segunda-feira, 13 de maio de 2024

Carlos Pereira - Depois da tormenta, a negociação

O Estado de S. Paulo

De protagonista a incentivador de saídas negociadas: um Supremo que estimule acordos

Duas decisões recentes do Supremo geraram a necessidade da busca de soluções negociadas numa direção clara de pacificação política entre os poderes.

A primeira foi a interpretação da Corte de que a chamada “Lei das Estatais” é constitucional, restringindo assim a nomeação de políticos para os conselhos de administração e diretorias das empresas estatais. Mas, como o próprio Estadão chamou em seu editorial (11/05/2024), criou uma “esdrúxula inconstitucionalidade temporária”. Ou seja, decidiu que os políticos que já haviam sido nomeados para tais cargos e conselhos não teriam seus mandatos destituídos, pois estavam protegidos pela decisão liminar do ex-ministro Ricardo Lewandowski concedida nas vésperas de sua aposentadoria do STF.

A segunda foi a decisão liminar do ministro Cristiano Zanin, que suspendeu a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos de 17 grandes setores da economia, contrariando a preferência da maioria dos legisladores. O fato de o governo Lula, que já havia sido derrotado por duas vezes pelo Congresso, ter apelado ao Supremo e de os legisladores anteciparem que no STF o governo provavelmente seria vitorioso, abriu caminho para um acordo entre o Executivo e o Legislativo em torno de uma solução negociada de reoneração escalonada da folha de pagamentos a partir de 2025.

O que se pode depreender desses episódios? Diante da interpretação dominante entre seus ministros de que o governo Bolsonaro representava uma ameaça real à democracia brasileira, o Supremo passou a exercer um papel claramente de protagonista político em sua defesa. O governo Bolsonaro foi sendo sistematicamente derrotado no STF. Quanto mais os ministros se sentiam ameaçados pelas suas iniciativas iliberais, maior foi o número de vezes em que o STF se comportou de forma consistente contra o ex-presidente.

Mas, com a percepção cada vez mais clara de que a “ameaça” de Bolsonaro à democracia é coisa do passado e que o expresidente é “carta fora do baralho”, o Supremo não apenas tenderá a alocar energias para outras questões, mas também a buscar e incentivar saídas negociadas dos conflitos e deixar que o jogo político seja jogado sem a necessidade de um protagonismo tão frequente.

Não interessa ao Supremo a manutenção de animosidades entre os poderes que venham a gerar potenciais ameaças de retaliação. Uma Corte incentivadora de acordos legítimos é o que se espera em um sistema político com características marcadamente consensualista como o brasileiro.

 

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