Política de habitação agrava efeito das enchentes
O Globo
Programas do governo incentivam construções
em áreas de risco ou manancial nas periferias
A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul
e a sucessão de desastres naturais que tem fustigado as cidades brasileiras nos
últimos anos, amplificada pelas mudanças climáticas, deveriam levar a sociedade
— em especial a classe política — a refletir sobre os modelos de ocupação
equivocados e as políticas habitacionais erráticas que têm contribuído para
agravar os efeitos de eventos climáticos extremos inexoráveis.
O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) informou no ano passado, com base em dados antigos do IBGE, que 8,3 milhões de brasileiros viviam em áreas suscetíveis a enchentes ou deslizamentos. Estima-se que esse número já ultrapasse 10 milhões. Pelo menos 2,5 milhões se concentram em locais de “alto risco” e “muita vulnerabilidade”. Em Salvador, 45,5% da população vive em áreas de risco. Em Belo Horizonte, 16,4%. No Recife, 13,4%.
A ocupação das cidades se consolida ao longo
de décadas, ou séculos, adensando algumas áreas, esvaziando outras, ocupando
terrenos que jamais deveriam ser ocupados. A leniência dos governos permitiu
que encostas e margens de rios fossem tomadas por moradias precárias, erguidas
sem cuidado técnico, em áreas altamente vulneráveis a deslizamentos e
enchentes. Mas não só a cidade consolidada expõe as populações a tragédias
climáticas. Políticas públicas equivocadas, caso do Minha Casa, Minha Vida
(MCMV), trazem prejuízo ambiental ao favorecer a ocupação de áreas de risco nas
periferias, perpetuando um modelo insustentável de urbanização.
Quando era prefeito de São Paulo, Fernando
Haddad, hoje ministro da Fazenda, construiu um conjunto de prédios do MCMV numa
área de mananciais às margens da Represa Billings, Zona Sul da capital
paulista. O projeto controverso, de 193 prédios e 3.860 apartamentos, foi
criticado por ambientalistas e chegou a ser embargado pela Justiça a pedido do
MP. Depois, no terreno antes usado como área de lazer no Parque dos Búfalos,
foi construído o condomínio, que continua lá.
Norteada pela busca de terrenos baratos para
construção maciça de moradias, o MCMV por vezes abriga famílias em áreas
suscetíveis a enchentes. Em Queimados, na Baixada Fluminense, um condomínio do
MCMV construído para vítimas da chuva foi invadido pelas águas e pela lama em
2013. Em 2016, um conjunto habitacional em Maricá (RJ) foi inundado numa
tempestade, e os moradores precisaram ser resgatados pelos bombeiros.
Para o arquiteto e urbanista Washington
Fajardo, o MCMV é um programa de estímulo à construção civil mais que de
habitação social. E torna difícil aos prefeitos colocar em prática políticas
mais resilientes às mudanças climáticas. A lógica do programa, diz Fajardo, é
buscar terrenos nas periferias, não importando se a área está preparada.
Baseia-se na ideia errada de que as cidades devem se expandir para se
desenvolver, mesmo quando isso significa mais asfalto (e mais
impermeabilização), menos árvores (e mais calor) e menos infraestrutura (e
mais violência). “Há um sério problema de mentalidade, compreensão e tomada de
decisão sobre como a urbanização deveria buscar urgentemente a sustentabilidade
e adaptação”, afirma. Reocupar zonas centrais esvaziadas, como tem se tentado
fazer no Rio e em São Paulo, deveria ser a prioridade.
Fenômenos climáticos extremos estão cada vez
mais frequentes e intensos. As cidades, tal como foram concebidas, se mostram
despreparadas para enfrentá-los. Há, é certo, medidas de mitigação que precisam
ser tomadas. Mas, paralelamente, o modelo de ocupação do espaço urbano e as
políticas para construção de moradias precisam ser discutidos à luz dos
desafios atuais.
Brasil precisa estar preparado para
diversidade de tecnologias limpas
O Globo
Mesmo que carro híbrido pareça hoje opção
sensata, as baterias de veículos elétricos ganham competitividade
Relatório das Nações Unidas constatou que os
compromissos de redução nas emissões de gases assumidos no Acordo de Paris
estão longe do objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 °C em relação aos
níveis da era pré-industrial. Cientistas preveem que, mesmo que sejam
cumpridos, o planeta esquentará entre 2,5°C e 2,9°C. É preciso, portanto, fazer
mais. Para isso, o caminho mais promissor são tecnologias que gerem energia sem
lançar gases na atmosfera.
A maior vantagem do Brasil é ter uma matriz
energética das mais limpas do mundo — cerca de 60% da energia gerada é hídrica.
Os obstáculos ambientais à construção de grandes hidrelétricas na Amazônia têm
sido compensados pelo crescimento da geração de energia eólica e solar no
Nordeste. Outra vantagem brasileira está na experiência com o uso de álcool
como substituto da gasolina e de combustíveis vegetais
no lugar de diesel.
É nítido, porém, o avanço dos veículos
elétricos pelo mundo, propiciado pelo avanço tecnológico das baterias. Ainda há
no Brasil um obstáculo aos proprietários de veículos 100% elétricos difícil de
superar: a pequena rede de recarga existente. Por isso a tendência inicial deve
ser a predominância de veículos híbridos. Há algum tempo foram lançados carros
híbridos que podem ser movidos tanto por eletricidade como por álcool,
garantindo redução quase total das emissões.
O barateamento das baterias deverá, contudo,
exercer pressão pela eletrificação total da frota. Nos Estados Unidos,
Califórnia, Texas e Arizona já têm usado baterias robustas, carregadas por
energia solar durante o dia para abastecer as redes de transmissão à noite. Em
30 de abril, entre 19h e 22h, as baterias forneceram mais do que 20% da energia
consumida na Califórnia. Por alguns minutos, distribuíram 7.046 megawatts, o
equivalente à geração de sete usinas nucleares como as de Angra.
A tendência é a multiplicação de baterias
pelo mundo. Em três anos, a capacidade de estocagem de energia elétrica foi
multiplicada por dez nos Estados Unidos. A previsão para este ano é que o
parque dobre de tamanho. Ajuda nessa expansão a queda de 80% no custo das
baterias à base de lítio — mesma tecnologia dos celulares e dos veículos
elétricos. A Califórnia conta com elas para atingir o objetivo de chegar a 2045
com 100% da energia consumida no estado oriunda de energia limpa. Para isso, a
malha de baterias triplicará até 2035. Seu uso tem substituído o consumo de gás
natural.
É cedo para saber se a opção brasileira pelo
carro híbrido será melhor que a adoção de veículos elétricos dependentes de uma
rede de distribuição ainda incerta. Mas é preciso estar preparado para um
futuro em que serão necessárias tecnologias de todo tipo.
Ajuste do Orçamento voltou à estaca zero
Folha de S. Paulo
Cálculo que exclui receitas e despesas
extraordinárias mostra que déficit retornou a patamar semelhante ao de Dilma
Segundo a Instituição Fiscal Independente
(IFI), órgão de monitoramento ligado ao Senado, o saldo estrutural das contas
do governo — descontadas receitas e despesas extraordinárias— passou de um
saldo positivo de 0,2% do Produto Interno Bruto em 2022 para um déficit de 1,6%
no ano passado.
Trata-se de patamar não muito distante do
pior momento de desequilíbrio das contas púbicas nos estágios finais do governo
de Dilma Rousseff (PT), quando foi revelada a extensão dos danos de sua gestão
no Orçamento.
Que o Brasil tenha jogado fora anos de ajuste
e esteja de novo em situação de penúria evidencia a irresponsabilidade política
do Executivo e do Congresso, que gera graves prejuízos para a sociedade.
A medida de resultado estrutural busca
mostrar a realidade das contas públicas, descontados os efeitos do ciclo
econômico e impactos não recorrentes.
Por exemplo, quando o país enfrenta uma
recessão que contrai as receitas, o saldo primário do Tesouro piora, mas não
necessariamente de forma permanente. De outro lado, os mecanismos automáticos
de estabilização, caso do seguro-desemprego, entram em operação e elevam as
despesas durante o período recessivo.
Devem-se, como faz a IFI, excluir essas
influencias para medir de forma precisa o estado real do Orçamento. O problema,
então, aparece de modo explícito: a PEC da Gastança adicionou ao menos R$ 150
bilhões de gastos permanentes.
Para estabilizar a dívida, é preciso saldo
positivo em torno de 1,5% do PIB, o que implica ajustes na casa dos R$ 300
bilhões. Mas não há sinal de vontade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
nem do Congresso para lidar com o desafio.
A realidade inescapável é que a regra fiscal
desenhada pela gestão petista é inconsistente com a dinâmica das principais
rubricas de gastos do Orçamento, que crescem além dos limites da nova regra.
Dado o esgotamento da agenda de aumento de
impostos já escorchantes, será preciso lidar com tal inconsistência, o que
exige necessariamente enfrentar temas espinhosos, como a regra de correção dos
gastos de saúde e educação, a política de aumentos do salário mínimo acima da
inflação e a vinculação das despesas sociais, como a Previdência, ao mínimo.
Nada disso parece plausível para um governo
aventureiro e gastador, que não oferece propostas para modernizar a gestão do
Estado, a despeito dos esforços de contenção de danos do ministro da Fazenda,
Fernando Haddad.
Se o trabalho de restaurar a saúde financeira
da União é de todos os Poderes, a liderança desta empreitada cabe ao Executivo,
que até agora atua em direção contrária.
Chavismo de direita
Folha de S. Paulo
Ao estilo venezuelano, Bukele usa
popularidade contra democracia em El Salvador
A Assembleia Nacional de El Salvador aprovou
há pouco uma emenda que permite reformas expeditas na Constituição. Esse foi o
mais recente ataque ao Estado democrático de Direito desfechado pelo presidente
Nayib Bukele, um populista de direita que governa sob regime de exceção desde
2022.
O propagandeado êxito no combate ao crime, à
custa de vidas e liberdades civis, ampara seu prestígio —foi reeleito com 85%
dos votos em fevereiro. Na América Latina, é inspiração para governos como os
de Equador e Argentina.
A reforma constitucional elimina a tramitação
regular de projetos de emenda e a submissão do texto final a consulta popular.
Prevê ainda que as mudanças na Carta sejam adotadas de imediato, e não mais na
legislatura seguinte.
A exemplo de Hugo Chávez na Venezuela, Bukele
faz de sua popularidade a ferramenta para explorar as fragilidades
institucionais do país e, por fim, minar a democracia.
Deu o primeiro passo pela via eleitoral, ao
consolidar maioria absoluta de seu partido na Assembleia. A partir daí, acabou
com a independência da Corte Suprema e do Ministério Público e adequou a
Constituição a seus interesses.
Por decisão da Assembleia, que está em suas
mãos, ministros da instância máxima da Justiça foram substituídos, em 2021, por
asseclas que removeram o impedimento constitucional para o presidente da
República concorrer à reeleição.
De fato, a taxa de homicídios, de 36 por 100
mil habitantes em 2019, seu primeiro ano de mandato, despencou para 2,4 no ano
passado, uma das mais baixas do Ocidente. Mas nada demonstra que uma redução
não pudesse ser alcançada sem truculência e com proteção aos direitos básicos
dos cidadãos.
O indicador oculta uma avalanche de crimes do
Estado contra os direitos humanos. Há centenas de desaparecidos, e mais de 75
mil pessoas —entre elas 1.200 crianças— foram presas e submetidas a julgamentos
sumários desde 2022.
O quadro é preocupante. El Salvador converteu-se em um abominável caso de sociedade que, dilacerada pela violência das gangues, aviltou sua democracia sob a toada de um líder autoritário.
Firmeza sem arbítrio
O Estado de S. Paulo
Eleita presidente do TSE, a ministra Cármen
Lúcia iniciará seu mandato em junho com o desafio de reencontrar o equilíbrio
perdido na defesa da democracia e do processo eleitoral
Eleita na terça-feira passada como presidente
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para os próximos dois anos, a ministra do
Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia precisará cumprir uma missão ainda
mais relevante e decisiva do que a de dirigir as eleições municipais e preparar
o ambiente para a disputa presidencial de 2026. Além dos objetivos
constitucionais atribuídos à Corte, já nada triviais, espera-se da ministra uma
necessária correção de rota no padrão adotado pelo ministro Alexandre de Moraes,
o atual presidente, cujo mandato encerra em junho. É inquestionável que Moraes,
assim como seus colegas no TSE e no STF, foi determinante para resguardar a
democracia perante o golpismo bolsonarista. Mas não é de hoje que o ministro
manifesta uma compreensão expandida de suas competências, com a obsequiosa
cumplicidade de seus pares. A consequência é a percepção crescente de que a
excepcionalidade do desafio original de proteger a democracia vem servindo de
justificativa para o arbítrio.
Ao combinar reputação inquestionável de
defesa democrática com moderação e discrição no exercício de suas funções –
conjugação saudável que pode livrar a instituição que presidirá do ativismo
judicial e político indesejado –, Cármen Lúcia pode ser o nome certo para
refazer um equilíbrio há muito perdido. Em outras palavras, promover o devido
freio em práticas arbitrárias que têm inspirado a acusação de que Alexandre de
Moraes vem instaurando uma espécie de “ditadura judicial”. É possível fazer
isso seguindo o que sabidamente tem preocupado a ministra: a defesa das
instituições e da confiabilidade do processo eleitoral, o combate firme à
disseminação deliberada de notícias falsas e de ataques à democracia e a
preservação de um marco jurídico adequado para o mundo digital no contexto das
eleições.
Para que essas legítimas preocupações
resultem em ações efetivas, mais do que nunca as instituições de Justiça
precisarão recuperar a confiança da sociedade. Isso significa achar o
equilíbrio certo na dose do remédio que prescreve para defender a democracia
dos excessos extremistas e golpistas.
Não há dúvidas de que o Brasil precisa
reconfigurar limites e responsabilidades das plataformas digitais, preservando
um ambiente virtual que respeite as liberdades e os direitos de todos os
cidadãos. Há um cenário de desequilíbrio, no qual as plataformas desfrutam de
muitos direitos, mas têm pouquíssimos deveres. Como afirmou Cármen Lúcia, “a
liberdade não é só do dono da plataforma, de quem veicula”. Por outro lado,
como a ministra também reconhece, há algum tempo a liberdade de expressão “vem
sendo capturada por aqueles que fazem o mal”. Modular essa responsabilização
das plataformas e da captura das liberdades nas redes sociais é tarefa do Poder
Legislativo, com eventual validação de sua constitucionalidade pelo Poder
Judiciário. Ir além disso, sobretudo no contexto eleitoral, é querer tutelar em
demasia as preferências de eleitores e usuários das plataformas digitais.
Eis por que é necessário dizer o óbvio: o TSE
não pode atuar como uma espécie de bedel de preferências e práticas dos
eleitores, tampouco como censor de redes sociais. Há uma linha muito tênue, que
exige marcadores mais precisos do que os que temos hoje, separando o que é
exercício da liberdade de expressão e opinião daquilo que possa ser configurado
como crime. E não há marcador melhor do que o previsto no Código Penal.
Diferentemente do que sugerem as extravagâncias judiciais recentes, aí não se
incluem alguns dos delírios de extremistas ou críticas políticas mais ruidosas
difundidas nas redes. É hora de conclamar a sociedade a superar a desconfiança
sobre os discursos políticos, inclusive dos mais radicais, e ter maturidade
para aceitá-los mesmo quando se sente confrontada.
Convém valer uma máxima proferida pela
própria Cármen Lúcia, ao votar no STF, em 2015, autorizando a publicação de
biografias não autorizadas: “O ‘cala a boca já morreu’”, disse ela, para
ilustrar a importância de não se calar a liberdade de expressão numa
democracia. A preservação desse princípio democrático mais elementar é tão
imperativa quanto o respeito da instituição a que cabe salvaguardá-lo. Que em
seu mandato Cármen Lúcia não ignore tais lições.
A ciência do desastre natural
O Estado de S. Paulo
Se tragédias como a do RS serão mais
frequentes, é preciso investir na ciência para ajudar a prever os eventos
climáticos extremos, pois os atuais modelos estão superados
Enquanto profetas do apocalipse antecipam
tragédias, cassandras da polarização alimentam divisões e populistas preveem
planos mirabolantes, o desastre provocado pelas chuvas no Rio Grande do Sul
deveria levar o Brasil a cuidar do essencial diante das mudanças climáticas:
investimento na ciência. Em paralelo às respostas de curtíssimo prazo, convém
rever políticas preditivas e preventivas de enfrentamento dos fenômenos
climáticos e fazer avançar a produção científica e tecnológica sobre
catástrofes naturais, hoje cada vez mais frequentes e intensas. Para tanto, não
basta identificar responsabilidades, apontar imprevidência das autoridades,
rever protocolos e acusar ausência de investimentos na realocação da população
de áreas de risco, problemas registrados em todo o País. Tudo isso é
importante, mas insuficiente.
Passou da hora de preparar a sociedade para
sobreviver a esses desastres, e somente a ciência e a tecnologia podem
assegurar tal preparo. Por mais que muitos tentem resumir o problema a um
confronto entre ideologia e eficiência, o que se vê agora é o retrato de nosso
tempo, isto é, a ausência de sistemas adequados àquilo que os climatologistas
consideram o novo clima – repleto de ondas de calor e de chuvas muito intensas.
Não é preciso aderir ao catastrofismo para saber que as tragédias têm que ver
com a escalada do aquecimento global, herança do volume de gases de efeito
estufa lançados na atmosfera. Vale para o que se vê no Rio Grande do Sul e o
que se viu no litoral de São Paulo, na Bahia, em Santa Catarina, em Minas e no
Rio de Janeiro.
Em meio a essa nova tragédia, chega a ser
constrangedor saber que o Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil será
apresentado somente em junho, como mostrou o Estadão. Seria um prazo razoável
não fosse um plano previsto em legislação sancionada em 2012 – e de lá para cá
diversas catástrofes ocorreram sem que motivasse qualquer sentido de urgência à
revisão e apresentação do plano. Isso poderia ter ajudado a reduzir os impactos
das chuvas no Sul, ainda que não protegesse a população das consequências dos
fenômenos climáticos extremos, agravados pela chamada “fervura global”.
Contra esses efeitos, é preciso ir além e,
para tanto, há dois imperativos. O primeiro é cumprir as metas estabelecidas
nos acordos climáticos globais, como reduzir à metade as emissões de gases até
2030 e zerar as emissões até meados do século. O segundo está no planejamento
de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. No caso
brasileiro, a tarefa requer atenção à população em áreas de risco, investimento
na drenagem em áreas serranas e urbanas e regularização tanto de encostas
quanto das áreas mais propensas a alagamentos, além de maior integração entre
os sistemas de alerta e defesas civis.
Mas pouco se fala no desenvolvimento
tecnológico dos sistemas preditivos.
Modelos programados para fazer previsões
confiáveis há dez anos já perderam muito de sua capacidade. Há dois anos, a ONU
anunciou esforços a fim de apresentar um plano de ação para “alerta precoce e
ação precoce”. A meta é ambiciosa: até 2027, proteger toda a população do
planeta contra o clima extremo. Alertas antecipados mais modernos são vistos em
países da União Europeia, no Reino Unido e na Austrália. Há ainda o exemplo do
Japão, onde a tecnologia e a educação ajudam a enfrentar os imprevisíveis terremotos
e tsunamis que atingem o País.
O espantoso é que, apesar das projeções
sombrias, da repetição de fenômenos climáticos extremos e de tragédias
visíveis, o Brasil ainda parece estar na infância desse debate. Há iniciativas
como o trabalho de um comitê científico liderado pelo Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) ou os alertas de qualidade já oferecidos a mais de
mil municípios pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres
Naturais (Cemaden). Mas sucessivos governos não só têm colocado a prevenção em
segundo plano, como têm ajudado a tornar o uso da ciência e da tecnologia uma
espécie de linguagem futurística inacessível e distante. Diante dos extremos à
nossa frente, não se pode tratar o tema como ficção científica, e sim como
necessidade para enfrentar as próximas catástrofes.
O perigo da impopularidade
O Estado de S. Paulo
Alta da desaprovação, fruto da falta de rumo,
pode estimular Lula a acelerar a demagogia
A recente pesquisa Genial/Quaest mostrou que,
pela primeira vez neste terceiro mandato do presidente Lula da Silva, o
porcentual de brasileiros que aprovam e desaprovam o governo ficou tecnicamente
empatado: 50% aprovam o governo, enquanto 47% desaprovam, com margem de erro de
3 pontos porcentuais. Para significativos 63%, Lula não está cumprindo o que
prometeu, enquanto apenas um terço do País (32%) acredita no contrário. Só
governistas e petistas mais empedernidos darão preferência a alguns poucos
índices positivos que a pesquisa traz – como a boa avaliação sobre o trabalho
de socorro no Rio Grande do Sul. Houve quem destacasse ainda que Lula conseguiu
parar a trajetória de queda da avaliação: desde agosto de 2023 o porcentual dos
que aprovam o mandato caiu a cada levantamento e, agora, a oscilação se mostrou
estável na comparação com a pesquisa anterior, de fevereiro.
Com uma gestão tisnada pela mediocridade e
pela repetição de velhos erros, jogar luz sobre a metade cheia do copo de
avaliação pode fazer parecer que a tormenta chegou ao fim. Engano. O dado mais
eloquente da pesquisa é o crescimento contínuo da massa da população que
desaprova o governo: uma curva ascendente desde agosto do ano passado. A
economia foi mais uma vez citada como o principal problema do País, à frente da
saúde e da violência. Fiel ao DNA de quem tem plena convicção de que a história
do Brasil começa e termina com ele, Lula até aqui ou adotou o discurso
triunfalista, ou culpou ministros por não saberem “contar a verdade”, ou ainda
responsabilizou o pouco tempo de mandato para cumprir o que prometeu.
Lula e seus bajuladores têm possíveis
caminhos a escolher. Um deles é o modo delirante, que até aqui domina os
corações da caciquia lulopetista: continuar achando que a desaprovação é culpa
da “percepção” da população, incapaz de ver e reconhecer os grandes feitos de
seu mandato. Segundo tal ótica, a maioria ainda não conseguiu se dar conta de
que a economia melhorou, com inflação controlada e queda do desemprego, por
exemplo; logo, isso se resolve com uma comunicação oficial mais eficiente. Há
também o modo realista: entender as fragilidades da gestão, construir enfim um
plano para o que resta de governo, analisar o baixo impacto de indicadores
econômicos sobre a vida real da população – cujo poder de compra real está
abalado – e corrigir rotas, de modo a produzir resultados no longo prazo.
Levando-se em conta a vocação do PT de ignorar a realidade e a ambição de Lula de ser reconhecido como o maior líder político da história brasileira sem que, para isso, seja necessário governar de fato, é natural que o lulopetismo esteja a administrar o Brasil com base em pesquisas de opinião. Assim, ansioso para produzir números positivos no curto prazo, é provável que o presidente dobre a aposta no populismo que marcou o desastroso mandarinato petista encerrado com o impeachment de Dilma Rousseff. Afinal, sempre que precisou escolher entre a responsabilidade e a popularidade, Lula nunca titubeou. Para ele e seus discípulos petistas, só há vida na gastança desenfreada e na sabotagem aos que tentam impor racionalidade no manejo do dinheiro público.
Perdas bilionárias e mais inflação com a
tragédia no Sul
Valor Econômico
Na destinação de recursos, manter o foco nas enormes carências dos gaúchos é uma tarefa da qual o governo não pode se desviar
As enchentes destruíram grande parte dos
centros de produção agrícola e industrial do Rio Grande do Sul. Além das mortes
e das dezenas de milhares de desabrigados (a face mais dolorosa da tragédia),
as perdas materiais serão enormes. É difícil estimá-las hoje, quando o
exasperante escoar das águas dos rios do Estado não permite avaliação objetiva
dos danos incorridos. Pela dimensão da tragédia, cálculos preliminares indicam
que a conta será alta. Na estimativa do governo, R$ 50 bilhões. Na de
consultores privados, entre o dobro e o triplo disso. A inflação, que reluta em
voltar para a meta, deve ter algum acréscimo, possivelmente temporário, pela
perda de safras, em especial arroz e soja, e da falta de mobilidade para
abastecer granjas e frigoríficos. A economia brasileira, para a qual se
estimava crescimento de 2%, deve perder parte de seu fôlego, com a destruição
extensa do estoque de capital provocada pelas enchentes.
As estimativas, por enquanto, partem de
premissas que se baseiam em exemplos análogos de eventos extremos. A gestora G5
Partners foi buscar estudos de prejuízos provocados por eles ao redor do mundo,
como os do furacão Katrina, que destruiu a orla litorânea do sul dos Estados
Unidos, com graves consequências para Nova Orleans. A média do custo fiscal de
29 eventos climáticos foi de 1,6% do PIB. Com base nisto, e algumas adaptações,
foi estimado um encolhimento do PIB gaúcho, de R$ 600 bilhões, de 10,5 pontos
percentuais no segundo trimestre em relação ao primeiro. Isso seria o
suficiente para diminuir a projeção de crescimento da economia brasileira de
2,1% para 1,8%.
Quarto Estado mais rico, o Rio Grande do Sul
participa com 12,6% da produção agrícola nacional, fatia superior ao dos 8,5%
de parcela de sua indústria na manufatura do país. Calcula-se que a indústria
se recuperará com mais facilidade que a agricultura. O time econômico do
Bradesco estima que 7,5% da produção de arroz do país e 2,2% da soja foram
perdidos, supondo que não seja possível recuperar metade do que ainda não foi
colhido no Estado, estimativa tida como conservadora pelos próprios autores.
Somados aos danos na safra de trigo, que se iniciou, e nos abates de aves e
suínos, aprofundariam a queda prevista para a agricultura do país de 3% para
3,5%. O agro gaúcho deveria crescer 18,9% no ano, estimava o economista-chefe
do banco Pine, Cristiano Oliveira. Com a catástrofe, a produção agrícola
encolherá 25% no segundo trimestre em relação ao primeiro, com um resultado no
ano de apenas 1,9%.
As estimativas para o crescimento brasileiro
mais otimistas se situavam em pouco mais de 2%, antes das tempestades no Rio
Grande do Sul. Depois delas, o PIB pode ainda atingir tal marca, mas a
capacidade de surpresas para cima se desfez. Consultorias e gestoras estimam
que o drama gaúcho retirará de 0,2 a 0,3 ponto percentual do PIB nacional.
A pressão sobre os preços dos alimentos,
decorrentes da quebra no Sul, tornará mais difícil a redução da inflação neste
ano. Há quem preveja um aumento do IPCA de 3,8% para 4%. “É um choque de oferta
clássico, menos PIB e mais inflação”, disse ao Valor Fernando Genta,
economista-chefe da Wealth High Governance. Outras consultorias avaliam impacto
parecido, puxado pela alimentação no domicílio, que subiria de 3,8% para até
4,5%, com maior impacto advindo da variação de preços do arroz.
A catástrofe no Sul tornou mais difícil o
crescimento e o combate à inflação, com perdas bilionárias que poderiam ser
mitigadas caso houvesse ações preventivas sérias, constantes e planejadas. O
contraste entre o valor da destruição e o dinheiro gasto na gestão de riscos e
desastres naturais é um retrato de catástrofes antecipadas. O governo atual
reservou 0,03% do PIB, ou R$ 2,5 bilhões, para tal fim em 2024. As verbas até
aumentaram. O dinheiro utilizado nos governos anteriores foi até mesmo menor
que o orçado, e nunca ultrapassou 0,02% do PIB (Valor, 10 de maio).
Incentivados por uma formidável corrente de
solidariedade nacional com as vítimas da tragédia, o governo federal e o
Congresso tomaram medidas de apoio importantes, cujo montante previsto é de R$
50 bilhões. O risco nessas situações é que, a pretexto da catástrofe, se
liberem verbas escassas para outros fins. Algumas tentativas nesse sentido
prosperaram. O Congresso aprovou mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO), dando prioridade a emendas destinadas a todos os municípios em estado de
calamidade ou de emergência em saúde pública - 605 cidades em dez Estados. Há
proposta de perdão de dívida para pequenos agricultores fora do RS que perderam
safras e propostas para estender a outros Estados com finanças em desordem um
acordo que está sendo costurado para que o Rio Grande do Sul adie o pagamento
da dívida federal.
O governo não definiu de que forma prestará
auxílio direto a quem perdeu casa, emprego e todos seus bens. Entre as
alternativas está um novo auxílio emergencial que, instituído durante a
pandemia, distribuiu parte dos recursos a quem necessitava. Manter o foco nas
agora enormes carências dos gaúchos é uma tarefa da qual o governo não pode se
desviar.
O uso e abuso da natureza
Correio Braziliense
A crise ambiental instalada precisa apressar
a busca por soluções globais que permitam um equilíbrio entre os recursos
existentes e o consumo deles pelas nações
Na quarta-feira passada, dados consolidados
do Projeto de Monitoramento do Desmatamento por Satélite (Prodes), divulgados
em Brasília, apontaram queda de 21,8% no desmatamento na Amazônia Legal, de
19,5% para área de não floresta do bioma e de 9,2% no Pantanal. As informações
são referentes ao período entre os meses de agosto de 2022 e julho de 2023, em
comparação ao ciclo anterior. Números importantes diante do fantasma dos
desastres climáticos que cada vez mais assombra o Brasil.
Nos últimos 15 dias, a catástrofe provocada
pelas chuvas no Rio Grande do Sul comove o país ao mesmo tempo que evidencia a
urgência em cuidar do meio ambiente. Os especialistas alertam sobre os riscos
que nos esperam se condutas complexas continuarem sem aplicação. Aquele futuro
anunciado de eventos trágicos, na verdade, parece ter chegado.
Também na quarta-feira passada, a Organização
Meteorológica Mundial (OMM) divulgou um relatório que indica 12 situações
extremas registradas em território brasileiro em 2023. O documento aponta cinco
ondas de calor, três chuvas intensas, uma onda de frio, uma inundação, uma seca
e um ciclone extratropical.
Um estudo da Universidade de Michigan (EUA)
indica um panorama preocupante no campo da saúde nacional. O potencial de
transmissão das arboviroses - doenças que incluem dengue, zika e chikungunya -
pode aumentar 20% nos próximos 30 anos devido às mudanças climáticas.
No Rio Grande do Sul, as autoridades ainda
contam os desabrigados, os desalojados, os feridos e os que não sobreviveram às
águas - ontem, a Defesa Civil confirmou 143 óbitos. Dos 497 municípios gaúchos,
ao menos 444 relataram problemas com os temporais. A calamidade pública afetou
cerca de 2 milhões de pessoas. A infraestrutura está amplamente comprometida e
o trabalho de reconstrução vai exigir muita força humana e a disponibilização
de recursos financeiros vultosos.
Distante do Brasil, outro evento climático
também provoca um cenário avassalador. Fortes chuvas na sexta-feira causaram
inundações no norte do Afeganistão, deixando mais de 300 mortos. Desde abril,
tempestades naquele país têm destruído vilarejos e terras agrícolas.
A crise ambiental instalada precisa apressar
a busca por soluções globais que permitam um equilíbrio entre os recursos
existentes e o consumo deles pelas nações. Os efeitos da destruição sugerem
que, até agora, as medidas adotadas não foram suficientes para solucionar a
questão.
No caso das áreas verdes, o desmatamento é
gravíssimo. O Brasil depende do que elas oferecem: produção de sombra e
oxigênio, retenção de gás carbônico e resfriamento do clima. A preservação da
Amazônia e dos demais biomas - Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa e
Pantanal - é crucial para os brasileiros.
As equações que envolvem atitudes
individuais, posições governamentais e decisões macroeconômicas precisam ser
resolvidas. A conscientização dos cidadãos, o empenho dos políticos e o
comprometimento dos empresários são partes vitais na garantia da sobrevivência
no planeta.
Os extremos de calor e de frio, as
tempestades e os ventos assustadores são situações que deixaram de ser exceções
no Brasil e no mundo. Políticas preservacionistas eficientes devem ser
executadas para barrar a remoção das vegetações nativas. Outro ponto
fundamental é a ampla implementação de modelos de produção de cunho
sustentável, garantindo o desenvolvimento econômico e a conservação ambiental.
Discussões, como a expansão das fronteiras dos biomas para a prática de
atividades agropecuárias precisam ser encaradas.
Diante de cenas estarrecedoras produzidas pelas catástrofes ambientais, as respostas precisam ser na mesma proporção. Reduzir os níveis de desmate e de poluição, diminuir o desperdício de alimentos e de produtos, buscar formas alternativas aos combustíveis fósseis, aumentar o consumo sustentável são algumas ações imprescindíveis. O mundo acompanha e sente os efeitos do uso e abuso da natureza. A preservação dos ativos tem de ser a nova ordem mundial. Essa é a tarefa inadiável que as mudanças climáticas impõem à civilização na atualidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário