. De lambugem, Rogéria, ex-mulher do presidente Jair, entrou no esquema, que une mais ainda o bolsonarismo aos mercadores da fé evangélica.

O acordo praticamente sela o apoio de Bolsonaro à reeleição de Marcelo Crivella. Mesmo assim, o prefeito do Rio não mostra coragem de mergulhar no esgoto. Crivella sabe que, se menosprezar a pandemia de coronavírus e se tornar uma ameaça à saúde da população, indo contra todas as recomendações científicas, vai pegar para ele. "Gostaria de reafirmar: por favor, fiquem em casa", tuitou, mantendo as restrições ao comércio.

Hélio Schwartsman - Precisamos ganhar tempo

- Folha de S. Paulo

A cada semana que passa, médicos aprendem mais sobre a doença

A epidemia de Covid-19 exigirá de cada um de nós um enorme esforço pessoal. O objetivo primordial da estratégia de supressão é evitar o colapso da rede hospitalar e, assim, reduzir o número de óbitos por falta de atendimento, um tipo de morte capturável pelas câmeras e que nossas sociedades veem como especialmente perverso. O objetivo secundário é ganhar tempo.

E por que o tempo é importante? Vários motivos. A cada semana que passa, médicos aprendem mais sobre a doença. O tratamento hoje dispensado aos pacientes com complicações já é melhor do que o de quando a Covid-19 apareceu, no final do ano passado.

Também podemos esperar algum progresso na frente das terapias e vacinas. A pesquisa está a todo o vapor em todo o mundo. Imunizantes e fármacos novos devem demorar, mas temos um amplo arsenal de drogas já aprovadas nas prateleiras das farmácias, e é possível e até provável que uma ou uma combinação delas apresente resultados. Mesmo que não venha a cura, uma redução no tempo de internação dos pacientes críticos já traria, no agregado, um bem-vindo alívio no fluxo dos hospitais.

Pablo Ortellado* - O 'vírus chinês'

- Folha de S. Paulo

Teoria da conspiração diz que o coronavírus é arma biológica da China

A postura do governo federal de se contrapor à política de isolamento social preconizada pela ciência e por autoridades sanitárias gera justificada indignação, mas, às vezes, a indignação nos indispõe a entender a motivação dos agentes.

O que o governo Bolsonaro quer, afinal?

Acredito que devemos olhar para o que os círculos bolsonaristas e olavistas estão discutindo para encontrar a resposta. E a resposta que se encontra ali é a do “vírus chinês”.

O vírus chinês é uma teoria da conspiração segundo a qual o coronavírus seria relativamente inócuo, tão grave quanto uma gripe comum. Apesar disso, o partido comunista chinês teria montado um circo e falsificado dados de letalidade, com a intenção de gerar pânico, parar a economia global e dar assim uma vantagem competitiva à economia chinesa, que, à despeito do teatro, seguiria em plena atividade.

Há algumas variantes dessa teoria conspiratória: o vírus teria sido desenvolvido em laboratório como arma biológica; agentes chineses estariam se infiltrando em aglomerações urbanas para espalhar o vírus; empresas chinesas estariam suspendendo o pagamento por produtos já adquiridos para ferir as economias locais.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Inútil e nocivo

- Folha de S. Paulo

Enquanto os adultos trabalham, Bolsonaro se desespera

Ainda não está claro qual o caminho institucional que pode remover a ameaça à saúde pública e institucional da cadeira presidencial. Para impeachment, a popularidade ainda é alta. Para renúncia, é preciso convencê-lo antes. O que não se discute é que, sob qualquer aspecto, o general Mourão seria um líder superior a Bolsonaro para mobilizar os esforços de combate ao coronavírus.

Bolsonaro adoraria fazer como seu modelo inspirador da Hungria, Viktor Orbán, e usar a epidemia para conquistar poderes ditatoriais. Mas quem o apoiaria nessa tomada do poder? Congresso e Forças Armadas jamais aceitarão um autogolpe.

Bolsonaro ataca as instituições sem cessar, mas elas se mantêm firmes e tornam seus ataques impotentes. A imprensa segue noticiando os desmandos do presidente. O Congresso altera a seu bel-prazer os projetos que chegam do governo. O STF barra medidas com potencialidades autoritárias, como a mudança na Lei de Acesso à Informação.

Por todos os lados, Bolsonaro encontra obstáculos. Está acuado. Seu único trunfo restante é a tal “vontade do povo”, cada vez mais restrita a uma parcela fanática do eleitorado.

Andrea Jubé - Senador comprovou: “não é gripezinha”

- Valor Econômico

Senadora Kátia Abreu critica “arroubos” de Bolsonaro

Quando embarcar para Campo Grande no fim de semana, o senador Nelsinho Trad (PSD-MS) terá completado 24 dias longe da esposa, Keilla, e da filha de seis anos, após cumprir a jornada de recuperação da infecção pelo coronavírus.

Ele é um dos recuperados num cenário desolador de 159 mortos e 4.579 brasileiros infectados, segundo dados de ontem do Ministério da Saúde. À coluna, Trad contradisse o presidente Jair Bolsonaro: “Só lhe asseguro uma coisa, isso não é gripezinha, é de arrebentar a boca do balão!”

Médico de formação, e primo-irmão do ministro Luiz Henrique Mandetta - que foi seu secretário de Saúde na Prefeitura de Campo Grande - Nelsinho Trad é defensor incondicional da política de isolamento social e exorta Bolsonaro a seguir as orientações do comandante da Saúde.

“Muita calma nessa hora: problemas na economia surgirão, fazendo ou não o isolamento social, mas será possível reagir a eles no momento adequado”, pondera o senador, considerado um aliado do Palácio do Planalto. “Sou aliado do Brasil”, retifica.