domingo, 12 de julho de 2020

Merval Pereira - O Tempo da Ciência

- O Globo

É preciso reverter o processo de desindustrialização do Brasil e recuperar os laboratórios da instituições de pesquisa

Convidei o presidente da Academia Brasileira de Ciências, o físico Luis Davidovich, professor titular da UFRJ, a utilizar a coluna para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo do mês de julho, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico. Ninguém melhor do que ele para ressaltar a importância da ciência, especialmente nos dias de pandemia que atravessamos.

“A crise global provocada pela COVID-19 tem dado à ciência um papel de destaque, associado à esperança de que surja um remédio ou vacina que mitigue os efeitos da pandemia. Coloca em evidência, também, o amplo desconhecimento sobre os métodos e o tempo da ciência. O medo da doença transforma-se em pânico diante do inimigo invisível e estimula o consumo de medicamentos ineficazes ou ainda não suficientemente testados. Setores da sociedade recusam-se a aceitar as recomendações da ciência, acusando-a de ser permeada de críticas internas e de constantemente modificar conceitos anteriores, o que é exatamente sua característica intrínseca, fonte da sua força e da sua evolução.

Renato Lessa* - Sobre as ofensas de uma classe abastada

- O Globo

Lá estão a pequena e medíocre arrogância, a alucinação de superioridade e o direito autoconcedido de tomar satisfação

Com economia de adjetivos de fazer inveja a Graciliano Ramos, Jane Loureiro, da Vigilância Sanitária carioca, assim respondeu à indagação sobre o teor dos insultos recebidos de gente rompida com o restante da humanidade: “A maneira com a qual se ofende uma mulher”.

Com dignidade sociológica, acrescentou: “Ofensas de uma classe abastada, que a gente acha que tem respeito e educação”.

A ocasião: a reação iracunda de frequentadores de um bar, na Barra da Tijuca — núcleo impávido do bolsonarismo de raiz —, à ação da Vigilância, no zelo das regras mínimas de proteção diante da pandemia. Gente que bem sabe como “se ofende uma mulher”.

Na mesma noite, Flavio Graça, superintendente da mesma Vigilância e no mesmo bairro, viu-se diante de dois exemplares do horror pátrio e pétreo a qualquer fumaça de igualdade: um casal indignado com tratamento dispensado, que envolveu o emprego da palavra “cidadão”.

O apego atávico a marcas de distinção faz do termo uma imposição de rebaixamento. Cada um, afinal, deve ser chamado pelo que o distingue: daí o aceitável uso do termo “elemento” para os tidos por inferiores.

Lilia Moritz Schwarcz* - Uma definição para poucos

- O Globo

Uma sociedade acostumada a naturalizar a hierarquia social, democracia só existe como projeto inconcluso

Governos de matriz autoritária vêm sempre acompanhados por rituais, não menos autoritários, de subordinação.

Numa sociedade acostumada a naturalizar a hierarquia social — que eternizou o mandonismo colonial o qual desembocou nos coronéis da Primeira República e na atual “bancada dos parentes” da Câmara; que conviveu com a escravidão por quase quatro séculos e enraizou o racismo —, democracia só existe como projeto inconcluso e cidadania enquanto uma definição para poucos.

Cidadão vem de “aquele que mora na cidade” e que precisa, pois, estabelecer relações horizontais para com o “outro”, com quem divide espaços.

Cidadão é também aquele que, como membro de um Estado, usufrui de direitos civis e políticos por este garantidos e desempenha os deveres que, nesta condição, lhe são atribuídos.

Já o conceito de cidadania foi historicamente definido como um ideal de libertação, uma vez que se dirige a uma comunidade política que compartilha expectativas e reivindicações.

Se cidadania é uma noção construída coletivamente, ela só ganha significado nas experiências sociais e individuais. Por isso, no Brasil, cidadania funciona, muitas vezes, tal qual história mal contada ou contada pela metade.

O episódio protagonizado pelo casal de engenheiros num bar do Rio virou “sintoma” do nosso pouco apego à cidadania.

Bernardo Mello Franco - Sirkis, uma espécie rara

- O Globo

Devoto da causa ambiental, Sirkis era uma figura rara na política. O Rio deve a ele a preservação da Prainha, o retorno do verde nas e 160 km de ciclovia

Alfredo Sirkis era uma espécie rara na política brasileira. Idealista, devoto da causa ambiental, cultivava um espírito brancaleônico. Em 1998, depois de perder uma eleição para vereador, resolveu concorrer ao Planalto pelo PV. Teve apenas 0,3% dos votos, mas se divertia ao lembrar as trapalhadas da campanha.

No Recife, o presidenciável se meteu numa barqueata ecológica. No meio do trajeto, o motor pifou e o deixou à deriva. Ele resolveu voltar a nado. Ao chegar à Praia de Boa Viagem, percebeu que os banhistas o olhavam fixamente. “Estão me reconhecendo”, empolgou-se. Logo caiu na real: uma placa proibia o mergulho e alertava para a presença de tubarões.

No ano seguinte, Sirkis se envolveu em outra enrascada marítima. Para defender um transporte menos poluente, organizou uma viagem de catamarã da Praça XV à Barra. O passeio atraiu artistas, empresários e socialites. Mas o mar estava agitado, e a maioria dos VIPs passou mal a bordo. Um mico aquático.

A irreverência sempre marcou a atuação política de Sirkis. Na primeira campanha, em 1988, ele surgiu no horário eleitoral como se estivesse no “TV Pirata”. Enterrou-se na areia para denunciar a sujeira na praia e entrou num bueiro para pedir atenção ao saneamento. O carioca achou graça, e ele se tornou o vereador mais votado do Rio.

Míriam Leitão - Os mascarados do Planalto

- O Globo

Bolsonaro despreza máscara contra a Covid, mas tem assessores escondendo identidade atrás da máscara digital para ofender na redes

Quando Nelson Teich chegou ao Palácio do Planalto, em abril, para receber o convite para o Ministério da Saúde, ostentava máscara no rosto, como manda o protocolo médico. Assim que assumiu o cargo, ele passou a ser visto sem máscara nos eventos palacianos porque esse é o dress code do bolsonarismo. O uso de máscara no governo Bolsonaro é visto como sinal de fraqueza. Por isso eles sempre orgulhosamente mostram-se com o rosto preparado para a infecção do vírus. Os ministros acabaram constrangendo os servidores, e o governo impediu o afastamento de funcionários que tiveram contato direto com o presidente.

As máscaras que os bolsonaristas não usam contra a Covid-19 o bolsonarismo usa para atuar em redes digitais. Escondem-se atrás de perfis falsos para ofender, mentir, caluniar, manipular. O que é mais grave, para conspirar contra a ordem democrática. O importante da derrubada das páginas do Facebook é o que a ação revela. Ou comprova. Dentro do Palácio do Planalto, funcionários pagos com os impostos dos brasileiros estão simulando identidades para atacar pessoas e instituições e postar elogios ao próprio governo. O presidente e seus filhos são parte desse uso miliciano da internet. Eles foram desmascarados. E agora é Jair Bolsonaro quem tem que explicar o que fazem tão perto dele esses assessores e por que não teve qualquer atitude para impedir essa atuação.

Luiz Carlos Azedo - O grande jogo

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A intenção do Palácio do Planalto é conquistar o comando da Câmara, via articulação com o Centrão, para limitar o protagonismo do Congresso”

Em meio à tragédia da pandemia do novo coronavírus, discute-se intensamente o que virá depois da covid-19. Existem várias dimensões nesse debate, do cotidiano doméstico ao novo mundo das inovações tecnológicas, mas a política não perdeu centralidade. Destaco as eleições nos Estados Unidos e a escolha do novo comando do nosso Congresso, principalmente da Câmara dos Deputados. Nosso futuro imediato dependerá muito desses dois eventos.

A pandemia de coronavírus colocou em xeque a reeleição do presidente Donald Trump, republicano, no pleito de 3 de novembro. Joe Biden, vice-presidente de Barack Obama, hoje lidera a disputa com uma vantagem de 14 pontos. Trapalhadas no combate à pandemia e a recessão jogaram Trump para baixo. A sua esperança é a recuperação da economia em V, mas o coronavírus se espalha por todo o território e Trump terá mais dificuldades. Além disso, a violência policial, que estimulou, provocou forte reação da sociedade, principalmente dos jovens.

Os sinais de que a recuperação acelerada da economia norte-americana seria possível vinham da China, após dominar a pandemia, e também da Alemanha, que segue a mesma trajetória, o que ainda pode se reproduzir em outros países da Europa com economias fortes, principalmente a Inglaterra e a França. Entretanto, a projeção do PIB dos EUA aponta para uma queda de 6,5% em 2020.

Elio Gaspari - Bolsonaro precisa do tumulto

- Folha de S. Paulo / O Globo

Se o capitão Bolsonaro evitasse confrontos irracionais, seu governo mostraria a confusão em que está

Se o capitão Bolsonaro evitasse confrontos irracionais, seu governo mostraria a confusão em que está. Não tem ministro da Saúde, pasta que está com um interino, e na sexta-feira chegou ao quinto titular da Educação.

Dois episódios ilustram essa anarquia.

No dia 21 de maio, quando já se estava no patamar de mil mortos por dia pela Covid e a pandemia já havia matado 20.047 pessoas, a juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, mandou um ofício à Casa Civil, oferecendo R$ 508 milhões dos cofres da Lava-Jato para remediar a situação. Pedia apenas que lhe dissessem para onde o dinheiro deveria ir. Nada.

Gabriela Hardt reiterou a oferta a 17 de junho, e a Casa Civil respondeu apenas que havia recebido os dois ofícios. No dia seguinte o Ministério da Saúde informou que estava estudando o caso. Nessa altura batera-se a marca do milhão de infectados e 48.426 mortos.

Na semana passada o dinheiro continuava esperando um destino. Os mortos chegam a 70 mil.

(Em meados de abril o Itaú Unibanco anunciou que doaria R$ 1 bilhão para o combate à pandemia. Partindo do zero, criou um conselho, buscou iniciativas e já entregou mais de R$ 156 milhões. Foram 16 milhões de máscaras, cinco milhões de testes rápidos, 190 respiradores, cestas básicas para sete mil famílias, mais doações à Fiocruz e a hospitais de campanha em São Paulo.)

Durante todo esse tempo esteve natimorto na Casa Civil o tal “Plano Marshall” do ministro-general Braga Netto, reciclado com o nome de Pró-Brasil e detonado pelo doutor Paulo Guedes na fatídica reunião de 22 de abril com poucas palavras: “Não chamem de Plano Marshall, porque revela um despreparo enorme”.

O problema não está apenas no despreparo, mas na inércia produzida pela inépcia.

Janio de Freitas - Bolsonaro e o vírus, enfim sós

- Folha de S. Paulo

Veto do presidente aos socorros para os indígenas é de baixeza inominável

Entre Bolsonaro e o coronavírus, não se sabe qual contaminou o outro.

Está comprovada, no entanto, a associação de ambos para deslocar as atenções postas em três assuntos já próximos da implosão: os feitos e efeitos da ligação de Bolsonaro com o advogado e etc. Frederick Wassef; a inclusão do gabinete do filho Carlos nos desvios de verba pública que embrulham o filho Flávio e as 350 movimentações de cargos e remunerações no gabinete de Jair Bolsonaro quando deputado.

Esse levantamento, feito pelos repórteres Ranier Bragon e Camila Mattoso, desce a período bastante anterior às “rachadinhas” no gabinete de Flávio.

Com isso, sugere uma linhagem de práticas hereditárias cuja origem e o centro ficam claros. Uma face da trama ganha forma. A outra, que apresenta coadjuvantes como Fabrício Queiroz e sua mulher, é a da conexão miliciana que não cabe na responsabilidade pespegada em Queiroz.

A propósito, os vários celulares recolhidos com Adriano da Nóbrega, em seu assassinato na Bahia, sumiram nas artimanhas de polícias e promotorias, indicação certa de sua capacidade explosiva para poderosos na milícia, na polícia ou na política. Ou, sem ressalvas, nas três.

Bruno Boghossian – Bolsonaro e o sonho americano

- Folha de S. Paulo

Pandemia pode isolar o Brasil e deixar mais distante o ingênuo sonho americano do Planalto

Há um mês, Donald Trump citou o Brasil como exemplo negativo na pandemia. O americano errou tudo o que podia no combate ao coronavírus, mas disse que o país governado por Jair Bolsonaro enfrentava “um momento bem difícil” devido às suas escolhas durante a crise.

A reação do brasileiro ilustrou perfeitamente a postura de um país que escolheu a bajulação como pilar de sua política externa. Bolsonaro mandou um abraço para Trump, afirmou que gostaria de aprofundar as relações com os EUA e disse torcer pela reeleição do colega.

O Planalto recebeu, nas últimas semanas, algumas amostras dos efeitos de sua ingenuidade. O impacto econômico da pandemia, as barbeiragens do governo brasileiro na crise e sua negligência ambiental tornaram a subserviência aos americanos uma ferramenta diplomática inútil.

Hélio Schwartsman - Uma defesa do consequencialismo

- Folha de S. Paulo

Ele é o que de mais próximo temos de uma teoria ética completa e universalizável

Sempre sagaz, Reinaldo Azevedo escreveu na sexta (10/7) um texto em que me defende da alucinação jurídica do ministro da Justiça —pelo que lhe fico grato—, mas em que lança acusações que não me pareceram justas contra o consequencialismo, que simploriamente equiparou à ideia de que os fins justificam os meios.

Passo, então, à defesa dessa família de teorias éticas que, em sua essência, dizem que as ações podem ser julgadas positiva ou negativamente apenas pelos resultados que produzem.

Reinaldo obviamente não disse isso, mas muitas pessoas me escreveram afirmando que o consequencialismo está no cerne da barbárie nazista e que eu, como judeu, jamais poderia tê-lo invocado.

Não dá para falar em ética nazista sem incorrer em antinomia, mas, se há um teórico que tenta dar base racional e jurídica ao Estado hitlerista, é Carl Schmitt, autor complexo que bebe principalmente de fontes da teologia católica.

Vinicius Torres Freire - Mourão e a cerca do atraso eterno do Brasil

- Folha de S. Paulo

Empresários criticam ruína ambiental; vice-presidente ignora mudança mundial

O Brasil está com o filme queimado também porque bota fogo na Amazônia, o que causa repulsa a alguns financistas e pode provocar boicotes aos produtos de exportação brasileiros, diz o chavão sobre o vexame do país. É muito pior do que isso, porém.

A catástrofe da pandemia deve acelerar mudanças tecnológicas, investimento na reconstrução “verde” das economias e exigências de padrões sociais mínimos. Há indícios de tal evolução na Europa, na China e deve ser o caso dos EUA, se acordarem do pesadelo Trump.

O Brasil está em autodestruição acelerada faz sete anos. Dificilmente se cura até 2022. As mudanças no mundo rico podem tornar o país tão obsoleto quanto a vela e o cavalo depois da luz elétrica e do motor a explosão.

Empresários e banqueiros civilizados notaram o tamanho do problema, embora se limitem a enviar ao governo cartas diplomáticas de protesto, “notas de repúdio” mais aguadas do que as emitidas pelas “instituições” (Congresso e Supremo) contra ameaças golpistas de Jair Bolsonaro e de generais do Exército.

Na semana passada, escreveram a Hamilton Mourão para pedir, grosso modo, que se dê um basta à destruição da Amazônia e à ruína da reputação brasileira; para sugerir investimentos e planos de reconstrução da economia baseados em princípios ambientais.

Ricardo Noblat - Covid: Gilmar alerta para o risco de o Exército associar-se a um genocídio

- Blog do Noblat | Veja

“É preciso pôr fim a isso”, disse o ministro
Foi, de longe, a mais dura advertência feita por um ministro do Supremo Tribunal Federal ao governo e às Forças Armadas desde que o coronavírus se espalhou pelo país e colheu a primeira vida no final de março último. Atém ontem, a pandemia matou cerca de 71.500 pessoas e contaminou pouco mais de 1.840 mil.

Ao comentar o fato de um general (Eduardo Pazuello) estar como ministro interino da Saúde há mais de 25 dias, Gilmar disparou: “Isso é péssimo para a imagem das Forças Armadas. É preciso dizer isso de maneira muito clara: o Exército está se associando a esse genocídio, não é razoável. É preciso pôr fim a isso”.

Pazuelo substituiu o médico Nelson Teich que sucedeu o médico Luiz Mandetta. Teich não ficou no cargo sequer 30 dias. Largou-o para não ceder às pressões do presidente Jair Bolsonaro que queria que ele recomendasse o uso da cloroquina no tratamento da doença mesmo contra a opinião de médicos e de cientistas.

Martin Wolf* - Se não pensarmos como cidadãos, a democracia fracassará

- Financial Times / Folha de S. Paulo

A atual pandemia da Covid-19 abre a possibilidade de um choque transformador para as sociedades ocidentais
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“Está claro, então, que a melhor parceria em um Estado é aquela que opera através da classe média, e esses Estados em que a classe média é maior e mais forte, se possível, que as outras duas classes somadas, ou pelo menos, em que ela é mais forte que qualquer das outras duas isoladamente, terão todas as chances de ter uma Constituição bem gerida.”
“Política”, de Aristóteles.

A Covid-19 está sendo um choque global. Mas será um choque transformador? A resposta é que ela pode ser um evento transformador para várias sociedades ocidentais, especialmente os Estados Unidos e o Reino Unido.

Para as democracias liberais ocidentais, a era do pós-Segunda Guerra Mundial pode ser dividida em dois sub-períodos. O primeiro, mais ou menos entre 1945 e 1970, foi a era de um consenso “social democrata”, ou, como os americanos talvez dissessem, um consenso “New Deal”. A segunda, que começou por volta de 1980, foi a do “mercado livre global”, ou “o consenso Thatcher-Reagan”.

Entre esses dois períodos houve um interregno –a década de 1970, marcada pela inflação alta. Parece que agora estamos vivendo outro interregno, que começou com a crise financeira global.

Essa crise prejudicou a ideologia do livre mercado. Mas esforços valorosos foram feitos em todo o mundo ocidental para restaurar o “ancien régime”, com o resgate do sistema financeiro, a adoção de regulamentação financeira mais rigorosa e a austeridade fiscal.

O coronavírus expôs fragilidades de nosso modelo econômico e social.

Na verdade, a ascensão do nacionalismo populista veio depois desta tentativa de restauração. Com seu protecionismo e bilateralismo, sua promessa de preservar a previdência social e a sua ênfase inicial (desde então esquecida) sobre a reconstrução da infraestrutura, Donald Trump tornou-se líder de seu partido justamente por não ser um republicano tradicional, defensor do livre mercado.

Com sua promessa de ajudar as regiões mais pobres e suas referências favoráveis ao "New Deal" de Franklin Delano Roosevelt, também Boris Johnson vem indicando um novo rumo a seguir. Esses líderes enterraram Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

O coronavírus, agora, causou um retorno ainda mais dramático ao papel central do governo do que o que se viu com a crise financeira. Isso pode assinalar o fim do segundo período de transição do pós-guerra.

Em torno de qual ideia a política, a sociedade e a economia podem girar agora? A resposta deveria ser a cidadania, um conceito que remete às cidades-Estado dos gregos e de Roma. Isso é mais do que uma mera ideia política.

Como Aristóteles também disse, “o homem é um animal político”. Para ele, só somos plenamente humanos quando somos participantes ativos em uma comunidade política.

Em uma democracia, as pessoas não são apenas consumidores, trabalhadores, empresários, poupadores ou investidores. Somos cidadãos. Esse é o elo que vincula as pessoas em uma empreitada comum.

Vera Magalhães - Quem banca?

- O Estado de S.Paulo

Investigação do Facebook pode dar caminho do dinheiro ao STF e à CPMI

O medo ronda o bolsonarismo. Diferentemente de outras vezes em que a rede de destruição de reputações, disseminação de notícias falsas e de desinformação e conclamação de atos antidemocráticos por meio das redes sociais e WhatsApp foi exposta, um silêncio acovardado, seguido de alguns muxoxos só para constar, foi a tônica das reações à ofensiva do Facebook (e do Instagram, por extensão) contra essas práticas.

Não é à toa a mudança de tom. Desta vez, foi uma gigante das mídias digitais, contra a qual não adianta nada vociferar bobagens como “comunista!”, “globalista!”, “bancada pelo George Soros!” que tomou a iniciativa de investigar o uso de plataforma pelo que chamou de perfis ou páginas inautênticos. E foi essa auditoria, independente e levada a cabo pelo Atlantic Council, que ligou diretamente as práticas de disseminação de conteúdo falso à Presidência da República e a assessores lotados em gabinetes no Congresso e em Assembleias Legislativas. Portanto, funcionários públicos.

Há outro aspecto importantíssimo revelado pelo relatório que resultou no banimento de dezenas de perfis e páginas nas duas redes sociais. O gasto milionário para impulsionar esses conteúdos. Mais especificamente de US$ 1,5 milhão. E é aí que a ligação com o que já vem sendo apurado pelo Supremo Tribunal Federal e a CPMI das Fake News pode complicar a vida de Jair Bolsonaro.

Eliane Cantanhêde – Cobra naja e tubarões

- O Estado de S.Paulo

Aliança com PGR para devassa na Lava Jato ameaça união do Supremo pela democracia

O Supremo Tribunal Federal (STF) está de parabéns por liderar a resistência democrática com posições firmes que por vezes extrapolaram alguns limites, mas, no conjunto, foram decisivas para inverter os ataques e, assim, “cortar as asinhas” e “baixar a bola” do Executivo e de bolsonaristas assanhados, loucos por golpes e aventuras. Mas a união exemplar do Judiciário no primeiro semestre pode não se repetir no segundo.

Quando estão em jogo a democracia, arroubos do presidente, ameaças dos meninos do presidente, bravatas de ministros do presidente e ataques virtuais ou reais de seguidores do presidente, o Supremo se une, é um monobloco. Decisões e manifestações do presidente Dias Toffoli, do decano Celso de Mello e do relator das fakenews, Alexandre de Moraes, são acatadas, em geral, por unanimidade. Mesmo com críticas e muxoxos nos bastidores.

Saindo da esfera democrática, porém, emergem ideologias, idiossincrasias, divergências e velhos rancores. O que detona isso? Toffoli tomar partido da Procuradoria Geral da República (PGR) contra a Lava Jato. Ao determinar que as Forças Tarefas de Curitiba, Rio e São Paulo entreguem todos os seus arquivos à PGR, incluindo dados financeiros de 38 mil cidadãos, Toffoli não só autoriza a devassa na Lava Jato e dá excesso de poder ao procurador geral Augusto Aras como reabre as feridas no Supremo.

*Bolívar Lamounier - Entre dois vazios

- O Estado de S.Paulo

O presidente quer extravasar impulsos narcisistas que não consegue controlar?

Na tradição liberal, a atividade política é entendida como a arte de equacionar os problemas da sociedade com o mínimo possível de confronto e violência. Uma arte que pressupõe o uso do poder do Estado, mas de forma comedida, guiada por um sentimento de proporção.

Em seu primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro ignorou solenemente esse ensinamento fundamental da história política ocidental. Orientado, segundo se diz, pelo sábio da Virgínia, ele adotou uma linguagem radical, como se as urnas lhe houvessem conferido autoridade para mudar as próprias bases da sociedade e do sistema político. Como se a maioria eleitoral lhe tivesse outorgado autoridade para fazer o que lhe aprouvesse. Para refazer os fundamentos da economia e liquidar o que denominou “velha política”. Não hesitaria sequer em intervir no campo dos valores e comportamentos, implantando uma nova moralidade.

Por mais críticos que sejamos das estruturas e práticas públicas vigentes em nosso país, salta aos olhos que o bolsonarismo da primeira fase não se deixava pautar por uma perspectiva de comedimento e proporção. Em vez de se acomodar à distribuição de forças e objetivos corporificada na Constituição e nas leis, não disfarçava sua preferência por uma linha de terra arrasada, bem próxima do que o filósofo Bernard Yack denominou o mito da revolução total.

Nem de longe advogo uma opção pelo status quo. Sabemos todos que o Estado brasileiro está desde há muito corroído por interesses patrimonialistas e corporativistas, e pela corrupção sistêmica. Que nossa economia está travada, desprovida de dinamismo, excessivamente fechada e, portanto, incapaz de superar a chamada “armadilha do crescimento médio”. Que nossas desigualdades sociais, em si inaceitáveis, são diariamente reforçadas por um sistema educacional calamitoso. Que nosso sistema político é manifestamente disfuncional. Não há como ignorar ou subestimar a gravidade de tais desafios, mas o imperativo de superá-los terá de ser compatibilizado com o regime democrático, cujos pilares são, como antes argumentei, o comedimento e um sentimento de proporção.

Rolf Kuntz - Cloroquina é inútil contra o desgoverno

- O Estado de S.Paulo

Desprezando o direito à vida, Bolsonaro busca reeleição sem nunca ter governado

Não tentem curar despreparo, ignorância, incompetência ou irresponsabilidade com cloroquina. Não vai dar certo, como já foi comprovado no Brasil e nos Estados Unidos. Consumidor, defensor e propagandista desse medicamento, o presidente Jair Bolsonaro já testou positivo para o novo coronavírus, mas continuou testando negativo para as funções de governo. No meio de uma pandemia, o Brasil completou na última sexta-feira quase dois meses sem titular no Ministério da Saúde. No mesmo dia, um novo ministro da Educação, o quarto em pouco mais de um ano meio, poderia ser anunciado. Na véspera, numa de suas lives, o presidente havia tentado mostrar otimismo. “A economia vai pegar”, disse ele, atribuindo a profecia ao ministro da Economia. “Se a economia não pegar, fica complicado. Mas acredito no Paulo Guedes”, acrescentou. Acredita mesmo?

Confiando no ministro, mas nem tanto, na mesma live o presidente voltou a cobrar a reabertura mais pronta das atividades. “Há sinais de retomada na economia, mas precisamos de governadores e prefeitos que comecem a abrir o comércio, caso contrário as consequências vão ser danosas para todo mundo no Brasil”, disse Bolsonaro. A insistência contrasta com seu desinteresse, exibido até recentemente, pelos assuntos econômicos. Como explicar a mudança? Uma súbita iluminação?

Bolsonaro completou seu primeiro ano de mandato com a economia em pior estado do que em 2018. O produto interno bruto (PIB) cresceu apenas 1,1% em 2019, menos que em qualquer dos dois anos precedentes.

José Roberto Mendonça de Barros - Muitas mudanças após a pandemia

- O Estado de S.Paulo

Provavelmente veremos a valorização de uma vida mais simples, a ampliação do comportamento “faça você mesmo”

Mesmo com uma estimativa melhor do desempenho da economia no segundo trimestre, a maior parte das projeções para este ano está na faixa de uma queda de 6%, que também é a da MB. Nestas condições, o PIB per capita brasileiro terá caído, desde 2015, algo como 15%, ou seja, ficamos inequivocamente mais pobres e isto tem de ser bastante bem avaliado por todas as empresas, especialmente, nos mercados de bens de consumo. Genericamente, se elevará a demanda de produtos mais simples, o que já é totalmente visível no setor de alimentos.

Entretanto, devemos concentrar nossa atenção nas mudanças de comportamento que existirão após a experiência do distanciamento social que a Covid-19 impôs ao País.

Pesquisas disponíveis sugerem que as pessoas deverão alterar parcialmente suas percepções enquanto cidadãos, consumidores e trabalhadores.

No primeiro caso, provavelmente veremos a valorização de uma vida mais simples, a ampliação do comportamento “faça você mesmo” (mais matérias-primas e menos produtos finais) e o reforço à ideia de maior preservação do meio ambiente. Acredito também que o bairro e a proximidade sairão mais apreciados nas cidades grandes.

Entretanto, o confinamento e a valorização das regras de higiene aceleraram a entrada no mundo virtual, algo que já ocorria lentamente. De uma hora para outra, foi preciso aprender a trabalhar em casa, a comprar pela internet e a utilizar extensivamente os pagamentos digitais.

Auditoria no Face pode ajudar lei das fake News – Editorial | O Globo

Ilegalidades cometidas na rede social justificam propostas para haver transparência na internet

A prática de crimes ou violação de direitos por meio da divulgação de informações falsas sempre existiu. No entanto, a Constituição e a lei sempre foram capazes de enfrentar o problema, limitando seus efeitos danosos, equilibrando, de um lado, a liberdade de pensamento e expressão, vedado o anonimato, e, de outro, a responsabilização do autor da mensagem falsa pelos danos que causar e os crimes que cometer — injúria, calúnia, difamação, racismo etc.

O advento das redes sociais e dos sites de postagens criou um ambiente perfeito para a explosão desse tipo de crime, pela ampliação do alcance das mensagens falsas e pelo acobertamento da identidade dos autores das mensagens. Robôs disparam conteúdos sabidamente falsos, induzindo os usuários a acreditarem que têm origem em pessoas reais, e por meio desses disparos são propagadas ofensas de toda sorte, quando não graves ameaças. Um processo que destrói reputações, afeta de forma ilegítima processos eleitorais e cria uma tensão social profundamente prejudicial para a democracia.

O cenário se agrava porque as plataformas utilizadas para a divulgação de notícias falsas são dominadas por um pequeno grupo de empresas multinacionais, com alta dominância ou mesmo poder de monopólio em seus mercados, grande cacife financeiro, capacidade praticamente ilimitada de influenciar, além de um discurso poderoso e com grande apelo, especialmente para a juventude, a favor da liberdade de expressão e de informação.

A liberdade de expressão e informação não é incompatível com a responsabilidade pelos danos causados a terceiros. Muito ao contrário, liberdade e responsabilidade são conceitos interdependentes: na prática democrática, liberdades somente podem ser exercidas na medida em que não interfiram na esfera de direitos do outro; quando isso ocorre, o caminho passa a ser o da responsabilização do agente pelo dano causado. É esta possibilidade de responsabilização que permite que as liberdades continuem sendo garantidas e exercidas em sua plenitude: se não existir ou falhar a atribuição de responsabilidade por eventuais abusos, abre-se espaço para que remédios amargos como o da censura prévia passem a ser cogitados, em total afronta ao nosso regime constitucional. Algo que obviamente não se pode admitir.

Bolsa com teto – Editorial | Folha de S. Paulo

Maior ação social, desejável, deve respeitar limite de gasto para ser eficaz

Em quase todo o mundo, o enfrentamento da pandemia trouxe consigo a necessidade de atuação dos governos para proteger os vulneráveis. No Brasil, o auxílio emergencial de R$ 600 mensais até agora se mostra crucial para preservar a renda das famílias pobres e evitar danos sociais ainda maiores.

De outro lado, é preciso considerar o custo para os cofres públicos, que até agora chega a R$ 250 bilhões com o auxílio, e o dobro disso se considerados outros gastos.

No agregado, incluindo a queda da receita de impostos ocasionada pela recessão, o déficit governamental pode superar a marca de R$ 1 trilhão neste ano, quase dez vezes o estimado antes da crise, e levar a dívida pública para perto de 100% do Produto Interno Bruto.

Persistir na mesma toada a partir de 2021 seria insustentável. A administração federal precisará sem demora enfrentar o desafio de racionalizar o Orçamento de forma a manter de pé o teto de despesas inscrito na Constituição —o principal pilar da solvência do Estado.

A tolerância para o debate aberto – Editorial | O Estado de S. Paulo

Espécie de ajuste de contas com o passado não pode levar a uma restrição do debate, fazendo com que, a cada dia, mais assuntos, temas ou opiniões sejam proibidos

No dia 7 de julho, a revista americana Harper's publicou em seu site uma carta assinada por mais de 150 professores, escritores e artistas de renome mundial, na qual apoiam as manifestações por justiça racial e social que se iniciaram nos Estados Unidos e se difundiram pelo mundo inteiro, após a morte de George Floyd em Minneapolis no final de maio. Ao mesmo tempo, os signatários da Carta sobre justiça e debate aberto – entre eles, Francis Fukuyama, Noam Chomsky, Gloria Steinem, J. K. Rowling e Salman Rushdie – alertam para o “clima de intolerância que se instalou por todos os lados”. O texto oferece uma interessante reflexão sobre a chamada “cultura do cancelamento”.

A carta relata perseguições que vêm ocorrendo em nome da justiça social: “Editores são demitidos por publicar materiais controvertidos, livros são removidos por suposta inautenticidade, jornalistas são impedidos de escrever sobre certos assuntos, professores são investigados por citarem livros de literatura durante a aula, um pesquisador é demitido por circular um estudo acadêmico revisado por pares”. E constata que, “quaisquer que sejam os argumentos relativos a cada caso em particular, o resultado tem sido estreitar constantemente os limites do que pode ser dito sem a ameaça de represália”.

Trata-se, portanto, de um clima oposto ao que se deve esperar de um ambiente no qual se respeitam as liberdades. Por exemplo, a liberdade de expressão significa precisamente que cada um deve dispor de tranquilidade para expressar o que bem entender, sem medo de represália ou punição. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito mais limites à liberdade que aqueles determinados pela lei.

No entanto, os autores da carta afirmam que “a livre troca de informações e ideias, força vital de uma sociedade liberal, está se tornando cada vez mais restrita”. A atitude de censurar quem pensa de forma diferente já não está restrita a alguns grupos extremistas. Ela “está se expandindo em nossa cultura”, denunciam.

Música | Inma Cuesta - Una de esas noches sin final

Poesia | Fernando Pessoa - Dela Musique

Ah, pouco a pouco, entre as árvores antigas,
A figura dela emerge e eu deixo de pensar...

Pouco a pouco, da angústia de mim vou eu mesmo emergindo...

As duas figuras encontram-se na clareira ao pé do lago....

... As duas figuras sonhadas,
Porque isto foi só um raio de luar e uma tristeza minha,
E uma suposição de outra coisa,
E o resultado de existir...

Verdadeiramente, ter-se-iam encontrado as duas figuras
Na clareira ao pé do lago?
( ... Mas se não existem?...)
... Na clareira ao pé do lago?...

sábado, 11 de julho de 2020

Merval Pereira - Caso exemplar

- O Globo

Sistema de escolha dos ministros do STF pode ser deturpado , assim como o do procurador-geral da República

O habeas-corpus dado pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) João Otavio Noronha ao Queiroz, amigo dos Bolsonaro, e à sua mulher, foragida da Justiça, não foi surpresa para ninguém, apesar de ele já ter recusado nada menos que sete habeas-corpus anteriormente para presos que argumentavam com o perigo de se contaminarem com a Covid-19, razão alegada para conceder a graça a Queiroz.

Já era consabido que ele está empenhado em se colocar para o presidente Bolsonaro como alternativa confiável à vaga no Supremo Tribunal Federal que se abre em novembro com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello.

Antes, depois que Noronha derrubou uma decisão que obrigava Bolsonaro a apresentar seus exames médicos, o presidente elogiou Noronha em discurso, dizendo que tinha sido “um amor à primeira vista”.

As freqüentes decisões a favor do presidente, a dos exames acabou derrotada no STF, e o habeas-corpus de Queiroz, que causou incômodo entre seus pares, pode ser derrubada pelo relator Felix Fischer, têm uma razão de ser. João Otávio Noronha fará 65 anos em agosto do ano que vem, idade máxima para ser indicado para o Supremo.

Ricardo Noblat - Se Queiroz foi solto pra evitar o vírus, outros presos também deveriam ser

- Blog do Noblat | Veja

Salvo engano, a lei é para todos

Sabe, a Justiça tem lá suas esquisitices. E os juízes, um elenco sempre renovado de motivos para, com base em leis existentes e levando-se em conta as circunstâncias, justificarem suas decisões por mais contraditórias que possam soar aos ouvidos dos cidadãos. Esses, no mais das vezes, a tudo assistem petrificados.

Antes de conceder habeas corpus a Fabrício Queiroz, parceiro de Flávio Bolsonaro em desvio de dinheiro público, porque na prisão ele correria o risco de contrair o coronavírus, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio Noronha, pelo mesmo motivo, negou 7 outros pedidos de habeas corpus.

Um deles beneficiaria presos do Ceará que estão no grupo de risco da pandemia. Outro, um homem em São Paulo que teria apontado um canivete a um funcionário de uma padaria e saído do local com um energético que custava R$ 5,25. A polícia não encontrou o canivete. O tal homem não tem antecedentes criminais.

Noronha negou-se também a livrar da cadeia um homem acusado de roubo, outro acusado de receptação, um suspeito de tráfico de drogas, um homem acusado de traficar drogas e outro acusado de estupro. Ora, se Estado tem condições de promover o isolamento de presos do grupo de risco, faltou razão para libertar Queiroz.

A concessão do benefício a Queiroz se deu por meio de uma sentença considerada sigilosa, o que é raro. E o mais bizarro: o benefício alcançou Márcia Aguiar, a mulher de Queiroz, que para escapar da prisão fugiu com a ajuda de milicianos do Rio. Noronha aguarda que ela apareça para cuidar do marido.

Julianna Sofia – Caras de pau

- Folha de S. Paulo

E Márcia, a mulher de Queiroz, está foragida

Márcia Aguiar é beneficiária do maior programa emergencial de transferência de renda que o Brasil experimentou em décadas. Os números são superlativos: 65 milhões de brasileiros atendidos e a injeção de R$ 254 bilhões neste ano para mitigar os efeitos devastadores da pandemia na já abissal desigualdade entre ricos e pobres no país.

Trata-se de um escárnio, no entanto. Márcia está foragida. É mulher de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro envolvido no escândalo das rachadinhas, e recebeu duas parcelas do auxílio de R$ 600.

Não foi a única a refestelar-se. Outros 565 mil brasileiros, pelos cálculos do TCU (Tribunal de Contas da União), receberam indevidamente parcelas do auxílio emergencial. Há na lista mortos, presos, residentes no exterior, servidores aposentados e, como a senhora Queiroz, pessoas com mandados de prisão expedidos pela Justiça.

Hélio Schwartsman - Sem lugar para o ódio

- Folha de S. Paulo

Fundamentei minha inclinação com argumentos racionais

Não sei se captei bem a mensagem do tortuoso artigo do secretário Fábio Wajngarten, mas acho que ele me acusa, entre outras coisas, de fomentar o ódio contra Bolsonaro. Eu obviamente não gosto do presidente, mas não chego a odiá-lo. Acho que a única coisa que odeio neste mundo são bananas (a fruta).

Em várias ocasiões, escrevi colunas em que apoiei propostas polêmicas de Bolsonaro ou critiquei decisões judiciais que, a meu ver, tolhiam-lhe indevidamente os poderes. Mais importante, sempre advoguei por seu direito, e o de seus seguidores, à livre expressão, mesmo que seja para enaltecer o AI-5 e outros terrores.

No mais, mesmo que quisesse eu teria dificuldades para montar um discurso de ódio valendo-me do consequencialismo. Um dos problemas com essa escola de pensamento é que ela produz uma ética de planilha, difícil de adaptar às idiossincrasias humanas —embora sirva bem a vulcanos. É que o consequencialismo despe todas as questões dos conteúdos emocionais que possam ter e as trata como um sistema de inequações a ser resolvido com a frieza da aritmética. Se de um lado temos seis vidas e, do outro, uma, vence inapelavelmente o seis.

Demétrio Magnoli* - A vida e a vida de Jair Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Torcida por sua morte esconde desejo de borrar raízes do extremismo de direita

Sempre leio Hélio Schwartsman, concordando e discordando, porque aprecio a qualidade de seu texto e divirto-me com sua férrea lógica consequencialista. Águias também fazem voos rasantes, mas dessa vez ele passou do ponto: “Por que quero que Bolsonaro morra” (Folha, 8 de agosto) é uma traição a meus princípios e, mais importante, uma dupla traição à filosofia do próprio Schwartsman.

O argumento de que a morte de Bolsonaro por Covid-19 salvaria vidas é uma aplicação restritiva, quase infantil, do consequencialismo. Há mais entre o céu e a terra do que a pandemia. O exame especulativo sobre as implicações de hipotético falecimento presidencial não pode se cingir à ótica exclusivista da epidemiologia.

Bolsonaro enfrenta a encruzilhada decisiva de seu (des)governo. Na base social remanescente da extrema direita, que não é insignificante, sua morte súbita teria o condão de salvá-lo da desmoralização, elevando-o a um pedestal inexpugnável. O falso mito se tornaria, então, Mito.

A consequência mais ampla de sua morte biológica seria sua vida política eterna. Em torno da tumba de um Messias de cartolina, se reuniriam novas gerações de extremistas dispostos a assombrar a democracia brasileira.

João Gabriel de Lima - A irmã alemã da Lei das Fake News

- O Estado de S.Paulo

Se no Brasil a preocupação é com fake news, na Alemanha é com discurso de ódio

Os alemães são referência em cerveja, música clássica e carros de luxo. Recentemente, pularam à frente em outro tema: regulação de plataformas digitais. O mundo democrático observa o caso alemão para ver se existe ali um modelo viável. O Brasil especialmente. Grande parte da “Lei das Fake News” se inspira no texto promulgado em Berlim. É como se o PL 2630 tivesse, a exemplo de Chico Buarque, um irmão alemão.

Para entender a lei alemã, e como ela inspirou a lei brasileira, recomenda-se a leitura do livro “Fake News e Regulação”, de Georges Abboud, Nelson Nery Jr. e Ricardo Campos. Campos é advogado, dá aulas na Universidade Goethe, em Frankfurt, e esteve com vários parlamentares envolvidos na discussão brasileira, de Antonio Anastasia (PSD-MG) a Felipe Rigoni (PSB-ES). Ele é o personagem do mini-podcast da semana.

Segundo Campos, a lei alemã tem dois pilares. As grandes plataformas são obrigadas a criar mecanismos de denúncia e defesa contra ilegalidades, e podem retirar conteúdos do ar – algo que em certa medida já fazem, em temas como pornografia infantil. Agora, no entanto, devem publicar relatórios regulares sobre os critérios de remoção – há uma exigência de transparência. O segundo pilar é a “auto-regulação regulada”: uma instituição, fora do âmbito da Justiça, mas sob supervisão dela, para resolver casos nebulosos.

Adriana Fernandes - Pressão ambiental

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro chegou ao poder prometendo descomplicar o licenciamento ambiental

O Ministério da Economia minimiza os seguidos e crescentes alertas para o risco de a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro se transformar numa ameaça real à retomada mais rápida da economia brasileira depois da pandemia da covid-19.
Paulo Guedes foi o grande ausente da reunião dessa semana do vice-presidente, Hamilton Mourão, com representantes de 10 grandes fundos internacionais que cobram mudanças na política ambiental do governo para seguirem com novos investimentos no País.

A lista de presentes da reunião, divulgada pelo governo, contava com cinco ministros – Braga Netto (Casa Civil), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Tereza Cristina (Agricultura), Fábio Faria (Comunicações) e Ricardo Salles (Meio Ambiente)–, mas sem a participação de nenhum dos secretários especiais que estão na linha de frente do superministério de Guedes.

Salvo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que no início do ano fez o primeiro alerta sobre o temor que os fluxos de dólares para o País sejam afetados pela imagem do Brasil na área ambiental, que participou da reunião e tem adotado uma postura independente em relação ao problema ambiental. Em março passado, Campos Neto incluiu o BC brasileiro na NGFS, a rede de BCs para “ecologizar” o sistema financeiro, lançada na Cúpula de Paris “One Planet” de 2017.

Na direção contrária, o Ministério da Economia tem preferido se afastar do problema ao invés de tomar a dianteira do diálogo com os investidores, o que seria o mais natural em se tratando dos interlocutores envolvidos: o mundo financeiro e empresarial. O argumento tem sido mesmo: o assunto é com Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia criado por Bolsonaro.

Ascânio Seleme - É hora de perdoar o PT

- O Globo

Ódio dirigido ao partido não faz mais sentido e precisa ser reconsiderado se o país quiser mesmo seguir o seu destino de nação soberana, democrática e tolerante

Não há como uma nação se reencontrar se 30% da sua população for sistematicamente rejeitada. Esse é o tamanho do problema que o Brasil precisa enfrentar e superar. Significa a parcela do país que vota e apoia o Partido dos Trabalhadores em qualquer circunstância. Falo dos eleitores, não apenas dos militantes. Me refiro aos que acreditam na política de mudança do partido, não aos seus líderes. Os que acreditam e sustentam o PT são a maioria do terço de eleitores perenes do partido, não os que foram flagrados nos dois grandes escândalos de corrupção que marcaram as gestões petistas.

Esse agrupamento político, talvez o mais forte e sustentável da história partidária brasileira, tem que ser readmitido no debate nacional. Passou da hora de os petistas serem reintegrados. Ninguém tem dúvida de que os malfeitos cometidos já foram amplamente punidos. O partido teve um ex-presidente e seu maior líder preso e uma presidente impedida de continuar governando. Outros líderes históricos também foram presos ou afastados definitivamente da política. Hoje, respeitadas as suas idiossincrasias naturais, homens e mulheres de esquerda devem ser convidados a participar da discussão sobre o futuro do país. Têm muito a oferecer e acrescentar.

A gritaria contra a roubalheira já cansou, não porque se queira permitir roubalheiras, mas porque é oportunista politicamente. Claro que houve desvios de dinheiro público na gestão de Lula e Dilma, as provas são abundantes e as condenações não deixam dúvidas. Mas o PT é maior que isso e, como já foi dito, para ladrões existe a lei. Imaginar que o partido repetirá eternamente os mesmos erros do passado é uma forma simples, fácil e errada de se ver o mundo. Os erros amadurecem as pessoas, as instituições, os partidos políticos. Não é possível se olhar para o PT e ver só corrupção. O petismo não é sinônimo de roubo, como o malufismo.

Superada esta instância, que é mais fácil, terá de se ultrapassar também a índole autoritária que um dia foi semeada no coração do PT e vicejou. Exemplos são muitos, como a tentativa de censurar a imprensa através de um certo “controle externo da mídia”, de substituir a Justiça por “instrumentos de mediação” em casos de agressão aos direitos humanos, ou de trocar a gestão administrativa por “conselhos populares”. Se estas tentações foram barradas no passado, quando até o centrão apoiava o PT, certamente não prosperarão num ambiente muito mais polarizado como o de hoje.

Daniel Aarão Reis - O choro dos pombos

- O Globo

A derrubada de monumentos foi compreensível

‘É uma campanha impiedosa para acabar com nossa história, apagar nossos valores e doutrinar nossos filhos”. Apoplético e demagógico, o presidente Trump, em momentos recentes, apostrofou os “fascistas de esquerda que tentam profanar nossos monumentos.”

Menos, Trump, menos. O fascismo foi uma invenção — e é um patrimônio — das direitas. Além disso, vossos valores e filhos estão bem defendidos pela força das tradições e do arsenal atômico estadunidense.

Seria razoável recuperar a calma e compreender o que está acontecendo.

O sinal de partida da atual onda contra imagens e estátuas foi dado por manifestantes ingleses em Bristol, que atacaram a estátua do nada venerável Edward Colton, um cruel e infame traficante de escravos. Derrubaram-na do pedestal, arrastaram-na pelas ruas e a jogaram no rio, sem nem indagar se o pobre diabo sabia nadar. A notícia incentivou grupos diversos em várias partes do mundo. De acordo com suas preferências e critérios — ou a arrepio de qualquer critério —, começaram a derrubar, a pichar e a vandalizar mármores e granitos.

Nos Estados Unidos, vários generais e lideranças escravistas foram apeados dos respectivos pedestais. A ira alcançou George Washington e Thomas Jefferson e até mesmo Cristóvão Colombo. Em Londres, quiseram pegar Winston Churchill, protegido — e ocultado — por um tapume de madeira. Em Portugal, sobrou para o padre Antônio Vieira. Na França, Voltaire e Colbert, por motivos bem diferentes, tiveram que se haver com a ira popular.

Trata-se de uma história velha como a Humanidade.

Míriam Leitão - Quando o dinheiro fala é melhor ouvir

- O Globo

A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, disse ao “Financial Times” que está comprometida com a busca de uma economia mais verde. “Eu quero explorar todas as avenidas disponíveis para combater as mudanças climáticas, porque, no fim das contas, o dinheiro fala.” O dinheiro falou alto e claro ao Brasil nos últimos dias sobre a necessidade do fim do desmatamento da Amazônia. Na resposta, o vice-presidente Hamilton Mourão teve uma boa atitude, mas repetiu alguns velhos equívocos.

A boa atitude é receber os investidores e os empresários e se comprometer com resultados e até, como disse ontem, adotar metas de redução de desmatamento. Isso, se virar realidade, será uma mudança radical na atitude do governo. Será preciso abandonar teses antiquadas.

Não leva a lugar algum repetir o argumento de que a pressão vem de competidores comerciais do Brasil. Sim, o Brasil é um fenômeno agrícola. Deu saltos de produtividade, desenvolveu novas tecnologias, tem água, terra, conhecimento. Sempre haverá competidores rondando. O problema é por que um país com imensas possibilidades facilita tanto a vida dos competidores como faz o governo Bolsonaro? Segunda dúvida: por que destruir exatamente esse patrimônio que nos dá vantagens competitivas?

Entrevista - Momento atual é como no macarthismo dos anos 1950, afirma historiadora

Para historiadora Joan Scott, EUA sob Trump vive como na era do macarthismo

Por Helena Celestino | Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Quando Donald Trump foi eleito, a historiadora Joan Scott começou a sentir-se ansiosa, com medo de ameaça indeterminada, ao acompanhar medidas do novo governo dos EUA. “Era, de alguma maneira, o retorno do que estava reprimido, não só para mim, mas para o país inteiro”, escreve ela em artigo sobre como a direita fez da liberdade de expressão uma arma.

Era como se o macarthismo (1950-1957) tivesse voltado: naquela época, quando ela tinha 10 anos, seu pai, professor orgulhoso do seu trabalho, foi demitido por recusar-se a dizer se era ou não comunista, em nome da defesa da liberdade acadêmica. Passaram-se sete décadas até professores voltarem a entrar na mira da extrema-direita americana. “A expertise do conhecimento está sob ataque”, diz.

Historiadora, professora de Princeton, autora de livros, Joan Scott, de 78 anos, é uma feminista aclamada como uma das criadoras do conceito de gênero.

Valor: A senhora diz, em artigo, que a direita transformou em arma a liberdade de expressão. Como isso vem acontecendo?

Joan Scott: A Primeira Emenda impede punição ao discurso de ódio, mas a definição da liberdade de expressão foi muito ampliada, é sem limite. Se falo sobre a Revolução Francesa ou sobre a teoria de gênero, em um curso, um estudante pode dizer: “Não, acho que a hierarquia entre os sexos foi feita por Deus”. Ele tem o direito, mas se dou uma nota baixa por causa disso, limito o seu direito de livre expressão. Ou seja, a verdade não é mais levada em conta nessa ideia de “free speech”. A liberdade de expressão é boa, mas a Constituição diz que é o Estado que não pode negar esse direito aos cidadãos, é uma relação entre o Estado e os cidadãos. Num curso, isso não pode contar. Sou a autoridade.

Valor: No artigo, a senhora descreve como Trump mirou intelectuais e professores para reduzir a liberdade na academia. Ao fim do governo, o que ocorre com as universidades?

Joan: A expertise do conhecimento está sob ataque. A competência dos professores para ensinar está sob ataque, a ideia é que as salas de aula são instrumentos politizados por professores e alunos. No começo, o descrédito era para as ciências sociais e humanas, para cursos de literatura ou de estudos sobre a mulher. A briga era sobre se esses cursos só expressam a opinião dos professores e não são científicos. Agora, mesmo medicina e biologia são contestados: se os cientistas dizem que a cloroquina não é boa para a saúde, não são levados a sério. Bom, Trump já mandou usar água sanitária contra o coronavírus. Na vida cotidiana, as pessoas que atacam a ciência têm mais legitimidade. As aulas de justiça social, com olhar para as estruturas de discriminação da sociedade, são chamadas de propaganda. São deslegitimadas.

Marcus Pestana - Redes sociais, política e fakenews

O surgimento da Internet e das redes sociais promoveu uma verdadeira revolução na vida econômica, social e política do mundo contemporâneo.

Na política o impacto foi devastador. Muito da crise da democracia representativa clássica se explica pela expansão da Internet e das redes sociais, que limitou o papel intermediador dos partidos políticos, sindicatos e instituições, ao propiciar a comunicação direta e horizontal entre os cidadãos e dar vazão a multiplicidade de interesses presentes na sociedade. A combinação do potencial participativo das redes com as estruturas tradicionais de poder é uma obra em construção, já que as redes sociais podem até derrubar ou eleger governos, mas não são aptas a governar.

O problema é que qualquer inovação pode servir ao bem ou ao mal. Esta semana o Facebook, pressionado por mais de 900 anunciantes que suspenderam suas publicidades, desencadeou uma operação de combate às fakenews e à promoção do ódio em doze países, inclusive no Brasil. Aqui, foram removidos 88 contas, páginas e grupos ligados à base de apoio bolsonarista e ao já tristemente famoso “Gabinete do Ódio”, com dois milhões de seguidores Também foram suspensas 10 contas de WhatsApp ligadas ao PT por disparo maciço de mensagens.

Hoje, tornou-se vital debater como conciliar a liberdade de expressão e proteção à privacidade com o combate à desinformação deliberada através das fakenews e o uso das redes para manipular a opinião pública por instrumentos ilegítimos. Não é trivial construir boas políticas públicas em relação ao tema.

O inferno são os outros – Editorial | O Estado de S. Paulo

Só depende do governo transformar toda a pressão relacionada ao meio ambiente em cooperação, mas isso não deve acontecer

O governo está pressionado por todos os lados pela questão ambiental. Governantes ameaçam bloquear tratados, investidores ameaçam boicotes, empresários pedem medidas urgentes, cientistas denunciam a degradação do bioma, ex-ministros do Meio Ambiente reprovam o desmonte da pasta e manifestantes em todo o mundo acusam o Brasil de se tornar um pária ambiental. O surpreendente é que só depende do governo “virar a chave” e catalisar essa energia em cooperação. Mas, a julgar pela reunião do Conselho da Amazônia com investidores internacionais, isso não acontecerá.

Em coletiva após o encontro, a principal mensagem do líder do Conselho, o vice-presidente Hamilton Mourão, foi que as críticas refletem interesses comerciais e disputas geopolíticas, por causa da força do agronegócio. Há algo de verdade nisso. De fato, interessa aos produtores internacionais boicotar a agropecuária nacional e manter medidas protecionistas; de fato, interessa aos demagogos aliciar eleitores, sobretudo jovens, utilizando o Brasil como bode expiatório. Mas essa é só uma meia-verdade. Os recordes de desmatamento comprovam que as críticas têm fundamento. E mesmo a verdade que há nessas alegações é corrompida quando utilizada para camuflar as omissões do governo.