terça-feira, 14 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Cheia no Sul afeta toda a economia brasileira

O Globo

A maior perda são as vidas e os lares, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda

O Rio Grande do Sul precisará avaliar em breve os estragos das enchentes na economia. O drama humano está hoje eloquente nos relatos de mortes e nas imagens de casas submersas. A maior perda são as vidas e os lares destruídos, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda. Quando as águas baixarem, a população afetada precisará voltar à rotina de trabalho. Saber o que foi destruído nos setores industrial, agrícola e de serviços é o primeiro passo para assegurar o retorno à normalidade.

Dos municípios atingidos pelas cheias, 397 respondem por 92% da indústria, 91% dos serviços e 79% da agropecuária do estado. Mas ser afetado não significa necessariamente que toda a estrutura econômica tenha sido prejudicada. O Rio Grande do Sul já colheu 76% da soja, 83% do milho e 84% do arroz da atual safra, e nem toda a área plantada está sob as águas. As previsões falam em 2% de queda no PIB gaúcho, que representa 6,5% do brasileiro. Com uma economia interligada, principalmente aos demais estados do Sul, deverão ser afetadas várias cadeias produtivas nacionais. Na agricultura, sobretudo arroz, trigo e soja. Analistas preveem que o PIB brasileiro caia entre 0,2 e 0,3 ponto percentual.

Carlos Melo* - O fio de Ariadne

O Globo

O Brasil tem sido impiedosamente castigado por seus erros. Um período de destruição econômica, política e institucional

Há semanas, Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, proferiu palestra a alunos da graduação do Insper. Acompanhada de seus secretários, apresentou o projeto Rotas de Integração Sul-Americana e demonstrou a relevância de sua atuação no governo. São ações articuladas que buscam escoar, pelo Pacífico, a imensa produção de commodities do Brasil e dos países vizinhos.

Conectando rotas existentes em vários meios de transporte, o projeto diminui custos logísticos, atende a interesses econômicos do subcontinente e do mercado consumidor. Muitas obras estão prontas, outras dependem de detalhes. Em comparação ao passado, há pouco dinheiro público na parada. Desta vez, o BNDES não financiará países amigos.

Ultrapassada a fundamental reforma tributária, é um passo em direção à economia e ao mundo reais. Embora o foco seja a China, trata-se de profundo mergulho na nova divisão internacional do trabalho. A tradicional força do Ocidente tem sido abalada e está em via de superação pelo Oriente mais populoso, produtivo e economicamente exuberante.

Míriam Leitão - Rio Grande do Sul resgata o país

O Globo

A reunião entre os três poderes e o governo estadual segue o rito republicano e é um resgate do país que tem cicatrizes recentes de brigas federativas

O Brasil teve ontem à tarde uma cena de civilidade. Houve outras, desde que essa tragédia atingiu os gaúchos. Numa reunião curta, objetiva, respeitosa, o presidente Lula ofereceu ao governador Eduardo Leite ajuda concreta. O ministro Fernando Haddad explicou que os juros serão perdoados na suspensão do pagamento da dívida por três anos. Estavam presentes o presidente do Senado e o vice-presidente do STF. O presidente da Câmara chegou no final, voltando de uma viagem. Tudo era republicano e seguia o rito de uma federação sendo solidária a um ente federado que enfrenta grande sofrimento.

— Além da medida provisória da semana passada, R$ 12 bilhões, mais a suspensão do pagamento da dívida de R$ 11 bilhões, ao final dos 36 meses, o juro sobre o estoque de todo o período estará sendo perdoado, o que é superior à soma das parcelas dos 36 meses — disse Haddad.

Pedro Doria - O apocalipse

O Globo

Os dois temas mais urgentes para governos em todo o mundo se encontraram no Rio Grande do Sul: as mudanças climáticas e a regulação das grandes plataformas digitais

Os dois temas mais urgentes para governos em todo o mundo se encontraram no Rio Grande do Sul e desembocaram numa tragédia. Um são as mudanças climáticas. Outro, a regulação das grandes plataformas digitais, sem a qual a internet se torna um vasto manancial de desinformação. Não há problemas mais importantes a encarar. E, no entanto, são consistentemente adiados. O excesso de carbono que jogamos na atmosfera produziu a maior cheia jamais registrada na região. No ano passado já haviam ocorrido duas tempestades que levaram a muitas mortes. Nenhum gaúcho se sente seguro. Não bastasse, em meio ao desastre, no momento em que ter às mãos informação correta pode ser questão de vida ou morte, tornou-se impossível separar o que é verdade do que não é.

O encontro das mudanças climáticas com uma tempestade de notícias falsas não é acidental. O fato de não haver problemas maiores, e de governos seguirem sem encará-los como devem, tampouco. Não atacamos o problema do carbono porque há desinformação. Há desinformação em excesso porque não atacamos a regulação das plataformas.

Luiz Carlos Azedo - Lula socorre os gaúchos em meio às incertezas fiscais

Correio Braziliense

No Palácio do Planalto, a prioridade é ajudar os gaúchos e criar condições para a recuperação do estado. Lula cancelou a viagem ao Chile para volta ao Rio Grande do Sul

Luiz Inácio Lula da Silva e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, por videoconferência, se reuniram para tratar de novas medidas de socorro aos gaúchos, flagelados pelas piores chuvas de sua história. Na ocasião, o presidente anunciou que o pagamento da dívida do Rio Grande do Sul com a União será suspenso por três anos, nos quais não haverá cobrança de juros. A dívida gaúcha custa R$ 3,5 bilhões por ano e chega a R$ 95 bilhões.

Pelas contas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com isso o governo libera R$ 23 bilhões para o caixa do governo do Rio Grande do Sul. Eduardo Leite, entretanto, pleiteia o perdão da dívida, em razão na enorme dificuldade que enfrentará na reconstrução do estado. O projeto de lei complementar que suspende a dívida já está no Congresso para apreciação e aprovação em regime de urgência. A tendência é o Congresso abrir uma janela para eventualmente socorrer outros estados.

Pedro Cafardo - A indústria fez gols contra por três décadas

Valor Econômico

Propostas do neoliberalismo venceram a narrativa dos anos 1990 e os reflexos dessa vitória ainda hoje estão presentes em todas as formas de relações sociais

Peço desculpas para voltar ao tema da desindustrialização num momento em que o país, corretamente, só tem olhos para atenuar a tragédia socioambiental gaúcha. Mas há muitos trabalhos acadêmicos que merecem ser divulgados sobre a “tragédia industrial” e um deles, diferenciado, é do pesquisador PhD Haroldo da Silva, da PUC-SP, que buscou uma compreensão sociológica do problema, além da econômica. Ele partiu de uma pergunta que o intrigava: a despeito do eficiente trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na área legislativa em defesa do setor industrial, por que o processo de desindustrialização foi tão intenso no Brasil nas últimas três décadas?

Haroldo dedicou quatro anos à investigação dessa questão e, no fim de 2023, apresentou sua tese de doutorado (“A Ação Política dos Industriais no Congresso”). Em resumo, concluiu que a Agenda Legislativa da Indústria (Ali), da CNI, cujas propostas tiveram alto índice de sucesso no Congresso, acabou atuando contra os próprios interesses da indústria.

Edvaldo Santana - Roleta russa com a natureza

Valor Econômico

A notícia relevante não deveria ser a disposição dos governos em gastar bilhões para conter os efeitos dos danos já provocados, mas sim o que não fizeram para evitar a causa dos danos

Em 1986, em “O relojoeiro cego”, Richard Dawkins mostrou que o darwinismo não é obra do acaso. Os seres vivos não surgem da soma de casualidades favoráveis, mas de um jogo (evolutivo) muito complexo, mas com regras bem definidas. A natureza, assim, não é o acúmulo de eventos aleatórios, e sim o contrário. A natureza não joga dados.

A ministra Marina Silva, em entrevista à Globo News no dia 3, ao falar da tragédia do Rio Grande Sul (RS), ilustrou a tese de Dawkins. Ela disse mais ou menos o seguinte: a humanidade levou séculos a transformar a natureza em dinheiro. Agora precisa gastar mais dinheiro para ajudar a natureza a superar obstáculos.

Desde junho de 2022, com o banal assassinato de Dom Phillips, jornalista britânico, e do indigenista Bruno Pereira, comecei a pensar no valor da vida. O assunto voltou ao radar em agosto passado, com o assassinato da dona Bernadete Pacífico, líder quilombola, e, agora, com a catástrofe do RS. Não parece, mas a banalização da vida, como numa roleta russa, é um dos gatilhos de eventos climáticos extremos. E a roleta russa contra a natureza é uma aposta perdedora.

Eliane Cantanhêde – Boa notícia? Nem tanto

O Estado de S. Paulo

Quaest é ruim para Lula e péssima para Bolsonaro. E o centro, morreu?

Pesquisas de opinião são retratos do momento e cada um olha como bem entende, mas a última rodada da Genial/Quaest é clara: não chega a ser péssima, mas boa também não é para o presidente Lula. O copo está meio cheio e meio vazio, mas parece mais vazio do que cheio para Lula, que tem o governo e a caneta, os recursos e a visibilidade inerentes ao cargo.

São trunfos, mas faca de dois gumes, tudo depende de como a população vê o governo, de como o presidente e seus ministros usam a caneta e os recursos e se a visibilidade reverte a favor ou contra. Não adianta só aparecer, é preciso aparecer bem. Aliás, como Lula agora, na reação rápida e efetiva à tragédia do Rio Grande do Sul, que atrai as atenções e a solidariedade do Brasil inteiro e até do exterior. São viagens, reuniões, montanhas de recursos.

Carlos Andreazza - Ministros do Supremo participam

O Estado de S. Paulo

Resposta da Corte à revelação do quanto os ministros viajam pelo mundo em eventos é desaforo e exige análise do discurso

Reportagem de Weslley Galzo informa que “ministros do STF participaram de quase dois eventos internacionais por mês no último ano”, alguns dos quais custeados por grupos com interesses em ações julgadas na Corte.

O tribunal respondeu. A nota – desaforada e mal escrita, também modalidade de desaforo – exige análise do discurso.

“Ministros do Supremo conversam com advogados, com indígenas, com empresários rurais, com estudantes, com sindicatos, com confederações patronais, entre muitos outros segmentos da sociedade.”

Joel Pinheiro da Fonseca - Autoritarismo não é resposta às fake News

Folha de S. Paulo

Recriar confiança básica é mais importante que refutar fake news

O Estado não faz nada, é incompetente no pouco que faz e até mesmo sabota os esforços da iniciativa privada. Segundo levantamento do professor da USP Pablo Ortellado, 31% dos conteúdos compartilhados sobre as enchentes no RS na rede social tentam descredibilizar o poder público. Em muitos, há informações falsas ou exageradas, como a de que o governo teria negado ajuda do Uruguai, que caminhões com donativos estão sendo barrados por falta de nota fiscal ou mesmo que toda a tragédia foi planejada.

Num momento de crise, com nervos à flor da pele, sociedade polarizada e smartphones nas mãos de todos, é quase inevitável que muito conteúdo falso e/ou com forte teor político venha à tona. Misturam-se aí várias motivações: busca por fama ou dinheiro, oportunismo político e até mesmo equívoco sincero na intenção de ajudar. A questão é como reagir a ele.

Dora Kramer - O Supremo no varejo

Folha de S. Paulo

Corte tem dado as duas mãos e sido uma verdadeira mãe para o governo Lula

Quando começou a circular, a ideia de que o Executivo pretendia firmar uma aliança com a instância máxima do Judiciário a fim de criar um atalho de ultrapassagem às dificuldades do Planalto no Legislativo pareceu muito esquisita. Mais que isso. Institucionalmente inexequível, social e politicamente inaceitável.

Por uma questão básica: o preceito republicano da harmonia pressupõe a independência entre os Poderes. Cláusula pétrea. O Supremo Tribunal Federal poderia se manter distante de acertos feitos sob a égide das conveniências políticas sem criar crise alguma e muito menos deixando de se manter fiel à função de guardião da Lei Maior.

Hélio Schwartsman - Rousseau e o clima

Folha de S. Paulo

Filósofo mostrou que ocupação do solo e comportamento humano afetam os resultados de desastres naturais

Jean-Jacques Rousseau errou em quase tudo, mas, no que diz respeito a desastres naturais, suas reflexões são certeiras. Para ele, os efeitos de um cataclismo dependem não só do evento geológico ou climático que os precipita mas também da forma como humanos ocupam o solo e se comportam.

Alvaro Costa e Silva - O dono da polícia

Folha de S. Paulo

Ao transformar a PM paulista na mais sangrenta do país, secretário sonha alto na política

Secretário da Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite é tão poderoso quanto o governador Tarcísio de Freitas. Ou até mais. Tarcísio se vê obrigado, de vez em quando, a vestir o disfarce de moderado para agradar setores do mercado financeiro que o querem como herdeiro de Bolsonaro. Derrite trocou a farda pelo terno, mas segue agindo como se estivesse na Rota, da qual foi afastado por excesso de mortes.

Poesia | Pra viver um grande amor, de Carlos Drummond de Andrade

 

Música | Roberta Sá e Moreno Veloso - Um passo à frente

 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Política de habitação agrava efeito das enchentes

O Globo

Programas do governo incentivam construções em áreas de risco ou manancial nas periferias

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul e a sucessão de desastres naturais que tem fustigado as cidades brasileiras nos últimos anos, amplificada pelas mudanças climáticas, deveriam levar a sociedade — em especial a classe política — a refletir sobre os modelos de ocupação equivocados e as políticas habitacionais erráticas que têm contribuído para agravar os efeitos de eventos climáticos extremos inexoráveis.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) informou no ano passado, com base em dados antigos do IBGE, que 8,3 milhões de brasileiros viviam em áreas suscetíveis a enchentes ou deslizamentos. Estima-se que esse número já ultrapasse 10 milhões. Pelo menos 2,5 milhões se concentram em locais de “alto risco” e “muita vulnerabilidade”. Em Salvador, 45,5% da população vive em áreas de risco. Em Belo Horizonte, 16,4%. No Recife, 13,4%.

Fernando Gabeira - O cavalo subiu no telhado

O Globo

Não se trata apenas de tempestade. Há o aumento do calor, a alta do nível dos mares, tema que que nos atinge seriamente

Durante muitos anos, falei em aquecimento global, preparação das cidades, resiliência, essas coisas. Muito mais eficaz que todos os meus argumentos é a imagem de um cavalo de 350 quilos no telhado de um bairro inundado de Canoas, no Rio Grande do Sul. A imagem de Caramelo — esse é o nome que lhe deram nas redes sociais — emocionou muita gente, até pelo delicado resgaste realizado pelos bombeiros.

Destaco essa imagem na tragédia porque ela tem a força de desarrumar um pouco nossa lógica, provocar um rápido curto-circuito mental e, consequentemente, abrir a cabeça para a realidade que não conseguimos ver.

Escrevi um longo artigo sobre as mudanças climáticas para a revista da Academia Brasileira de Letras e usei como título o verso de Bob Dylan: Alguma coisa está acontecendo, mas você não sabe o que é. A imagem do cavalo no telhado economizaria dramaticamente meus argumentos.

Demétrio Magnoli - O risco de repetir Jane Fonda

O Globo

Black Power foi substituído por políticas identitárias oficialistas, articuladas nas reitorias e nos gabinetes parlamentares

A foto, de autoria anônima, correu mundo em julho de 1972. Jane Fonda, sentada numa bateria antiaérea norte-vietnamita, tornou-se “Hanói Jane”. Mais tarde, a protagonista de “Barbarella” (1968) pediria desculpas pela imagem “que me machucará até eu morrer”. Na Rússia de Putin, empregar a palavra “guerra” para fazer referência à invasão imperial da Ucrânia pode dar cadeia. Nas democracias, não é proibido criticar o próprio governo, e até a própria nação, mesmo fazendo propaganda de um inimigo.

A história da foto começou no início de 1968 com a Ofensiva do Tet, no Vietnã, que galvanizou o movimento antiguerra nos Estados Unidos, seguida pelo assassinato de Martin Luther King, em abril, fonte direta da rebelião negra no Harlem e indireta da ocupação estudantil do Hamilton Hall, na Universidade Columbia. Foi durante o ápice da agitação universitária, mas sem conexão com ela, que o palestino Sirhan Sirhan assassinou Robert F. Kennedy, estreitando a disputa pela indicação democrata ao vice Hubert Humphrey e ao candidato antiguerra Eugene McCarthy.

Carlos Pereira - Depois da tormenta, a negociação

O Estado de S. Paulo

De protagonista a incentivador de saídas negociadas: um Supremo que estimule acordos

Duas decisões recentes do Supremo geraram a necessidade da busca de soluções negociadas numa direção clara de pacificação política entre os poderes.

A primeira foi a interpretação da Corte de que a chamada “Lei das Estatais” é constitucional, restringindo assim a nomeação de políticos para os conselhos de administração e diretorias das empresas estatais. Mas, como o próprio Estadão chamou em seu editorial (11/05/2024), criou uma “esdrúxula inconstitucionalidade temporária”. Ou seja, decidiu que os políticos que já haviam sido nomeados para tais cargos e conselhos não teriam seus mandatos destituídos, pois estavam protegidos pela decisão liminar do ex-ministro Ricardo Lewandowski concedida nas vésperas de sua aposentadoria do STF.

Bruno Carazza - Os extremos que nos distanciam como país

Valor Econômico

Livro de Pedro Fernando Nery desbrava as fronteiras da desigualdade brasileira

“Não faz diferença se você é preto ou branco, se é menino ou menina”, cantou Madonna no palco em Copacabana, para delírio de mais de um milhão e meio de pessoas. “Você é um superstar, sim, isso é o que você é, você sabe disso”!

Lançada em 1990 e um dos maiores hits da carreira de Madonna, “Vogue” é uma celebração de um estilo de dança da cultura gay de Nova York nos anos oitenta, em que os artistas emulam poses e movimentos de modelos na passarela.

Sergio Lamucci - Incertezas monetárias se juntam às dúvidas fiscais

Valor Econômico

Com a decisão dividida do Copom na semana passada sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária

As incertezas em relação às contas públicas ganharam uma companhia preocupante na semana passada. Com a decisão dividida do Copom do Banco Central (BC) sobre a Selic, intensificaram-se as dúvidas sobre os rumos da política monetária. Cinco integrantes votaram por uma queda de 0,25 ponto da Selic, para 10,5% ao ano, e quatro - todos indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - por uma baixa de 0,5 ponto. Num momento em que o cenário externo é mais nebuloso, com a perspectiva de que os juros americanos demorem mais para cair e recuem menos, a combinação de incertezas fiscais e monetárias aumenta as pressões sobre o dólar e os juros de longo prazo no Brasil, o que pode diminuir o espaço para redução da Selic e prejudicar o crescimento da economia.

Dani Rodrik - Não se inquiete com subsídios verdes

Valor Econômico

As políticas industriais verdes da China foram responsáveis por algumas das vitórias mais importantes até hoje contra as mudanças climáticas

Uma guerra comercial sobre tecnologias limpas está chegando no ponto de ebulição. Os Estados Unidos e a União Europeia, preocupados com que subsídios chineses ameacem suas indústrias verdes, alertaram que responderão com restrições à importação. A China, por sua vez, apresentou uma queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre regras discriminatórias contra seus produtos sob a histórica legislação climática do presidente dos EUA, Joe Biden, a Lei de Redução da Inflação.

Numa viagem recente à China, a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, alertou diretamente a China de que os EUA não ficariam parados diante do “apoio governamental em larga escala” da China a setores como energia solar, veículos elétricos e baterias. Lembrando seu público de que a indústria siderúrgica dos EUA já havia sido dizimada pelos subsídios chineses, ela deixou claro a determinação do governo Biden de não permitir que as indústrias verdes sofressem o mesmo destino.

Marcus André Melo - Desastres e eleições

Folha de S. Paulo

Os incentivos políticos favorecem ações mitigadoras e não preventivas

Como o presidente e o governador serão afetados eleitoralmente pela calamidade no Rio Grande do Sul? Um exemplo ilustra a questão. O sucesso de Herbert Hoover, que liderou com grande visibilidade a resposta do governo federal à "enchente do século", do rio Mississipi, levou-o a se tornar candidato nas eleições presidenciais americanas de 1928. No entanto, nas áreas afetadas ele perdeu algo como 10% dos votos, segundo o estudo Disasters and elections.

A literatura sobre eleições e desastres naturais (que discuti na coluna aqui) divide-se em duas explicações rivais. A primeira afirma que eles geram emoções negativas que levam a uma punição nas eleições. Este argumento (conhecido como "retrospecção cega") foi desenvolvido em trabalho clássico sobre efeitos de ataques de tubarão. Os eleitores punem governantes por eventos externos aleatórios, pelos quais eles não são responsáveis. Aconteceu com Hoover.

Camila Rocha - Políticos ignoram urgência climática

Folha de S. Paulo

Se nada mudar, presenciaremos também a emergência de revoltas

As mudanças climáticas saíram dos livros e se tornaram realidade. A afirmação, feita pelo secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, reflete a percepção da população brasileira sobre a tragédia no Rio Grande do Sul.

De acordo com uma pesquisa da Quaest, realizada nos dias 5 e 6 de maio, 99% dos brasileiros associam as mudanças climáticas com as enchentes no Sul do país, sendo que 64% apontam que os fenômenos estão totalmente relacionados, e 30% consideram que estão parcialmente relacionados. Além disso, para 70% a tragédia poderia ter sido evitada.

Ruy Castro - Vidas e memórias na correnteza

Folha de S. Paulo

No Rio Grande do Sul, enquanto as câmeras registram o presente, o passado está sendo levado pelas águas

Já devem estar em dezenas de milhares as imagens da tragédia das cheias no Sul. Todas ficarão para sempre —as que vimos e as que não vimos, mas que outros viram e jamais esquecerão. Poucas desgraças terão sido tão documentadas ao vivo e em tempo real quanto esta —a morte levando vidas, bens, seres de estimação e economias de uma vida inteira, diante das lentes impotentes, capazes, no máximo, de registrar, alertar e transmitir os pedidos de socorro. Não é muito, mas melhor do que as outras tecnologias que falharam criminosamente: os escoamentos, drenagens e prevenções. Sem falar no maior dos crimes, o abuso do planeta.

Entrevista | Michel Temer: “Pacificação não se deu por falta de vontade de Lula e da oposição"

Por Monica Gugliano e Eliane Cantanhêde / O Estado de São Paulo

“A polarização é sempre uma coisa útil, porque se usa a palavra polarização para o conflito de ideias, de programas, sistemas. Mas, o que há no país é radicalização.”

Três vezes presidente da Câmara dos Deputados e presidente da República após um conturbado processo de impeachment presidencial, o segundo em 25 anos no Brasil, Michel Temer acreditava que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ia fazer uma espécie de redenção nacional durante seu terceiro mandato, unindo um País que vem sofrendo com um rompimento social desde 2013. Não foi isso o que aconteceu, lamenta o político.

Apesar da decepção, Temer reconhece que a falta de vontade política não ficou apenas na conta do atual detentor da cadeira mais importante do terceiro andar do Palácio do Planalto. “Foi a oposição que radicalizou? Eu não saberia dizer. Mas acho que foi. Faltou vontade política de um lado e do outro”, analisou o ex-presidente em entrevista exclusiva ao Estadão.

Ao longo da conversa, Temer destaca a importância da oposição para o exercício da democracia.

“A oposição existe para ajudar a governar na democracia. Por que ela ajuda a governar? Porque ela critica, observa, contesta, contraria”, diz, lamentando, porém, que o conceito de oposição foi radicalizado: “Aqui no Brasil nós temos a ideia de que cada governo que chega precisa destruir os governos anteriores, tanto que o vocábulo herança maldita se incorporou ao vocabulário político do País”.

O ex-mandatário também defende que é preciso por fim à disputa entre Poderes: “Cada um ficando no seu quadrado ajuda muito o País porque as pessoas têm que ter ciência e consciência da posição que ocupam”..

Poesia | Ah! O Amor, de Mário Quintana

 

Música | Os Cariocas - Telefone

 

domingo, 12 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Corrente de solidariedade orgulha o Brasil

O Globo

Apesar de saques e desinformação, prevalece o espírito de ajuda aos gaúchos num momento de dor

Em meio à catástrofe provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, é um alento testemunhar a corrente de solidariedade que tomou conta do Brasil, com apoio até no exterior. É um movimento comparável apenas ao que se formou durante a pandemia de Covid-19. O país polarizado felizmente não titubeou em se unir para acolher os gaúchos num dos momentos mais difíceis de sua história.

Não poderia ser diferente diante da situação. Inundações e deslizamentos já deixaram pelo menos 136 mortos e 125 desaparecidos. Cerca de 90% dos municípios gaúchos foram atingidos. Serviços básicos, como luz, água e comunicações, estão comprometidos. Mais de 500 mil moradores tiveram de deixar suas casas. Nos supermercados, é difícil encontrar água e comida.

Falta quase tudo aos gaúchos, mas não solidariedade. Voluntários não se intimidaram com o cenário hostil e se juntaram às forças-tarefas que atuam no resgate de famílias isoladas, no acolhimento aos flagelados e na distribuição de doações. A professora universitária Camila Rodenbusch foi para a linha de frente com seus alunos. “Resgatamos crianças sem pais, muitos idosos doentes, é uma situação muito triste”, disse ela ao Jornal Nacional. Deram ao Brasil uma aula prática de compaixão. São apenas um dos inúmeros elos da corrente do bem formada no Brasil.

Merval Pereira - O futuro do Real

O Globo

O economista e membro da Academia Brasileira de Letras, Edmar Bacha, dá uma importância fundamental à democracia para o êxito do Plano Real, “exemplo maior da união da boa técnica com a Política com P maiúsculo”

Várias comemorações dos 30 anos do Plano Real foram produzidas nos últimos meses, e muitas outras acontecerão, pois o Real, a moeda nacional que temos à mão hoje, é a mais longeva de todas as oito que tivemos desde o Cruzeiro de 1942, considerada uma “conquista histórica” que orgulha o país. Uma conquista coletiva, que teve como base professores integrantes do curso de economia da PUC do Rio de Janeiro, entre eles o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, e o ex-presidente do IBGE e do BNDES Edmar Bacha.

O livro do selo História Real do editor Robert Feith “30 anos do Plano Real, crônicas ao sabor do momento” reúne artigos escritos pelos três economistas que ganham dimensão histórica à medida que vão analisando os momentos decisivos da implantação do Real. Trata-se de uma narrativa sobre a reconstrução da moeda nacional, depois de sete moedas destruídas pela inflação, muitos zeros cortados, desvalorizações, transferências de renda forçadas, impostos inflacionários e turbulências financeiras, conforme definição dos autores.

Sergio Fausto - Lições do Plano Real

O Estado de S. Paulo

A principal delas é que só a política é capaz de levar o País a superar seus impasses e bloqueios

O aniversário de 30 anos do Plano Real convida a refletir sobre os fatores que o levaram a ter êxito. Que lições continuam válidas até hoje?

A primeira delas é que não se pode fazer nada de bom e duradouro em matéria de políticas públicas sem conhecimento especializado. A vontade não substitui o conceito. O Plano Real se beneficiou de um longo amadurecimento da reflexão acadêmica sobre as características próprias do processo inflacionário no Brasil. O departamento de Economia da PUC-Rio foi o principal centro dessa reflexão. Ali nasceu a ideia de levar à indexação ao extremo para debelar a inflação. Passaram-se mais de 15 anos entre o primeiro lampejo – apresentado em um texto para discussão por André Lara Resende – e a concretização da ideia sob a forma engenhosa da URV.

Rolf Kuntz - Entre o petismo e a estabilidade

O Estado de S. Paulo

O governo age de forma perigosa quando despreza obviedades, tornando menos previsíveis as suas ações e as suas contas

Como num grande clássico, a equipe “ortodoxa” do Banco Central (BC) bateu por cinco votos a quatro, em sua última reunião, o time escalado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para derrubar os juros. Corintiano experiente, o presidente da República deve estar preparado para esperar. Empenhado em mandar na política da moeda e do crédito, ele terá mais chance de sucesso quando mudar a chefia do BC, no fim do ano. Desta vez, o corte, de apenas 0,25 ponto porcentual, ainda foi menor do que o defendido pela torcida petista e por seu herói mais importante, o chefe de governo. Até dezembro, haverá muito assunto para o discurso futebolístico, usado pelo presidente em sua chegada a Porto Alegre, no dia 3, quando já estavam confirmadas 32 mortes causadas pelas chuvas e inundações. A soma logo chegaria a 100.

Míriam Leitão - A dupla face do agronegócio

O Globo

Moderno na implantação de tecnologias, agronegócio se mantém arcaico na agenda da destruição da legislação ambiental

Imagine um mundo em que produtores rurais não tenham que se preocupar se o agrotóxico afeta a vida humana ou o meio ambiente. Um mundo no qual tudo o que não for floresta pode ser derrubado e, mesmo nas florestas, será possível avançar mais, mudando as leis. Em que campos nativos, como o pampa gaúcho, não tenham proteção. Nesse mundo, os indígenas só poderão requerer territórios nos quais estavam no dia 5 de outubro de 1988, e inclusive os isolados terão que provar onde estavam naquela data. E quem invadiu terra pública até 2014 pode ficar tranquilo porque seu crime será perdoado. Aliás, deve continuar invadindo porque haverá novas anistias.

Bernardo Mello Franco - Enxurrada de desinformação

O Globo

Notícias fraudulentas atrapalham equipes de resgate, desestimulam entrega de donativos e incitam revolta contra quem tenta salvar vidas no RS

Enquanto milhares de brasileiros morriam diariamente na pandemia, a máquina da desinformação atuava para desacreditar as vacinas e sabotar as medidas sanitárias. Seria muito otimismo esperar algo diferente na tragédia que abate o Rio Grande do Sul.

A catástrofe climática veio acompanhada de uma enxurrada de fake news. Na tragédia, as notícias fraudulentas fazem mais do que emporcalhar o debate público. Atrapalham as equipes de resgate, desestimulam a entrega de donativos, incitam a revolta contra quem tenta salvar vidas.

No domingo passado, um coach mentiu que o governo gaúcho estaria barrando caminhões de doação e impedindo a distribuição de quentinhas a desabrigados. “É ano político, a mídia não vai mostrar direito o que tá acontecendo, entendeu? Por causa dos políticos”, disse, com ar de indignação.

Dorrit Hazazim - Janela do tempo

O Globo

Na enxurrada, lá se vão muitos sonhos, esperança, planos e expectativas de um amanhã; também essas coisas exigem um planeta habitável

Cá estamos, no controle a granel de praticamente tudo o que existe sobre a Terra e, mesmo assim, perto de sermos a mais frágil das espécies com que dividimos a existência. À exceção de uma guerra nuclear aniquilante, continuamos a agredir com voracidade suicida o meio ambiente que permite o viver humano. Ao arrepio da ciência e do saber, tudo sofre agressão ininterrupta — oceanos, outras espécies, florestas, rios, pantanais, ecossistemas, biomas, ar, água. Tudo. Na enxurrada, lá se vão muitos sonhos, esperança, planos e expectativas de um amanhã — também essas coisas exigem um planeta habitável.

Uma década atrás o escritor e ambientalista britânico George Monbiot já alertava sobre a degradação do chão em que pisamos — tratamos feito lixo essa estrutura biológica que produz 99% das calorias de que precisamos. Mais recentemente, Monbiot publicou o premiado “Regenesis: feeding the world without devouring the planet”(em tradução livre, “Regênese: alimentando o mundo sem devorar o planeta”), em que destrincha vários caminhos ainda possíveis. Só que a janela do tempo vai se fechando, e preferimos não ver.

Luiz Carlos Azedo - A cosmovisão da floresta e o fim do mundo

Correio Braziliense

Uma árvore derrubada na Amazônia, como num efeito borboleta, impacta o clima dos pampas. Há consenso científico sobre isso

Num país democrático e multiétnico como nosso, coexistem diferentes formas de pensar e de viver, embora nem sempre em harmonia. Uma delas merece cada vez mais atenção, pela contribuição que pode dar ao planeta, sobretudo à ciência, nesse momento de emergência climática: a cosmologia indígena. Diante da destruição das florestas e consequente aquecimento global, da frequência e escala crescentes dos desastres naturais, os saberes indígenas ancestrais começam a ganhar corações e mentes na sociedade.

Não se trata mais de um debate sobre modelos de desenvolvimento, pura e simplesmente. Trata-se da dramática condição humana que emerge nos “desastres naturais”, como a que estamos vivendo no Rio Grande do Sul. A capacidade de adaptação às mudanças, hoje focada nas relações econômicas e na inovação tecnológica, precisa voltar ao leito da relação evolutiva dos seres humanos com a natureza, porque põe em xeque a nossa capacidade de adaptação às mudanças ambientais, sobretudo climáticas.

Eliane Cantanhêde - Agora ou nunca

O Estado de S. Paulo

As águas do Sul do País vão baixar, mas o pântano digital continua. E as eleições vêm aí!

É agora ou nunca. Ou o Brasil enfrenta a ameaça das fake news a pessoas, instituições e à própria democracia, ou a polarização e a consequente irracionalidade política vão impedir qualquer tipo de regulamentação para a terra de ninguém em que as redes sociais criam sua realidade paralela e espalham visões deturpadas do mundo.

Se, por um lado, a tragédia histórica no Rio Grande do Sul uniu as instituições e gerou uma onda apartidária de solidariedade, tornou-se também o ambiente ideal para a ação do pântano ideológico, sem lei, escrúpulos e civilidade. As águas do Estado vão baixar, mas o pântano digital não. E as eleições municipais vêm aí…

Vinicius Torres Freire - Como pagar a reconstrução do RS

Folha de S. Paulo

Números divulgados até agora não têm sentido; refazer o estado exige um plano diferente

O Rio Grande do Sul precisa de pelo menos R$ 19 bilhões para a reconstrução, diz Eduardo Leite (PSDB), governador do estado. O governo federal afirma que adotou medidas com "impacto de R$ 50,945 bilhões". Há por aí estimativas de que o estado precisaria de mais de R$ 90 bilhões —contas de guardanapo.

Esses números não têm significado algum, até porque ninguém tem ideia do tamanho das perdas ou de como deve ser a reconstrução. O "como" é muito importante.

É fácil perceber a incongruência e a falta de significado dos números. Com os R$ 50 bilhões federais se pagam os R$ 19 bilhões gaúchos? Claro que não.

Celso Rocha de Barros – Crise ambiental não é mais teórica

Folha de S. Paulo

Desastres como o do RS têm potencial para furar bolha do negacionismo

Quem mente que não há aquecimento global tem tudo para ser popular. Afinal, está dizendo para o público que ninguém precisa fazer nada, que o problema não existe. A preguiça muitas vezes faz ideias ruins que não dão trabalho parecerem boas.

Além disso, é fácil mentir que o Brasil será mais rico se for possível plantar mais perto dos rios, se for possível fazer pastos ou minas onde hoje há florestas. O sujeito que desmata tem um benefício tangível para si, mais soja, mais minério, e ainda pode apresentar isso como "riqueza para o Brasil".