sábado, 11 de julho de 2020

Merval Pereira - Caso exemplar

- O Globo

Sistema de escolha dos ministros do STF pode ser deturpado , assim como o do procurador-geral da República

O habeas-corpus dado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otavio Noronha ao Queiroz, amigo dos Bolsonaro, e à sua mulher, foragida da Justiça, não foi surpresa para ninguém, apesar de ele já ter recusado nada menos que sete habeas-corpus anteriormente para presos que argumentavam com o perigo de se contaminarem com a Covid-19, razão alegada para conceder a graça a Queiroz.

Já era consabido que ele está empenhado em se colocar para o presidente Bolsonaro como alternativa confiável à vaga no Supremo Tribunal Federal que se abre em novembro com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello.

Antes, depois que Noronha derrubou uma decisão que obrigava Bolsonaro a apresentar seus exames médicos, o presidente elogiou Noronha em discurso, dizendo que tinha sido “um amor à primeira vista”.

As freqüentes decisões a favor do presidente, a dos exames acabou derrotada no STF, e o habeas-corpus de Queiroz, que causou incômodo entre seus pares, pode ser derrubada pelo relator Felix Fischer, têm uma razão de ser. João Otávio Noronha fará 65 anos em agosto do ano que vem, idade máxima para ser indicado para o Supremo.

Ricardo Noblat - Se Queiroz foi solto pra evitar o vírus, outros presos também deveriam ser

- Blog do Noblat | Veja

Salvo engano, a lei é para todos

Sabe, a Justiça tem lá suas esquisitices. E os juízes, um elenco sempre renovado de motivos para, com base em leis existentes e levando-se em conta as circunstâncias, justificarem suas decisões por mais contraditórias que possam soar aos ouvidos dos cidadãos. Esses, no mais das vezes, a tudo assistem petrificados.

Antes de conceder habeas corpus a Fabrício Queiroz, parceiro de Flávio Bolsonaro em desvio de dinheiro público, porque na prisão ele correria o risco de contrair o coronavírus, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, pelo mesmo motivo, negou 7 outros pedidos de habeas corpus.

Um deles beneficiaria presos do Ceará que estão no grupo de risco da pandemia. Outro, um homem em São Paulo que teria apontado um canivete a um funcionário de uma padaria e saído do local com um energético que custava R$ 5,25. A polícia não encontrou o canivete. O tal homem não tem antecedentes criminais.

Noronha negou-se também a livrar da cadeia um homem acusado de roubo, outro acusado de receptação, um suspeito de tráfico de drogas, um homem acusado de traficar drogas e outro acusado de estupro. Ora, se Estado tem condições de promover o isolamento de presos do grupo de risco, faltou razão para libertar Queiroz.

A concessão do benefício a Queiroz se deu por meio de uma sentença considerada sigilosa, o que é raro. E o mais bizarro: o benefício alcançou Márcia Aguiar, a mulher de Queiroz, que para escapar da prisão fugiu com a ajuda de milicianos do Rio. Noronha aguarda que ela apareça para cuidar do marido.

Julianna Sofia – Caras de pau

- Folha de S. Paulo

E Márcia, a mulher de Queiroz, está foragida

Márcia Aguiar é beneficiária do maior programa emergencial de transferência de renda que o Brasil experimentou em décadas. Os números são superlativos: 65 milhões de brasileiros atendidos e a injeção de R$ 254 bilhões neste ano para mitigar os efeitos devastadores da pandemia na já abissal desigualdade entre ricos e pobres no país.

Trata-se de um escárnio, no entanto. Márcia está foragida. É mulher de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro envolvido no escândalo das rachadinhas, e recebeu duas parcelas do auxílio de R$ 600.

Não foi a única a refestelar-se. Outros 565 mil brasileiros, pelos cálculos do TCU (Tribunal de Contas da União), receberam indevidamente parcelas do auxílio emergencial. Há na lista mortos, presos, residentes no exterior, servidores aposentados e, como a senhora Queiroz, pessoas com mandados de prisão expedidos pela Justiça.

Hélio Schwartsman - Sem lugar para o ódio

- Folha de S. Paulo

Fundamentei minha inclinação com argumentos racionais

Não sei se captei bem a mensagem do tortuoso artigo do secretário Fábio Wajngarten, mas acho que ele me acusa, entre outras coisas, de fomentar o ódio contra Bolsonaro. Eu obviamente não gosto do presidente, mas não chego a odiá-lo. Acho que a única coisa que odeio neste mundo são bananas (a fruta).

Em várias ocasiões, escrevi colunas em que apoiei propostas polêmicas de Bolsonaro ou critiquei decisões judiciais que, a meu ver, tolhiam-lhe indevidamente os poderes. Mais importante, sempre advoguei por seu direito, e o de seus seguidores, à livre expressão, mesmo que seja para enaltecer o AI-5 e outros terrores.

No mais, mesmo que quisesse eu teria dificuldades para montar um discurso de ódio valendo-me do consequencialismo. Um dos problemas com essa escola de pensamento é que ela produz uma ética de planilha, difícil de adaptar às idiossincrasias humanas —embora sirva bem a vulcanos. É que o consequencialismo despe todas as questões dos conteúdos emocionais que possam ter e as trata como um sistema de inequações a ser resolvido com a frieza da aritmética. Se de um lado temos seis vidas e, do outro, uma, vence inapelavelmente o seis.

Demétrio Magnoli* - A vida e a vida de Jair Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Torcida por sua morte esconde desejo de borrar raízes do extremismo de direita

Sempre leio Hélio Schwartsman, concordando e discordando, porque aprecio a qualidade de seu texto e divirto-me com sua férrea lógica consequencialista. Águias também fazem voos rasantes, mas dessa vez ele passou do ponto: “Por que quero que Bolsonaro morra” (Folha, 8 de agosto) é uma traição a meus princípios e, mais importante, uma dupla traição à filosofia do próprio Schwartsman.

O argumento de que a morte de Bolsonaro por Covid-19 salvaria vidas é uma aplicação restritiva, quase infantil, do consequencialismo. Há mais entre o céu e a terra do que a pandemia. O exame especulativo sobre as implicações de hipotético falecimento presidencial não pode se cingir à ótica exclusivista da epidemiologia.

Bolsonaro enfrenta a encruzilhada decisiva de seu (des)governo. Na base social remanescente da extrema direita, que não é insignificante, sua morte súbita teria o condão de salvá-lo da desmoralização, elevando-o a um pedestal inexpugnável. O falso mito se tornaria, então, Mito.

A consequência mais ampla de sua morte biológica seria sua vida política eterna. Em torno da tumba de um Messias de cartolina, se reuniriam novas gerações de extremistas dispostos a assombrar a democracia brasileira.

João Gabriel de Lima - A irmã alemã da Lei das Fake News

- O Estado de S.Paulo

Se no Brasil a preocupação é com fake news, na Alemanha é com discurso de ódio

Os alemães são referência em cerveja, música clássica e carros de luxo. Recentemente, pularam à frente em outro tema: regulação de plataformas digitais. O mundo democrático observa o caso alemão para ver se existe ali um modelo viável. O Brasil especialmente. Grande parte da “Lei das Fake News” se inspira no texto promulgado em Berlim. É como se o PL 2630 tivesse, a exemplo de Chico Buarque, um irmão alemão.

Para entender a lei alemã, e como ela inspirou a lei brasileira, recomenda-se a leitura do livro “Fake News e Regulação”, de Georges Abboud, Nelson Nery Jr. e Ricardo Campos. Campos é advogado, dá aulas na Universidade Goethe, em Frankfurt, e esteve com vários parlamentares envolvidos na discussão brasileira, de Antonio Anastasia (PSD-MG) a Felipe Rigoni (PSB-ES). Ele é o personagem do mini-podcast da semana.

Segundo Campos, a lei alemã tem dois pilares. As grandes plataformas são obrigadas a criar mecanismos de denúncia e defesa contra ilegalidades, e podem retirar conteúdos do ar – algo que em certa medida já fazem, em temas como pornografia infantil. Agora, no entanto, devem publicar relatórios regulares sobre os critérios de remoção – há uma exigência de transparência. O segundo pilar é a “auto-regulação regulada”: uma instituição, fora do âmbito da Justiça, mas sob supervisão dela, para resolver casos nebulosos.

Adriana Fernandes - Pressão ambiental

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro chegou ao poder prometendo descomplicar o licenciamento ambiental

O Ministério da Economia minimiza os seguidos e crescentes alertas para o risco de a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro se transformar numa ameaça real à retomada mais rápida da economia brasileira depois da pandemia da covid-19.
Paulo Guedes foi o grande ausente da reunião dessa semana do vice-presidente, Hamilton Mourão, com representantes de 10 grandes fundos internacionais que cobram mudanças na política ambiental do governo para seguirem com novos investimentos no País.

A lista de presentes da reunião, divulgada pelo governo, contava com cinco ministros – Braga Netto (Casa Civil), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultura), Fábio Faria (Comunicações) e Ricardo Salles (Meio Ambiente)–, mas sem a participação de nenhum dos secretários especiais que estão na linha de frente do superministério de Guedes.

Salvo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que no início do ano fez o primeiro alerta sobre o temor que os fluxos de dólares para o País sejam afetados pela imagem do Brasil na área ambiental, que participou da reunião e tem adotado uma postura independente em relação ao problema ambiental. Em março passado, Campos Neto incluiu o BC brasileiro na NGFS, a rede de BCs para “ecologizar” o sistema financeiro, lançada na Cúpula de Paris “One Planet” de 2017.

Na direção contrária, o Ministério da Economia tem preferido se afastar do problema ao invés de tomar a dianteira do diálogo com os investidores, o que seria o mais natural em se tratando dos interlocutores envolvidos: o mundo financeiro e empresarial. O argumento tem sido mesmo: o assunto é com Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia criado por Bolsonaro.

Ascânio Seleme - É hora de perdoar o PT

- O Globo

Ódio dirigido ao partido não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante

Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância. Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes. Os que acreditam e sustentam o PT são a maioria do terço de eleitores perenes do partido, não os que foram flagrados nos dois grandes escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas.

Esse agrupamento político, talvez o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional. Passou da hora de os petistas serem reintegrados. Ninguém tem dúvida de que os malfeitos cometidos já foram amplamente punidos. O partido teve um ex-presidente e seu maior líder preso e uma presidente impedida de continuar governando. Outros líderes históricos também foram presos ou afastados definitivamente da política. Hoje, respeitadas as suas idiossincrasias naturais, homens e mulheres de esquerda devem ser convidados a participar da discussão sobre o futuro do país. Têm muito a oferecer e acrescentar.

A gritaria contra a roubalheira já cansou, não porque se queira permitir roubalheiras, mas porque é oportunista politicamente. Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam dúvidas. Mas o PT é maior que isso e, como já foi dito, para ladrões existe a lei. Imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo. Os erros amadurecem as pessoas, as instituições, os partidos políticos. Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é sinônimo de roubo, como o malufismo.

Superada esta instância, que é mais fácil, terá de se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado, quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num ambiente muito mais polarizado como o de hoje.

Daniel Aarão Reis - O choro dos pombos

- O Globo

A derrubada de monumentos foi compreensível

‘É uma campanha impiedosa para acabar com nossa história, apagar nossos valores e doutrinar nossos filhos”. Apoplético e demagógico, o presidente Trump, em momentos recentes, apostrofou os “fascistas de esquerda que tentam profanar nossos monumentos.”

Menos, Trump, menos. O fascismo foi uma invenção — e é um patrimônio — das direitas. Além disso, vossos valores e filhos estão bem defendidos pela força das tradições e do arsenal atômico estadunidense.

Seria razoável recuperar a calma e compreender o que está acontecendo.

O sinal de partida da atual onda contra imagens e estátuas foi dado por manifestantes ingleses em Bristol, que atacaram a estátua do nada venerável Edward Colton, um cruel e infame traficante de escravos. Derrubaram-na do pedestal, arrastaram-na pelas ruas e a jogaram no rio, sem nem indagar se o pobre diabo sabia nadar. A notícia incentivou grupos diversos em várias partes do mundo. De acordo com suas preferências e critérios — ou a arrepio de qualquer critério —, começaram a derrubar, a pichar e a vandalizar mármores e granitos.

Nos Estados Unidos, vários generais e lideranças escravistas foram apeados dos respectivos pedestais. A ira alcançou George Washington e Thomas Jefferson e até mesmo Cristóvão Colombo. Em Londres, quiseram pegar Winston Churchill, protegido — e ocultado — por um tapume de madeira. Em Portugal, sobrou para o padre Antônio Vieira. Na França, Voltaire e Colbert, por motivos bem diferentes, tiveram que se haver com a ira popular.

Trata-se de uma história velha como a Humanidade.

Míriam Leitão - Quando o dinheiro fala é melhor ouvir

- O Globo

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, disse ao “Financial Times” que está comprometida com a busca de uma economia mais verde. “Eu quero explorar todas as avenidas disponíveis para combater as mudanças climáticas, porque, no fim das contas, o dinheiro fala.” O dinheiro falou alto e claro ao Brasil nos últimos dias sobre a necessidade do fim do desmatamento da Amazônia. Na resposta, o vice-presidente Hamilton Mourão teve uma boa atitude, mas repetiu alguns velhos equívocos.

A boa atitude é receber os investidores e os empresários e se comprometer com resultados e até, como disse ontem, adotar metas de redução de desmatamento. Isso, se virar realidade, será uma mudança radical na atitude do governo. Será preciso abandonar teses antiquadas.

Não leva a lugar algum repetir o argumento de que a pressão vem de competidores comerciais do Brasil. Sim, o Brasil é um fenômeno agrícola. Deu saltos de produtividade, desenvolveu novas tecnologias, tem água, terra, conhecimento. Sempre haverá competidores rondando. O problema é por que um país com imensas possibilidades facilita tanto a vida dos competidores como faz o governo Bolsonaro? Segunda dúvida: por que destruir exatamente esse patrimônio que nos dá vantagens competitivas?

Entrevista - Momento atual é como no macarthismo dos anos 1950, afirma historiadora

Para historiadora Joan Scott, EUA sob Trump vive como na era do macarthismo

Por Helena Celestino | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Quando Donald Trump foi eleito, a historiadora Joan Scott começou a sentir-se ansiosa, com medo de ameaça indeterminada, ao acompanhar medidas do novo governo dos EUA. “Era, de alguma maneira, o retorno do que estava reprimido, não só para mim, mas para o país inteiro”, escreve ela em artigo sobre como a direita fez da liberdade de expressão uma arma.

Era como se o macarthismo (1950-1957) tivesse voltado: naquela época, quando ela tinha 10 anos, seu pai, professor orgulhoso do seu trabalho, foi demitido por recusar-se a dizer se era ou não comunista, em nome da defesa da liberdade acadêmica. Passaram-se sete décadas até professores voltarem a entrar na mira da extrema-direita americana. “A expertise do conhecimento está sob ataque”, diz.

Historiadora, professora de Princeton, autora de livros, Joan Scott, de 78 anos, é uma feminista aclamada como uma das criadoras do conceito de gênero.

Valor: A senhora diz, em artigo, que a direita transformou em arma a liberdade de expressão. Como isso vem acontecendo?

Joan Scott: A Primeira Emenda impede punição ao discurso de ódio, mas a definição da liberdade de expressão foi muito ampliada, é sem limite. Se falo sobre a Revolução Francesa ou sobre a teoria de gênero, em um curso, um estudante pode dizer: “Não, acho que a hierarquia entre os sexos foi feita por Deus”. Ele tem o direito, mas se dou uma nota baixa por causa disso, limito o seu direito de livre expressão. Ou seja, a verdade não é mais levada em conta nessa ideia de “free speech”. A liberdade de expressão é boa, mas a Constituição diz que é o Estado que não pode negar esse direito aos cidadãos, é uma relação entre o Estado e os cidadãos. Num curso, isso não pode contar. Sou a autoridade.

Valor: No artigo, a senhora descreve como Trump mirou intelectuais e professores para reduzir a liberdade na academia. Ao fim do governo, o que ocorre com as universidades?

Joan: A expertise do conhecimento está sob ataque. A competência dos professores para ensinar está sob ataque, a ideia é que as salas de aula são instrumentos politizados por professores e alunos. No começo, o descrédito era para as ciências sociais e humanas, para cursos de literatura ou de estudos sobre a mulher. A briga era sobre se esses cursos só expressam a opinião dos professores e não são científicos. Agora, mesmo medicina e biologia são contestados: se os cientistas dizem que a cloroquina não é boa para a saúde, não são levados a sério. Bom, Trump já mandou usar água sanitária contra o coronavírus. Na vida cotidiana, as pessoas que atacam a ciência têm mais legitimidade. As aulas de justiça social, com olhar para as estruturas de discriminação da sociedade, são chamadas de propaganda. São deslegitimadas.

Marcus Pestana - Redes sociais, política e fakenews

O surgimento da Internet e das redes sociais promoveu uma verdadeira revolução na vida econômica, social e política do mundo contemporâneo.

Na política o impacto foi devastador. Muito da crise da democracia representativa clássica se explica pela expansão da Internet e das redes sociais, que limitou o papel intermediador dos partidos políticos, sindicatos e instituições, ao propiciar a comunicação direta e horizontal entre os cidadãos e dar vazão a multiplicidade de interesses presentes na sociedade. A combinação do potencial participativo das redes com as estruturas tradicionais de poder é uma obra em construção, já que as redes sociais podem até derrubar ou eleger governos, mas não são aptas a governar.

O problema é que qualquer inovação pode servir ao bem ou ao mal. Esta semana o Facebook, pressionado por mais de 900 anunciantes que suspenderam suas publicidades, desencadeou uma operação de combate às fakenews e à promoção do ódio em doze países, inclusive no Brasil. Aqui, foram removidos 88 contas, páginas e grupos ligados à base de apoio bolsonarista e ao já tristemente famoso “Gabinete do Ódio”, com dois milhões de seguidores Também foram suspensas 10 contas de WhatsApp ligadas ao PT por disparo maciço de mensagens.

Hoje, tornou-se vital debater como conciliar a liberdade de expressão e proteção à privacidade com o combate à desinformação deliberada através das fakenews e o uso das redes para manipular a opinião pública por instrumentos ilegítimos. Não é trivial construir boas políticas públicas em relação ao tema.

O inferno são os outros – Editorial | O Estado de S. Paulo

Só depende do governo transformar toda a pressão relacionada ao meio ambiente em cooperação, mas isso não deve acontecer

O governo está pressionado por todos os lados pela questão ambiental. Governantes ameaçam bloquear tratados, investidores ameaçam boicotes, empresários pedem medidas urgentes, cientistas denunciam a degradação do bioma, ex-ministros do Meio Ambiente reprovam o desmonte da pasta e manifestantes em todo o mundo acusam o Brasil de se tornar um pária ambiental. O surpreendente é que só depende do governo “virar a chave” e catalisar essa energia em cooperação. Mas, a julgar pela reunião do Conselho da Amazônia com investidores internacionais, isso não acontecerá.

Em coletiva após o encontro, a principal mensagem do líder do Conselho, o vice-presidente Hamilton Mourão, foi que as críticas refletem interesses comerciais e disputas geopolíticas, por causa da força do agronegócio. Há algo de verdade nisso. De fato, interessa aos produtores internacionais boicotar a agropecuária nacional e manter medidas protecionistas; de fato, interessa aos demagogos aliciar eleitores, sobretudo jovens, utilizando o Brasil como bode expiatório. Mas essa é só uma meia-verdade. Os recordes de desmatamento comprovam que as críticas têm fundamento. E mesmo a verdade que há nessas alegações é corrompida quando utilizada para camuflar as omissões do governo.

Agruras da esquerda – Editorial | Folha de S. Paulo

Siglas concorrem com menos prefeitos e sem capitalizar desgaste de Bolsonaro

As eleições municipais deste ano representarão o primeiro encontro dos partidos de esquerda com as urnas depois do tsunami político que, em 2016 e 2018, impôs ao então dominante PT e a seus aliados uma sucessão de derrotas.

Além de saudável, a alternância no poder faz parte do jogo democrático. Nesse sentido, nada haveria de propriamente traumático nos reveses experimentados pelo petismo —fora, claro, o impeachment de Dilma Rousseff e as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva.

Chama a atenção, no entanto, que tais reveses —reflexos de uma onda conservadora que não se limitou ao Brasil— continuem provocando estragos para as forças mais identificadas com a esquerda.

É o que se observa, por exemplo, nas trocas de legenda por parte de prefeitos preocupados com a reeleição ou em fazer o sucessor.

Levantamento realizado pela Folha apontou que, entre 2017 e 2020, PT, PC do B, PDT, PSB e PSOL amargaram baixas no comando das prefeituras do país, de 1.084 para 907.

Enquanto isso, agremiações mais ao centro e à direita, casos de DEM, PSD e PP, registraram aumento, de 1.307 para 1.760, no número de prefeitos em seus quadros.

Manutenção de empregos depende da desoneração – Editorial | O Globo

Veto à prorrogação do prazo do alívio tributário nas folhas de salário reforça efeito da recessão

O veto presidencial à prorrogação até 2021 da desoneração da folha de salários de diversos setores, incluída na MP 936 pelo seu relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), deverá ser derrubado pelo Congresso, prevê o próprio presidente Bolsonaro. A resistência política à supressão desse incentivo à manutenção do emprego se deve ao entendimento lógico de que retirar este alívio numa profunda recessão significa tirar o chão de centenas de milhares de trabalhadores. É grande o risco de os empregadores retomarem as demissões, diante de todas as incertezas que persistirão.

As últimas informações do IBGE sobre o mercado de trabalho, referentes ao trimestre encerrado em maio, indicaram a existência de 12,7 milhões de pessoas sem emprego, uma taxa de 12,9%. Mas o índice ainda não refletia toda a dimensão da crise no mercado de trabalho. O que acontecerá nas próximas pesquisas. Já havia, porém, 5,4 milhões de “desalentados”, aqueles que desistiram de procurar emprego, que, pela metodologia universal usada nesses levantamentos, deixam de ser contabilizados como desempregados. Mas são atores de todo esse drama. Este grupo aumentou 15,3%, e crescerá por certo nos levantamentos posteriores.

Ex-deputado Alfredo Sirkis morre em acidente de carro, em Nova Iguaçu (RJ)

O veículo capotou no Arco Metropolitano; jornalista viajava para Vassouras para visitar a mãe

Felipe Grinberg | O Globo

RIO — O jornalista e ex-deputado federal Alfredo Sirkis morreu nesta sexta-feira, aos 69 anos, em acidente de carro, no Arco Metropolitano, em Nova Iguaçu (RJ). Sirkis estava a caminho do sítio da família, em Morro Azul, em Vassouras. Sirkis foi um dos fundadores do Partido Verde no Brasil, em 1986, e um dos pioneiros na militância ambiental no país.

O acidente ocorreu no início da tarde, próximo ao quilômetro 74. Segundo a Polícia Rodoviária Federal, Sirkis estava sozinho no veículo, um Volkswagem Polo, e seguia em direção à Via Dutra. O carro saiu da pista, colidiu com um poste e capotou. A Polícia Civil fez uma perícia no local para determinar as causas do acidente, que será investigado pela 58ª DP (Posse). Informações preliminares da perícia apontam que Sirkis perdeu a direção do carro.

Filho único, Sirkis viajava para visitar a mãe, Lila, de 96 anos, em isolamento social por causa da pandemia. Segundo amigos, ele costumava fazer o trajeto com frequência. Além disso, ele também iria rever o filho Guilherme, que terminou o mestrado recentemente nos Estados Unidos e está com a avó. O ex-deputado também deixa uma filha, que mora nos EUA.

Muito emocionado ao telefone, o deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) demonstrou toda a sua surpresa pela morte do colega.

— Não quero acreditar nisso. Há três dias estávamos conversando sobre o novo livro dele que ia chegar por esses dias.

O jornalista lançou este mês o livro “Descarbonário”, quase quatro décadas depois do lançamento de “Os carbonários”, livro sobre sua militância estudantil e na luta armada durante a ditadura militar, que lhe rendeu um prêmio Jabuti em 1981.

O prefeito Marcelo Crivella lembrou, em nota, o trabalho de Sirkis "por um Rio mais humano e solidário".

“Alfredo Sirkis era um militante apaixonado por todas as causas que abraçava. Como secretário de Urbanismo e de Meio Ambiente da nossa cidade, sempre trabalhou por um Rio mais humano e solidário. Sua luta mais recente era contra as mudanças climáticas que tanto ameaçam nosso planeta. Tinha ainda muito a contribuir com sua experiência e dedicação. Neste momento de grande dor, peço a Deus que conforte sua família, amigos e admiradores”, disse o prefeito.

O jornalista foi secretário de Meio Ambiente e, depois, de urbanismo, da Prefeitura do Rio no governo do ex-prefeito Cesar Maia, que também lamentou a morte do ambientalista.

“Uma perda enorme. Um quadro de formação múltipla: ambientalista, político, escritor, gestor, nesse momento estava se relançando com novo livro de superação do Carbonário”, disse Cesar Maia.

Como secretário municipal, Sirkis foi responsável pelo replantio de grande área desmatada e pela implementação das ciclovias na cidade do Rio.

Música | Fernanda Takai e Samuel Rosa - Pra curar essa dor

Poesia | Vinícius de Moraes - A Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida.
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Merval Pereira - Relações perigosas

- O Globo

Como o ‘gabinete do ódio’ atuou durante os primeiros meses de governo, eventuais crimes estarão ligados ao presidente

Os assessores de Bolsonaro membros do chamado “gabinete do ódio” no Palácio do Planalto, principalmente Tercio Arnaud Tomaz, assessor-especial, são a partir de agora os principais obstáculos para a permanência dele à frente do governo, superando a ameaça que Queiroz representa.

Prevalecia entre os assessores jurídicos do Planalto a tese de que Bolsonaro não corria perigo de impeachment devido às apurações da rachadinha, mesmo que seu nome aparecesse diretamente ligado à prática, porque os fatos aconteceram antes de ele assumir a presidência da República, e o presidente não pode ser julgado pelo que ocorreu antes de seu mandato.

Como, no entanto, o chamado “gabinete do ódio” atuou durante os primeiros meses de governo, os eventuais crimes cometidos estarão diretamente ligados ao próprio presidente. Por outro lado, os processos que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estão relacionados à interferência das redes sociais, especialmente do WhatsApp, na campanha presidencial e invasões de sites contra Bolsonaro.

A relação de Tercio Arnaud Tomaz com o presidente Bolsonaro vem de pelo menos 2015, muito antes de o projeto presidencial ter tomado corpo. Ele foi, aliás, o criador de memes que viralizaram na internet, na página "Bolsonaro Opressor”, criada em 2015, depois aperfeiçoada para “Opressor 2.0”, que publicava críticas violentas contra adversários do presidente, e Bolsonaro usando aqueles óculos de memes quando dava alguma declaração considerada bombástica, ou respondia a uma acusação de modo peremptório.

Ricardo Noblat - Presidente não se acanha e sai em defesa de criminosos digitais

- Blog do Noblat | Veja

Em nome da liberdade da imprensa dele
O que notícia falsa tem a ver com liberdade de expressão? Nada. Por falsa, a notícia só causa prejuízo às pessoas que as recebem, acreditam nelas e ajudam a disseminá-las. Seus autores escapam impunes porque quase sempre são anônimos.

Favor não confundir notícia falsa, criada com o propósito de enganar e estimular o ódio, com notícia errada. Jornalista, quando erra, é obrigado a admitir o erro e a corrigir-se. Se não o faz, perde credibilidade, seu maior ativo, e pode ser processado.

O presidente Jair Bolsonaro, embora enfermo, fez questão de protagonizar, ontem, mais uma de suas lives no Facebook – logo onde… E saiu em defesa das pessoas que tiveram suas páginas cassadas pelo Facebook por publicaram notícias falsas.

Uma dessas pessoas é seu assessor especial, uma das cabeças do chamado “gabinete do ódio”, que trabalha ao lado de sua sala no terceiro andar do Palácio do Planalto. Depois do seu filho Carlos, é o marqueteiro digital favorito de Bolsonaro.

Em termos mais brandos, Bolsonaro voltou a criticar a imprensa e a desafiá-la a apresentar uma única notícia falsa que ele ou a sua turma divulgou (e o kit-gay, hein?). E no seu papel favorito de vítima da esquerda que quer derrubá-lo, afirmou a certa altura:

– Não podemos perder essa liberdade da imprensa. Isso me elegeu presidente da República.

“Essa liberdade da imprensa”, salvo interpretação errada, seria a liberdade de seus seguidores de o defenderem, mesmo valendo-se de notícias falsas. Por que ele e seus filhos foram contra a Comissão Parlamentar de Inquérito das fake news?

Por que andam tão assustados com o inquérito conduzido no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre de Moraes que investiga a postagem de notícias falsas? Se forem inocentes como dizem ser, por que se portam como aliados de criminosos digitais?

Luiz Carlos Azedo - O exemplo de Rondon

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental”

Há muito tempo, a política para a Amazônia deixou de ser um assunto de segurança nacional. Se tivéssemos que traçar uma linha divisória, do ponto de vista histórico, quem sacou a mudança foi o ex-presidente José Sarney, ao criar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 1989. A criação do Ministério do Meio Ambiente veio depois, no governo Collor de Mello, em 1992, no rastro da Conferência Rio-92. Desde então, o Brasil passou a ser uma referência em termos de construção de uma política ambiental, apesar de todos os problemas nossos. Vem daí a ajuda internacional que recebíamos para preservar a biodiversidade da Amazônia, até Jair Bolsonaro assumir a Presidência e nomear Ricardo Salles para o Ministério do Meio Ambiente. Pôs tudo a perder. Agora, corre atrás do prejuízo, porque os investidores deram um basta à política de desmonte do Ibama e devastação da Amazônia. O conceito de sustentabilidade passou a ser parte integrante das cadeias de comércio global e a preservação da Amazônia, um problema de sobrevivência da humanidade.

Nem todos concordam com isso, é claro. Terraplanistas, negacionistas e reacionários existem no mundo inteiro, porém, nenhum deles tem o poder destruidor da Amazônia do ministro Ricardo Salles, com suas boiadas, como revelou na reunião ministerial de 22 de abril. Falou para agradar Bolsonaro, mas a divulgação dos vídeos desnudou a loucura de nossa atual gestão ambiental. O Brasil foi um dos grandes artífices das principais convenções internacionais de meio ambiente, que tratam de mudanças climáticas, diversidade biológica e desertificação, e do Acordo de Paris (2015). O governo Bolsonaro resolveu fazer a roda da história girar para trás. Em apenas um ano e meio de desatinos florestais, transformou o Brasil num pária ambiental, apesar de a legislação existente no país servir de referência para políticas de sustentabilidade no mundo todo: Lei das Águas (1997), Lei dos Crimes Ambientais (1998), Política Nacional de Educação Ambiental (1999), Sistema Nacional de Unidades de Conservação(2000) e Lei de Gestão de Florestas Públicas (2006).

Cláudio Gonçalves Couto* - A agenda negativa da antipolítica

- Valor Econômico

Luta anticorrupção é importante, mas pode iludir

O cientista político Leonardo Avritzer, professor da UFMG, acaba de publicar, pela editora Todavia, um livro eletrônico voltado a discutir a conjuntura política brasileira. Intitula-se “Política e antipolítica: a crise do governo Bolsonaro”. Na página 28 ele define o termo que dá nome à obra: “A antipolítica é a reação à ideia de que instituições e representantes eleitos devem discutir, negociar e processar respostas a temas em debate no país. A antipolítica constitui uma negação de atributos como a negociação ou a coalizão. Ela se estabeleceu no Brasil a partir da suposta luta anticorrupção”.

Sua análise é precisa. O rechaço à corrupção - algo indispensável numa sociedade civilizada - não constitui, por si só, uma agenda política. Ou, ao menos, uma agenda positiva. Por isso mesmo, a antipolítica pode também ser chamada de política negativa.

O grande sociólogo Max Weber usou essa expressão ao tratar de um parlamento que hostilizava governantes sem apresentar proposições exequíveis; ou seja, denominou como política negativa a atuação de quem não assumia a responsabilidade por dirigir o Estado, influenciar no governo. Retomei a ideia há sete anos, num texto publicado no Estadão (“Política negativa”, politica.estadao.com.br/ noticias/geral,politica-negativa- imp-,1555767). Nele, analisei a então candidata Marina Silva e sua negação do presidencialismo de coalizão, da necessidade de negociações e da formação de alianças - o que apelidava de “velha política”.

Marina, porém, foi a versão benévola daquilo que o atual presidente encarna de forma perversa. Já desde antes de 2018 e mesmo após a posse, Bolsonaro nega não só o presidencialismo de coalizão e as negociações partidárias (“Nós não vamos negociar nada! Chega de patifaria!”), mas as próprias instituições do Estado Democrático de Direito, como o Congresso, a corte suprema, a autonomia dos governos subnacionais e a legitimidade da oposição e da imprensa crítica - acusadas de antipatrióticas.

José de Souza Martins* - Autoritarismo oportunista


- Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Direitismo e fascismo não são apenas opção eleitoral pela direita, mas também disposição para transgredir normas como as normas sanitárias de resistência à pandemia

Sempre que há no país um “surto” de autoritarismo, como no Estado Novo, na ditadura de 1964 ou no regime bolsonarista, nossa reação tem sido a de buscar para ele explicação em traços, supostamente excepcionais, de personalidade de quem chega ao poder em nome da vocação autoritária. Como se fosse mero defeito de caráter do governante, que impõe ao povo, tido como manso e democrático, sua vontade pessoal.

A personalidade autoritária é um fenômeno social e duradouro porque sobrevive e até se robustece nos períodos democráticos da história social. Os direitos sociais e políticos são tratados pelos oportunistas do autoritarismo como brechas de penetração na organização do Estado para subvertê-la. E revogá-los. Está acontecendo agora.

Historicamente, devemos essa nossa característica à escravidão e aos regimes de trabalho teoricamente livre, mas opressivo, que os sucederam. A opressão escravista criou entre nós estruturas peculiares de personalidade básica, de prontidão autoritária, tanto no mando quanto na sujeição. O que em outros países foi ou tem sido objeto de estudos preventivos de antropólogos, psicólogos e sociólogos. Aqui não.

Martin Wolf - O que as guerras comerciais nos contam

Financial Times | Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

“A guerra no comércio exterior é frequentemente apresentada como guerra entre países. Não é: é conflito principalmente entre banqueiros e donos de ativos financeiros, de um lado, e consumidores comuns, do outro - entre os muito ricos e todos os demais.”

A ideia resume bem “Trade Wars Are Class Wars”. Seus autores, Matthew Klein e Michael Pettis, argumentam que os desdobramentos que estão sendo vistos no comércio exterior e nas finanças só podem ser compreendidos no contexto das patologias domésticas das principais economias. O resultado são graves desequilíbrios internacionais, dívidas insustentáveis e crises financeiras monstruosas.

É um enredo que importa a todos. As fundações desse excelente livro estão na teoria do “subconsumo”, proposta em 1902 pelo analista britânico John Hobson e retomada nos anos 1930 no trabalho de John Maynard Keynes. Agora, mais uma vez, volta a ser relevante.

“Por décadas, os custos de captação reais têm ficado abaixo das previsões de crescimento econômico real de longo prazo e permanecem em torno de zero”, destacam. Essa combinação de taxas de juros muito baixas com fraqueza na demanda mundial e baixa inflação é um sintoma cabal de subconsumo ou, no palavreado moderno, de “excesso de poupança”. A explicação dada por Klein, comentarista do semanário “Barron’s”, e Pettis, professor da Universidade de Pequim, é que há um movimento de maior transferência de renda para as pessoas mais ricas, que não gastam o que ganham. Esse é o quadro geral. Mas é o relacionamento entre as economias nacionais que produz esse quadro geral.

O ponto crucial é que não se pode analisar o que vem acontecendo nas economias isoladamente. Além disso, o balanço geral de bens e serviços é explicado por poupança, investimento e fluxos de capital, não pela balança comercial bilateral, como pensa Donald Trump.
Some-se a isso também, como argumentam Klein e Pettis, o fato de que “desequilíbrios financeiros agora determinam desequilíbrios comerciais”. Para ajustar-se aos déficits estruturais resultantes, a oferta doméstica de bens e serviços comercializáveis em países deficitários, como os EUA, precisa ser espremida. Os efeitos cruéis disso sobre a classe trabalhadora industrial estão bem exemplificados em outro importante livro recente, “Deaths of Despair and the Future of Capitalism” (de Anne Case e Angus Deaton).

Raul Jungmann* - Eleições nos EUA e o Brasil

- capitalpolítico

Joseph Robinette – “Joe” Biden Jr -, foi senador democrata por 36 anos pelo seu estado natal, Delaware, o sexto mais jovem a chegar ao Senado dos Estados Unidos, e um dos que registram menor patrimônio pessoal. Sua área de atuação abrange os temas das Relações Internacionais, Meio Ambiente, Segurança Pública e Justiça. Foi durante anos presidente da poderosa Comissão de Relações Exteriores e também de Justiça.

Nessa última, presidiu sessões de ampla cobertura, como a indicação de Clearence Thomas à Suprema Corte, em 1991 que, confuso com as prolixas perguntas de Biden, acusou-o de lhe atirar “beanballs” – bolas venenosas, na gíria do beisebol. Hoje, Joe Biden está 14 pontos à frente de Donald Trump em pesquisas de opinião e em números de votos para o colégio eleitoral, que é o que conta nos EUA.

Se ganhar, escreve a pergunta sobre os reflexos no Brasil da sua vitória. As três últimas declarações dele sobre o país foram negativas, indicando que tão cedo os democratas esquecerão o apoio do Presidente Jair Bolsonaro a Trump e a suas políticas. Como em Washington é tido como provável que os democratas venham a controlar o Senado, além da Câmara, e que Biden buscará alinhar-se com o Congresso em política externa e comercial, a vida do atual governo brasileiro não será fácil.

Dora Kramer - O velho anormal

- Revista Veja

Como Bolsonaro reagirá se os acenos de paz não surtirem o efeito desejado?

Não é nada dito, escrito ou sacramentado, mas dá para sentir no ambiente um quê de crise de abstinência com a nova fase do presidente da República que completaria um mês dentro alguns dias não fosse a volta dele ao velho normal quando a Covid-19 o pegou: infringiu medidas de prevenção, ofendeu a saúde alheia, fez propaganda enganosa de medicamento e outra vez foi arrogante no afã de se mostrar como um ser humano acima dos comuns.

Ainda assim permanece no ar um aroma de desagrado com a privação daquele combustível tóxico. A coisa é de parte a parte. Os devotos de Jair Bolsonaro se remoem ao pé do altar aos muxoxos, obrigados a desligar o modo gritaria. Os militantes do lado oposto mal disfarçam a torcida pela volta das exorbitâncias do capitão, a fim de recuperar o oxigênio necessário ao funcionamento da dinâmica do revide permanente.

Os demais, creio que a maioria, quedam-se entre aliviados e desconfiados da durabilidade da pele de cordeiro que ganha alguma sobrevida devido ao isolamento forçado por obra do caráter igualitário do vírus. Bolsonaro não estará impedido de aprontar via internet. Terá mais tempo de sobra para isso. Mas pelo menos não ficará zanzando por cercadinhos e cercanias distribuindo gotículas infectadas a quem se dispõe ou é obrigado por dever de ofício a privar da proximidade presidencial.

Um alento. Insuficiente, porém, para uma reabilitação. Seja para recuperar a confiança do público fora do nicho dos 15% de fiéis, seja para reparar os prejuízos causados pelo estilo espalha-brasas. Sendo perigosa e até ingenuamente otimista, digamos que o presidente venha a aderir de forma permanente a uma relativa moderação.

Bernardo Mello Franco - Um amor correspondido

- O Globo

Em cerimônia no Planalto, Jair Bolsonaro abriu o coração para o ministro João Otávio de Noronha. “Confesso que a primeira vez que o vi foi um amor à primeira vista”, desmanchou-se. O flerte foi correspondido. Fisgado pelo capitão, o presidente do STJ se tornou seu fiel escudeiro no Judiciário.

Noronha não nega fogo. Em fevereiro, ele derrubou decisões de duas instâncias que barravam a posse do chefe da Fundação Palmares. Em maio, repetiu o expediente para livrar Bolsonaro de apresentar exames médicos à imprensa.

Em junho, o jornal “O Estado de S. Paulo” informou que o ministro atendeu aos desejos do presidente em 87,5% dos pedidos ao tribunal. Ele prestou muitos favores, mas nenhum se compara ao de ontem: um habeas corpus salvador para Fabrício Queiroz.

Numa canetada no plantão judiciário, Noronha mandou soltar o faz-tudo da família Bolsonaro. Com isso, removeu a principal ameaça à sobrevivência política do governo. Preso, o ex-PM era pressionado pela família a negociar uma delação. Solto, manterá o silêncio que protege o clã presidencial.

Míriam Leitão - O risco de parar a pesquisa da Covid

- O Globo

A quarta fase da maior pesquisa já feita sobre o coronavírus, a que é coordenada pela Universidade Federal de Pelotas, deveria ter ido para a rua ontem. Mas não foi. O Ministério da Saúde não respondeu sobre a continuidade do financiamento. As informações que os pesquisadores trouxeram até agora são valiosas: a taxa de infecção é seis vezes maior do que o notificado, criança adoece na mesma intensidade que os adultos, o índice entre indígenas é cinco vezes maior do que no resto da população. No Rio Grande do Sul, a pesquisa é financiada pelo setor privado e já garantiu oito fases. O pior problema da ciência no Brasil é o financiamento, que é pouco e inconstante.

No meio da pandemia, a ciência tem respondido de forma rápida e trazido resultados importantes para o país. Chega a ser emblemático o fato de que na manhã seguinte ao Dia da Ciência, comemorado na quarta-feira, uma pesquisa essencial para o país tenha sido interrompida. A coleta de dados foi feita com intervalos de 14 dias. O país e o mundo estão exigindo respostas rápidas e claras da ciência nesta pandemia. O que é este momento? Perguntei para o professor Pedro Hallal, da Universidade de Pelotas, que coordena a pesquisa.

— A pandemia nos colocou desafios que a gente precisava enfrentar. O tempo da ciência não é o tempo que a sociedade precisa dela, e a gente nem sempre se comunica da maneira que chega às pessoas. Temos respondido a esses dois desafios. A gente anuncia os resultados 72 horas depois de terminada a coleta de dados. E temos melhorado nossa comunicação, porque a ciência não podia dialogar apenas com ela mesma — disse Pedro Hallal.

Bruno Boghossian - A elite aperta Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Produtores viram a boiada passar por 18 meses e agora cobram preço alto do governo

Na campanha de 2018, o empresariado deu um cheque em branco a Jair Bolsonaro. Durante um encontro com presidenciáveis daquele ano, um representante do lobby da construção civil reclamou que as leis de preservação da natureza eram "uma parafernália". Sob aplausos, o candidato prometeu "vencer os problemas ambientais" se fosse eleito.

Nenhum patrão pode se dizer surpreso com as ações do governo nessa área. Os produtores sabiam que a devastação prejudicaria a reputação do Brasil e faria mal aos negócios. Ainda assim, eles preferiram apostar num presidente que queria afrouxar restrições e carregava um ministro ultraliberal como amuleto.

Um ano e meio depois, essa parceria passou a ameaçar o caixa das empresas. Em junho, investidores que administram mais de R$ 20 trilhões avisaram que podem retirar seus ativos do país se não houver medidas sérias contra o desmatamento.

Apesar do alerta, auxiliares de Bolsonaro fizeram pouco caso. Em vez de trabalhar contra a destruição, decidiram tratar o problema como uma questão de marketing. Culparam a imprensa e planejaram gastar dinheiro em propaganda no exterior.

Reinaldo Azevedo - Torço para Bolsonaro viver e pagar

- Folha de S. Paulo

Quero que o presidente responda pelos crimes tipificados no Código Penal e na lei do impeachment

André Mendonça, ministro da Justiça, já confundiu crime com liberdade de expressão. Assim, não me surpreende que confunda liberdade de expressão com crime.

Há menos de um mês, passou a mão na cabeça de delinquentes que dispararam fogos de artifício contra o Supremo, simulando um ataque armado. Agora, quer enquadrar Hélio Schwartsman, articulista da Folha, na Lei de Segurança Nacional porque este afirmou em artigo que torce para que Jair Bolsonaro morra em decorrência da Covid-19.

Eu não torço. Quero que responda pelos crimes tipificados no Código Penal, na lei 1.079 e no Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional para punir indivíduos, não países, por crimes de guerra, de genocídio, de agressão e contra a humanidade.

No dia seguinte ao ataque ao STF, o ministro divulgou uma nota simpática aos agressores: “Devemos agir por este povo, compreendê-lo e ver sua crítica e manifestação com humildade. Na democracia, a voz popular é soberana.” Chamava “povo” aos lunáticos golpistas e reconhecia a soberania da súcia sobre a Constituição. Eram dias anteriores à prisão de Fabrício Queiroz, marco da conversão de Bolsonaro à democracia. Aposto que a ida do primeiro-amigo do presidente e das milícias para a prisão domiciliar vai baixar o índice de apreço do ogro pelas instituições.

Mendonça tratava crime como liberdade de expressão e ainda convidava o agredido a um mea-culpa. E quer agora enquadrar Schwartsman no artigo 26 da Lei de Segurança Nacional, o que, além de evidenciar a sua falta de credenciais democráticas, levanta suspeita sobre a sua sanidade jurídica. A referida disposição pune crimes de calúnia e difamação contra presidentes de Poderes. Desejar a morte de alguém pode não ser fofo. Mas calúnia e difamação não é. A acusação é tão exótica que nem errada chega a ser.

Hélio Schwartsman - Esperando o japonês da Federal

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro poderá encrencar-se se ministro conseguir emplacar sua tese

O ministro da Justiça, André Mendonça, diz que pedirá a abertura de um inquérito para que eu seja investigado por violação ao artigo 26 da velha LSN dos tempos dos militares, que imaginávamos já ter ido para a reserva.

Não sei bem o que há a investigar. Acreditava que o texto falasse por si só. Mas vou colaborar, prestando esclarecimentos. O artigo foi escrito na manhã do dia 7/7, num processador Word. Eu me encontrava sobre o deck da piscina sem nenhuma companhia que não a de uma incontrolável matilha de cães. Ah, o computador era um Dell.

É preciso muita criatividade jurídica para ver na minha coluna original alguma calúnia ou difamação, que é o que possibilitaria o uso do artigo 26. E o ministro Mendonça, sempre cioso de agradar ao patrão, deveria ser mais cauteloso. Se conseguir emplacar sua tese de que desejar a morte de alguém é crime, então seu chefe poderá encrencar-se. Bolsonaro, afinal, torceu pela morte de Dilma, “infartada ou com câncer”, e defendeu o fuzilamento de FHC.

Ruy Castro* - Bolsonaro não quer compaixão

- Folha de S. Paulo

Não será surpresa se, ao se decretar 'recuperado', ele zombar dos que lhe desejaram saúde

Alguns leitores perceberam que há meses não me refiro ao ocupante do Planalto como “Presidente Jair Bolsonaro”. Trato-o como Jair Bolsonaro e dispenso-me do “Sr.” —afinal, ele não se comporta como tal. Basta-me ser compulsoriamente presidido por ele, o que já é suficiente para asco, e isso não implica ter votado ou não em seu adversário —porque há 31 anos não voto em ninguém. A última vez foi no primeiro turno da eleição presidencial de 1989, e meu candidato não chegou ao segundo turno. Antes que me perguntem, informo que não foi o Enéas, embora, se eleito, ele não seria tão nefasto quanto o elemento que hoje dita a destruição do Brasil.

Da mesma forma, ao me referir aos filhos de Bolsonaro, não me ocorre fazer como alguns colegas e tratar um deles, Carlos, por “Carlucho”. É um apelido benigno demais para indivíduo tão perigoso —o mais perigoso dos três que, em nome do pai, controlam o ministério, inspiram a operação das fake news, conspiram contra as instituições, falam grosso com o Exército e comandam o país a partir do porão. O nome “Carlucho” sugere algo vindo da infância e é difícil imaginar os filhos de Bolsonaro tendo infância.

Claudia Safatle - Quem paga pelo aumento do Fundeb?

- Valor Econômico

Cerca de 70% do fundo deve ser usado para pagar salários

A proposta de emenda constitucional que perpetua o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) deve ser votada na próxima semana pela Câmara dos Deputados. A PEC 15/2015, embora apresente avanços na política de financiamento e distribuição de recursos para educação básica, traz sérios riscos fiscais para os três níveis de governo - União, Estados e municípios - e excessiva constitucionalização de temas que bem poderiam compor a legislação ordinária.

Criado com prazo de vigência até dezembro deste ano, o Fundeb tem por finalidade melhor distribuir os recursos da educação básica entre os municípios brasileiros.

A PEC dobra, até 2026, a complementação de verbas da União, que sobe de 10% para 20% do total dos aportes dos Estados e municípios, de forma gradual, a começar com 12,5% no ano que vem.
Uma despesa, hoje, de cerca de R$ 16,4 bilhões cresce para R$ 20,5 bilhões no próximo ano e para R$ 45,4 bilhões em 2026, perfazendo R$ 413,6 bilhões em dez anos.

A proposta da relatora, deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), não define a fonte de receitas que financiará essa nova despesa e desconsidera as mudanças demográficas do país.

A PEC eleva dos 60% atuais para 70% o montante do Fundeb que deve ser destinado a pagamentos de salários dos profissionais da educação. Mas veda a possibilidade de o fundo financiar também o pagamento dos aposentados e pensionistas do setor. Pelas contas feitas no Ministério da Economia, isso vai resultar em aumentos de quase 13% ao ano na folha de pagamentos da educação publica.

Vinicius Torres Freire - Um banqueiro caminha na esteira do Brasil

- Folha de S. Paulo

País precisa de governança e trocar gasto ruim por saúde e investimento, diz executivo

A situação é meio desesperadora, mas o país vai ter uma folga de um ano para se organizar, diz o ex-presidente de um grande banco. A contragosto, fala por quarenta minutos enquanto caminha na esteira. Não quer dar entrevista porque não quer se meter na confusão em que está o país.

Que “folga” é essa? A taxa básica de juros deve ficar negativa por uns dois anos, pois a economia está deprimida e as taxas mundiais devem ajudar, também negativas, isso se o país não fizer besteira. O banqueiro refere-se ao fato de que a Selic, definida periodicamente pelo Banco Central, está menor do que a inflação e assim deve ficar pelo menos até fins 2021.

Que “besteira” o país faria? O governo gastar mais. Só isso, basta manter o “teto”? Não, esse é o mínimo, o fundamental (evitar o gasto), para que o país não comece a explodir no ano que vem. O detonador da explosão seria o sinal de que a dívida pública vai continuar a crescer sem limite, o que provocaria alta de juros, do dólar e desorganização geral das expectativas.

Para o banqueiro, algum aumento de imposto será inevitável, no mínimo para financiar algum programa de renda básica, pois “muita gente” vai ficar na pobreza e sem emprego por “muito tempo”. Mas o aumento de imposto financiaria então despesa extra, que está para bater no “teto” constitucional. Não é contraditório? O banqueiro diz então que se pode fazer uma concessão provisória em 2021, como no caso do estado de calamidade deste ano, desde que exista um programa profundo de ajuste fiscal.

Rogério L. Furquim Werneck* - A incerteza como ela é

- O Estado de S.Paulo / O Globo

Resistir à tentação de atribuir probabilidades arbitrárias a cenários imprevisíveis

Esmagados, como estamos agora, por opressiva incerteza sobre o que nos reserva o futuro, é hora de ler o instigante livro de Mervyn King e John Kay, Radical uncertainty (Incerteza radical), recém-lançado nos EUA e no Reino Unido.

Mervyn King presidiu o Banco da Inglaterra por dez anos, entre 2003 e 2013, período em que lhe coube administrar a difícil travessia da grande crise de 2007-2008. É professor da New York University e da London School of Economics. John Kay é um microeconomista, professor de Oxford e renomado colunista do Financial Times.

O argumento central do livro não chega a ser novo. Seu mérito está em destacar e dar novo alento à crucial distinção entre os conceitos de risco e de incerteza, ressaltada por dois grandes economistas da primeira metade do século passado, Frank Knight e John Maynard Keynes.

Nessa distinção, o conceito de risco estaria restrito a situações em que possíveis desfechos futuros e suas respectivas probabilidades fossem previamente conhecidos. Já o termo incerteza ficaria referido a situações em que não se conhecem as probabilidades nem mesmo os possíveis desfechos futuros relevantes.

O que os autores arguem no livro é que, já há várias décadas, economistas vêm ignorando essa distinção e se permitindo tratar incerteza como risco. E, nessa transgressão, vêm sendo alegremente seguidos por estrategistas, analistas políticos e toda sorte de especialistas e consultores.

Trata-se de livro excepcionalmente bem escrito, de leitura agradável, em larga medida acessível a leitores sem formação técnica específica, em que os autores fazem uso intenso e engenhoso de uma profusão de casos concretos e situações amplamente conhecidas para reforçar intuições e dar respaldo a seus argumentos.

Eliane Cantanhêde - Missão impossível

- O Estado de S.Paulo

Difícil convencer investidores de boas ações e intenções do Brasil no meio ambiente

Com Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) sentados à mesa e deitando falação, como os investidores internacionais podem acreditar em boas intenções e ações do Brasil na defesa da Amazônia e das comunidades indígenas? Araújo ironiza a defesa do ambiente como “climatismo”, “coisa da esquerda”. Salles sofre uma repulsa geral por só pensar em “passar a boiada”. E o presidente Jair Bolsonaro acha tudo isso uma bobajada que atravanca o progresso.

Assim, há dúvidas quanto ao resultado da reunião de ontem do vice Hamilton Mourão, Tereza Cristina (Agricultura), Araújo e Salles com grandes investidores. No mundo de hoje, que governos, empresas e financiadores arriscam suas marcas apostando em países que desmatam, queimam, desrespeitam comunidades ancestrais? (E cultura, educação, saúde...)

É difícil e constrangedor pedir recursos a estrangeiros (ontem) e ao grande capital nacional (hoje) se... os R$ 33 milhões do Fundo da Amazônia estão mofando no BNDES, só 0,7% dos R$ 60 milhões da Operação Verde BR2 foram usados e o ministro do Meio Ambiente é alvo da Justiça, MP, Ibama, ICMBio e da torcida do Flamengo.

É difícil e constrangedor dizer que vai tudo bem, obrigada, se o desmatamento da Amazônia cresce há 13 meses seguidos e isso significa, como todo o mundo, literalmente, sabe, devastação no ato e queimadas depois. Sem falar de Cerrado, Mata Atlântica e das pujantes riquezas naturais brasileiras, ameaçadas por ideologia, ignorância e achismos.