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Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quarta-feira, 16 de julho de 2008
DANTAS, GOMES E SEUS AMIGOS
Luiz Carlos Azedo
Luiz Carlos Azedo
Está em curso uma operação para detonar a indicação do novo presidente do Cade, Arthur Badin
O falecido senador Antonio Carlos Magalhães, ex-governador da Bahia por três mandatos, era um reconhecido descobridor de talentos para a administração pública e a política, dos quais se cercou para mandar e desmandar no seu estado e influenciar a vida nacional. Era um sincero admirador do banqueiro Daniel Dantas, a quem recorria quando precisava dar um norte aos negócios da família ou cuidar do patrimônio pessoal. Foi apresentado a ele pelo economista Mário Henrique Simonsen, que não escondia a predileção pelo então jovem economista baiano. Quando o ex-presidente José Sarney tomou posse, muitos julgavam que Dantas seria indicado por ACM para compor o ministério. “Jamais faria isso”, esclareceu ACM a uma repórter que à época o indagou sobre o assunto. E explicou o motivo: “Ele não tem espírito público, só pensa em ganhar dinheiro”.
O banqueiro
Ninguém na grande política teve o direito de se enganar em relação às reais intenções de Daniel Dantas quando era procurado por ele. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, manteve a distância regulamentar que pôde do banqueiro. Sabe-se que Lula rechaçou todas as abordagens que dele sofreu por meio de seus companheiros de partido. Mas não conseguiu impedir a aproximação de Dantas ao seu círculo próximo, a ponto de assistir de camarote à trombada monumental entre o ex-ministro chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-ministro da Comunicação Luís Gushiken. O primeiro defendia a permanência do banco de investimento de Dantas, o Opportunity, na gestão dos recursos dos fundos de pensão e no controle da BrasilTelecom. O segundo apoiava o presidente da Previ, Sérgio Rosa, que queria afastar o banqueiro das decisões de investimentos dos fundos e excluí-lo do setor de telefonia. Hoje, está cada vez mais evidente que Lula cacifou Gushiken.
As trombadas de Dantas começaram muito antes, nos leilões das privatizações das teles pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a Kroll grampeou as conversas do ex-presidente da República e seu ex-ministro das Comunicações Luís Carlos Mendonça de Barros. Agora, as atividades de Dantas no setor foram vasculhadas pela Polícia Federal na turbulenta Operação Satiagraha, que flagrou nova tentativa de aproximação do banqueiro, desta vez para transferir o controle da Brasil Telecon para a Oi, que dependia do empurrão da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. As investigações da Polícia Federal chegaram à porta presidencial ao grampearem a ligação do chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, para o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, fundador do PT como ele, dando conta de que os serviços de segurança da Presidência não haviam monitorado o ex-presidente da Brasil Telecom Humberto Braz, que está preso.
O advogado
Carvalho sabia que Greenhalgh representava seu cliente Humberto Braz, mas alega não ter sido informado de que o ex-deputado petista havia sido contratado por Dantas. O “Gomes”, como o ex-deputado era chamado amigavelmente por Dantas, foi abandonado pelo governo e ficará no sereno. De uma hora para outra, também viu ruir o prestígio amealhado ao longo da militância em defesa dos direitos humanos e como advogado que arriscou a vida para proteger perseguidos políticos durante o regime militar. Segundo a Polícia Federal, “Gomes” é um lobista de “organização criminosa”.
Quais são os crimes cometidos pela suposta organização, segundo o delegado Protógenes Queiroz e o juiz federal Fausto de Sanctis? Por intermédio de 151 empresas do grupo Opportunity, Dantas teria feito espionagem para obter informações privilegiadas e auferir lucros indevidos no mercado de ações; usou “laranjas” para operar suas empresas e movimentar bilhões; apropriou-se indevidamente de recursos do Banco Opportunity juntamente com seus sócios e familiares; captou de forma criminosa recursos de brasileiros para fundos exclusivos a estrangeiros com o fim de evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro; fez operações agropecuárias para acobertar fraudes financeiras e fiscais; e traficou influência junto a altas autoridades da República.
Greenhalgh está se afogando no turbilhão de ligações perigosas entre o setor público e o setor privado, que hoje têm mais importância para o funcionamento das relações entre o governo Lula e o Congresso Nacional do que a discussão das reformas e o processo legislativo propriamente dito. Só para citar dois exemplos, mesmo com Dantas já fora de combate, está em curso um lobby no Senado para detonar a indicação do novo presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Arthur Badin, por suas restrições às megafusões de empresas, como é o caso da compra da Brasil Telecom pela Oi. De igual maneira, o lobby para emplacar Emília Ribeiro na diretoria da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) é muito poderoso. Ela deixará em minoria o presidente da agência, o embaixador Ronaldo Sardemberg, outro que faz restrições a megafusões.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
EM DEFESA DA LRF
Jarbas Vasconcelos
O presidente da República, nas suas aparições públicas, que são quase diárias, tem repetido uma frase que se tornou rotineira no noticiário da imprensa: "Nunca antes na História do Brasil..." É com esta frase que ele ressalta os feitos do governo. "Nunca antes na história desse país se trabalhou tanto", "nunca antes se fez tanto", "nunca antes a economia viveu um momento tão importante."
É verdade que a economia brasileira vive um bom momento. Mas isso não surgiu por acaso, por um falso milagre, por uma dádiva divina. É um processo que foi iniciado lá atrás, com a implantação do Plano Real, pelo qual se obteve o controle da inflação.
Todo brasileiro com um mínimo de conhecimento sabe que a inflação foi sócia dos banqueiros, ajudou muitos governos, tanto o federal quanto os dos 27 Estados da Federação e as prefeituras. Os gestores públicos gastavam sem controle, davam aumentos generosos ao servidor público. Contavam com o fato de que a inflação e a ciranda financeira compensariam os abusos, de dois em dois meses, de três em três meses.
Esse processo inflacionário foi enfrentado e vencido após muitas dificuldades e o povo brasileiro pagou um preço elevado por isso. É fato - e sempre é bom frisar - que nenhum país do mundo conseguiu superar o processo inflacionário sem que o povo carregasse um pesado ônus.
Foi por meio do controle da inflação que o País conquistou confiança interna e externa, plantando as sementes do desenvolvimento. A colheita coube ao governo atual. Isso ocorreu porque o governo abandonou a retórica aventureira.
A conquista da estabilidade da economia do Brasil foi obtida a partir de dois pilares: o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Sem essas duas pernas o País não teria alcançado a posição de destaque que ocupa hoje em dia. E o Plano Real e a LRF tiveram a oposição ferrenha do atual presidente da República e do seu partido. Ambos trabalharam contra o Plano Real e massacraram a LRF, em entrevistas, em debates, nas ruas e votando contra na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Sem essas duas premissas - o Plano Real e a LRF - seria impossível comemorar muitos dos avanços obtidos hoje.
A aprovação da LRF, há sete anos, é um marco na história da administração pública brasileira. Pela primeira vez foram adotadas regras claras e transparentes para obter o equilíbrio das finanças públicas do nosso país. Com o fim da inflação os gestores públicos perceberam que não mais poderiam ser sócios da ciranda financeira e da correção monetária. A LRF abriu as portas para que Estados e municípios deixassem de ser um obstáculo à estabilidade econômica.
Assumi o primeiro mandato de governador de Pernambuco, em 1º de janeiro de 1999, ciente dessa realidade. Durante o meu segundo mandato, de 2003 a 2006, algumas vezes fui convocado para reuniões em Brasília por outros governadores, que queriam abrir uma porta para a renegociação da dívida. Sempre resisti à reabertura dessa discussão. Não me sentia em condições de renegociar uma dívida para pagar em 30 anos, com juros privilegiados de 6% ao ano.
Devo admitir que pagamos, algumas vezes, com sacrifício. Não é fácil para um governante destinar 11%, 12%, até 13% da arrecadação líquida do Estado para pagar dívidas do passado. Mas tinha absoluta convicção de que se não fosse assim - se a União não tivesse assumido esse papel de renegociar a dívida e ser o único credor de todos os Estados da Federação -, evidentemente, estaríamos numa situação de completa bancarrota.
Por tudo isso, é uma insensatez do governo federal o fato de ter enviado ao Congresso Nacional um projeto que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente neste momento em que a instabilidade ronda a economia mundial e a inflação volta a ser uma preocupação para os brasileiros. Basta ver a televisão, basta ler os jornais, basta conversar com qualquer pessoa que entenda o mínimo de inflação para ver em cada um dos brasileiros a inquietação em relação ao retorno do processo inflacionário.
A proposta do governo Lula permite que Estados e municípios contratem empréstimos ou reestruturem as suas dívidas, mesmo que alguns dos Poderes gastem com pessoal mais do que atualmente é permitido pela LRF.
O que o governo propõe é um verdadeiro "estupro" da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Não é justa a argumentação de que o Estado não pode ser punido diante do descumprimento dos Poderes Legislativo e Judiciário. É verdade que os Poderes são independentes, mas o ajuste fiscal não pode ser exigido apenas do Executivo. Até porque o caixa é um só. Não existe caixa do Poder Legislativo nem existe caixa do Poder Judiciário, existe o do Poder Executivo - os demais recebem os duodécimos.
Se existem Legislativos e Judiciários fora dos eixos da LRF, eles devem ser chamados à ordem.
Alterar esta lei é premiar quem não fez o dever de casa corretamente. Mudá-la representa pôr em risco tudo o que conquistamos nos últimos 15 anos - primeiro, com o Plano Real e, depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, desde as primeiras medidas aplicadas pelo plano.
Acompanho com grande apreensão a tramitação desse projeto de autoria do Executivo. O Senado Federal, pela maioria expressiva dos seus integrantes, precisa estar atento e não permitir que prospere esse projeto da forma com está. Cabe ao Senado barrar essa tentativa de violar os princípios da LRF. As alterações propostas são aberrações, são atos de insensatez e de irresponsabilidade por parte do governo federal.
Jarbas Vasconcelos, senador (PMDB-PE), foi prefeito do Recife (1986-1988 e 1993-1996) e governador de Pernambuco (1999-2002 e 2003-2006)
Jarbas Vasconcelos
O presidente da República, nas suas aparições públicas, que são quase diárias, tem repetido uma frase que se tornou rotineira no noticiário da imprensa: "Nunca antes na História do Brasil..." É com esta frase que ele ressalta os feitos do governo. "Nunca antes na história desse país se trabalhou tanto", "nunca antes se fez tanto", "nunca antes a economia viveu um momento tão importante."
É verdade que a economia brasileira vive um bom momento. Mas isso não surgiu por acaso, por um falso milagre, por uma dádiva divina. É um processo que foi iniciado lá atrás, com a implantação do Plano Real, pelo qual se obteve o controle da inflação.
Todo brasileiro com um mínimo de conhecimento sabe que a inflação foi sócia dos banqueiros, ajudou muitos governos, tanto o federal quanto os dos 27 Estados da Federação e as prefeituras. Os gestores públicos gastavam sem controle, davam aumentos generosos ao servidor público. Contavam com o fato de que a inflação e a ciranda financeira compensariam os abusos, de dois em dois meses, de três em três meses.
Esse processo inflacionário foi enfrentado e vencido após muitas dificuldades e o povo brasileiro pagou um preço elevado por isso. É fato - e sempre é bom frisar - que nenhum país do mundo conseguiu superar o processo inflacionário sem que o povo carregasse um pesado ônus.
Foi por meio do controle da inflação que o País conquistou confiança interna e externa, plantando as sementes do desenvolvimento. A colheita coube ao governo atual. Isso ocorreu porque o governo abandonou a retórica aventureira.
A conquista da estabilidade da economia do Brasil foi obtida a partir de dois pilares: o Plano Real e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Sem essas duas pernas o País não teria alcançado a posição de destaque que ocupa hoje em dia. E o Plano Real e a LRF tiveram a oposição ferrenha do atual presidente da República e do seu partido. Ambos trabalharam contra o Plano Real e massacraram a LRF, em entrevistas, em debates, nas ruas e votando contra na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Sem essas duas premissas - o Plano Real e a LRF - seria impossível comemorar muitos dos avanços obtidos hoje.
A aprovação da LRF, há sete anos, é um marco na história da administração pública brasileira. Pela primeira vez foram adotadas regras claras e transparentes para obter o equilíbrio das finanças públicas do nosso país. Com o fim da inflação os gestores públicos perceberam que não mais poderiam ser sócios da ciranda financeira e da correção monetária. A LRF abriu as portas para que Estados e municípios deixassem de ser um obstáculo à estabilidade econômica.
Assumi o primeiro mandato de governador de Pernambuco, em 1º de janeiro de 1999, ciente dessa realidade. Durante o meu segundo mandato, de 2003 a 2006, algumas vezes fui convocado para reuniões em Brasília por outros governadores, que queriam abrir uma porta para a renegociação da dívida. Sempre resisti à reabertura dessa discussão. Não me sentia em condições de renegociar uma dívida para pagar em 30 anos, com juros privilegiados de 6% ao ano.
Devo admitir que pagamos, algumas vezes, com sacrifício. Não é fácil para um governante destinar 11%, 12%, até 13% da arrecadação líquida do Estado para pagar dívidas do passado. Mas tinha absoluta convicção de que se não fosse assim - se a União não tivesse assumido esse papel de renegociar a dívida e ser o único credor de todos os Estados da Federação -, evidentemente, estaríamos numa situação de completa bancarrota.
Por tudo isso, é uma insensatez do governo federal o fato de ter enviado ao Congresso Nacional um projeto que flexibiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal, especialmente neste momento em que a instabilidade ronda a economia mundial e a inflação volta a ser uma preocupação para os brasileiros. Basta ver a televisão, basta ler os jornais, basta conversar com qualquer pessoa que entenda o mínimo de inflação para ver em cada um dos brasileiros a inquietação em relação ao retorno do processo inflacionário.
A proposta do governo Lula permite que Estados e municípios contratem empréstimos ou reestruturem as suas dívidas, mesmo que alguns dos Poderes gastem com pessoal mais do que atualmente é permitido pela LRF.
O que o governo propõe é um verdadeiro "estupro" da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Não é justa a argumentação de que o Estado não pode ser punido diante do descumprimento dos Poderes Legislativo e Judiciário. É verdade que os Poderes são independentes, mas o ajuste fiscal não pode ser exigido apenas do Executivo. Até porque o caixa é um só. Não existe caixa do Poder Legislativo nem existe caixa do Poder Judiciário, existe o do Poder Executivo - os demais recebem os duodécimos.
Se existem Legislativos e Judiciários fora dos eixos da LRF, eles devem ser chamados à ordem.
Alterar esta lei é premiar quem não fez o dever de casa corretamente. Mudá-la representa pôr em risco tudo o que conquistamos nos últimos 15 anos - primeiro, com o Plano Real e, depois, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, desde as primeiras medidas aplicadas pelo plano.
Acompanho com grande apreensão a tramitação desse projeto de autoria do Executivo. O Senado Federal, pela maioria expressiva dos seus integrantes, precisa estar atento e não permitir que prospere esse projeto da forma com está. Cabe ao Senado barrar essa tentativa de violar os princípios da LRF. As alterações propostas são aberrações, são atos de insensatez e de irresponsabilidade por parte do governo federal.
Jarbas Vasconcelos, senador (PMDB-PE), foi prefeito do Recife (1986-1988 e 1993-1996) e governador de Pernambuco (1999-2002 e 2003-2006)
DEU NO JORNAL DO BRASIL
O BAÚ DO VELHO REPÓRTER
Villas-Bôas Corrêa
Em dia de faxina para colocar em ordem a bagunça das pastas e malas de recortes e lembranças do repórter veterano, encontrei uma velha foto, ainda nítida com a marca do saudoso e grande fotografo Achiles Camacho, das reportagens semanais dos meus tempos de iniciante – lá se vão quase 60 anos – dos Comandos Parlamentares de A Notícia e O Dia.
Nela o registro de um flagrante impossível de ser imitado nestes tempos de absoluta insegurança da falência múltipla dos três poderes. Não consegui localizar com precisão qual é a favela, das muitas que subi sem jamais encontrar qualquer dificuldade. Mas o episódio salta inteiro do buraco de décadas: ao redor de um balaio de caranguejos cozidos, meia dúzia de moradores da favela destrincham o crustáceo com as mãos. Entre eles, em fraterna intimidade, os deputados federais Heitor Beltrão, da finada UDN, Breno da Silveira, também udenista e o padre deputado Medeiros Neto, do PSD.
Tão surpreende quanto o flagrante é a sua crônica. Não há insinuação de bravata na veneranda imagem de deputados acompanhados de repórter e fotografo nos altos de uma favela. O que choca como uma pancada na nuca é o contraste entre o ontem e o hoje. Afinal, cinco décadas são um instante na história de um país ou de uma cidade.
A Cidade Maravilhosa "cheia de encantos mil" é um verso da marcha de André Filho, lançada em 1934, em gravação de Aurora Miranda, que virou hino e como a Copacabana, a Princesinha do Mar do samba canção de João de Barro e Alberto Ribeiro, gravação de Dick Farney, de 1946 são contemporâneas da foto da favela. De uma cidade que se perdeu na rolagem dos anos até a degradação da imundície, da insegurança, dos engarrafamentos que infernizam a população assustada, que se tranca em prédios com grades, tão vulneráveis como as delegacias e penitenciárias de que os presos entram e saem como visitantes.
Não há a menor justificativa para o espanto ou o destaque de manchetes com os vexames a que se submetem os candidatos a prefeito e a vereador nesta cidade que é cada vez menos civilizada, ordeira e atraente.
O debate pelas tribunas parlamentares sobre a legitimidade das exigências dos novos donos do pedaço – os líderes das milícias armadas que controlam a virtual totalidade das favelas – de prévio pedido de licença dos candidatos para a caça ao voto em plena temporada oficial de campanha é de encafifar o mais insensível dos cariocas de nascença ou por adoção.
A vereadora Verônica Costa parece jactar-se da sua habilidade em passar por baixo das cercas com a devida licença dos chefes das milícias. Passa recibo na proibição de não cometer a imprudência de "entrar em seis comunidades da Zona Norte do Rio". O animado debate ganha o colorido com os toques de revelações precisas: "No Rio das Pedras, procurei o Nadinho e ele liberou". Mas, esclarece as ressalvas: "Eles têm regras. Hoje em dia só entro pedindo licença à milícia. Só se entra com autorização".
O candidato a prefeito, Fernando Gabeira, do PV, propõe a troca constrangedora da escolta policial por um telefone vermelho, ligado ao Tribunal Regional Eleitoral (TER) e que seria utilizado pelos candidatos quando em situação de risco.
O exemplo mais expressivo é do senador Marcelo Crivella (PRB), candidato a prefeito do Rio e que foi repreendido como menino de escola que faz uma arte, pelo presidente da associação de moradores da favela Rio das Pedras, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, por ter feito campanha no espaço sob seu controle, acompanhado de assessores e candidatos à Câmara Municipal, sem prévio aviso e a devida permissão.
Nesta cadência, dentro em pouco as milícias vão exigir que a política também peça licença antes de ultrapassar os limites que demarcam as áreas da cidade.
Depois da barriga do Ronaldo Fenômeno nada mais ameaça deslocar o nosso queixo.
Villas-Bôas Corrêa
Em dia de faxina para colocar em ordem a bagunça das pastas e malas de recortes e lembranças do repórter veterano, encontrei uma velha foto, ainda nítida com a marca do saudoso e grande fotografo Achiles Camacho, das reportagens semanais dos meus tempos de iniciante – lá se vão quase 60 anos – dos Comandos Parlamentares de A Notícia e O Dia.
Nela o registro de um flagrante impossível de ser imitado nestes tempos de absoluta insegurança da falência múltipla dos três poderes. Não consegui localizar com precisão qual é a favela, das muitas que subi sem jamais encontrar qualquer dificuldade. Mas o episódio salta inteiro do buraco de décadas: ao redor de um balaio de caranguejos cozidos, meia dúzia de moradores da favela destrincham o crustáceo com as mãos. Entre eles, em fraterna intimidade, os deputados federais Heitor Beltrão, da finada UDN, Breno da Silveira, também udenista e o padre deputado Medeiros Neto, do PSD.
Tão surpreende quanto o flagrante é a sua crônica. Não há insinuação de bravata na veneranda imagem de deputados acompanhados de repórter e fotografo nos altos de uma favela. O que choca como uma pancada na nuca é o contraste entre o ontem e o hoje. Afinal, cinco décadas são um instante na história de um país ou de uma cidade.
A Cidade Maravilhosa "cheia de encantos mil" é um verso da marcha de André Filho, lançada em 1934, em gravação de Aurora Miranda, que virou hino e como a Copacabana, a Princesinha do Mar do samba canção de João de Barro e Alberto Ribeiro, gravação de Dick Farney, de 1946 são contemporâneas da foto da favela. De uma cidade que se perdeu na rolagem dos anos até a degradação da imundície, da insegurança, dos engarrafamentos que infernizam a população assustada, que se tranca em prédios com grades, tão vulneráveis como as delegacias e penitenciárias de que os presos entram e saem como visitantes.
Não há a menor justificativa para o espanto ou o destaque de manchetes com os vexames a que se submetem os candidatos a prefeito e a vereador nesta cidade que é cada vez menos civilizada, ordeira e atraente.
O debate pelas tribunas parlamentares sobre a legitimidade das exigências dos novos donos do pedaço – os líderes das milícias armadas que controlam a virtual totalidade das favelas – de prévio pedido de licença dos candidatos para a caça ao voto em plena temporada oficial de campanha é de encafifar o mais insensível dos cariocas de nascença ou por adoção.
A vereadora Verônica Costa parece jactar-se da sua habilidade em passar por baixo das cercas com a devida licença dos chefes das milícias. Passa recibo na proibição de não cometer a imprudência de "entrar em seis comunidades da Zona Norte do Rio". O animado debate ganha o colorido com os toques de revelações precisas: "No Rio das Pedras, procurei o Nadinho e ele liberou". Mas, esclarece as ressalvas: "Eles têm regras. Hoje em dia só entro pedindo licença à milícia. Só se entra com autorização".
O candidato a prefeito, Fernando Gabeira, do PV, propõe a troca constrangedora da escolta policial por um telefone vermelho, ligado ao Tribunal Regional Eleitoral (TER) e que seria utilizado pelos candidatos quando em situação de risco.
O exemplo mais expressivo é do senador Marcelo Crivella (PRB), candidato a prefeito do Rio e que foi repreendido como menino de escola que faz uma arte, pelo presidente da associação de moradores da favela Rio das Pedras, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, por ter feito campanha no espaço sob seu controle, acompanhado de assessores e candidatos à Câmara Municipal, sem prévio aviso e a devida permissão.
Nesta cadência, dentro em pouco as milícias vão exigir que a política também peça licença antes de ultrapassar os limites que demarcam as áreas da cidade.
Depois da barriga do Ronaldo Fenômeno nada mais ameaça deslocar o nosso queixo.
DEU NO VALOR ECONÔMICO
AS VÁRIAS FACES DA SANTIAGRAHA
Cláudio Gonçalves Couto
Poucos episódios na conjuntura política recente do país geraram, em tão pouco tempo, uma teia de conflitos tão complexa como aquela que se teceu na esteira das prisões da Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Façamos uma sinopse: (1) o presidente do Supremo Tribunal Federal confronta-se com os juízes da primeira instância federal; (2) com os procuradores federais e (3) com o Ministro da Justiça. Por outro lado, recebe o apoio de (4) um expressivo grupo de advogados e (5) do principal partido de oposição, o PSDB. Os grampos autorizados judicialmente realizados pela Polícia Federal comprometeram o (6) chefe de gabinete da Presidência da República em suas conversas com (7) o advogado Luiz Eduardo Greenghalgh (ex-candidato petista à presidência da Câmara dos Deputados), o que motivou a (8) CPI dos Grampos a cogitar a convocação deles, do (9) delegado Protógenes Queiroz, responsável pela operação, e (10) do juiz que deu as duas ordens de prisão depois revogadas pelo Supremo. Toda essa confusão levou o (11) Presidente da República a reunir-se com o Presidente do STF, com vistas a discutir os possíveis abusos que a PF venha cometendo em sua atuação.
Além disto, a suspeição que se lançou sobre Greenhalgh e (novamente ele) (12) José Dirceu levaram-nos a acusar o ministro Tarso Genro de utilizar as ações da Polícia Federal como instrumento de luta política dentro do (13) PT. Como se não fosse suficiente, o delegado Queiroz também se indispôs com grande parte da (14) imprensa (escrita, falada e televisiva) ao insinuar em seu relatório que jornalistas estariam envolvidos com os supostos criminosos por ele investigados. E ainda, entre os órgãos de imprensa, questionou-se a suposta exclusividade que teve a (15) Rede Globo na cobertura das prisões de (16) Daniel Dantas, (17) Naji Nahas e (18) Celso Pitta. Como se não fosse suficiente, levantou-se também suspeição de espionagem sobre a empresa de gerenciamento de riscos (19) Kroll, trabalhando para Daniel Dantas. Por fim, ainda que de forma menos central no imbróglio, poderíamos listar o alegado envolvimento de outros personagens relevantes: (20) o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger e os senadores do DEM, (21) Heráclito Fortes (PI) e (22) Antônio Carlos Magalhães Júnior (BA).
Operação da PF ensejou caso muito complexo
O caso não é complexo apenas pelo número de atores envolvidos, mas pelos questionamentos que suscita: (a) a PF cometeria reiterados abusos de autoridade? (b) O STF estaria atropelando as instâncias judiciais ao revogar decisões de instâncias inferiores sem que estas fossem, antes, apreciadas por instâncias intermediárias? (c) Haveria tráfico de influência no contato de um advogado, correligionário de partido, com o chefe de gabinete da Presidência da República com vistas a obter informações sobre investigações feitas sobre seus clientes? (d) É cabível que um delegado da PF lance acusações sobre jornalistas que entrevistaram supostos criminosos, prestaram-lhes serviços ou opinaram sobre negócios em que eles estão envolvidos? (e) É inadequado o uso de algemas na prisão de supostos criminosos do colarinho-branco, gente de posição social destacada, devendo se restringir a criminosos de outra categoria social?
Se a grande complexidade deste caso torna difícil estabelecer uma análise mais precisa sobre todas as suas possíveis conseqüências - já que são muitos os desdobramentos prováveis que a operação abre -, por outro lado ela parece revelar algumas novidades no funcionamento de nossas instituições. A primeira delas diz respeito a uma saudável (porém não isenta de riscos) autonomia operacional da Polícia Federal. Ora, quando uma polícia subordinada ao Executivo lança uma suspeição pública sobre o próprio chefe de gabinete da Presidência, torna-se difícil afirmar que o órgão age de acordo com as conveniências do poder. É claro, porém, que há um elemento específico neste caso: o delegado Protógenes Queiroz conduziu boa parte de sua investigação à revelia das orientações de seus superiores, envolvendo inclusive a participação da Agência Brasileira de Inteligência (ator nº 23 deste imbróglio), o que não está previsto nas regras de funcionamento nem da PF, nem da Abin. Poderíamos questionar se a investigação teria seguido com a mesma independência caso o delegado atuasse subordinadamente aos superiores como manda o figurino.
A segunda novidade institucional que ganha realce neste episódio é o confronto que se trava, dentro do Judiciário, entre uma tendência à centralização da autoridade nas cortes superiores e a resistência que lhe é oposta pelos juízes das primeiras instâncias, Ministério Público e - mais comumente - os advogados. Ao protestarem contra as atitudes do ministro Gilmar Mendes, os magistrados e procuradores (com a significativa presença do delegado Queiroz) protestam também contra uma tendência centralizadora que ganhou corpo nos últimos tempos, em particular a partir da reforma do Judiciário, que instituiu a súmula vinculante e o Conselho Nacional de Justiça a despeito dos protestos contra ambos provenientes da massa da magistratura. A ação do presidente do Supremo foi um ato de enquadramento das instâncias inferiores, sinalizando-lhes onde reside de fato o poder judicial final. Em suas próprias palavras, o STF "acerta e erra por último".
Neste episódio, ironicamente, a advocacia, que normalmente é simpática à manutenção de uma estrutura mais descentralizada de decisão judicial, optou por defender o posicionamento tomado no centro - apontando-o como uma salvaguarda de direitos individuais por meio da concessão do habeas corpus. As críticas que a advocacia tem feito, por exemplo, à simplificação dos processos penais, reduzindo a possibilidade de recursos, vão em sentido contrário a isto, pois apostam na dispersão das decisões judiciais como forma de - alegadamente - garantir os mesmos direitos individuais. Há, contudo, uma diferença importante: na simplificação do processo, encurta-se o julgamento, facilitando a condenação; nos habeas corpus concedidos pelas instâncias superiores, evitam-se punições antecipadas. Isto mostra que a relação entre centralização judicial e defesa de direitos não é tão simples e direta como se supunha. Este caso deixou isto bem claro.
Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, às quartas-feiras, Rosângela Bittar, está em férias
Cláudio Gonçalves Couto
Poucos episódios na conjuntura política recente do país geraram, em tão pouco tempo, uma teia de conflitos tão complexa como aquela que se teceu na esteira das prisões da Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Façamos uma sinopse: (1) o presidente do Supremo Tribunal Federal confronta-se com os juízes da primeira instância federal; (2) com os procuradores federais e (3) com o Ministro da Justiça. Por outro lado, recebe o apoio de (4) um expressivo grupo de advogados e (5) do principal partido de oposição, o PSDB. Os grampos autorizados judicialmente realizados pela Polícia Federal comprometeram o (6) chefe de gabinete da Presidência da República em suas conversas com (7) o advogado Luiz Eduardo Greenghalgh (ex-candidato petista à presidência da Câmara dos Deputados), o que motivou a (8) CPI dos Grampos a cogitar a convocação deles, do (9) delegado Protógenes Queiroz, responsável pela operação, e (10) do juiz que deu as duas ordens de prisão depois revogadas pelo Supremo. Toda essa confusão levou o (11) Presidente da República a reunir-se com o Presidente do STF, com vistas a discutir os possíveis abusos que a PF venha cometendo em sua atuação.
Além disto, a suspeição que se lançou sobre Greenhalgh e (novamente ele) (12) José Dirceu levaram-nos a acusar o ministro Tarso Genro de utilizar as ações da Polícia Federal como instrumento de luta política dentro do (13) PT. Como se não fosse suficiente, o delegado Queiroz também se indispôs com grande parte da (14) imprensa (escrita, falada e televisiva) ao insinuar em seu relatório que jornalistas estariam envolvidos com os supostos criminosos por ele investigados. E ainda, entre os órgãos de imprensa, questionou-se a suposta exclusividade que teve a (15) Rede Globo na cobertura das prisões de (16) Daniel Dantas, (17) Naji Nahas e (18) Celso Pitta. Como se não fosse suficiente, levantou-se também suspeição de espionagem sobre a empresa de gerenciamento de riscos (19) Kroll, trabalhando para Daniel Dantas. Por fim, ainda que de forma menos central no imbróglio, poderíamos listar o alegado envolvimento de outros personagens relevantes: (20) o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger e os senadores do DEM, (21) Heráclito Fortes (PI) e (22) Antônio Carlos Magalhães Júnior (BA).
Operação da PF ensejou caso muito complexo
O caso não é complexo apenas pelo número de atores envolvidos, mas pelos questionamentos que suscita: (a) a PF cometeria reiterados abusos de autoridade? (b) O STF estaria atropelando as instâncias judiciais ao revogar decisões de instâncias inferiores sem que estas fossem, antes, apreciadas por instâncias intermediárias? (c) Haveria tráfico de influência no contato de um advogado, correligionário de partido, com o chefe de gabinete da Presidência da República com vistas a obter informações sobre investigações feitas sobre seus clientes? (d) É cabível que um delegado da PF lance acusações sobre jornalistas que entrevistaram supostos criminosos, prestaram-lhes serviços ou opinaram sobre negócios em que eles estão envolvidos? (e) É inadequado o uso de algemas na prisão de supostos criminosos do colarinho-branco, gente de posição social destacada, devendo se restringir a criminosos de outra categoria social?
Se a grande complexidade deste caso torna difícil estabelecer uma análise mais precisa sobre todas as suas possíveis conseqüências - já que são muitos os desdobramentos prováveis que a operação abre -, por outro lado ela parece revelar algumas novidades no funcionamento de nossas instituições. A primeira delas diz respeito a uma saudável (porém não isenta de riscos) autonomia operacional da Polícia Federal. Ora, quando uma polícia subordinada ao Executivo lança uma suspeição pública sobre o próprio chefe de gabinete da Presidência, torna-se difícil afirmar que o órgão age de acordo com as conveniências do poder. É claro, porém, que há um elemento específico neste caso: o delegado Protógenes Queiroz conduziu boa parte de sua investigação à revelia das orientações de seus superiores, envolvendo inclusive a participação da Agência Brasileira de Inteligência (ator nº 23 deste imbróglio), o que não está previsto nas regras de funcionamento nem da PF, nem da Abin. Poderíamos questionar se a investigação teria seguido com a mesma independência caso o delegado atuasse subordinadamente aos superiores como manda o figurino.
A segunda novidade institucional que ganha realce neste episódio é o confronto que se trava, dentro do Judiciário, entre uma tendência à centralização da autoridade nas cortes superiores e a resistência que lhe é oposta pelos juízes das primeiras instâncias, Ministério Público e - mais comumente - os advogados. Ao protestarem contra as atitudes do ministro Gilmar Mendes, os magistrados e procuradores (com a significativa presença do delegado Queiroz) protestam também contra uma tendência centralizadora que ganhou corpo nos últimos tempos, em particular a partir da reforma do Judiciário, que instituiu a súmula vinculante e o Conselho Nacional de Justiça a despeito dos protestos contra ambos provenientes da massa da magistratura. A ação do presidente do Supremo foi um ato de enquadramento das instâncias inferiores, sinalizando-lhes onde reside de fato o poder judicial final. Em suas próprias palavras, o STF "acerta e erra por último".
Neste episódio, ironicamente, a advocacia, que normalmente é simpática à manutenção de uma estrutura mais descentralizada de decisão judicial, optou por defender o posicionamento tomado no centro - apontando-o como uma salvaguarda de direitos individuais por meio da concessão do habeas corpus. As críticas que a advocacia tem feito, por exemplo, à simplificação dos processos penais, reduzindo a possibilidade de recursos, vão em sentido contrário a isto, pois apostam na dispersão das decisões judiciais como forma de - alegadamente - garantir os mesmos direitos individuais. Há, contudo, uma diferença importante: na simplificação do processo, encurta-se o julgamento, facilitando a condenação; nos habeas corpus concedidos pelas instâncias superiores, evitam-se punições antecipadas. Isto mostra que a relação entre centralização judicial e defesa de direitos não é tão simples e direta como se supunha. Este caso deixou isto bem claro.
Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, às quartas-feiras, Rosângela Bittar, está em férias
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
UMA ILHA DE TRANQÜILIDADE
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Coleção das manchetes da manhã de ontem do jornal britânico "Financial Times", que não é exatamente o protótipo do tablóide sensacionalista:
1 - Sensação de mal-estar atinge o dólar e as ações globais. Conta a história da queda nos mercados por conta da desconfiança em relação à eficácia do socorro às empresas hipotecárias norte-americanas.
2 - Paramount forçada a suspender financiamento de US$ 450 milhões. Nem Hollywood escapa do sufoco creditício, como revela o fato de que esse estúdio emblemático teve que suspender a tentativa de levantar grana para filmes.
3 - TCI perde US$ 1 bilhão, no pior mês. TCI é um fundo de hedge (desses que tentam se proteger apostando em diferentes ativos). É um fundo politicamente correto (chama-se Fundo de Investimento em Crianças). Nem assim se salvou do mau humor nos mercados.4 - Dólar atinge recorde de baixa em relação ao euro. É o incontrolável derretimento da moeda norte-americana, mesmo depois de George Walker Bush ter dito e repetido que é a favor do "dólar forte". Parece que ele não dá uma dentro.
5 - Petróleo e ouro sobem, enquanto o dólar afunda. Dispensa comentários.6 - Bolsa britânica cai abaixo de 5.200 pontos (por conta principalmente da queda das ações das empresas financeiras).
7 - Bancos puxam para baixo as ações européias. É a generalização, para a Europa, do item anterior.
8 - Ações asiáticas protagonizam declínio generalizado. É igual aos itens 6 e 7, mas para a Ásia.
9 - Inflação no Reino Unido sobe para 3,8% em junho (é o dobro da meta do governo).Enquanto isso, no Brasil, tudo deve estar no melhor dos mundos, posto que a única discussão, por aqui, é para decidir quem é o vilão do dia (ou do mês), se o ministro Gilmar Mendes ou o juiz Fausto De Sanctis.
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Coleção das manchetes da manhã de ontem do jornal britânico "Financial Times", que não é exatamente o protótipo do tablóide sensacionalista:
1 - Sensação de mal-estar atinge o dólar e as ações globais. Conta a história da queda nos mercados por conta da desconfiança em relação à eficácia do socorro às empresas hipotecárias norte-americanas.
2 - Paramount forçada a suspender financiamento de US$ 450 milhões. Nem Hollywood escapa do sufoco creditício, como revela o fato de que esse estúdio emblemático teve que suspender a tentativa de levantar grana para filmes.
3 - TCI perde US$ 1 bilhão, no pior mês. TCI é um fundo de hedge (desses que tentam se proteger apostando em diferentes ativos). É um fundo politicamente correto (chama-se Fundo de Investimento em Crianças). Nem assim se salvou do mau humor nos mercados.4 - Dólar atinge recorde de baixa em relação ao euro. É o incontrolável derretimento da moeda norte-americana, mesmo depois de George Walker Bush ter dito e repetido que é a favor do "dólar forte". Parece que ele não dá uma dentro.
5 - Petróleo e ouro sobem, enquanto o dólar afunda. Dispensa comentários.6 - Bolsa britânica cai abaixo de 5.200 pontos (por conta principalmente da queda das ações das empresas financeiras).
7 - Bancos puxam para baixo as ações européias. É a generalização, para a Europa, do item anterior.
8 - Ações asiáticas protagonizam declínio generalizado. É igual aos itens 6 e 7, mas para a Ásia.
9 - Inflação no Reino Unido sobe para 3,8% em junho (é o dobro da meta do governo).Enquanto isso, no Brasil, tudo deve estar no melhor dos mundos, posto que a única discussão, por aqui, é para decidir quem é o vilão do dia (ou do mês), se o ministro Gilmar Mendes ou o juiz Fausto De Sanctis.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
A LEI ESPANTALHO
José Arthur Giannotti
DEPOIS DA vigência da lei seca, caiu mais da metade o número de acidentes com veículos motorizados. Os defensores da abstinência comemoram e enaltecem o rigor da lei. Mas um minuto de reflexão bastaria para duvidar dessa relação causal entre a lei e a redução dos acidentes. O bom êxito não resulta sobretudo da repressão policial que pela primeira vez se organiza como tal?
Cabe lembrar que a cidade de São Paulo possuía por volta de 30 bafômetros, quantidade absolutamente ridícula. Em vez de o Estado ser aparelhado, e a população, educada, simplesmente se promulga uma lei que pode funcionar como espantalho e forçar uma mudança cultural mediante malabarismos do legislador.
Mais do que a impossibilidade de tomar dois copos de vinho no jantar e voltar dirigindo para casa, incomoda-me essa pretensão autoritária de mudanças culturais serem obtidas a golpes da legislação. Numa democracia, o legislador pode conformar modos de conduta existentes, mas não lhe cabe inventar uma cultura, em particular uma cultura da abstinência e da repressão desnecessária.
O que se deve punir é o motorista embriagado. Ora, diante da dificuldade de estabelecer o limite entre o motorista normal e o embriagado, já que as pessoas reagem diferentemente à mesma quantidade de álcool ingerido, o legislador simplesmente se ausenta, define um limiar que, na prática, impede a bebida e arma o espetáculo da repressão.
Assim, abre-se o caminho para policiais agirem de modo prepotente e abstêmios puritanos darem margem a seus ressentimentos. A vitória é o fim da festa. Isso se os jovens, a população alvo da lei, não aumentarem o consumo de outras drogas mais nocivas à saúde do que o álcool. Em vez de impor a abstinência, cabe definir o limiar da tolerância. Se outros países adotam com sucesso limiares mais altos, por que o nosso deve levantar a bandeira da pura repressão?
Uma lei seca espetacular cai como uma luva nesse processo de transformação da lei em espetáculo que está ocorrendo no país. Em vez de combater a impunidade apertando a legislação e aparelhando o Estado, a fim de que ele possa reprimir respeitando os direitos humanos, vem sendo armada, em praça pública, a guilhotina da respeitabilidade, a humilhação do investigado.
Essa brincadeira de mau gosto de prender e soltar "celebridades" do mundo financeiro e político desmoraliza tanto o prendedor como o relaxador. Se devemos aplaudir o bom trabalho da Polícia Federal quando investiga crimes de colarinho-branco, não é por isso que devemos tolerar que suas ações se façam à luz dos holofotes. Se devemos esperar dos magistrados que cumpram a lei, não é por isso que vamos nos deliciar com as piruetas dos juízes de primeira ou de última instância.
O que está sendo posto em xeque é respeitabilidade institucional da lei. Interessa ao governo fazer de conta que nunca neste Brasil os corruptos foram tão perseguidos. Interessa à oposição, incapaz de elaborar uma agenda oposicionista, que se tenha a ilusão de que tudo, no final das contas, está conforme à lei. Ambos os lados estão contentes porque nenhum de seus corruptos será pego, a despeito de serem expostos no pelourinho da opinião pública. E que não se meça a impunidade pelo número de processos que resultam em condenação nas instâncias superiores da Justiça, pois ela se abriga antes e depois desse tipo de condenação.
Disso tudo resulta o afrouxamento do poder normativo da lei positiva. Primeiro, cada um a considera valendo mais para os outros que para si próprio. Segundo, seus limites estão sempre em mudança, como as margens arenosas dos rios. Por fim, mais que a lei, importa a celebração da "celebridade", tornar visível a qualquer custo um personagem posando de banqueiro acuado, de policial eficaz, de político injustiçado e até mesmo de legislador incompreendido.
Em vez de a norma regular, amoldar a conduta para que ela se torne coletivamente justa, cada vez mais ela tende a funcionar como espantalho fingindo que afugenta as aves da transgressão.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI , filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e coordenador da área de filosofia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".
José Arthur Giannotti
DEPOIS DA vigência da lei seca, caiu mais da metade o número de acidentes com veículos motorizados. Os defensores da abstinência comemoram e enaltecem o rigor da lei. Mas um minuto de reflexão bastaria para duvidar dessa relação causal entre a lei e a redução dos acidentes. O bom êxito não resulta sobretudo da repressão policial que pela primeira vez se organiza como tal?
Cabe lembrar que a cidade de São Paulo possuía por volta de 30 bafômetros, quantidade absolutamente ridícula. Em vez de o Estado ser aparelhado, e a população, educada, simplesmente se promulga uma lei que pode funcionar como espantalho e forçar uma mudança cultural mediante malabarismos do legislador.
Mais do que a impossibilidade de tomar dois copos de vinho no jantar e voltar dirigindo para casa, incomoda-me essa pretensão autoritária de mudanças culturais serem obtidas a golpes da legislação. Numa democracia, o legislador pode conformar modos de conduta existentes, mas não lhe cabe inventar uma cultura, em particular uma cultura da abstinência e da repressão desnecessária.
O que se deve punir é o motorista embriagado. Ora, diante da dificuldade de estabelecer o limite entre o motorista normal e o embriagado, já que as pessoas reagem diferentemente à mesma quantidade de álcool ingerido, o legislador simplesmente se ausenta, define um limiar que, na prática, impede a bebida e arma o espetáculo da repressão.
Assim, abre-se o caminho para policiais agirem de modo prepotente e abstêmios puritanos darem margem a seus ressentimentos. A vitória é o fim da festa. Isso se os jovens, a população alvo da lei, não aumentarem o consumo de outras drogas mais nocivas à saúde do que o álcool. Em vez de impor a abstinência, cabe definir o limiar da tolerância. Se outros países adotam com sucesso limiares mais altos, por que o nosso deve levantar a bandeira da pura repressão?
Uma lei seca espetacular cai como uma luva nesse processo de transformação da lei em espetáculo que está ocorrendo no país. Em vez de combater a impunidade apertando a legislação e aparelhando o Estado, a fim de que ele possa reprimir respeitando os direitos humanos, vem sendo armada, em praça pública, a guilhotina da respeitabilidade, a humilhação do investigado.
Essa brincadeira de mau gosto de prender e soltar "celebridades" do mundo financeiro e político desmoraliza tanto o prendedor como o relaxador. Se devemos aplaudir o bom trabalho da Polícia Federal quando investiga crimes de colarinho-branco, não é por isso que devemos tolerar que suas ações se façam à luz dos holofotes. Se devemos esperar dos magistrados que cumpram a lei, não é por isso que vamos nos deliciar com as piruetas dos juízes de primeira ou de última instância.
O que está sendo posto em xeque é respeitabilidade institucional da lei. Interessa ao governo fazer de conta que nunca neste Brasil os corruptos foram tão perseguidos. Interessa à oposição, incapaz de elaborar uma agenda oposicionista, que se tenha a ilusão de que tudo, no final das contas, está conforme à lei. Ambos os lados estão contentes porque nenhum de seus corruptos será pego, a despeito de serem expostos no pelourinho da opinião pública. E que não se meça a impunidade pelo número de processos que resultam em condenação nas instâncias superiores da Justiça, pois ela se abriga antes e depois desse tipo de condenação.
Disso tudo resulta o afrouxamento do poder normativo da lei positiva. Primeiro, cada um a considera valendo mais para os outros que para si próprio. Segundo, seus limites estão sempre em mudança, como as margens arenosas dos rios. Por fim, mais que a lei, importa a celebração da "celebridade", tornar visível a qualquer custo um personagem posando de banqueiro acuado, de policial eficaz, de político injustiçado e até mesmo de legislador incompreendido.
Em vez de a norma regular, amoldar a conduta para que ela se torne coletivamente justa, cada vez mais ela tende a funcionar como espantalho fingindo que afugenta as aves da transgressão.
JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI , filósofo, é professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP e coordenador da área de filosofia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). É autor, entre outras obras, de "Certa Herança Marxista".
terça-feira, 15 de julho de 2008
O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1027&portal=
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DEU EM LA NACIÓN (Santiago)

LA TRAYECTORIA Y EL GESTO DE SALVADOR ALLENDE
Tomás Moulian
Hoy día no es un fantasma agobiado, más bien es la bandera de un combate que sigue vivo
Tomás Moulian
Hoy día no es un fantasma agobiado, más bien es la bandera de un combate que sigue vivo
Allende no ingresa a la historia por su muerte, ingresa en ella por su vida, aunque su final lo convierte en un mito. Por su instinto político y su realismo histórico el Presidente mártir fue la expresión simbólica de una "nueva forma" de acceder al socialismo, en un momento en que los síntomas de crisis de los socialismos reales ya empezaban a apreciarse.
El análisis de la trayectoria global de Salvador Allende y en especial de sus posiciones en el agitado periodo de la Unidad Popular se hace necesario para interpretar de manera adecuada el término de su vida.
En una izquierda que desde temprano se coloca al amparo del marxismo y en un partido que en los '60 deriva hacia el maximalismo, Allende representó un tipo particular de político revolucionario, aquel que cifraba esperanzas en el poder electoral como una de las expresiones del poder de masas y que creyó que era posible en Chile acumular fuerzas para el socialismo desde dentro del propio sistema político.
Allende no fue un tribuno revolucionario amante de la retórica, sino un político forjado en las luchas cotidianas por conseguir espacios para una política popular dentro de un sistema democrático representativo, en el cual las alianzas eran factibles para una parte de la izquierda de los cincuenta pero no para las de los sesenta del siglo XX. Pero, pese a eso, nunca abandonó la crítica al capitalismo y el deseo del socialismo. En este punto reside la gran diferencia de las posiciones de Allende con las del partido actual. Que fuera un gran político realista no significa que negara el futuro como posible realización de una alternativa y que se conformara con una política pragmática.
Su visión de la política empezó a fraguarse desde 1933, cuando siendo todavía un joven universitario militó en el grupo Avance y participó en Valparaíso en la fundación del Partido Socialista, pero en especial se elaboró en el período de las coaliciones de centro izquierda (1938-1947), en particular en el Gobierno de Pedro Aguirre Cerda, del cual fue ministro de Salud en 1939.
En esa actividad gubernamental plagada de contradicciones y más tarde en 1943 como secretario general del PS, dio los primeros pasos hacia la búsqueda de unidad entre los dos grandes partidos populares, el PS y el PC, una práctica que desde 1952 en adelante sería el centro de su estrategia.
Para realizar la política de unidad socialista-comunista Allende se vio obligado en 1952 a un gesto paradójico, abandonar su partido. La pequeña organización socialista a la que se incorporó había quebrado el partido madre cuando éste se opuso a la ilegalización de los comunistas. Como se observa, la ruptura original tuvo motivaciones de derecha, pero cuando Allende se retiró del partido socialista mayoritario al volcarse éste al ibañismo, impulsó a la organización a trabajar con los comunistas aún en la ilegalidad. Con ellos creó el Frente de la Patria, del cual surgió, en 1952, su primera candidatura presidencial.
La política llevada a cabo desde esa fecha convirtió al futuro Presidente en el líder de la unidad de acción entre las dos grandes formaciones populares. Esa estrategia fue favorecida por la influencia en el PCCh del 20º Congreso del PCUS, realizado en 1956, que elaboró la política de la coexistencia pacífica y, por ende, creó las bases de una estrategia de tránsito pacífico al socialismo, en un momento en que no existía aún en el continente latinoamericano una experiencia confrontacional exitosa, como la cubana.
Los resultados electorales de 1958, donde Allende casi obtuvo el triunfo, lo convirtieron en el líder de los '60. Siguió siéndolo aunque su realismo lo alejó de las posiciones de su partido y lo colocó más cerca del PC. No se dejó arrastrar por el viraje a la izquierda que los socialistas emprendieron después de la derrota en la campaña presidencial de 1964.
Entonces muchos se apresuraron a decretar el cierre de las posibilidades electorales y anunciaron la necesidad de cambiar de estrategia sin darse el trabajo de estudiar las especificidades del caso chileno. Se mantuvo al margen. Sin dejar nunca de valorar y apoyar a Cuba, siguió pensando, casi en solitario, que era posible triunfar en las presidenciales y desde allí impulsar un tránsito institucional al socialismo. Esa actitud lo hizo blanco de muchas críticas, en especial de la acusación de tradicionalismo.
La mentalidad triunfalista de la década del '60, un período optimista respecto a la actualidad de la revolución y a su necesidad para superar las incapacidades del capitalismo, impidió que los partidos y los intelectuales marxistas se plantearan las preguntas que requería la construcción del socialismo en Chile por la vía institucional. ¿Era posible en condiciones de aislamiento de los sectores progresistas del PDC, potenciados por el liderazgo de Tomic? Dicho de otro modo, ¿cómo conseguir mayoría estatal y de masas, requisito esencial, sin construir un bloque por los cambios, un amplio arco progresista?
Durante el intenso período de la UP, Allende fue más allá que nadie en la definición del horizonte estratégico. En su discurso del 21 de mayo de 1971, hablando de la meta y no sólo de la fase, definió el socialismo chileno como libertario, democrático y pluripartidista.
Esa concepción lo transformó en vanguardia, en adelantado de las tesis del eurocomunismo.
Avanzó más allá que los comunistas chilenos, porque éstos no abandonaron la concepción ortodoxa y fueron por ello atrapados por la lógica del momento decisivo, aquella coyuntura en el cual por fin se obtendría el "poder total". Los comunistas, eso sí, prolongaban esa fase en el tiempo, lo que era un mérito político, pero no prescindieron de ella. La famosa metáfora de Luis Corvalán sobre el destino final del tren, lo decía con precisión: llegaría hasta Puerto Montt, aunque algunos aliados transitorios decidieran desembarcarse antes.
Pero Allende, aun teniendo claro que no había tránsito institucional exitoso sin la creación de una alianza estratégica con los sectores progresistas que generara una sólida mayoría, no fue capaz de imponer esas políticas. Su lucidez fue vana. Nunca quiso abandonar su ética humanista para usar los recursos autoritarios del poder, como lo hicieron casi todos los Presidentes entre el '32 y el '70. Actuó correctamente, aunque con eso privara a su "revolución" del recurso de atemorizar.
De otro modo, el avanzado grado de desarrollo de la crisis de principios de 1973 lo hubiese obligado no sólo a reprimir legalmente a ciertos opositores sino a los grupos de izquierda. Fue siempre un político democrático, aun en aquellos tiempos de constantes amenazas a la gobernabilidad.
Creo que sin llegar al autoritarismo debió haber jugado más a fondo el papel tradicional del Presidente fuerte, que adquiere autonomía de las orgánicas e impone sus decisiones. Fueron las vacilaciones de los partidos y la lentitud del Jefe de Estado lo que precipitó el final e hizo el golpe más fácil para los enemigos. Lo que sucedía es que la UP estaba desgarrada por el empate catastrófico entre quienes aceptaban la necesidad de negociar y quienes postulaban el "avanzar sin transar".
Allende no ingresa a la historia por su muerte, ingresa en ella por su vida, aunque su final lo convierte en un mito. Por su instinto político y su realismo histórico el Presidente mártir fue la expresión simbólica de una "nueva forma" de acceder al socialismo, en un momento en que los síntomas de crisis de los socialismos reales ya empezaban a apreciarse.
Como hoy se sabe de manera indudable, Allende se suicidó. No se entiende ahora por qué se ocultó durante tantos años. Optó por una muerte intencional, no una procurada por el azar. Fue un acto de combate. En esa terrible mañana del 11 el Presidente pasó del dolor a la lucidez. Primero lo abrumó la traición. Múltiples testigos hablan de su preocupación por "Augusto". En uno de los discursos de esa mañana conminó a los militares leales a salir en defensa del Gobierno. ¿En quién otro podía haber pensado que en Pinochet?
Creo que sin llegar al autoritarismo debió haber jugado más a fondo el papel tradicional del Presidente fuerte, que adquiere autonomía de las orgánicas e impone sus decisiones. Fueron las vacilaciones de los partidos y la lentitud del Jefe de Estado lo que precipitó el final e hizo el golpe más fácil para los enemigos. Lo que sucedía es que la UP estaba desgarrada por el empate catastrófico entre quienes aceptaban la necesidad de negociar y quienes postulaban el "avanzar sin transar".
Allende no ingresa a la historia por su muerte, ingresa en ella por su vida, aunque su final lo convierte en un mito. Por su instinto político y su realismo histórico el Presidente mártir fue la expresión simbólica de una "nueva forma" de acceder al socialismo, en un momento en que los síntomas de crisis de los socialismos reales ya empezaban a apreciarse.
Como hoy se sabe de manera indudable, Allende se suicidó. No se entiende ahora por qué se ocultó durante tantos años. Optó por una muerte intencional, no una procurada por el azar. Fue un acto de combate. En esa terrible mañana del 11 el Presidente pasó del dolor a la lucidez. Primero lo abrumó la traición. Múltiples testigos hablan de su preocupación por "Augusto". En uno de los discursos de esa mañana conminó a los militares leales a salir en defensa del Gobierno. ¿En quién otro podía haber pensado que en Pinochet?
Allende había dicho en un discurso en el Estadio Nacional en presencia de Fidel Castro que no saldría vivo de La Moneda. En el escenario de los bombardeos, buscó conseguir el mayor efecto político. Descartó el avión que le ofrecían los golpistas y preparó la respuesta más adecuada, que debía ser la mejor expresión de sus ideales y que debía producirle el mayor daño al general desleal que ejecutó la tragedia. Ese es el gesto del suicidio. Aquel acto salpicó a Pinochet para siempre con la sangre de Allende. Esa fue su primera marca, huella indeleble.
En el mismo momento de triunfar, Pinochet comenzó a caminar hacia donde terminó, como soldado sin honor, que huyó de su responsabilidad. Otra hubiese sido la suerte de este hombre si no se hubiera embarcado en la máxima crueldad, si hubiese aplacado las fuerzas oscuras que lo condujeron a bombardear La Moneda y forzar el suicidio de Allende. Con la muerte de Allende, Pinochet quedó para siempre manchado. Aparente triunfador, no podrá tener jamás el sitial del héroe, porque, como lo dice la tragedia griega, héroe puede ser Agamenón pero no Egisto, el traidor.
Allende perdió la primera batalla por un nuevo socialismo. Pero hoy día no es un fantasma agobiado, más bien es la bandera de un combate que sigue vivo, pues el socialismo del siglo XXI tiene que ver con su ideario, con sus luchas por una democratización profunda y también gradual y no violenta de las sociedades capitalistas.

ENVELHECER
Graziela Melo
Graziela Melo
Como se fossem
Descartáveis,
Partes do meu
Eu,
Vão
Apodrecendo,
Desonerando
Arrefecendo...
Podre,
Está
Meu corpo!
Já não vejo bem
O sol!
Caminhar
é ato
Dolorido.
Os sonhos
Vão, aos poucos
Se escondendo
Num recanto
Recolhido
De uma alma
Que descansa
Preguiçosa...
Arredia,
Presunçosa...
E não consegue
Vislumbrar
O outro dia...
O amanhã,
O Ontem
À tarde,
O hoje,cedo
O espanto,
A morte,
O medo!!!
Rio de Janeiro, 17/06/2008
DEU EM O GLOBO

DEVEMOS BEBER DESTA ÁGUA SUJA
Arnaldo Jabor
Mais uma vez Nelson Rodrigues surge para me orientar
Arnaldo Jabor
Mais uma vez Nelson Rodrigues surge para me orientar
O telefone preto tocou. Era o Nelson Rodrigues. Ele me liga de sua nuvem de algodão, num céu crivado de estrelas de purpurina. Nelson se manifesta sempre nas crises - minhas e do país.
- Nelson, que bom que você ligou... estava precisando. O Brasil está um labirinto de escândalos.
- Ora, rapaz, o país sempre foi assim. Só mudou uma coisa: antes, a consciência social dos brasileiros era medo da polícia; agora, eles perderam o medo... Eu sou do tempo do ladrão de galinha, quando só tinha três ou quatro bandidos no país... ah... bons tempos... O Zé da Ilha, o Mineirinho, até os apelidos eram mais doces... Havia uma vaga simpatia pelos vagabundos. Hoje não; quem faz sucesso são os ladrões de casaca... Eles entram na churrascaria e são olhados com admiração. "Olha lá o gatuno!" - o executivo diz, comendo uma picanha. E o outro responde, trêmulo de inveja: "É ladrão, mas dá nó em pingo d"água! Dizem que ele tem até Picassos na cozinha..." E as santas esposas suspiram ao lado, pensando nas jóias que ganhariam deles... E ainda se viram para o marido e lhe atiram na cara: "Você não é honesto não; você é burro!!".
Elas têm razão. Falta de caráter facilita a vida. Ninguém mais é honesto. A honestidade é uma úlcera que devora as entranhas como uma víbora do Butantã...
- Mas, não entendo... Nelson... os caras já têm bilhões. O Nahas já derrubou as bolsas, quebrou o mercado de prata no mundo! E querem mais?
- Rapaz, roubar é um vício secreto; no ladrão de galinha e nas grandes jogadas, vive-se a doce embriaguez da adrenalina, feito lança-perfume no Bola Preta.
- E os caras nem se escondem mais no suéter... saem de cabeça erguida...
- Claro! Ser preso faz parte do jogo. Quem ia conhecer seus feitos sem a prisão? Eles se orgulham. É um xeque-mate ao contrário, uma vitória ao avesso. A lei no país é um bálsamo.
Eles se exibem feito Clark Gables, Gregory Pecks, com sorriso de pasta de dentes... se orgulham... No meu tempo, o canalha se escondia envergonhado pelos cantos ou então se ocultava atrás da "pose"... Ahhh... como era importante a "pose". A habilidade do grande ladrão era aparentar... Mesmo com um "jabá" ali, quentinho, no bolso, a pose era imprescindível.
O larápio antigo tinha perfil de medalha, sorrisos conciliatórios, oportunismo disfarçado de tolerância democrática. Havia a doce volúpia de prometer e não cumprir, de trair de cara limpa. Todos fingiam a tranqüila solidez de bons estadistas ou empresários.
O povo babava na gravata e berrava, dando rutilas patadas: "Digam o que disserem - ele rouba, mas faz". E faziam mesmo, quase nada, mas faziam. O povo deixava-se roubar, boquiaberto e devoto. Hoje, os viadutos morrem no ar, as placas de obras dormem no meio das caatingas.
Antes, os rapineiros tinham um estranho amor pelo país que pilhavam... Sentiam-se no direito da "mão grande"... Eles se sentiam parte da tradição nacional, misturados com as florestas, com as cachoeiras... Havia uma simbiose consentida entre eles e o povo. Eles acreditavam que eram bons para o Brasil. Na mentira, o essencial é o auto-engano.
Ahhh, que saudades do Lupion, do Ademar, do buraco do Lume, tantos... Roubar era uma arte, rapaz...
- Hoje é um esporte?
- Rapaz, hoje o roubo é em girândolas (desculpe a frase) mas hoje não há autores, há cúmplices; todos são cúmplices. Antes, fulano roubava sicrano ou beltrano. Hoje, cada bandalheira se espalha como uma trepadeira de chuchus, é um jogo-da-velha com mil buracos, uma firma sai de dentro da outra, como cartola de mágico, cada ladrão tem sete cabeças, de sete cabeças saem outras sete e nunca se consegue matar a hidra. Ninguém entende nada. O povão treme dentro da própria boçalidade: afinal, quem roubou quem? Ninguém entende. O não entendimento faz parte da estratégia... Pois o próprio Lula não falou que "podem investigar, que o povo nem sabe o que é dossiê"? É um caso sério, rapaz...
- E como condenar alguém se todo mundo mente?
- Ninguém está mais faltando com a verdade... Isso é coisa antiga... O canalha de hoje não tem respeito nem pela mentira.
Antes, o sujeito roubava e fugia para o mato. Hoje, foge para o Congresso. Você viu os deputados do mensalão? Todos querem acabar com o "foro privilegiado" e cair na justiça comum, porque sabem que lá mora a liberdade dos infinitos habeas corpus...
Por exemplo, o grande erro daquele Cacciola foi fugir. Se ficasse aqui, não lhe aconteceria nada... Agora, vai ser caçado como uma ratazana grávida... pra servir de "exemplo".
Mas a grande novidade na gatunagem contemporânea é o ladrão com justa causa. Existem vigaristas que dizem, de peito enfunado e testa alta: "Eu roubo porque não vou deixar aí essa grana para pagar o FMI!"
E também temos os bandidos ideológicos: "Não é roubo não... - afirmam - trata-se de "desapropriação" dos capitalistas!".
Você viu outro dia a comemoração dos pelegos sindicalistas no Congresso, felizes, tudo de gravata, com uísque 30 anos, ameaçando jornalistas? A ideologia absolve e justifica os ratoneiros.
"Não tem nada demais pegar mais 100 milhões por ano e não prestar contas ao TCU... - afirmam - trata-se da vitória dos sindicatos sobre os burgueses que exploram o povo, pois, como dizia Lênin: os fins justificam os meios..." É assim... Antigamente, o comuna verdadeiro, o legítimo, o escocês, tinha orgulho da própria miséria. Andava esmolambado pelos cantos, filando ponta de cigarro. Neste novo governo, surgiu o desfalque em nome de Marx... que aliás está uma fera com o PT aqui em cima...
- E que vai ser de nós, Nelson?
- Isso tudo é muito bom. Está se rompendo a úlcera do país, a apendicite supurada vai furar... O Código Penal já está desmoralizado, há juízes jovens e implacáveis, a PF parece SWAT de filme americano. É bom...
O Brasil está assumindo a própria lepra, a própria miséria moral. E essa coisa torta, mentirosa, vagabunda é a nossa verdade. Você não quer saber qual é a verdade? É isso.
Os brasileiros deviam se abaixar no meio-fio e beber desta água suja. Ela é a nossa salvação.
- Nelson... você sempre me traz esperança...
- Deus te abençoe...
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

QUE INFLAÇÃO É ESSA?
Ilan Goldfajn
Parece que o cargo de ex-diretor do Banco Central (Bacen) é vitalício. Pelo menos se depender da quantidade de questionamentos sobre a inflação que tenho recebido nas últimas semanas: "Por que está tudo mais caro no supermercado?", "o governo vai fazer alguma coisa?"
Resolvi escrever e oferecer respostas a algumas perguntas que circulam por aí:
Ilan Goldfajn
Parece que o cargo de ex-diretor do Banco Central (Bacen) é vitalício. Pelo menos se depender da quantidade de questionamentos sobre a inflação que tenho recebido nas últimas semanas: "Por que está tudo mais caro no supermercado?", "o governo vai fazer alguma coisa?"
Resolvi escrever e oferecer respostas a algumas perguntas que circulam por aí:
Qual é a situação da inflação no Brasil? O pior já passou? - A inflação tem acelerado, mas se espera que recue, mais para a frente. O IPCA (medida de inflação oficial) acumulou 6% nos últimos 12 meses e acelerou para 7,5% no primeiro semestre. Os analistas esperam um recuo lento da inflação ao longo do próximo ano e meio, com 2008 fechando em algo entre 6,5% e 7%, e 4,5% e 5,5% em 2009. Os mais pobres tiveram uma inflação mais alta. O INPC, índice que mede a inflação daqueles que recebem até seis salários mínimos, acumulou, em 12 meses, 7,3% e acelerou para 8,7% nos últimos seis meses. Não há garantias de que o pior já tenha passado, apenas há a expectativa (ainda não fundamentada) de que o choque inflacionário tenha chegado ao seu limite, e confiança no combate à inflação pelo Banco Central.
A inflação é "só" dos alimentos, ou do "feijãozinho", como disse o ministro da Fazenda? - Não.
Nem seria boa notícia se o fosse. Além do fato de os alimentos afetarem desproporcionalmente os mais pobres (que gastam mais da sua renda com alimentos), há a idéia errônea de que a inflação quando concentrada em alimentos é temporária e vai voltar naturalmente. Não é o caso na atual situação. O que está ocorrendo é mais do que uma infelicidade climática que atingiu alguns alimentos. Está havendo uma mudança estrutural no mundo (e no Brasil), na qual o preço dos alimentos vai ter de ficar mais alto em relação ao resto dos produtos e serviços, devido a uma boa notícia: há mais gente se alimentando melhor, especialmente na Índia e na China, mas também no Brasil.
A inflação atual é um fenômeno mundial e não há muita coisa que o Brasil possa fazer? Não seria o típico caso de um choque de oferta que deveria ser acomodado? - É um auto-engano acreditar que o aumento recente de inflação é "apenas" um fenômeno mundial e não haveria nada a fazer contra isso. Na verdade, cada país tem sua responsabilidade na inflação global. Há um crescimento forte da demanda em muitos países, o que gerou dificuldades globais de produzir no ritmo necessário para atendê-los. No Brasil, as vendas crescem acima da produção já faz um bom tempo. Ao olho destreinado a situação no mundo pareceria de um choque de oferta (gerando escassez de produção), mas, na verdade, revela excesso de demanda. O fato de os preços de várias commodities estarem subindo simultaneamente é sinal de crescimento acelerado, de o mundo ter atingido alguns limites. Como sempre incomoda descobrir que existem limites, buscam-se culpados, como os especuladores, que estariam artificialmente elevando os preços, ou a existência de choques de oferta, que, por coincidência, tenham atingido vários produtos simultaneamente.
Mesmo que a inflação fosse puramente global, seu combate nos países não deve ignorar o que vem de fora. A perda de poder de compra gerado pelo choque inflacionário pode desencadear pedidos de aumentos salariais compensatórios, facilmente conseguidos neste ambiente de desemprego em queda, o que aumentaria os custos das empresas, incentivaria ainda mais o consumo e pressionaria a inflação. Uma espiral salários-preços acabaria sendo prejudicial para todos, em especial os mais pobres. Interromper essa possível espiral é um objetivo primordial para o Banco Central do Brasil.
Há riscos da volta da indexação no Brasil? - Não acredito que estejamos perto da volta ao passado de indexação que alimentava a inflação alta de décadas atrás. Houve muito avanço no passado recente, inclusive na aversão da sociedade à volta da inflação. Hoje em dia pode haver uma busca momentânea de recomposição de perdas de renda devida à inflação, e permitida pela situação econômica favorável no Brasil. Isso, porém, não vai levar à volta da inflação do passado, mas a um combate mais custoso para levar a inflação de volta à sua meta.
Os países estão combatendo esse fenômeno inflacionário recente? - A reação dos países contra a inflação tem sido tímida. Tem havido aperto monetário (subida de juros, aumento de compulsório) em várias economias emergentes. Mas essas medidas claramente não têm acompanhado a piora na inflação, o que tornou muito baixa a média dos juros reais para as 34 maiores economias emergentes.
Como o surto de inflação vai terminar? - Uma possibilidade é a desaceleração global já estar a caminho. Até há pouco tempo, a desaceleração que atualmente ocorre nos EUA era vista como uma espécie de tábua de salvação para alguns países emergentes. Ela seria a forma de combater a inflação global, sem que fosse necessário tomar nenhuma medida de aperto no país. Mas, por enquanto, não funcionou. A desaceleração nos EUA não foi suficiente para debelar a inflação global.
Uma outra possibilidade é o Fed, o banco central americano, voltar a subir os juros dos atuais patamares baixos e coordenar, implicitamente, a desaceleração mundial. Os atuais problemas financeiros e econômicos nos EUA parecem descartar essa solução no momento.
Finalmente, sobra a possibilidade de os países administrarem por conta própria uma desaceleração para combater a inflação, se e quando a inflação se tornar um problema suficientemente grande (vai demorar?). No Brasil, o Banco Central tem agido mais rápido que os do resto do mundo. Talvez em razão do nosso histórico inflacionário, já que o atual surto tem incomodado bastante. Pelo menos se fosse medir pelo número de perguntas aos ex-diretores do Bacen.
(*) Título emprestado de artigo de E. Bacha, JB, 22/6/1988.
Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos, diretor do Iepe da Casa das Garças, é professor da PUC-Rio.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O INIMAGINÁVEL ACONTECE
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - À primeira vista, parece perfeita a análise do procurador federal Jorge Luís de Camargo, publicada ontem pelo "Painel do Leitor" desta Folha, obviamente sobre o caso Daniel Dantas.
Diz o procurador que se trata de "exemplo perfeito de plena democracia e funcionamento das instituições e dos Poderes do país, pois o banqueiro foi preso e solto duas vezes por ordens judiciais dadas por juízes independentes, que agiram conforme suas convicções e amparados, cada um com sua interpretação, na Constituição federal." Se você olhar para trás, ótimo.
Há uns 30 anos, pouco mais ou menos, prendia-se gente clandestinamente (e não se soltava).
Não se usavam algemas apenas, mas "pau-de-arara" e outros instrumentos medievais. Não havia espetáculo, como agora, mas tampouco havia lei. Melhoramos em algo, pois. O problema vem na frase seguinte, nas "convicções" e "interpretações" de cada autoridade judicial, amparadas na mesma Constituição.
Que deva haver margem para interpretação, parece indiscutível. Mas começa a ser tremendamente inquietante que a margem seja tão elástica a ponto de abrir um confronto não apenas entre integrantes do Judiciário, mas entre parte destes e parte do Executivo.
Bem feitas as contas, há, nessa margem, um grau de arbítrio, "pau-de-arara" à parte, que guarda remoto parentesco com os velhos tempos. Se tudo não passa de convicções e interpretações, em vez da letra clara e límpida da lei, ficam os cidadãos à mercê de tribunais que, como diz o notável jurista que é Paulo Brossard, "não são formados nem de santos nem de sábios".
Se não são, melhor seriam códigos que limitassem ao máximo a margem de interpretação. Do jeito que está, torna-se aterradora outra frase de Brossard na entrevista ontem publicada pela Folha: "Cumprir a lei se tornou quase uma coisa inimaginável".
Que deva haver margem para interpretação, parece indiscutível. Mas começa a ser tremendamente inquietante que a margem seja tão elástica a ponto de abrir um confronto não apenas entre integrantes do Judiciário, mas entre parte destes e parte do Executivo.
Bem feitas as contas, há, nessa margem, um grau de arbítrio, "pau-de-arara" à parte, que guarda remoto parentesco com os velhos tempos. Se tudo não passa de convicções e interpretações, em vez da letra clara e límpida da lei, ficam os cidadãos à mercê de tribunais que, como diz o notável jurista que é Paulo Brossard, "não são formados nem de santos nem de sábios".
Se não são, melhor seriam códigos que limitassem ao máximo a margem de interpretação. Do jeito que está, torna-se aterradora outra frase de Brossard na entrevista ontem publicada pela Folha: "Cumprir a lei se tornou quase uma coisa inimaginável".
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

DESÂNIMO
Eliane Catanhêde
BRASÍLIA - Enquanto se discute se o foco é no corruptor (banqueiro, megaempresários...) ou no corrupto (agentes públicos variados); se Celso Pitta deveria ou não ser exposto ao vivo e em cores metido em pijamas na própria casa; se pode ou não usar algemas em peixe graúdo...ninguém mais fala da Santa Casa de Misericórdia do Pará.
A medida de um Daniel Dantas, de um Naji Nahas ou de um Eike Batista é em bilhões de dólares, e a medida de uma tentativa de suborno de delegados está na bagatela de um milhão e pouco de reais. Já a medida da Santa Casa de Misericórdia do Pará é em míseras centenas -centenas de bebês: 262 bebês morreram ali neste ano, foram enterrados e ninguém soube explicar por quê, nem alguém mais quer saber exatamente o que ocorreu.
Bilhões de dólares saem pelo ralo, seja da corrupção, seja da mera ganância patológica, e faltam migalhas para salvar bebês, mães e famílias, não só da morte como do abandono e do desalento. Morrem seis bebês, é coisa comum. Morrem 20, dão de ombro. Morrem 100 e não se acende uma luz amarela. São necessários 262 mártires para a maternidade acordar, o Estado acordar, o país acordar?
O debate nacional escorrega do possível corruptor para um leque infernal de supostos corruptos. Um deputado daqui, um advogado de lá, um juiz daqui, um assessor palaciano de lá e, quanto mais aumenta a rede, menos chance de se pegar o(s) peixe(s) graúdo(s).
No oceano de acusações cruzadas, de reputações periclitantes, ninguém ouve mais falar dos bebês, nem se horroriza mais com suas covinhas, uma atrás da outra, fantasmagóricas e conformadas. E ainda se fala, e se chora, hoje a morte do menino João Roberto no Rio. Mas só até a próxima bala policial perdida, a próxima vítima indefesa, a próxima família destroçada.
Bem-vindo, Salvatore Cacciola!
Sinta-se em casa.
Eliane Catanhêde
BRASÍLIA - Enquanto se discute se o foco é no corruptor (banqueiro, megaempresários...) ou no corrupto (agentes públicos variados); se Celso Pitta deveria ou não ser exposto ao vivo e em cores metido em pijamas na própria casa; se pode ou não usar algemas em peixe graúdo...ninguém mais fala da Santa Casa de Misericórdia do Pará.
A medida de um Daniel Dantas, de um Naji Nahas ou de um Eike Batista é em bilhões de dólares, e a medida de uma tentativa de suborno de delegados está na bagatela de um milhão e pouco de reais. Já a medida da Santa Casa de Misericórdia do Pará é em míseras centenas -centenas de bebês: 262 bebês morreram ali neste ano, foram enterrados e ninguém soube explicar por quê, nem alguém mais quer saber exatamente o que ocorreu.
Bilhões de dólares saem pelo ralo, seja da corrupção, seja da mera ganância patológica, e faltam migalhas para salvar bebês, mães e famílias, não só da morte como do abandono e do desalento. Morrem seis bebês, é coisa comum. Morrem 20, dão de ombro. Morrem 100 e não se acende uma luz amarela. São necessários 262 mártires para a maternidade acordar, o Estado acordar, o país acordar?
O debate nacional escorrega do possível corruptor para um leque infernal de supostos corruptos. Um deputado daqui, um advogado de lá, um juiz daqui, um assessor palaciano de lá e, quanto mais aumenta a rede, menos chance de se pegar o(s) peixe(s) graúdo(s).
No oceano de acusações cruzadas, de reputações periclitantes, ninguém ouve mais falar dos bebês, nem se horroriza mais com suas covinhas, uma atrás da outra, fantasmagóricas e conformadas. E ainda se fala, e se chora, hoje a morte do menino João Roberto no Rio. Mas só até a próxima bala policial perdida, a próxima vítima indefesa, a próxima família destroçada.
Bem-vindo, Salvatore Cacciola!
Sinta-se em casa.
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

DIREITO DE TODOS, DEVER DO ESTADO
Jayme Asfora
A palavra cidadania é originária do latim civitas, que quer dizer cidade. Foi usada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que a mesma tinha ou podia exercer. O artigo 6º da Constituição dispõe sobre os direitos sociais de todo cidadão como os direitos "à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança", entre outros. Já o artigo 196 da Constituição, determina que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Diante deste preâmbulo, podemos afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, que o direito à saúde é um dos direitos fundamentais conferidos à cidadania previstos firmemente em nossa Constituição de 1988 e, como corolário, o Estado tem a obrigação de prover o sistema de saúde pública de recursos e infra-estrutura necessários para atender a todas estas normas. É de conhecimento geral que a saúde pública no Brasil tem sido, numa escalada perversa, relegada a plano secundário e não vem recebendo os investimentos necessários para garantir assistência a população. Em Pernambuco, a situação vem piorando a cada dia e a expectativa de que houvesse uma melhora na infra-estrutura e uma remuneração mais condizente para os médicos – como foi garantido, um ano atrás, diante do movimento que levou ao pedido de demissão de dezenas de profissionais – acabou frustrada.
Este descaso com a dignidade humana fere os olhos de quem chega, por exemplo, no Hospital da Restauração onde, em 2 de junho último, havia 20 pessoas aguardando tratamento intensivo. Durante uma visita, neste dia, em que a OAB-PE acompanhou o Cremepe e o Simepe, foram encontrados 200 leitos improvisados na emergência, em macas, cadeiras e lençóis no chão. O problema se repete nas emergências dos outros hospitais do Estado. Pacientes idosos, com problemas de fratura passam semanas aguardando uma cirurgia e, com isso, correndo risco de morte. E o pior é que, muitas vezes, pasmem, essas deficiências provocam não só o óbito do paciente como ainda levam médicos e enfermeiros a serem processados por negligência.
Os médicos que pediram demissão do serviço público estadual (em 2007) estão buscando não apenas pressionar o Estado a atender suas muito legítimas reivindicações. Mas, principalmente, alertar a sociedade para o descumprimento pelo Poder Público dos deveres que lhe são impostos por comandos e princípios constitucionais, como o Princípio da Dignidade Humana.
A intolerável omissão estatal em face de suas obrigações morais e éticas não pode ser negada com tergiversações e sofismas – como atribuir esta situação de calamidade pública ao fim da CPMF. Vale lembrar que segundo o §1º do art. 198, também da Constituição, o Sistema Único de Saúde (SUS) será financiado com o orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e de outras fontes. Ou seja, não se pode remeter ao fim da CPMF. As fontes de financiamento previstas, inicialmente, já eram outras. E nos 10 anos em que vigorou, a CPMF pouco fez para impedir que a crise no setor se tornasse crônica e o quadro irreversível. Foi eficaz, sim, para finalidades outras como engordar o já robusto caixa do superávit primário, tão acalentado pelo governo Federal. Ou seja, a CPMF não evitou que o Estado fosse leniente com a saúde pública.
No Brasil, segundo o sindicato dos hospitais de Pernambuco (Sindhospe), "para um gasto total de U$ 600 per capita/ano (em saúde), apenas US$ 300 vêm do setor público. Destes, apenas U$ 150 são investimento federal, ou seja, U$ 0,40 por cidadão brasileiro". É, vergonhosamente, um dos países latino-americanos onde menos o Poder Público se preocupa em proteger a vida dos seus cidadãos.
Por fim, a luta que deveria ser abraçada pelos homens públicos é a da regulamentação da emenda constitucional 29 (mediante a qual 15% do orçamento dos municípios, 12% do dos Estados e 10 % do orçamento da União deveriam ir para o financiamento público do sistema de saúde). De maneira civilizada, ouvindo-se as entidades médicas e os setores da sociedade historicamente comprometidos com o Estado Democrático de Direito.
Jayme Asfora
A palavra cidadania é originária do latim civitas, que quer dizer cidade. Foi usada na Roma antiga para indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que a mesma tinha ou podia exercer. O artigo 6º da Constituição dispõe sobre os direitos sociais de todo cidadão como os direitos "à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança", entre outros. Já o artigo 196 da Constituição, determina que "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação."
Diante deste preâmbulo, podemos afirmar, sem qualquer sombra de dúvida, que o direito à saúde é um dos direitos fundamentais conferidos à cidadania previstos firmemente em nossa Constituição de 1988 e, como corolário, o Estado tem a obrigação de prover o sistema de saúde pública de recursos e infra-estrutura necessários para atender a todas estas normas. É de conhecimento geral que a saúde pública no Brasil tem sido, numa escalada perversa, relegada a plano secundário e não vem recebendo os investimentos necessários para garantir assistência a população. Em Pernambuco, a situação vem piorando a cada dia e a expectativa de que houvesse uma melhora na infra-estrutura e uma remuneração mais condizente para os médicos – como foi garantido, um ano atrás, diante do movimento que levou ao pedido de demissão de dezenas de profissionais – acabou frustrada.
Este descaso com a dignidade humana fere os olhos de quem chega, por exemplo, no Hospital da Restauração onde, em 2 de junho último, havia 20 pessoas aguardando tratamento intensivo. Durante uma visita, neste dia, em que a OAB-PE acompanhou o Cremepe e o Simepe, foram encontrados 200 leitos improvisados na emergência, em macas, cadeiras e lençóis no chão. O problema se repete nas emergências dos outros hospitais do Estado. Pacientes idosos, com problemas de fratura passam semanas aguardando uma cirurgia e, com isso, correndo risco de morte. E o pior é que, muitas vezes, pasmem, essas deficiências provocam não só o óbito do paciente como ainda levam médicos e enfermeiros a serem processados por negligência.
Os médicos que pediram demissão do serviço público estadual (em 2007) estão buscando não apenas pressionar o Estado a atender suas muito legítimas reivindicações. Mas, principalmente, alertar a sociedade para o descumprimento pelo Poder Público dos deveres que lhe são impostos por comandos e princípios constitucionais, como o Princípio da Dignidade Humana.
A intolerável omissão estatal em face de suas obrigações morais e éticas não pode ser negada com tergiversações e sofismas – como atribuir esta situação de calamidade pública ao fim da CPMF. Vale lembrar que segundo o §1º do art. 198, também da Constituição, o Sistema Único de Saúde (SUS) será financiado com o orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos municípios e de outras fontes. Ou seja, não se pode remeter ao fim da CPMF. As fontes de financiamento previstas, inicialmente, já eram outras. E nos 10 anos em que vigorou, a CPMF pouco fez para impedir que a crise no setor se tornasse crônica e o quadro irreversível. Foi eficaz, sim, para finalidades outras como engordar o já robusto caixa do superávit primário, tão acalentado pelo governo Federal. Ou seja, a CPMF não evitou que o Estado fosse leniente com a saúde pública.
No Brasil, segundo o sindicato dos hospitais de Pernambuco (Sindhospe), "para um gasto total de U$ 600 per capita/ano (em saúde), apenas US$ 300 vêm do setor público. Destes, apenas U$ 150 são investimento federal, ou seja, U$ 0,40 por cidadão brasileiro". É, vergonhosamente, um dos países latino-americanos onde menos o Poder Público se preocupa em proteger a vida dos seus cidadãos.
Por fim, a luta que deveria ser abraçada pelos homens públicos é a da regulamentação da emenda constitucional 29 (mediante a qual 15% do orçamento dos municípios, 12% do dos Estados e 10 % do orçamento da União deveriam ir para o financiamento público do sistema de saúde). De maneira civilizada, ouvindo-se as entidades médicas e os setores da sociedade historicamente comprometidos com o Estado Democrático de Direito.
» Jayme Asfora é presidente da OAB-PE.

Violência: Em nota, PPS condena "política de enfrentamento" adotada pelo governo do Rio de Janeiro
Freire: "De 2003 a 2007, 5.658 pessoas foram mortas em ações policiais, no estado do Rio, muitas delas com sinais claros de execução. Em 2008, todos os recordes de violência policial letal já estão sendo batidos. Nenhum tipo de crime entretanto cedeu, ao contário, e nenhuma área do Rio de Janeiro foi devolvida ao direito de ir-e-vir da população".
Freire: "De 2003 a 2007, 5.658 pessoas foram mortas em ações policiais, no estado do Rio, muitas delas com sinais claros de execução. Em 2008, todos os recordes de violência policial letal já estão sendo batidos. Nenhum tipo de crime entretanto cedeu, ao contário, e nenhuma área do Rio de Janeiro foi devolvida ao direito de ir-e-vir da população".
O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, divulgou ontem, segunda-feira, nota em que condena a "política de enfretamento" patrocinada pelo governo do Rio de Janeiro na área de segurança pública. "A cada dia o Rio de Janeiro surpreende o Brasil e o mundo com novas tragédias ligadas à insegurança pública. Enquanto isso, o governo do Estado apresenta ao país seu cardápio de ações, nessa área: mais mortes, mais tragédias, mais corrupção policial e mais milícias", diz a nota. Confira abaixo a íntegra.
Uma política fracassada
A cada dia o Rio de Janeiro surpreende o Brasil e o mundo com novas tragédias ligadas à insegurança pública. Enquanto isso, o governo do Estado apresenta ao país seu cardápio de ações, nessa área: mais mortes, mais tragédias, mais corrupção policial e mais milícias. De 2003 a 2007, 5.658 pessoas foram mortas em ações policiais, no estado do Rio, muitas delas com sinais claros de execução. Em 2008, todos os recordes de violência policial letal já estão sendo batidos. Nenhum tipo de crime entretanto cedeu, ao contário, e nenhuma área do Rio de Janeiro foi devolvida ao direito de ir-e-vir da população. São os resultados da chamada política do enfrentamento. Paralelamente, os baixíssimos salários dos policiais acabam por estimular os bicos ilegais, primeiro passo para a barbárie das milícias. Depois de dois anos de governo, nada se fez em matéria de reforma das polícias; nada se fez em direção à construção de políticas preventivas. À corrupção e à licença para matar, soma-se o despreparo policial. Desse coquetel explosivo resultam sofrimento e medo.
Nas favelas e comunidades, facções criminosas impõem sua tirania ou são substituídas pelo despotismo das milícias. Lá, o Estado só aparece para caçar suspeitos. De sua parte, o tráfico de drogas e armas, mesmo perdendo seus líderes eventuais, por prisão ou morte, tem inesgotável capacidade de recrutar novos agentes, dada a manutenção das condições em que atuam, as quais ensejam a formação de um verdadeiro "exército de reserva", constituído por jovens vulneráveis, sem perspectiva ou esperança. Sendo assim, caberia ao Estado, ao invés de matar esses agentes criminosos, interceptar a dinâmica perversa de recrutamento, alterando suas condições de possibilidade. Para interromper essa dinâmica de reprodução e dar sustentabilidade a qualquer política de segurança, será necessário que o Estado esteja presente não só com a polícia, mas através de políticas públicas que instituam um poderoso foco de gravitação social e cultural, capaz de atrair os jovens vulneráveis.
A arrogância do governo do Estado, com anuência de setores da mídia, tem mascarado o monstruoso fracasso da “política de enfrentamento”. Não haverá política de segurança conseqüente enquanto as polícias fluminenses não forem refundadas. Ao invés de lançar-se a esse esforço histórico, abrindo-se ao diálogo com a sociedade, a universidade e os próprios policiais bem intencionados, o governo se fecha em sua onipotência e reprime os policiais críticos. O rei está nu: o estado do Rio está sem rumo. Violência gera violência. Basta de brutalidade arbitrária; chega de corrupção; cessem os crimes do Estado.
Roberto Freire
Presidente Nacional do PPS
segunda-feira, 14 de julho de 2008
O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais&portal=#
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais&portal=#
DEU NO JORNAL DO BRASIL

ENTRADA E SAÍDA PELA PORTA DA FRENTE
Wilson Figueiredo
Para o presidente Lula, a eleição presidencial de 2010 precisa ser mais – muito mais – do que apenas o ano em que fez seu sucessor. Se tiver êxito na empreitada, claro. Do ponto de vista pessoal, na singularíssima primeira pessoa presidencial, a montagem de um programa para sair em apoteose pela porta da frente precisa ser providenciada desde já. Em fim de governo, a preferência é reservada ao governante que chega. O que sai geralmente gostaria de ser invisível. Evidente que Lula fará o possível para não desperdiçar o saldo das pesquisas que atestam merecimento histórico, se até lá não se comprometer com a insensatez. Na tradição republicana, apenas um presidente saiu lépido e fagueiro, em condições de voltar na eleição seguinte. Juscelino Kubitschek é o nome dele. Cinco anos antes, tentaram evitar a entrada de JK e, cinco anos depois, cassaram-lhe os direitos políticos e trataram de extinguir a eleição direta. Nunca se viu nada igual neste país.
Para reunir o útil ao agradável, se quiser sair pela porta da frente cinco anos depois, o presidente Lula terá de reforçar seu currículo democrático com obras políticas que sejam tão visíveis quanto as realizações de Kubitschek, que encheu os olhos incrédulos dos brasileiros que não tinham visto nada parecido nos 50 anos anteriores. Também como JK, em sinal de respeito pela democracia, Lula já repeliu com ênfase o terceiro mandato, não apenas porque não existe tal coisa, como pelo narcisismo de se admirar no espelho da opinião pública. O presidente fez muito bem em desautorizar a seqüência de mandatos nascidos de mandatos, com deploráveis resultados, como se pode verificar pelo estado lastimável em que se encontra o exercício da política entre nós. Parece ter esquecido que ele próprio era contra a reeleição e, ao aceitá-la, prometeu que iria se empenhar pela sua extinção. Nada feito.
Sem medo de parecer neoliberal, bastará a Lula perceber que a democracia lhe oferece mais possibilidades de ser lembrado do que uma aventura aparentemente de esquerda mas, pela sua natureza ambidestra, suscetível a uma guinada à direita. Golpe de mão, não. Dispõe das reformas que seu antecessor trocou pela reeleição e que ele, por culpa do segundo mandato, acabou manietado por uma coalizão rastaqüera. No acostamento da História, amontoam-se as melhores intenções e as piores ações. Como não se inventa nada em política, a solução passa pela convocação geral, inclusive da oposição, com a finalidade de atualizar o Brasil segundo a velha fórmula de reformar para que tudo venha a dar o mesmo resultado. O tempo não deixa a História mentir.
Lula sabe que reformas podem ser seu cartão de visitas à própria História do Brasil em 2014, se até lá não ocorrer contratempo (e, apesar do trocadilho, contra ele também) institucional, na linguagem cifrada dos políticos. Desde quando os mandatos de quatro anos dispensavam esse exame de segunda época chamado reeleição, a República se mantém sóbria e formal com os governantes que saem. A verdade é que todos os presidentes, desde o tempo da eleição a bico de pena, começavam melhor do que terminavam. E a culpa era debitada ao povo naquele falso epitáfio da democracia, segundo o qual o povo tem, pelo voto, os governantes que merece. Lula teve a vantagem de contar com uma negligenciada fatia da sociedade e corresponder, na medida do possível, ao que essa faixa social ascendente não mereceu de nenhum outro. Por enquanto, Luiz Inácio Lula da Silva fez uma política que os cientistas do ramo, com uma ponta de desprezo, classificam como paternalismo. E, se os novos consumistas não se tocarem, será porque já subiram realmente um degrau social e já estão raciocinando politicamente pela cabeça da classe média.
Wilson Figueiredo
Para o presidente Lula, a eleição presidencial de 2010 precisa ser mais – muito mais – do que apenas o ano em que fez seu sucessor. Se tiver êxito na empreitada, claro. Do ponto de vista pessoal, na singularíssima primeira pessoa presidencial, a montagem de um programa para sair em apoteose pela porta da frente precisa ser providenciada desde já. Em fim de governo, a preferência é reservada ao governante que chega. O que sai geralmente gostaria de ser invisível. Evidente que Lula fará o possível para não desperdiçar o saldo das pesquisas que atestam merecimento histórico, se até lá não se comprometer com a insensatez. Na tradição republicana, apenas um presidente saiu lépido e fagueiro, em condições de voltar na eleição seguinte. Juscelino Kubitschek é o nome dele. Cinco anos antes, tentaram evitar a entrada de JK e, cinco anos depois, cassaram-lhe os direitos políticos e trataram de extinguir a eleição direta. Nunca se viu nada igual neste país.
Para reunir o útil ao agradável, se quiser sair pela porta da frente cinco anos depois, o presidente Lula terá de reforçar seu currículo democrático com obras políticas que sejam tão visíveis quanto as realizações de Kubitschek, que encheu os olhos incrédulos dos brasileiros que não tinham visto nada parecido nos 50 anos anteriores. Também como JK, em sinal de respeito pela democracia, Lula já repeliu com ênfase o terceiro mandato, não apenas porque não existe tal coisa, como pelo narcisismo de se admirar no espelho da opinião pública. O presidente fez muito bem em desautorizar a seqüência de mandatos nascidos de mandatos, com deploráveis resultados, como se pode verificar pelo estado lastimável em que se encontra o exercício da política entre nós. Parece ter esquecido que ele próprio era contra a reeleição e, ao aceitá-la, prometeu que iria se empenhar pela sua extinção. Nada feito.
Sem medo de parecer neoliberal, bastará a Lula perceber que a democracia lhe oferece mais possibilidades de ser lembrado do que uma aventura aparentemente de esquerda mas, pela sua natureza ambidestra, suscetível a uma guinada à direita. Golpe de mão, não. Dispõe das reformas que seu antecessor trocou pela reeleição e que ele, por culpa do segundo mandato, acabou manietado por uma coalizão rastaqüera. No acostamento da História, amontoam-se as melhores intenções e as piores ações. Como não se inventa nada em política, a solução passa pela convocação geral, inclusive da oposição, com a finalidade de atualizar o Brasil segundo a velha fórmula de reformar para que tudo venha a dar o mesmo resultado. O tempo não deixa a História mentir.
Lula sabe que reformas podem ser seu cartão de visitas à própria História do Brasil em 2014, se até lá não ocorrer contratempo (e, apesar do trocadilho, contra ele também) institucional, na linguagem cifrada dos políticos. Desde quando os mandatos de quatro anos dispensavam esse exame de segunda época chamado reeleição, a República se mantém sóbria e formal com os governantes que saem. A verdade é que todos os presidentes, desde o tempo da eleição a bico de pena, começavam melhor do que terminavam. E a culpa era debitada ao povo naquele falso epitáfio da democracia, segundo o qual o povo tem, pelo voto, os governantes que merece. Lula teve a vantagem de contar com uma negligenciada fatia da sociedade e corresponder, na medida do possível, ao que essa faixa social ascendente não mereceu de nenhum outro. Por enquanto, Luiz Inácio Lula da Silva fez uma política que os cientistas do ramo, com uma ponta de desprezo, classificam como paternalismo. E, se os novos consumistas não se tocarem, será porque já subiram realmente um degrau social e já estão raciocinando politicamente pela cabeça da classe média.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

É FÁCIL ACUSAR OS ESPECULADORES
Carlos Alberto Sardenberg
Carlos Alberto Sardenberg
O presidente Lula não foi o primeiro a culpar os especuladores financeiros internacionais pela alta do preço do petróleo.
Antes dele, e para citar apenas os mais recentes, fizeram a mesma acusação: o presidente da França, Nicolas Sarkozy, o direitista italiano Silvio Berlusconi e os governos da Áustria e da Espanha (este socialista). Há tempos os xeques da Arábia Saudita, a maior produtora e exportadora mundial de petróleo, repetem que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) não tem nada que ver com a escalada de preços. Só no Congresso dos EUA há mais de dez projetos que tratam desse assunto (limites à especulação financeira), também na pauta da União Européia.
A denúncia, pois, cabe em muitos figurinos políticos, à direita e à esquerda. É que se trata de um tipo de populismo: os especuladores internacionais são “suspeitos habituais”. Atacá-los talvez não dê votos, mas dá uma imagem de luta contra os poderosos.
É acusação sem custo, mas também sem efeitos. O problema é que a acusação serve para deixar de lado questões essenciais sobre as quais os governos poderiam intervir. Por exemplo: governos que subsidiam a gasolina para impedir a alta de um preço politicamente relevante, simplesmente estimulam ainda mais o consumo de um bem escasso e caro. Ou seja, dão um sinal errado.
O governo brasileiro subsidia a gasolina, assim como muitos outros.
O fato é que nenhuma especulação poderia prosperar se houvesse sobra de petróleo no mundo.
Muitos concordam que há um tanto de especulação no preço de US$ 147 o barril. Quando os preços sobem e caem, sucessivamente, em poucos dias, é óbvio que não se trata de fundamentos do mercado físico, mas de instabilidade no mercado financeiro. E de muita insegurança dos investidores. Relatórios de fundos de investimentos projetam preços do petróleo acima dos US$ 150 no curto prazo, mas em torno dos US$ 75 no médio prazo.
De todo modo, por trás de tudo há um preço elevado por causa do aumento do consumo em ritmo não acompanhado pelo aumento da produção. Um exemplo: o segundo maior produtor e exportador é a Rússia, cuja produção caiu no primeiro semestre deste ano. Outro: a China, em poucos anos, passou de exportadora à segunda maior importadora de petróleo, atrás apenas dos EUA.
Como ficamos? Há muita gente prospectando petróleo mundo afora. Não é apenas o Brasil que faz descobertas no mar profundo. Isso também ocorre nas costas do México e dos EUA, para ficar aqui por perto. Esses preços animam os produtores e viabilizam a exploração de áreas de custo elevado. Nos anos 80, o preço do óleo despencou depois do pico de 1979.
Vai aparecer mais petróleo, mas demora. A Petrobrás, por exemplo, espera começar a tirar petróleo dos novos campos, em volumes comerciais, lá pelos anos 2015/2016. Nessa ocasião, é possível que a companhia coloque no mercado internacional mais de 1 milhão de barris ao dia. E, se for assim, a perspectiva é boa, mas demora para melhorar.
Entre o céu e o inferno - Alguns analistas sustentam que os preços altíssimos de petróleo e commodities formam uma bolha, que envolveu também produtos paralelos, como aço, este subindo na onda do minério de ferro. Essa bolha estaria prestes a furar, de modo que as cotações estariam à beira de uma queda vertiginosa e instantânea.
Se você pensa como investidor na Bolsa de Valores de São Paulo, por exemplo, isso significa que as ações da Petrobrás e da Vale (e mais as das siderúrgicas) vão desabar e levar junto o Ibovespa. Logo, quem acredita nisso deve vender aquelas ações. Mas, se os preços vão permanecer elevados por um bom tempo, puxados pelo consumo, o certo é comprar as ações.
Entre o céu e o inferno, o que parece mais razoável?
O seguinte: não é uma bolha, ou, mais exatamente, não é só uma bolha nem essencialmente uma bolha. O mundo desacelera, mas não quebra. Os preços de hoje estão “puxados”, mas, provavelmente, não vão desabar. Haja esperança!
Informação privilegiada e informação de mercado - Sobre a suspeita ou os indícios de que Naji Nahas teria informação privilegiada a respeito das decisões do Federal Reserve, Fed, o banco central dos EUA: relatório da Polícia Federal e do juiz cita conversa telefônica de Nahas com uma pessoa que estava em Nova York e diz que o Fed ia reduzir a taxa básica de juros em até 0,5 ponto porcentual, isso teria ocorrido pouco antes de 18 de setembro de 2007; nessa data, o Fed se reuniu e, de fato, reduziu a taxa de 5,25% para 4,75%;tratava-se, porém, de uma reunião regular do Fed, conforme o calendário divulgado um ano antes; nos dias anteriores à reunião, formou-se no mercado o consenso de que o Fed certamente reduziria os juros; não havia consenso exato sobre o tamanho da redução, mas se discutia abertamente entre a queda de 0,5 ponto ou 0,25 ponto porcentual;pode-se dizer que a maioria dos analistas e operadores apostava numa queda de 0,25;mas mesmo esses não descartavam a hipótese de uma redução de 0,5 ponto e muitos analistas de prestígio afirmavam que essa seria a decisão mais correta; portanto, nos meios econômicos globais, todo mundo acreditava que o Fed ia reduzir os juros em até 0,5 ponto; informação privilegiada mesmo seria sobre a reunião anterior do Fed, a de 17 de agosto de 2007, uma sexta-feira; não estava no calendário, foi convocada na véspera, os diretores do Fed se reuniram em teleconferência e decidiram por uma redução de 0,5 ponto porcentual na taxa de empréstimo aos bancos; ainda assim a surpresa foi o dia, pois muitos analistas sustentavam que o Fed precisava reduzir os juros rapidamente para combater a crise financeira, que, então, estava mostrando sua cara.
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
MOCINHOS E BANDIDOS
Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - As operações da Polícia Federal ganharam corpo no governo Lula e logo se tornaram encenações midiáticas de justiçamento, uma espécie de teatro instantâneo para a TV cujo clímax reside na imagem da pessoa poderosa algemada e presa por algumas horas.
Esse ritual de humilhação e execração pública -pelo qual o acusado fica exposto como se lhe gravassem com ferro em brasa na testa LADRÃO!- tem sido a verdadeira condenação das vítimas endinheiradas da PF. Na Justiça e ao cabo, todos sabem que vão se safar.
A PF parece ter descoberto a fórmula mágica capaz de saciar o apetite das massas, fazendo do espetáculo das prisões uma compensação para a quase certeza da impunidade no final. E dá-lhe grampo! -como nunca antes neste país.
O delegado Protógenes Queiroz trouxe agora uma novidade à cultura policial da era Lula. As 245 páginas de seu inquérito são produto de uma cabeça messiânica em estado de êxtase. Além de grampear o idioma, o homem da lei se atribui a missão de salvar o país e combater obstinadamente os males do capitalismo. Protógenes é uma mistura de Eliot Ness com Sassá Mutema.
Esse contrabando místico-ideológico que contamina o inquérito serve, na prática, para justificar barbaridades, como o pedido de prisão da jornalista Andréa Michael. Lendo a peça do delegado entende-se por que sua equipe invadiu o consultório de um dentista acreditando prender um doleiro.
A inépcia, os atropelos e a megalomania da PF beneficiarão os culpados, a começar pelo "bad boy" das privatizações, o neomeliante que espelha a face delinqüente do moderno capitalismo brasileiro inaugurado com Fernando Collor.
Daniel Dantas é um vilão de novela, uma raposa de desenho animado. Todo mundo sabe que ele é o que é. Que "gênio do mal" é esse, tão transparente, tão trapalhão, sempre aprontando e sempre em apuros? Protógenes corre o risco de tê-lo transformado numa vítima de sua ambição insana de livrar o mundo de todos os seus pecados.
Fernando de Barros e Silva
SÃO PAULO - As operações da Polícia Federal ganharam corpo no governo Lula e logo se tornaram encenações midiáticas de justiçamento, uma espécie de teatro instantâneo para a TV cujo clímax reside na imagem da pessoa poderosa algemada e presa por algumas horas.
Esse ritual de humilhação e execração pública -pelo qual o acusado fica exposto como se lhe gravassem com ferro em brasa na testa LADRÃO!- tem sido a verdadeira condenação das vítimas endinheiradas da PF. Na Justiça e ao cabo, todos sabem que vão se safar.
A PF parece ter descoberto a fórmula mágica capaz de saciar o apetite das massas, fazendo do espetáculo das prisões uma compensação para a quase certeza da impunidade no final. E dá-lhe grampo! -como nunca antes neste país.
O delegado Protógenes Queiroz trouxe agora uma novidade à cultura policial da era Lula. As 245 páginas de seu inquérito são produto de uma cabeça messiânica em estado de êxtase. Além de grampear o idioma, o homem da lei se atribui a missão de salvar o país e combater obstinadamente os males do capitalismo. Protógenes é uma mistura de Eliot Ness com Sassá Mutema.
Esse contrabando místico-ideológico que contamina o inquérito serve, na prática, para justificar barbaridades, como o pedido de prisão da jornalista Andréa Michael. Lendo a peça do delegado entende-se por que sua equipe invadiu o consultório de um dentista acreditando prender um doleiro.
A inépcia, os atropelos e a megalomania da PF beneficiarão os culpados, a começar pelo "bad boy" das privatizações, o neomeliante que espelha a face delinqüente do moderno capitalismo brasileiro inaugurado com Fernando Collor.
Daniel Dantas é um vilão de novela, uma raposa de desenho animado. Todo mundo sabe que ele é o que é. Que "gênio do mal" é esse, tão transparente, tão trapalhão, sempre aprontando e sempre em apuros? Protógenes corre o risco de tê-lo transformado numa vítima de sua ambição insana de livrar o mundo de todos os seus pecados.
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RESPONSABILIDADE PELO AMBIENTE
Luiz Carlos Bresser-Pereira
OS GRANDES países do mundo estão avançando muito lentamente na definição de metas de redução da emissão de gases que causam o efeito estufa. Na última semana, reuniram-se o G8, formado pelos países mais ricos, o G5, formado pelos principais países em desenvolvimento, e o MEM (Major Economies Meeting), que reúne os 13 países do G8 e do G5 mais a Indonésia, a Austrália e a Coréia do Sul. Os resultados foram modestos.O G8 emitiu comunicado sobre "compartilhar" com todos os países a meta de reduzir pelo menos em 50%, até 2050, as emissões dos gases que causam o aquecimento global.
Entretanto, como a meta não é vinculante, isso significa uma reafirmação da tese dos países ricos e principalmente dos Estados Unidos de que seu comprometimento no esforço para controlar o aquecimento global depende da participação dos grandes países em desenvolvimento. Foi um pequeno avanço, já que até recentemente o presidente Bush se recusava a qualquer compromisso.
Entre os países em desenvolvimento, o avanço foi a China e a Índia, afinal, manifestarem disposição de colaborar, mas o G5 voltou a afirmar que a responsabilidade fundamental pelo aquecimento global é dos países ricos, que, desde o início do século 19, acumularam poluição atmosférica, para daí concluir que não deve ficar sujeito a metas. Para os cinco países, "não se deve responsabilizar os países em desenvolvimento pelo que é clara responsabilidade dos países desenvolvidos".
Foi essa a tese inovadora do Brasil nas discussões sobre o Protocolo de Kyoto, em 1997. E foi a tese que então prevaleceu, já que os países em desenvolvimento ficaram sem metas naquele tratado. Faz sentido, entretanto, continuar a defender a mesma tese 11 anos depois da sua aprovação? Não creio que faça. Naquela época, o problema do aquecimento global não estava tão claro; não estava tão comprovado cientificamente quanto está hoje; e não estava na agenda política global com o mesmo relevo que tem hoje. Por outro lado, também não estava claro naquele momento que um grande número de países em desenvolvimento, capitaneados por dois imensos -a China e a Índia-, já estavam crescendo a taxas superiores às dos países ricos e estavam se tornando cada vez mais co-responsáveis pelo aquecimento global.
No nosso caso, não sabíamos que o Brasil, por meio da progressiva e criminosa destruição da mata amazônica, estava se transformando também em um dos grandes responsáveis pelo aquecimento global. Era razoável, portanto, que usássemos o argumento histórico para não partilhar metas e responsabilidades. Hoje, isso não faz mais sentido. É legítimo afirmar que nossas metas sejam mais modestas que a dos países ricos, mas isso é tudo o que podemos, legitimamente, defender.
Se o Brasil aceitar metas, haverá uma repercussão na sua taxa de crescimento, mas pequena. Exageram-se os custos da proteção ao ambiente e subestimam-se os benefícios. Muito mais grave é a danosa política de juros e de câmbio que o Brasil vem adotando desde 1991 com o apoio entusiástico de nossos concorrentes do Norte. É essa política econômica -e não a defesa do ambiente- que impede nosso desenvolvimento econômico e, portanto, a melhoria sustentada dos padrões de vida dos brasileiros.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
OS GRANDES países do mundo estão avançando muito lentamente na definição de metas de redução da emissão de gases que causam o efeito estufa. Na última semana, reuniram-se o G8, formado pelos países mais ricos, o G5, formado pelos principais países em desenvolvimento, e o MEM (Major Economies Meeting), que reúne os 13 países do G8 e do G5 mais a Indonésia, a Austrália e a Coréia do Sul. Os resultados foram modestos.O G8 emitiu comunicado sobre "compartilhar" com todos os países a meta de reduzir pelo menos em 50%, até 2050, as emissões dos gases que causam o aquecimento global.
Entretanto, como a meta não é vinculante, isso significa uma reafirmação da tese dos países ricos e principalmente dos Estados Unidos de que seu comprometimento no esforço para controlar o aquecimento global depende da participação dos grandes países em desenvolvimento. Foi um pequeno avanço, já que até recentemente o presidente Bush se recusava a qualquer compromisso.
Entre os países em desenvolvimento, o avanço foi a China e a Índia, afinal, manifestarem disposição de colaborar, mas o G5 voltou a afirmar que a responsabilidade fundamental pelo aquecimento global é dos países ricos, que, desde o início do século 19, acumularam poluição atmosférica, para daí concluir que não deve ficar sujeito a metas. Para os cinco países, "não se deve responsabilizar os países em desenvolvimento pelo que é clara responsabilidade dos países desenvolvidos".
Foi essa a tese inovadora do Brasil nas discussões sobre o Protocolo de Kyoto, em 1997. E foi a tese que então prevaleceu, já que os países em desenvolvimento ficaram sem metas naquele tratado. Faz sentido, entretanto, continuar a defender a mesma tese 11 anos depois da sua aprovação? Não creio que faça. Naquela época, o problema do aquecimento global não estava tão claro; não estava tão comprovado cientificamente quanto está hoje; e não estava na agenda política global com o mesmo relevo que tem hoje. Por outro lado, também não estava claro naquele momento que um grande número de países em desenvolvimento, capitaneados por dois imensos -a China e a Índia-, já estavam crescendo a taxas superiores às dos países ricos e estavam se tornando cada vez mais co-responsáveis pelo aquecimento global.
No nosso caso, não sabíamos que o Brasil, por meio da progressiva e criminosa destruição da mata amazônica, estava se transformando também em um dos grandes responsáveis pelo aquecimento global. Era razoável, portanto, que usássemos o argumento histórico para não partilhar metas e responsabilidades. Hoje, isso não faz mais sentido. É legítimo afirmar que nossas metas sejam mais modestas que a dos países ricos, mas isso é tudo o que podemos, legitimamente, defender.
Se o Brasil aceitar metas, haverá uma repercussão na sua taxa de crescimento, mas pequena. Exageram-se os custos da proteção ao ambiente e subestimam-se os benefícios. Muito mais grave é a danosa política de juros e de câmbio que o Brasil vem adotando desde 1991 com o apoio entusiástico de nossos concorrentes do Norte. É essa política econômica -e não a defesa do ambiente- que impede nosso desenvolvimento econômico e, portanto, a melhoria sustentada dos padrões de vida dos brasileiros.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
DEU NO VALOR ECONÔMICO

ESTRANGEIROS, POBRES E VALORES
Fábio Wanderley Reis
A União Européia vem de produzir duas notícias de importância. A primeira é o referendo realizado na Irlanda no dia 12 de junho, em que o país se negou a ratificar o Tratado de Lisboa, o que resulta em impedir que ele tenha efeito. A segunda é a aprovação no dia 7 de julho, em Cannes, do esboço do Pacto Europeu de Asilo e Imigração, que endurece a postura dos países do bloco perante os imigrantes e transforma em crime a imigração ilegal (apesar de terem sido suavizados certas propostas iniciais do governo francês tornando obrigatórios o aprendizado do idioma local e a adoção de "valores europeus"). Embora se trate de assuntos diversos, há conexões relevantes.
É claro que a segunda notícia tem ressonâncias muito mais dramáticas para nós, latino-americanos, dado que nossos viajantes, mesmo com os papéis em ordem, já vêm sendo com frequência recebidos como criminosos em aeroportos europeus diante da simples presunção, pelas autoridades responsáveis, de que se trata de imigrantes. Mesmo pobres, porém, os latino-americanos provêm, quando nada, de países amplamente constituídos pelo colonialismo europeu e portadores, portanto, em medida importante, de sua cultura (não obstante o empenho de certas análises em separar uma peculiar "civilização latino-americana" do "Ocidente" - análises que às vezes se mostram ambíguas quanto ao caráter "ocidental" até de Espanha e Portugal...). Mas a feição dramática dos problemas postos pela imigração se reforça pelo fato de que em muitos casos, com ligações coloniais prévias ou não, trata-se de imigrantes provenientes de culturas não só claramente diferentes das dos países receptores, mas que chegam até a hostilizá-las - e a serem percebidas como hostis pelas populações hospedeiras, o que favorece e intensifica os preconceitos e suspeitas.
As torturadas reflexões a respeito se ilustram com um pequeno volume de Giovanni Sartori, "A Sociedade Multiétnica", publicado em 2001. Sartori, postado firmemente numa tradição liberal e pluralista, enfrenta com ardor as distorções "multiculturalistas" dessa tradição. Tais distorções, que brotam nos Estados Unidos mas se fazem presentes também na Europa, representariam pontos de referência intelectuais para uma disposição empenhada no reconhecimento igualitário e na integração a todo custo das populações e etnias diversas, incluídas, naturalmente, as dos imigrantes.
Assimilação cultural e desigualdade regional
O referendo irlandês quanto ao Tratado de Lisboa (na esteira, aliás, do rechaço francês e holandês, em 2005, do Tratado Constitucional europeu) surge de imediato apenas como um tropeço adicional no esforço de fôlego e amplamente bem-sucedido de construção de uma Europa integrada. Mas a questão fundamental envolvida não deixa de ser afim aos problemas da imigração. Pois, referindo-se às relações entre as nações, de um lado, e uma comunidade multinacional, de outro, a questão é aqui também a do convívio entre culturas e identidades diversas e do equilíbrio entre identidade e diferença. E, num caso como no outro (embora, de novo, com graus diversos de dramaticidade), o tema de identidade e diferença, que as reflexões de ciência política tratam há tempos em termos de "assimilação" cultural, se combina com problemas de assimetria e estratificação. Não admira que Jürgen Habermas, em artigo há pouco reproduzido pela Folha de S.Paulo ("Europa com Medo do Povo", caderno Mais, 29 de junho), associe o resultado do referendo irlandês à necessidade de fazer política em nível europeu, de forma a recuperar a visão de uma "Europa social", dar credibilidade aos partidos socialdemocratas e evitar excluir, "de saída e por princípio, qualquer alternativa ao liberalismo de mercado".
A discussão de Sartori apresenta clara proximidade, às vezes, com as idéias de Samuel Huntington sobre a "latino-americanização" dos Estados Unidos em decorrência da onda atual de imigrantes latinos. Mas informadas discussões provocadas por Huntington mostram nada haver de peculiar, ao cabo, na onda atual com respeito às ondas anteriores de imigração irlandesa, judaica ou italiana, que resultaram em assimilação plena. Certamente os Estados Unidos como país têm se transformado com as mudanças demográficas de vários tipos. Mas os indícios são antes de fortalecimento da tradição de pluralismo democrático.
Esse é o ponto crucial. Não parece caber dúvida, na avaliação e no enfrentamento dos problemas gerais em questão, quanto ao papel orientador a esperar dos valores pluralistas e liberais de tolerância e individualismo e da neutralização da relevância de traços "adscritícios" impostos pelo nascimento, ou seja, os valores pelos quais Sartori se bate. E é difícil sustentar que a comunidade pluralista seja aberta aos que não se abram para ela.
Tudo somado, porém, a reiteração da importância dos valores pluralistas não pode levar a que se perca de vista o condicionamento material do êxito da eventual "assimilação" cultural. Afinal, há muito (muito antes de Disraeli quanto à Inglaterra) as diferenças de classe permitem que se fale de "duas nações", a dos ricos e a dos pobres, quase de todo apartadas culturalmente uma da outra. E a perspectiva que surge daí traz lições importantes para um Brasil em que integrantes destacados do Judiciário falam destemperadamente em defesa dos direitos civis de criminosos de colarinho branco e silenciam sobre a violência que a cada dia compromete radical e tragicamente os mais comezinhos direitos dos cidadãos de segunda classe. Com todo o importante papel de nossas cortes de Justiça, especialmente o STF, como revisoras e co-produtoras de políticas públicas em áreas diversas, muito de nosso futuro pode depender, como sugere estudo que Matthew M. Taylor acaba de publicar ("Judging Policy", 2008), do grau em que consigamos tornar efetivo o acesso igualitário à Justiça.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras
Fábio Wanderley Reis
A União Européia vem de produzir duas notícias de importância. A primeira é o referendo realizado na Irlanda no dia 12 de junho, em que o país se negou a ratificar o Tratado de Lisboa, o que resulta em impedir que ele tenha efeito. A segunda é a aprovação no dia 7 de julho, em Cannes, do esboço do Pacto Europeu de Asilo e Imigração, que endurece a postura dos países do bloco perante os imigrantes e transforma em crime a imigração ilegal (apesar de terem sido suavizados certas propostas iniciais do governo francês tornando obrigatórios o aprendizado do idioma local e a adoção de "valores europeus"). Embora se trate de assuntos diversos, há conexões relevantes.
É claro que a segunda notícia tem ressonâncias muito mais dramáticas para nós, latino-americanos, dado que nossos viajantes, mesmo com os papéis em ordem, já vêm sendo com frequência recebidos como criminosos em aeroportos europeus diante da simples presunção, pelas autoridades responsáveis, de que se trata de imigrantes. Mesmo pobres, porém, os latino-americanos provêm, quando nada, de países amplamente constituídos pelo colonialismo europeu e portadores, portanto, em medida importante, de sua cultura (não obstante o empenho de certas análises em separar uma peculiar "civilização latino-americana" do "Ocidente" - análises que às vezes se mostram ambíguas quanto ao caráter "ocidental" até de Espanha e Portugal...). Mas a feição dramática dos problemas postos pela imigração se reforça pelo fato de que em muitos casos, com ligações coloniais prévias ou não, trata-se de imigrantes provenientes de culturas não só claramente diferentes das dos países receptores, mas que chegam até a hostilizá-las - e a serem percebidas como hostis pelas populações hospedeiras, o que favorece e intensifica os preconceitos e suspeitas.
As torturadas reflexões a respeito se ilustram com um pequeno volume de Giovanni Sartori, "A Sociedade Multiétnica", publicado em 2001. Sartori, postado firmemente numa tradição liberal e pluralista, enfrenta com ardor as distorções "multiculturalistas" dessa tradição. Tais distorções, que brotam nos Estados Unidos mas se fazem presentes também na Europa, representariam pontos de referência intelectuais para uma disposição empenhada no reconhecimento igualitário e na integração a todo custo das populações e etnias diversas, incluídas, naturalmente, as dos imigrantes.
Assimilação cultural e desigualdade regional
O referendo irlandês quanto ao Tratado de Lisboa (na esteira, aliás, do rechaço francês e holandês, em 2005, do Tratado Constitucional europeu) surge de imediato apenas como um tropeço adicional no esforço de fôlego e amplamente bem-sucedido de construção de uma Europa integrada. Mas a questão fundamental envolvida não deixa de ser afim aos problemas da imigração. Pois, referindo-se às relações entre as nações, de um lado, e uma comunidade multinacional, de outro, a questão é aqui também a do convívio entre culturas e identidades diversas e do equilíbrio entre identidade e diferença. E, num caso como no outro (embora, de novo, com graus diversos de dramaticidade), o tema de identidade e diferença, que as reflexões de ciência política tratam há tempos em termos de "assimilação" cultural, se combina com problemas de assimetria e estratificação. Não admira que Jürgen Habermas, em artigo há pouco reproduzido pela Folha de S.Paulo ("Europa com Medo do Povo", caderno Mais, 29 de junho), associe o resultado do referendo irlandês à necessidade de fazer política em nível europeu, de forma a recuperar a visão de uma "Europa social", dar credibilidade aos partidos socialdemocratas e evitar excluir, "de saída e por princípio, qualquer alternativa ao liberalismo de mercado".
A discussão de Sartori apresenta clara proximidade, às vezes, com as idéias de Samuel Huntington sobre a "latino-americanização" dos Estados Unidos em decorrência da onda atual de imigrantes latinos. Mas informadas discussões provocadas por Huntington mostram nada haver de peculiar, ao cabo, na onda atual com respeito às ondas anteriores de imigração irlandesa, judaica ou italiana, que resultaram em assimilação plena. Certamente os Estados Unidos como país têm se transformado com as mudanças demográficas de vários tipos. Mas os indícios são antes de fortalecimento da tradição de pluralismo democrático.
Esse é o ponto crucial. Não parece caber dúvida, na avaliação e no enfrentamento dos problemas gerais em questão, quanto ao papel orientador a esperar dos valores pluralistas e liberais de tolerância e individualismo e da neutralização da relevância de traços "adscritícios" impostos pelo nascimento, ou seja, os valores pelos quais Sartori se bate. E é difícil sustentar que a comunidade pluralista seja aberta aos que não se abram para ela.
Tudo somado, porém, a reiteração da importância dos valores pluralistas não pode levar a que se perca de vista o condicionamento material do êxito da eventual "assimilação" cultural. Afinal, há muito (muito antes de Disraeli quanto à Inglaterra) as diferenças de classe permitem que se fale de "duas nações", a dos ricos e a dos pobres, quase de todo apartadas culturalmente uma da outra. E a perspectiva que surge daí traz lições importantes para um Brasil em que integrantes destacados do Judiciário falam destemperadamente em defesa dos direitos civis de criminosos de colarinho branco e silenciam sobre a violência que a cada dia compromete radical e tragicamente os mais comezinhos direitos dos cidadãos de segunda classe. Com todo o importante papel de nossas cortes de Justiça, especialmente o STF, como revisoras e co-produtoras de políticas públicas em áreas diversas, muito de nosso futuro pode depender, como sugere estudo que Matthew M. Taylor acaba de publicar ("Judging Policy", 2008), do grau em que consigamos tornar efetivo o acesso igualitário à Justiça.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras
domingo, 13 de julho de 2008
O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
http://www.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais&portal=#
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DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

O MST DA ORDEM
José de Souza Martins*
O que parece confuso e anacrônico no ideário do movimento e da CPT é, na verdade, a economia moral que os rege
A reforma agrária que o MST e a Pastoral da Terra querem não é a reforma agrária que o Estado brasileiro quer e nem mesmo a reforma agrária que o presidente Lula e o PT podem e mesmo querem. Desencontros como esses, no passado recente, eram explicados, pelos mesmos protagonistas, como desencontros entre esquerda e direita. Diagnóstico fácil e superficial que embaralhava, ideologicamente, as causas dos problemas e a busca de soluções. O embaralhamento agora é maior: o MST e a CPT estão na base do apoio decisivo à ascensão política de Lula e do PT, que não obstante ainda os consideram seu partido e seu governo. Embora não o sejam e nunca tenham sido, porque filhos do contrato laboral moderno e não da posse familista e pré-moderna da terra, que são mundos opostos e inconciliáveis. MST e CPT não compreendem esse bloqueio histórico. Sua luta não é só pela terra. É, também, luta contra aquilo que consideram componentes do mesmo sistema econômico de que o latifúndio é o cerne, como a monocultura, o agronegócio, a globalização.
O que parece confuso e anacrônico no ideário do MST e da CPT constitui, na verdade, o sistema conceitual da economia moral que os rege e ordena sua crítica dos efeitos socialmente devastadores da economia moderna sobre populações que estão apenas no limiar da modernidade.
Demarcam, assim, o mundo de referência do seu clamor como território da sua legitimidade política, o que com freqüência os coloca em confronto com a legalidade e a conseqüente reação do Estado. Foi o que se viu nas últimas semanas, no Pará e no Rio Grande do Sul. No Pará, a condenação a 2 anos e 5 meses de prisão de um advogado da CPT e de um ex-coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura, pela invasão do Incra de Marabá, em 1999. No Rio Grande do Sul, o pedido do Ministério Público de desocupação de fazenda invadida, acompanhado de considerações sobre o caráter supostamente subversivo do MST (e do Via Campesina) por atos de desrespeito à lei e à ordem jurídica, até com o pedido de sua extinção.
Nos dois casos, as organizações gêmeas defrontam-se com a reação do aparelho de Estado à suposta ultrapassagem da linha de contraposição do legítimo ao legal. O documento do MP, aliás, assinala que a relação entre o MST e o presidente Lula não se sobrepõe à prevalência da lei e da Constituição, na qual o Ministério Público se apóia para definir sua denúncia. O Estado se funda na lei e a ela se sujeita. O limite do MST é a lei; mas a forma de sua demanda é o que a lei não contempla. Portanto, como inovar e transformar jurídica e politicamente? Pelos partidos, diz a lei; pela transgressão da lei, dizem as organizações e movimentos populares, enfraquecidos e abandonados por seu próprio partido, o PT, que de fato os tutela, mas não os representa.
Se o MST e a CPT têm seus equívocos, têm também suas razões. Por falta de apreço pelo estudo, pela leitura séria e pela teoria, da parte de seus líderes, claudicam e até falham na compreensão do que são e fazem e no convencimento da sociedade inteira quanto aos males sociais da monocultura e aos benefícios sociais da agricultura familiar. Essa é nossa alternativa keynesiana para o desemprego rural decorrente da modernização agrícola. Seria o meio de criar, nesta era de oportunidades agrícolas, uma economia mista de agricultura familiar moderna e agronegócio, uma economia abrangente e eficiente, que criaria renda e emprego e beneficiaria a economia inteira.
Contentam-se com inchaços estatísticos relativos às invasões de terra. Ainda agora o Nera - Núcleo de Estudos da Reforma Agrária, da Unesp, alinhado com o MST e a CPT, divulga relatório em que mostra que o número de invasões de terra no Brasil, nos últimos 19 anos, que foi de 7.500, mais de uma invasão por dia, é bem maior do que essas próprias organizações têm divulgado. Durante o regime militar, o crescente registro de conflitos fundiários, pela CPT, servia para mostrar o fracasso da reforma agrária decretada e descumprida pelo próprio governo. Naquela época, cada um dos conflitos ainda era propriamente um caso específico, a maioria dos quais não dizia respeito a invasões, mas à resistência na terra de trabalho contra a concentração fundiária, a grilagem e a expulsão dos trabalhadores rurais, sobretudo na região amazônica.
Agora já não se trata apenas de uma disputa pela terra, embora a ideologia do MST e da CPT ainda seja essa. Trata-se agora de encontrar alternativa para a marginalização que alcançou essas populações e seus descendentes. A concentração fundiária dos anos 60 e 70 e a correlata modernização agrícola criaram uma imensa massa de órfãos do crescimento econômico, sem a contrapartida, como ocorrera entre os anos 30 e 50, de uma indústria dinâmica capaz de absorver os excedentes populacionais oriundos do desenraizamento rural. As lutas dos trabalhadores rurais tentam criar o que o Estado não criou nem o governo do PT está criando, apesar de seus compromissos morais e políticos com o MST e a CPT.
As estatísticas recém-divulgadas pelo Nera não confirmam a ampliação do alcance da luta pela terra. Repetidas invasões de uma mesma fazenda, ao longo do tempo, são contadas como diferentes casos, embora sejam apenas episódios de conflitividade no interior de um único e mesmo conflito. Trata-se de um indicador de intensidade e não de quantidade. Portanto, de fato, o número de invasões é inferior ao anunciado. O problema político que se põe é outro: por que a conflitividade é maior em alguns casos, como o do Pontal do Paranapanema, e menor em outros? Porque ela foi transformada numa questão política e partidária, que se sobrepõe à questão social, na busca, no passado idílico, das raízes do futuro utópico. Apenas confirma que a luta se institucionalizou, tornou-se um rito da ordem, diversamente do que acusam o MP do Rio Grande do Sul e a Justiça do Pará. O conflito, na sociedade moderna, é constitutivo da mesma modernidade de que MP e Justiça são expressões.
José de Souza Martins*
O que parece confuso e anacrônico no ideário do movimento e da CPT é, na verdade, a economia moral que os rege
A reforma agrária que o MST e a Pastoral da Terra querem não é a reforma agrária que o Estado brasileiro quer e nem mesmo a reforma agrária que o presidente Lula e o PT podem e mesmo querem. Desencontros como esses, no passado recente, eram explicados, pelos mesmos protagonistas, como desencontros entre esquerda e direita. Diagnóstico fácil e superficial que embaralhava, ideologicamente, as causas dos problemas e a busca de soluções. O embaralhamento agora é maior: o MST e a CPT estão na base do apoio decisivo à ascensão política de Lula e do PT, que não obstante ainda os consideram seu partido e seu governo. Embora não o sejam e nunca tenham sido, porque filhos do contrato laboral moderno e não da posse familista e pré-moderna da terra, que são mundos opostos e inconciliáveis. MST e CPT não compreendem esse bloqueio histórico. Sua luta não é só pela terra. É, também, luta contra aquilo que consideram componentes do mesmo sistema econômico de que o latifúndio é o cerne, como a monocultura, o agronegócio, a globalização.
O que parece confuso e anacrônico no ideário do MST e da CPT constitui, na verdade, o sistema conceitual da economia moral que os rege e ordena sua crítica dos efeitos socialmente devastadores da economia moderna sobre populações que estão apenas no limiar da modernidade.
Demarcam, assim, o mundo de referência do seu clamor como território da sua legitimidade política, o que com freqüência os coloca em confronto com a legalidade e a conseqüente reação do Estado. Foi o que se viu nas últimas semanas, no Pará e no Rio Grande do Sul. No Pará, a condenação a 2 anos e 5 meses de prisão de um advogado da CPT e de um ex-coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura, pela invasão do Incra de Marabá, em 1999. No Rio Grande do Sul, o pedido do Ministério Público de desocupação de fazenda invadida, acompanhado de considerações sobre o caráter supostamente subversivo do MST (e do Via Campesina) por atos de desrespeito à lei e à ordem jurídica, até com o pedido de sua extinção.
Nos dois casos, as organizações gêmeas defrontam-se com a reação do aparelho de Estado à suposta ultrapassagem da linha de contraposição do legítimo ao legal. O documento do MP, aliás, assinala que a relação entre o MST e o presidente Lula não se sobrepõe à prevalência da lei e da Constituição, na qual o Ministério Público se apóia para definir sua denúncia. O Estado se funda na lei e a ela se sujeita. O limite do MST é a lei; mas a forma de sua demanda é o que a lei não contempla. Portanto, como inovar e transformar jurídica e politicamente? Pelos partidos, diz a lei; pela transgressão da lei, dizem as organizações e movimentos populares, enfraquecidos e abandonados por seu próprio partido, o PT, que de fato os tutela, mas não os representa.
Se o MST e a CPT têm seus equívocos, têm também suas razões. Por falta de apreço pelo estudo, pela leitura séria e pela teoria, da parte de seus líderes, claudicam e até falham na compreensão do que são e fazem e no convencimento da sociedade inteira quanto aos males sociais da monocultura e aos benefícios sociais da agricultura familiar. Essa é nossa alternativa keynesiana para o desemprego rural decorrente da modernização agrícola. Seria o meio de criar, nesta era de oportunidades agrícolas, uma economia mista de agricultura familiar moderna e agronegócio, uma economia abrangente e eficiente, que criaria renda e emprego e beneficiaria a economia inteira.
Contentam-se com inchaços estatísticos relativos às invasões de terra. Ainda agora o Nera - Núcleo de Estudos da Reforma Agrária, da Unesp, alinhado com o MST e a CPT, divulga relatório em que mostra que o número de invasões de terra no Brasil, nos últimos 19 anos, que foi de 7.500, mais de uma invasão por dia, é bem maior do que essas próprias organizações têm divulgado. Durante o regime militar, o crescente registro de conflitos fundiários, pela CPT, servia para mostrar o fracasso da reforma agrária decretada e descumprida pelo próprio governo. Naquela época, cada um dos conflitos ainda era propriamente um caso específico, a maioria dos quais não dizia respeito a invasões, mas à resistência na terra de trabalho contra a concentração fundiária, a grilagem e a expulsão dos trabalhadores rurais, sobretudo na região amazônica.
Agora já não se trata apenas de uma disputa pela terra, embora a ideologia do MST e da CPT ainda seja essa. Trata-se agora de encontrar alternativa para a marginalização que alcançou essas populações e seus descendentes. A concentração fundiária dos anos 60 e 70 e a correlata modernização agrícola criaram uma imensa massa de órfãos do crescimento econômico, sem a contrapartida, como ocorrera entre os anos 30 e 50, de uma indústria dinâmica capaz de absorver os excedentes populacionais oriundos do desenraizamento rural. As lutas dos trabalhadores rurais tentam criar o que o Estado não criou nem o governo do PT está criando, apesar de seus compromissos morais e políticos com o MST e a CPT.
As estatísticas recém-divulgadas pelo Nera não confirmam a ampliação do alcance da luta pela terra. Repetidas invasões de uma mesma fazenda, ao longo do tempo, são contadas como diferentes casos, embora sejam apenas episódios de conflitividade no interior de um único e mesmo conflito. Trata-se de um indicador de intensidade e não de quantidade. Portanto, de fato, o número de invasões é inferior ao anunciado. O problema político que se põe é outro: por que a conflitividade é maior em alguns casos, como o do Pontal do Paranapanema, e menor em outros? Porque ela foi transformada numa questão política e partidária, que se sobrepõe à questão social, na busca, no passado idílico, das raízes do futuro utópico. Apenas confirma que a luta se institucionalizou, tornou-se um rito da ordem, diversamente do que acusam o MP do Rio Grande do Sul e a Justiça do Pará. O conflito, na sociedade moderna, é constitutivo da mesma modernidade de que MP e Justiça são expressões.
*José de Souza Martins é professor titular de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP
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