sábado, 30 de agosto de 2008

Uma disputa estratégica


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DENVER, Colorado. Foi um discurso com a dose certa de emoção e razão, de quem não está na corrida presidencial por acaso, mas para ganhar. O candidato democrata Barack Obama confirmou na noite de quinta-feira, diante de mais de 80 mil pessoas num estádio de futebol americano, que é um adversário difícil de ser desconstruído, que não teme o confronto. Só estando lá para sentir a eletricidade do ambiente, a alegria dos militantes, a ansiedade da vitória que dominava a todos e, ao mesmo tempo, o temor de que o sonho afinal não se realize.

O fato de ter chamado para o centro da disputa eleitoral seu adversário, o republicano John McCain, a quem citou nada menos que 22 vezes em cerca de uma hora, mostra que, a partir das convenções, a disputa ganhará tons cada vez mais pessoais, embora Obama tenha dito, em um dos muitos bons momentos de seu discurso, que a campanha não era sobre ele, mas sobre o povo americano.

Ao contrário, a disputa é toda em torno dele, o primeiro negro a ser lançado candidato à Presidência dos Estados Unidos por um dos grandes partidos, e isso pode ser bom para ele, mas pode também ser um complicador.

Ele tem que se mostrar renovador, mas não tão distante do mundo real que se torne um aventureiro; tem que defender novas maneiras de fazer política sem parecer ingênuo; e mostrar uma visão diferente da que prevalece em Washington sem se revelar inexperiente.

Ele vai ter que viabilizar uma mudança que vêm "de fora" ("a change to Washington"), e não de Washington, mas, para isso, paradoxalmente, terá que ter a ajuda do establishment político. Tendo rejeitado Hillary Clinton como vice, teve que buscar em Washington o senador Joe Biden.

Em uma disputa tão apertada como costumam ser as eleições presidenciais americanas, os dois candidatos mostram-se mestres em estratégia política. Sendo a energia um dos pontos centrais da preocupação do americano médio, os dois trataram a questão com prioridade máxima.

Obama usou palavras de pura inspiração misturadas com questões concretas do dia-a-dia do cidadão, como seu plano de tornar os Estados Unidos independente dos países árabes em relação ao petróleo em dez anos, e conseguiu provocar uma das grandes ovações da noite, explicitando o que vai na alma do eleitorado em geral: o preço da gasolina e do aquecimento está mexendo com a cabeça e o bolso do americano, que atribui aos árabes mais essa desdita.

McCain foi buscar no Alaska sua candidata a vice, a governadora Sarah Pallin, mulher, mais jovem que Obama, uma política independente dentro do Partido Republicano tanto quanto McCain e, sobretudo, favorável à ampliação da exploração de petróleo, inclusive no seu estado, onde a exploração é limitada por questões ambientais.

Aumentar a perfuração de petróleo é percebido, neste momento, pela população como uma solução para a questão do preço da gasolina, embora seja tão inócua quanto é improvável a concretização da promessa de Obama de o país estar auto-suficiente em energia em dez anos.

Mas não foi por acaso que a governadora Sarah Pallin, em seu primeiro pronunciamento, citou diretamente a senadora Hillary Clinton, exaltando seu feito como tendo sido um passo importante na política feminista, e se colocou como uma sucessora de Hillary Clinton, disposta a superar uma barreira que nem mesmo os 18 milhões de votos que a senadora democrata conseguiu nas primárias de seu partido foram suficientes para suplantar.

Ela está de olho em parte desses votos, os que teriam sido dados por Hillary ser uma política comprometida com o avanço da causa feminista. Pallin não é uma líder feminista, mas está defendendo a tese de que eleger uma mulher é um avanço. O mais próximo que Pallin chegou em defesa de uma causa feminista, pelo menos publicamente, foi pressionar para demitir um ex-genro que batia em sua irmã, o que causou um pequeno escândalo político no Alaska.

A escolha da governadora do Alaska tem também desvantagens para a candidatura McCain, sendo a mais previsível a redução da eficácia da desconstrução de Obama na base da inexperiência política.

Ora, a governadora Pallin está no seu primeiro mandato, e a única experiência anterior foi ser prefeita de uma pequena cidade. Para um candidato que fez 72 anos ontem e tem um histórico de doenças de pele - já teve um melanoma -, a escolha do vice é fundamental. Pallin é jovem, o que é uma garantia, mas tão inexperiente quanto Obama, o que pode ser perigoso caso ela tenha que assumir o governo em uma emergência.

A governadora é tão independente politicamente que mesmo sendo defensora da exploração de petróleo na costa de seu estado, ela tem litígios com várias companhias petrolíferas, tanto por ter criado impostos que impuseram novos gastos quanto por pressioná-las para aumentar a prospecção.

É uma conservadora que acredita na mão pesada do Estado, da mesma maneira que, durante a convenção democrata, o lado mais liberal do partido apareceu diversas vezes, várias delas no discurso do próprio Obama, que já foi considerado o senador mais de esquerda de Washington.

A senadora Hillary Clinton já havia dito em seu discurso que "obrigaria" as empresas de energia a implantarem projetos "para o bem comum", seja lá o que isso signifique. Barack Obama foi mais específico, disse que não permitiria que as companhias de seguro-saúde discriminassem pessoas com doenças graves, e garantiu que todos os cidadãos americanos terão acesso a planos de saúde a preços módicos.

Com a escolha de Pallin, a chapa dos republicanos deu uma guinada à direita, ao mesmo tempo em que o discurso dos democratas foi mais para a esquerda a partir da convenção.

Virtudes democráticas


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O processo eleitoral nos Estados Unidos - da escolha dos candidatos à eleição do presidente - não é perfeito, bem como a democracia tampouco se pretende sem defeitos.

Mas, haverão de convir até os adeptos do antiamericanismo como filosofia de vida, que nos últimos meses o país proporcionou ao mundo interessado no tema da representação política um espetáculo de qualidade ímpar.

Da aparição de Barack Obama na condição de azarão à perda de terreno da favorita Hillary Clinton, passando pela resistência da senadora ante a evidente desvantagem nas primárias até a confirmação do atropelo definitivo, a rendição e, por fim, escolha oficial de Obama como candidato a presidente em apoteótica convenção do partido Democrata, tudo isso ensina muito a países em estado de pré-depressão cívica.

Poderíamos falar de vários - muitos localizados aqui bem perto -, mas não há razão para olhar as mazelas do vizinho se precisamos mesmo é observar, esmiuçar e procurar corrigir as nossas.

A proposta não é fazer dos Estados Unidos um modelo. Inclusive porque não fossem milhares de outros fatores, há léguas de distância na formação das duas sociedades: a norte-americana forma uma nação e, só então, organiza o Estado; a brasileira nasce, cresce e permanece econômica, política e (sobretudo) culturalmente dependente do Estado.

Para uma, ele é um servidor; já para a outra é um provedor.

Só por essa diferença de origem já seria um equívoco acreditar que resida no arremedo a solução para o nosso nessa altura já inadiável avanço.

Valem, porém, a observação e a reflexão. Não sobre os atributos dos candidatos ou as razões do povo americano para se arriscar ao "diferente", mas a respeito do processo.

Por que Barack Obama conseguiu se impor ao favoritismo de Hillary dentro da "estrutura", enquanto que aqui o inesperado só tem chance quando envereda por atalhos exóticos, campos férteis aos aventureiros e oportunistas?

Aqui, a mentalidade do mandonismo, de um lado, e a vocação do servilismo, de outro, simplesmente impossibilitam a ampliação da participação social da vida dos partidos. É cada um no seu canto.

Lá, foram meses de primárias, consultas pelo país todo, debates sobre questões substanciais, cobranças de cada conduta, cada palavra, cada compromisso do passado em confrontação com as teses defendidas no presente e, no fim, uma convenção partidária com a participação de 75 mil pessoas e fila virando na porta de entrada.

Tudo sem voto obrigatório nem a influência da mão pesada do governante de turno. Seja ele impopular como George W. Bush, ou tenha sido popular como Bill Clinton.

O poder público não entra como fator de indução da vontade daqueles delegados representantes da população. Prevalece a vontade da "base" do partido induzida, aí sim, pelo que se passa do lado de "fora" dos organogramas oficiais.

Há conchavos? Evidente. Sem eles não se fazem acertos. Mas são apenas uma parte de um todo, cuja boa essência está no fato de ser conduzido pelas regras do jogo.

Poder do moderador

Autor da demarcação contínua das terras da reserva Raposa Serra do Sol, é natural que o governo federal defenda sua posição na ação em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Isso no tocante à alçada da Advocacia-Geral da União.

Fora dessa área, as manifestações de ministros assumem um caráter de torcida que subtraem do governo credenciais para atuar na mediação do conflito já devidamente contratado em Roraima, seja qual for a decisão do Supremo.

Não havendo de nenhuma das partes disposição para aceitar concessões ao "adversário", o cenário de sublevação contra a palavra da Justiça está no horizonte.

Se confirmado, restará a administração política da questão. O Congresso estando amorfo, a tarefa será necessariamente do Executivo que, para isso, precisa preservar um espaço de neutralidade.

Terra firme

Político com o futuro em jogo não arrisca. Petisca do bom e, da festa, aproveita o melhor para si.

É só repara: o governador do Rio, Sérgio Cabral, apareceu na campanha apenas quando seu candidato, Eduardo Paes, engatou um segundo lugar nas pesquisas.

Mas não é o único a passar ao largo de cenários adversos. A menos que dependem da virada do quadro, caso típico do empenho de Aécio Neves pelo candidato à Prefeitura de Belo Horizonte, desde os 6% iniciais já devidamente transformados em 21% das pesquisas.

José Serra aproxima-se o menos possível da briga de foice no escuro do PSDB na campanha paulistana, mas no Rio dá apoio enfático a Fernando Gabeira; por ora não tem chance de vitória, mas faz boa figura na sociedade.

Hoje, quando o presidente Lula inicia por São Paulo seu percurso de palanques, o trajeto a ser percorrido daí em diante o confirmará como regra ou o mostrará como exceção.

Lula, ligue para o Obama


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Diz o jornal britânico "Financial Times" que a proposta talvez mais ambiciosa de Barack Obama para a economia, em seu discurso de aceitação da candidatura, foi a de "desmamar" os Estados Unidos do petróleo externo em dez anos e investir algo em torno de US$ 150 bilhões em programas de energia alternativa.

Eu, se fosse Lula, ligaria para Barack e diria: "companheiro, juntemos a fome com a vontade de comer e seus problemas acabarão". Explico: 1 - Lula tem verdadeira obsessão, de resto assumida, com o uso do etanol (desde que derivado da cana-de-açúcar, que fique claro) como fonte do que chama de revolução energética global.

2 - Funcionaria assim: o Brasil entra com a tecnologia, a melhor até agora disponível nesse campo, e os Estados Unidos com o dinheiro para que países pobres do Caribe, América Central e África possam se tornar exportadores de álcool, derivado da cana-de-açúcar ou outro plantio que não interfira com a alimentação humana.

Esse, aliás, é o espírito do memorando de entendimento assinado entre Lula e Bush em 2007, mas que não saiu do papel até agora.

3 - O telefonema urgente é importante, porque Barack Obama tem ou teve conhecidos vínculos com o lobby do etanol derivado do milho, especialidade norte-americana, que, no entanto, é cara demais e, ela sim, tira milho da boca das criancinhas (e dos adultos). É bom, desde já, deixar claro ao candidato que há uma alternativa melhor.

4 - É razoável supor que um programa desse gênero permitiria aos Estados Unidos reduzir sua dependência energética de fontes que não são confiáveis (aos olhos norte-americanos).

5 - Bem combinadas e estudadas as coisas, Lula deixaria de ser "o chato do etanol", como ele próprio se classificou faz pouco, para ser co-autor, aí sim, de uma revolução energética.

Anarquia e sindicalismo


Almir Pazzianotto Pinto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Poucos movimentos sociais provocaram tanto sobressalto ao País como se deu com o anarcossindicalismo, nas primeiras décadas do século passado. O temor governamental era tamanho que em 7 de janeiro de 1907, imediatamente após a aprovação da primeira lei sindical, o presidente Affonso Penna sancionou o Decreto nº 1.641, que providenciava "a expulsão de estrangeiros do território nacional". Poderiam ser banidos aqueles que comprometessem a segurança ou a tranqüilidade pública e, também, os condenados em tribunais estrangeiros por crimes ou delitos de natureza comum.

Em janeiro de 1921, o presidente Epitácio Pessoa aprovou os Decretos 4.247 e 4.269. O primeiro impunha controles à entrada de estrangeiros considerados perniciosos à ordem pública e nocivos à segurança nacional. O segundo, conforme dispunha a ementa, regulava a "repressão ao anarquismo".

Qualificava-se como anarquismo "provocar diretamente, por escrito ou qualquer outro meio de publicidade, ou verbalmente, em reuniões realizadas nas ruas, nos teatros, clubes, sedes de associações, ou quaisquer lugares públicos, ou franqueados ao público, a prática de crimes tais como dano, depredação, incêndio, homicídio, com o fim de subverter a atual organização social".

As penalidades variavam da prisão celular por seis meses a quatro anos e, nos casos mais graves, autorizava-se o fechamento de associações, sindicatos e sociedades civis, com o exílio dos acusados.

Coube a anarquistas, comunistas, socialistas, da integridade de J. Mota Assunção, Gigi Damiani, Neno Vasco, Oreste Ristori, Edgard Leuenroth, Astrojildo Pereira, a tarefa de estimular a fundação das primeiras organizações proletárias no Brasil. Traziam, dos países de origem, ideais libertários e de sindicalismo revolucionário, inspirados em Bakunin, Kropotkin, Proudhon, Faure, Malatesta, Ferrer.

Quem tiver interesse em conhecer o papel desempenhado pelos anarquistas na criação das entidades sindicais deve consultar as obras de John W. Foster Dulles, Everardo Dias e Paulo Sérgio Pinheiro sobre as lutas sociais travadas, no Brasil, até o início da década de 1930.

Inimigos do Estado, utópicos, radicais, moralistas, anticlericais, dotados de invulgar coragem, os anarquistas - como os antigos socialistas e comunistas - sonhavam com uma sociedade justa, em que todos vivessem de forma decente, livre e digna.

Positivista, estancieiro e caudilho, adversário de todas as variantes esquerdistas, Getúlio Vargas assumiu a Presidência da República em novembro de 1930, comprometido com a idéia da domesticação dos movimentos sociais e do sindicalismo emergente, tarefa iniciada mediante a criação do Ministério do Trabalho. Passo a passo, a liberdade de organização foi sendo estrangulada e substituída pelo modelo corporativo-fascista, tributário dos interesses do Estado. Dele aflorou a figura do pelego, dirigente desprovido de coluna vertebral, submisso às solicitações patronais, vassalo do governo e mantido pelo Imposto Sindical.

A Constituição de 1988 iniciou, mas não concluiu o desmonte da estrutura fascista criada pelo Estado Novo. Ao invés de modelo democrático, sofreu a inseminação de uma espécie corrompida de anarcossindicalismo, caracterizado pela proliferação de entidades artificiais, usadas como balcões de negócios e rampas de acesso a partidos políticos.

A palavra anarquia significa sistema social baseado na absoluta igualdade entre os indivíduos, tendo como aspiração o desaparecimento do poder de coação, inseparável do ordenamento jurídico. No sentido pejorativo e vulgar, porém, o termo traduz um quadro de desordem e indisciplina, pela ausência de lei ou omissão das autoridades.

Na esfera sindical, regredimos de fases em que o sindicalismo era levado a sério para o peleguismo e a anarquia, parteiros de entidades cujos objetivos nada têm que ver com os trabalhadores e os interesses nacionais.

Ante o perigo de ser tido como patrocinador de negociatas envolvendo registros e bases territoriais, o Ministério do Trabalho pensou em reagir, com a aprovação de portaria disciplinadora de ambas as matérias. Como se sabe, porém, portaria é, por definição, "o instrumento pelo qual ministros, secretários de governo, ou outras autoridades, expedem instruções sobre a organização e o funcionamento de serviços e praticam outros atos de sua competência". O ato em causa extravasou os limites das atribuições ministeriais, como deixou patente, em artigo publicado pela revista Trabalho, o desembargador José Carlos Arouca, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP).

O governo pensa em resolver o problema, que aflige empregados e empregadores, os quais já não sabem quem os representa, com quem dialogar, negociar e para quem recolher a Contribuição Sindical obrigatória, tantas se tornaram as invasões de categorias profissionais e de empresas, praticadas por entidades recém-nascidas, nebulosas e dirigidas por pessoas obscuras.

Ensina a Bíblia, contudo, que não se deve coser tecido novo em roupa velha, ou guardar vinho fresco em tonéis envelhecidos. A estrutura sindical herdada do Estado Novo não comporta reforma, e os problemas que apresenta jamais alcançarão solução por meio de portarias.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva perde excelente oportunidade de enriquecer a biografia ao consentir que a estrutura sindical sobreviva cambaleante e corrupta, sob a direção - salvo as exceções de praxe - de notórios e vitalícios pelegos.

Almir Pazzianotto Pinto é ex-ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), aposentado

A chama acesa da esperança


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O GOVERNO, DESTA VEZ, não pode ser acusado de leviandade no pacote de reforma política encaminhado ao Congresso, depois de seis anos e quase nove meses de estudos profundos, longa meditação, infindáveis debates internos e sigilosas consultas aos diversos setores da sociedade. O que pingou na ansiedade dos parlamentares não vai além de algumas gotas que não chegaram a regar a expectativa de ardentes patriotas, com os olhos vidrados no futuro do país.

O inevitável azedume da malícia dá guarida a suspeita de que o presidente Lula nas suas meditações sobre o amanhã, com a objetividade e a argúcia do estadista que o mundo reconhece, imagina o país nos quatro anos da sua sucessora, a ministra Dilma Rousseff, não apenas escolhida pelo dono do PT, mas na pré-campanha sob a batuta do chefe.

E a reforma política entregue ao presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) tem as medidas exatas da ministra-candidata Dilma Rousseff, chefe do Gabinete Civil.

Mas, onde o carro enguiça é no atoleiro dos interesses imediatos e contraditórios. Da reforma para tapar a boca dos críticos e a lengalenga da anêmica oposição, à beira de um desastre eleitoral desqualificante nas eleições do próximo dia 5 de outubro, sobrou a polêmica do voto em lista para deputados federais e estaduais e vereadores.

Trata-se de uma trampa marota que só interessa aos donos dos partidos e que manipulam a elaboração das listas de candidatos, garantindo as vagas para os que têm prestígio. O quociente eleitoral definirá o número de vagas. O eleitor não votará no candidato, mas no partido e serão agraciados com os quatro anos de mandato segundo a lista partidária.

Trata-se de uma manobra sem a menor possibilidade de ser aprovada com as exigências de quorum de emenda constitucional. E se enche o olho da turma que manda nos partidos, morre na praia do baixo clero que sabe fazer as contas do seu interesse. O governo de perdulária gastança propõe abrir o cofre para o financiamento público de campanha. E que é uma medida moralizadora, mas inviável. Falando sério. Passou a hora da reforma política pois o governo jamais se interessou pela crise moral que corrói o Legislativo. Contribui para desmoralizar o Congresso, trancando a pauta com a enxurrada de medidas provisórias. Cerra os olhos, sussurra a desculpa de que não quer arranhar a independência dos poderes para justificar sua indolência e seu desdém pelas mazelas de um Congresso que não se dá ao respeito.

Por aí, o presidente Lula avança em campo minado. É claro que a doença do Legislativo é como uma lepra que se alastra e aumenta a cada ano no tecido gangrenado das mordomias, das vantagens, dos benefícios que transformaram o mandato conferido pelo voto do povo em um dos melhores empregos do mundo. A soma de múltiplas parcelas vai além dos R$ 100 mil mensais para uma semana estafante de três dias úteis.

E é por isso que soa em falso as justificativas do presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), de que as prioridades das urgências do Congresso são a "alteração do trâmite das medidas provisórias, a reforma tributária". Mas, ressalva, "se houver espaço não há nenhum problema em retomarmos a votação da reforma política".

E não há mesmo. Entra ano, sai ano e a reforma política é debatida em seminários acadêmicos, discutida por especialistas na imprensa, tema de debate universitário e, lá uma vez ou outra, chega à tribuna parlamentar em acalorados debates e severas críticas pela indiferença do governo.

Os parlamentares têm coisas mais urgentes e tratar. À frente da fila o problema criado pela intromissão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou o nepotismo, uma das prendas mais estimadas do mandato parlamentar que garantia a distribuição em empregos e sinecuras pela parentela, de olho no prêmio melhor que bilhete premiado.

Foram duas pancadas na moleira: além do desemprego de filhos, noras, tios, primos do chefe da família e da esposa, a impopularidade em plena campanha eleitoral com a ultrapassagem pela toga.

Não é um caso perdido. Daqui até 2010, quando as urnas eletrônicas decidirão a sorte da ministra-candidata Dilma Rousseff e do candidato ou dos candidatos da oposição, dos governadores, senadores, deputados federais e estaduais, muita coisa vai mudar.

É o que mantém acesa a chama da esperança.

A "onda vermelha", enfim

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Profecia nunca autocumprida, a "onda vermelha" petista tem chances de vingar na eleição de 5 de outubro.

Em 2000, em meio à crise do já moribundo governo FHC, os petistas pensavam em se esbaldar. Elegeram prefeitos em 187 cidades. Faturaram a jóia da coroa, São Paulo, mas estacionaram muito atrás das siglas tradicionais quando se comparava quem tinha mais cidades governadas à época -eram 5.559 municípios; hoje são 5.564.

Em 2004, a derrota paulistana de Marta Suplicy e o ainda titubeante governo Lula acabaram impedindo um deslanche petista. Foi um avanço maiúsculo, de 119%, com 411 prefeitos eleitos.

Mas a previsão petista de vencer em 800 cidades estragou a festa.

Agora, a história é outra. Previsões modestas dos petistas apontam para 40% de aumento no número de prefeitos. Ou seja, acham que vão sair dos 411 em 2004 para algo perto de 570, no mínimo.

O percentual deve ser superior no Nordeste. Estados como a Bahia serão palco de um fenômeno até agora raro: petistas governando vários pequenos municípios. "É isso que tem deixado a oposição agitada no Congresso. Tem uma "onda vermelha" nas ruas", diz o senador petista por São Paulo Aloizio Mercadante, dando nome ao fato.

Como previsões eleitorais são pouco recomendáveis -como dizem o políticos, o "problema do vaticínio é que depende do futuro"-, melhor esperar para ver. Mas há elementos a favor dos petistas.

A economia está muito melhor do que em 2004. Lula é idolatrado no Nordeste e nas regiões mais pobres do país. E, incrível, não há nenhum escândalo novo na praça.

A se confirmar o cenário, o PT terá o mesmo tamanho de PMDB, PSDB e Democratas nas cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, todas essas siglas cada vez mais se parecerão umas com as outras.

Modesto da Silveira: "Não se deve anistiar torturadores e golpistas"


Diógenes Botelho
DEU NO PORTAL DO PPS

Deputado Federal que encaminhou o projeto que deu origem a Lei da Anistia, Modesto da Silveira diz que homicídios, estupros e roubos cometidos por agentes do governo militar precisam ser tratados como crime comum. "Não se deve anistiar torturadores e golpistas", defende Silveira em entrevista ao Portal do PPS.


De engraxate, ajudante de carro de boi e guia de cego até deputado federal da oposição durante a ditadura militar, tempo em que se notabilizou como um dos maiores advogados do país na área de direitos humanos. A vida do mineiro Modesto da Silveira é por si só um exemplo de resistência. Em passagem por Brasília para participar de sessão solene da Câmara em homenagem aos 29 anos da Lei da Anistia, encaminhada por ele no Congresso, conversou com o Portal do PPS. Aos 81 anos, segue firme em sua luta pelos direitos humanos e pela radicalidade democrática. Não tem receio em entrar em assuntos polêmicos, como a revisão da Lei da Anistia. Para ele, homicídios, estupros e roubos cometidos por agentes do governo militar precisam ser tratados como crime comum. "Não se deve anistiar torturadores e golpistas", defende. Na entrevista, falou ainda sobre sua experiência como advogado de presos políticos, da perseguição que sofreu da ditadura, de um grupo golpista que ainda resiste no Exército brasileiro, entre outros assuntos. Confira.

Portal do PPS - Qual era o clima daquele 28 de agosto de 1979, quando o Congresso aprovou a Lei da Anistia?

Modesto da Silveira - Eu era deputado e fui o encaminhador da lei, em nome de Ulysses Guimarães (ex-presindete do MDB/PMDB), na votação do plenário. Tinha saído do hospital, estava doente, e vim em cadeira de rodas tentar votar. Quando cheguei, o Ulysses olhou e disse: Modesto, você agüenta subir as escadinhas (para a tribuna). Eu disse: Claro, agüento, eu vou me arrastando, mas vou. No que ele respondeu: Então, encaminha a lei para a gente. Fiz o encaminhamento, justifiquei que a lei não era a que nós desejávamos. Nós queríamos a anistia ampla, geral e irrestrita para os perseguidos políticos e não para os perseguidores políticos. Mas, como a ditadura ainda durou muitos anos (até 1985), eles (os militares e seus sustentadores políticos) àquela altura tinham condição de impor o tipo de anistia em que concordariam. Até porque o Congresso Nacional era composto de muitos biônicos. Tanto que nessa ocasião, em 1978, a oposição, que era o MDB, teve cerca de 5 milhões de votos a mais do que a ditadura (representada pela Arena), e no entanto eles tinham o maior número de representantes porque havia os biônicos eleitos. Havia também aquele processo semibiônico de fortalecer os estados onde a ditadura era forte. E nos estados onde ela era fraca, calcularam matematicamente, e deu para eles fazerem uma maioria artificial. Então, ou nós aceitávamos aquela (Lei da Anistia) ali, negociando, ou não teríamos anistia nenhuma. E ela já foi um passo para as anistias posteriores, o que inclusive acabou redundando no artigo 8° do ato das disposições constitucionais transitórias (da Constituição de 1988, que estabeleceu o pagamento de indenizações e reparação de direitos aos atingidos pela ditadura). E já naquela primeira anistia foi possível tirar muita gente da cadeia e receber os milhares de exilados que estavam em toda parte do mundo, sobretudo na Europa.

Portal – Como foram os bastidores dessa negociação?

Silveira - Foi uma negociação difícil, muito difícil. Tentávamos ampliar e eles não concediam. Era esta ou não era nenhuma. Foi o máximo conseguido naquele momento.

Portal - Na sua opinião, é válida, hoje, a rediscussão da Lei da Anistia no Brasil, como alguns setores políticos estão propondo?

Silveira -
Para a anistia, a tese que eu acho mais aconselhável e interessante, e que não é de hoje, é de muitos anos, é a que se tenta ganhar na ONU. É aquela que eles acham o seguinte: anistia sim, mas anistia é para aqueles que são vítimas de tiranias e ditaduras em geral. Esses devem ser anistiados. Agora, os fabricantes de ditaduras e tiranias não devem receber anistia nenhuma. Porque senão você estará estimulando novos golpes para o futuro, sobretudo em países como o Brasil e o Chile, onde eles (os militares) se auto-anistiaram previamente pelos crimes que já tinham cometido e que ainda iriam cometer no futuro. Isso é uma coisa inédita e inaceitável pela humanidade. Imagine você, a lei era de 79 e a ditadura foi até 85. E os que vinham praticando crimes, torturando, estuprando, furtando e se corrompendo continuaram fazendo as mesmas coisas. É um privilegium, como diriam os romanos. Ninguém pode fazer lei em causa própria. E eles fizeram lei em causa própria para o passado, o presente e o futuro. O passado, pelos crimes que cometeram, e o presente e o futuro pelos crimes que estão ou irão cometer ainda. Isso é realmente uma teratologia (anomalia) jurídica. É um absurdo que foi cometido. A tese saudável hoje, que você vê elementos da ONU fazendo pronunciamentos, é aquela que anistia vítimas de ditaduras, de autoritarismos. Não se anistia autoritários, ditadores. E por quê? Porque eles serão estimulados a de novo derrubar outras democracias, estabelecendo ditaduras.

Portal - E por que apostar na tese da ONU?

Silveira - Porque ela tem a força moral e jurídica do mundo inteiro. Das 194 nações soberanas, você tem 192 que pertencem à ONU. Portanto, o que é decidido pela ONU pode se tornar lei praticamente no mundo inteiro.


Portal - Então, na sua opinião, ainda é possível, hoje, punir os agentes da ditadura brasileira? Fazer o que, segundo as suas próprias palavras, não foi possível fazer em 1979?

Silveira -
Se eles não forem punidos aqui, serão punidos lá fora. Um juiz espanhol e um italiano decretaram a prisão e o Pinochet (ex-ditador chileno Augusto Pinochet), o maior dos torturadores, foi preso na Inglaterra por um ano e tanto e chegou ao seu país e continuou respondendo processo político. Pois bem, hoje em dia se esses mesmos torturadores brasileiros ou de qualquer ditadura forem a Europa, poderão ser presos lá. Eles hoje estão prisioneiros de algum modo no Brasil porque estão limitados ao território brasileiro. Se eles saírem do Brasil, qualquer cidadão de outro país que eles visitem pode denunciar. Eles gostam de ir para Europa, principalmente, Espanha, França, Itália, etc... Bateu lá, o nome deles está lá e eles serão presos. Então, eles não podem ir a esses lugares. Já estão com a liberdade limitada, o que é uma prisão parcial. E a tese da ONU me parece uma tese saudável para você estabelecer democracias e procurar aperfeiçoá-las. E nunca permitir que se derrube uma democracia para estabelecer uma ditadura.

Portal - Como foi atuar como advogado de presos políticos em uma época dura, como foi a ditadura militar no Brasil?

Silveira - Eu fui advogado de todo o tipo de categoria profissional. Estudantes, crianças, menores, profissionais, parlamentares e até gente que acabou sendo ministro. E muitos advogados, fui advogado de muitos advogados. Todo mundo sofria. Eu mesmo, por essa ousadia toda, também fui sequestrado pelo DOI-CODI do Rio de Janeiro. Naquela altura não ousaram me marcar fisicamente porque eu estava conhecido até no exterior. Mas procuraram me marcar o máximo psicologicamente nos setores de tortura do DOI-CODI da Rua Barão de Mesquita.

Portal - Qual a importância de se relembrar, sempre, toda essa história?

Silveira - Por isso, comemorações como esta do Congresso (sobre os 29 anos da anistia) são importantes para ajudar a passar essa realidade, esse resgate para as jovens gerações. Para que elas tomem pavor de qualquer forma de autoritarismo, de tirania. Lute contra isso e ganhe consciência de que a democracia, por mais deformada que esteja, é infinitamente melhor do que a situação que passamos durante todo o período de ditadura. Mesmo com as deformações pelo poder econômico, pelas elites econômicas que deformam o processo democrático. Na ditadura, foram presos, sofreram, direta ou indiretamente, centenas de milhares de pessoas. Isso as que resistiram. As que não resistiram morreram, ou se exilaram ou foram banidas do país, e muitas delas não quiseram mais voltar porque têm péssimas lembranças, têm medo que pode acontecer outra vez.

Portal - Outra vez?

Silveira - Porque existem certos militares irresponsáveis que fazem ameaças ora veladas, ora abertas.

Portal - Mas o senhor acredita que há mesmo o risco de um novo golpe militar no país?

Silveira - Sobre isso eu lhe diria o seguinte. Eu estou convencido que estão blefando. Primeiro: o mundo de hoje não está em descenso ditatorial. Está em ascenso democrático. Segundo: aqueles que praticaram isso (deram o golpe militar em 1964) eram uma minoria das Forças Armadas com suporte de uma minoria civil. Então, hoje, eles não têm condição nenhuma disso. E se o fizerem vão receber o repúdio da população brasileira e certamente uma ação diferente (daquela de 1964). Por outro lado, o isolamento completo de um mundo que tende a reprimir sempre as ditaduras. Veja bem: se os próprios militares que são democratas, obedientes à lei e ao juramento que fazem isolarem esse grupelho, as Forças Armadas sairão íntegras. Porque um número muito maior foi vítima. Os militares golpistas eram pequenos grupos, fortemente armados e muito bem organizados.

Portal - E os arquivos da ditadura, que já se transformaram em uma "brincadeira" de pique-esconde. Uma hora foram queimados, depois aparece documento...

Silveira - A abertura dos arquivos é outro clamor público. Todo mundo precisa dos arquivos, até porque há o direito a habeas-data, sobretudo o que se refere a si mesmo. E a pessoa precisa não só para a sua história pessoal ou justificação junto a filhos, netos, familiares, mas até para tentar ter uma anistia (ou reparação). E os arquivos secretos não permitem que você corrija um erro passado. Eles todos (militares) se auto-anistiaram. Quem era capitão virou coronel ou general e continua aí infiltrado no poder. Vocês se lembram do depoimento que aquela deputada Beth Mendes fez daquele coronel, hoje general, Brilhante Ustra, que estava implantado na embaixada uruguaia como adido. E ela o reconheceu como um de seus torturadores, chefe de tortura. Há coisas assim flagrantes, chocantes... Se as Forças Armadas entenderem, pagarão muito menos se isolarem esse grupo de torturadores do que dando cobertura a eles. Porque isso não é uma questão de solidariedade de armas ou de classe, é uma questão de justiça, de fidelidade e honradez. Por que é que um militar hoje que não cometeu nenhum delito, que é apenas um vocacionado para as Forças Armadas, estará dando cobertura para assassinos, torturadores e estupradores? Isolando esses criminosos, eles estariam resgatando a imagem das Forças Armadas.

Portal - Mas o senhor é a favor do julgamento, no Brasil, dos criminosos da ditadura?

Silveira - Eles são considerados criminosos de crimes comuns. Não me consta que qualquer estupro, tortura, furto, e tudo isso que aconteceu por parte deles, seja crime político. Isso é crime comum. E onde já se viu você se dar uma lei pela qual você se perdoe de todos os crimes passados, presentes e futuros. A situação é essa, eu vejo assim. Creio que a tese que está percorrendo os gabinetes da ONU é muito correta. Não se deve anistiar torturadores e golpistas porque senão as democracias do mundo desaparecem. Todos aqueles que acham que têm um poderzinho ficam dispostos a golpear.

Portal - O ministro da Justiça, Tarso Genro, levantou essa questão. Mas o presidente Lula resolveu mandar parar o assunto...

Silveira -
Posso dar um palpite. Todo governador, prefeito e presidente da República não gosta de crise, quer governar tranqüilo. Então, tenta botar panos quentes para naturalmente governar mais tranqüilo, porque o governo vai bem economicamente, até socialmente, o prestígio pessoal do presidente é muito grande...Para ele é bom que o país esteja em calma. Mas, eu creio que os ministros que têm essa tese, que é a da ONU, manifestam uma posição moralmente muito segura, muito firme.

Portal - E se o Judiciário for provocado a respeito dessa questão?

Silveira - Olha, essa é uma questão mais de natureza política do que jurídica. São leis políticas, de anistia política, de crime exclusivamente político. E não se diga que haja conexão. Não há conexão nenhuma (entre vítimas e agentes da ditadura) como pretendem da lei (da Anistia). A conexão é quando se trata do mesmo indivíduo. Digamos: dois ou três indivíduos acertam para cometer um assalto, um roubo, um estupro. Esses são crimes conexos, que é um acerto para uma finalidade. Uma finalidade entre os mesmos criminosos. Agora, não se trata de criminoso e vítima. Você não conecta um crime da vítima com o crime do criminoso. Não tem nada a ver uma coisa com a outra. É preciso punir como o Chile fez, como a Argentina também o fez.


Portal - Ou seja, na sua opinião, a anistia não abrange crimes comuns?

Silveira - Para crime comum, não. Como você vai anistiar um sujeito que foi lá, invadiu sua casa, tomou seu dinheiro, roubou o que quis da casa, sem responsabilidade nenhuma. Levou uma pessoa, estuprou-a, arrebentou-a, até matou-a. É um homicídio como outro qualquer, um estupro como outro qualquer, um furto ou roubo como outro qualquer. Isso é crime comum, não é crime político.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1073&portal=

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Câmara lembra, nesta sexta, 29 anos da Lei da Anistia

Diógenes Botelho
DEU NO PORTAL DO PPS

A Câmara dos Deputados promove nesta sexta-feira, às 15 horas, sessão solene em homenagem ao 29º aniversário da Lei da Anistia. O ex-deputado Modesto da Silveira, que encaminhou a aprovação da lei no Congresso Nacional, é presença confirmada no evento. Apontado como o advogado que mais defendeu os presos políticos durante a ditatura, chegando a ser sequestrado pelos agentes represssores do regime militar, ele antecipou ao Portal do PPS um pouco do que pretende abordar na sessão da Câmara.

Aos 81 anos, segue firme em sua luta pelos direitos humanos e pela radicalidade democrática. Não tem receio de entrar em assuntos polêmicos, como a revisão da Lei da Anistia. Para ele, a melhor tese hoje é a que se discute na ONU de que a anistia é para aqueles que são vítimas de tirania e ditaduras em geral. "Esses podem ser anistiados. Agora, os fabricantes de ditaduras e tiranias não devem receber anistia nenhuma. Porque senão você estará estimulando novos golpes para o futuro, sobretudo para países como o Brasil e o Chile, onde eles (os militares) se autoanistiaram previamente pelos crimes que já tinham cometido e que ainda iriam cometer no futuro. Isso é uma coisa inédita e inaceitável pela humanidade. Imagina você, a lei era de 79 e a ditadura foi até 85. E os que vinham praticando crimes, torturando, estuprando, furtando e se corrompendo continuaram fazendo as mesmas coisas".

De acordo com Modesto da Silveira, a anistia aprovada no Brasil foi uma "teratologia jurídica". Ele lembra que o que foi aprovado no dia 28 de agosto de 1979, não era o que os integrantes da resistência ao regime militar, como ele, desejavam, que era a anistia ampla, geral e irrestrita para os perseguidos políticos e não para os perseguidores. "Mas como a ditadura ainda durou muitos anos (até 1985), eles (os militares e seus sustentadores políticos) àquela altura tinham condição de impor o tipo de anistia em que concordariam. Até porque o Congresso Nacional era composto de muitos biônicos", relembra.

Porém, naquele momento histórico, ressalta, "ou aceitávamos aquela ali, negociando, ou não teríamos anistia nenhuma". Para Modesto da Silveira, já foi um grande passo, permitindo tirar muita gente da cadeia e receber de volta os milhares de exilados que estavam por toda a parte do mundo.

Confira no final de semana entrevista completa com Modesto da Silveira.

Clique no link abaixo e veja um vídeo sobre a Anistia
http://www.agenciabrasil.gov.br/media/videos/2006/08/28/Anistia_Editado.flv/view










Sem novidades na AL


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DENVER, Colorado. Os planos do democrata Barack Obama para a América Latina, divulgados durante a convenção aqui em Denver em entrevistas de assessores e através de documentos, não parecem conter grandes novidades nem anunciar mudanças substantivas, na opinião de dois especialistas, a professora da Universidade do Novo México Kathryn Hochstetler, cientista política especializada em América Latina, e o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa. Ambos consideram que, até o momento, nenhum dos candidatos surgiu com propostas concretas para a América Latina e não acreditam que elas surgirão. "Suas políticas parecem ser derivadas de posições genéricas, tanto domésticas quanto internacionais", comenta Kathryn Hochstetler.

Na questão do etanol, por exemplo, a relutância de Obama em cortar os subsídios aos produtores locais e a taxação ao produto brasileiro tem duas origens, segundo a professora: ele é senador por um estado agrícola, Illinois, e terá que tomar medidas protecionistas se pretende receber os votos dos trabalhadores que apoiaram Hillary Clinton em alguns estados nas primárias.

A idéia de uma nova Aliança para o Progresso tem a ver com a tentativa de Obama se comparar com John Kennedy e também bate com sua orientação geral sobre política externa, que é de volta ao multilateralismo e busca de pontos de interesses comuns com os aliados.

No entanto, a professora Hochstetler acha que ele terá muitas dificuldades para colocar em prática as idéias, porque herdará um país fraco economicamente, com altos déficits orçamentários e despesas obrigatórias como as guerras do Iraque e do Afeganistão.

"O público americano também se fechou em um isolacionismo e não é muito entusiasmado com a idéia de resolver o problema de outros países quando há tantos problemas internos", comenta.

A única chance de mudar esse panorama pessimista seria aproveitar planos existentes no Congresso de revisão dos programas de ajuda externa dos Estados Unidos e conseguir realocar recursos, "mas não creio que isso gerará dinheiro suficiente para grandes mudanças", lamenta a cientista política.

Também Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp não crê que vá haver mudanças fundamentais nas relações do futuro governo norte-americano com a América Latina. "A região simplesmente não está na tela dos radares dos formuladores de decisões em Washington", diz.

As razões seriam várias: a América Latina não é ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, não tem armas nucleares nem terrorismo e não é uma área com grandes atrativos econômico-comerciais para as empresas americanas, que olham para outras regiões.

Além disso, ressalta Barbosa, a política externa dos EUA, nos primeiros anos do próximo governo estará às voltas com outras grandes prioridades: guerra do Iraque e Afeganistão, conflito no Oriente Médio entre Palestina e Israel, a nova Rússia, a crescente presença da China, a crise financeira internacional.

Para Rubens Barbosa, tirando os artigos de Barack Obama e de John McCain na "Foreign Affairs", sem nada de novo de cada um dos candidatos sobre a América Latina, tudo o que se lê sobre o pensamento dos dois sobre a região é atribuído a assessores. Ele se refere à entrevista dada pelo assessor para América Latina Daniel Restrepo, que menciona que haverá uma nova atitude em relação à região, destacando os seguintes pontos:

- Política ativa em relação à Venezuela e a Cuba. Estabelecer um diálogo com as lideranças dos dois países;

- O que é bom para os povos das Américas é bom para os EUA, que tem de ser um sócio e não um salvador;

- Ocupar o espaço vazio que Bush deixou na região e que permitiu o avanço da Venezuela;

oferecer uma outra visão e outra relação com todos os países do continente.

- Deixar de influir nas eleições: aceitar quem ganhar, mas buscar aperfeiçoar as democracias;

- Venezuela: falar diretamente com Chávez, no momento e no lugar escolhido por Obama;

-- Cuba: levantar gradualmente as sanções e reunir com as lideranças do país. Normalização das relações;

- Colômbia: Acordo de Livre Comércio;

- Criação de um fórum mundial de energia com o Brasil, México, os países do G-8, entres outras nações.

Rubens Barbosa considera "tudo muito genérico". "Eles não têm um pensamento claro. Alguma novidade sempre haverá, pois vai ser difícil superar o Bush em termos de platitudes em relação à região". Ele concorda que o Congresso, que continuará a ser controlado pelos democratas, seguirá protecionista em matéria de comércio exterior e dificilmente aprovará qualquer medida de abertura comercial proposta pelo futuro presidente.

"O cenário internacional não abre espaço para uma agenda de reforma das instituições multilaterais, em especial nas Nações Unidas", porque o interesse nacional dos EUA não mudará "nem drástica, nem rapidamente, e é isso que vai determinar a posição dos EUA", lamenta.

De nosso lado, Barbosa considera que "parece piada, se não fosse trágica," a decisão dos governos de instruir seus embaixadores em Washington, inclusive a Venezuela, a entregar uma carta a Obama para falar de Mercosul.

Para ele, o que de mais importante vai ocorrer na política externa dos EUA para a região, se Obama vencer, será a gradual normalização das relações com Cuba.

Na opinião do ex-embaixador em Washington Rubens Barbosa, o continuado alheamento dos EUA na região é bom para o Brasil, que tem mais liberdade de ação. E para a China, que já é o segundo parceiro comercial de muitos países sul-americanos, inclusive o Brasil.

Breve notícia de um tabu


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O Orçamento é a principal política pública. Perdoe o leitor por começar com uma tremenda obviedade. Mas é uma obviedade necessária, na medida em que, no Brasil, o Orçamento sempre foi tratado como peça de ficção, por vários motivos.


O principal deles, nos anos de superinflação: como acreditar em uma peça em que se previa, no fim de um dado ano, gastar no ano seguinte x milhões de uma dada moeda se todo mundo sabia que os milhões estariam reduzidos a mil ou a uma mera centena no ano em que o gasto efetivamente ocorreria?

Graças à estabilização da economia, nos últimos anos a mídia passou a tratar o Orçamento com a seriedade que ele merece. Mas a seriedade ainda não consegue desafiar o tabu dos juros.

Vamos aos fatos: o pagamento dos juros é a rubrica que mais recursos públicos consome. Só nos sete primeiros meses deste ano, o governo gastou com juros R$ 106,8 bilhões, ou 6,54% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da economia de um país).

Para o ano que vem inteiro, inteirinho, o Orçamento prevê para as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento, a menina dos olhos do presidente Lula), apenas R$ 21,2 bilhões, a quinta parte, portanto, do que vai para juros.

Mesmo que se some aos investimentos a parte correspondente às estatais (R$ 50,1 bilhões), tem-se, portanto, R$ 71,3 bilhões de investimentos em todo o ano de 2009 e R$ 106,8 bilhões de juros em sete meses de 2008.

Não, não estou propondo o calote no pagamento da dívida. Só estou expondo uma outra obviedade: há algo de errado em um país que gasta tanto com juros e tão pouco com investimentos produtivos ou com o funcionalismo (4,93% do PIB em 2009 contra os 6,54% dos juros, só entre janeiro e julho).

Por que esse assunto é tabu que nem se ousa ao menos discutir?

Trocando em miúdos


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo entregou nesta semana, conforme prometera, sua proposta de reforma política ao Congresso. Segundo o presidente Luiz Inácio da Silva, não se trata de uma imposição, mas de uma contribuição para o aperfeiçoamento das instituições com vistas a torná-las “mais transparentes, eficazes e representativas”.

Tomemos a palavra do presidente pelo valor de face e examinemos o poder de influência da reforma sugerida sobre a melhoria da transparência, da eficácia e da representatividade das instituições brasileiras e suas chances de transitar da teoria à prática.

O cardápio é enxuto: listas fechadas de candidatos a deputado e vereador; financiamento público de campanha; piso de votação nacional para a legenda conseguir acesso aos legislativos; restrição aos candidatos “fichas-sujas”; fim das coligações em eleições proporcionais; e extinção - como princípio - da proibição da troca de partido sem uma boa e justificada razão.

Nem uma palavra sobre voto obrigatório, alteração do sistema eleitoral de proporcional para distrital ou qualquer mecanismo que abale a atual estrutura e modifique de fato a relação entre representantes e representados, o ponto central de qualquer reforma política digna desse nome.

Os seis itens dividem-se entre superficiais e inexeqüíveis, sendo a maioria dotada de ambos os atributos.

Lista fechada com voto proporcional não muda coisa alguma; mantém o poder concentrado nas mãos das cúpulas e não estabelece uma ligação direta entre eleito e eleitor. Ademais, não faz muito tempo o tema foi rechaçado no Congresso.

Financiamento público de campanha não passa pelo crivo da sociedade - que não aceitará dar dinheiro à corporação tida como a mais desacreditada do País - além de ser visto com desconfiança pelos partidos de oposição, pois fortalece quem tem o poder de manejo do Orçamento.

A exigência de votação mínima de 1% no território nacional para dar ao partido direito à representação legislativa já foi derrubada uma vez na Justiça e volta agora na forma de emenda constitucional.

De difícil aprovação. Precisa dos votos de três quintos dos parlamentares e, de saída, contará no mínimo com o repúdio das 15 legendas que, segundo cálculo do Ministério da Justiça, seriam varridas pela regra.

No tocante à melhoria institucional, o cotidiano tem demonstrado que o defeito não está na quantidade de partidos.

A proposta de vetar candidatos condenados em qualquer instância judicial colegiada aproveita a onda em torno dos “fichas-sujas” e nada mais. Se passar no Congresso, cai no Supremo que se baseou no preceito constitucional da presunção de inocência para liberar os processados sem condenação definitiva.

Passemos ao largo da proibição das coligações proporcionais - por insignificante ante à enormidade do problema - e vamos ao que interessa: a derrubada do rigor imposto pela Justiça à mudança de partidos.

O governo sugere a abertura de uma “janela” de sete meses a cada quatro anos para que o parlamentar ou governante mude de partido sem perder o mandato.

Aqui, sim, há chance real de aprovação, inclusive porque parece ser, por ora, o único objetivo dessa reforma que não aperfeiçoa nada. Antes ressuscita o troca-troca, piorando o que a Justiça acabou de aprimorar.

Abraço do afogado

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, é um homem de vastíssima cultura e reconhecido saber jurídico.

Mas, no que tange à política, revela-se desprovido de malícia ao avalizar a proposta de aumento de salários para os ministros do STF.

Ladina, a sugestão parte de um Poder desmoralizado ao qual certamente não desconforta a companhia do Supremo junto às tropas do mau combate.

Na conta do custo-benefício entre quem destrói e quem constrói o próprio conceito, perdeu o Judiciário no quesito nome a zelar, quando Gilmar Mendes aliou-se ao Congresso concomitantemente à aprovação no Senado de 1.138 novos cargos comissionados para os tribunais de Justiça.

Acontece

O PMDB de vez em quando tem uma idéia, mas nesta semana está impossível: teve duas.

Propôs “homenagem” ao Supremo na forma de aumento de R$ 1.225 no salário e resolveu patrocinar a integração de Renan Calheiros na posse do posto de figura de destaque público no partido. Teria, para isso, obtido o apoio do presidente Lula.

Vale lembrar o seguinte: no discurso, Lula passa a mão na cabeça de seus denunciados, mas não tem o poder de recuperar reputações.

Políticos envolvidos em escândalos podem até ser absolvidos por obra de minudências jurídicas ou pelas graças de ações corporativas, mas não sobrevivem às evidências.

Além do renome, perdem as cordas vocais. Muitos até recuperam os mandatos, mas continuam privados da antiga imponência.

Entre a Argentina e a Venezuela


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A primeira imagem da sucessão de 2010 será produzida na próxima terça-feira, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará na plataforma P-34, no Campo de Jubarte, na altura do Espírito Santo, para a primeira extração da camada do pré-sal.

O debate mal começou e já traz latente o risco de que se promova uma nova "argentinização" da sucessão presidencial, a exemplo daquela que marcou a campanha de 2002. Desta vez, são as vítimas que ensaiam o papel de algozes.

Na convenção tucana que sagrou o atual governador de São Paulo, José Serra (PSDB), candidato à Presidência da República, em junho de 2002, tocou o seguinte jingle: "Quero Serra, porque o Brasil quer mais. Avançar, melhorar, corrigir. O que eu conquistei, não vou jogar para cima. Com todo o respeito, não vou ser outra Argentina".

Oito anos depois, há muitos candidatos ao papel de Argentina, a começar pela Venezuela, país que nada em petróleo enquanto sua população se afoga na pobreza. É pouco provável que Lula, tantas vezes acusado de chavismo, o faça abertamente, mas não há dúvidas de que o presidente usará seu prestígio popular para convencer o eleitorado de que aquele a quem ungir candidato terá mais legitimidade para usar os recursos do pré-sal em seu benefício. Apenas no mês de agosto, o tema foi tratado em cinco discursos oficiais:

"Na hora em que a gente for buscá-lo (o petróleo), precisaremos nos lembrar do seguinte: este país tem uma dívida histórica com a educação do seu povo. Este país tem uma dívida histórica com os pobres, que não são poucos" (Inauguração da expansão da Alunorte, 14/08).

"Acho que Jesus Cristo, passando pelo Brasil, deve ter parado em uma plataforma ali perto da Bacia de Campos, e falado: "Eu vou ajudar esses meninos um pouquinho. Vou jogar um pré-sal, um petróleo mais fundo, para eles terem mais trabalho, mas eles vão buscar". A ajuda foi tão boa que nós encontramos." (Inauguração da usina de biodiesel da Petrobras em Quixadá, 20/08)

"Isso (o pré-sal) coloca o Brasil numa situação ainda mais privilegiada e com possibilidades enormes de ter um novo ciclo de crescimento, que possa durar 10, 15 ou mais anos, para a gente recuperar a quantidade de décadas que o Brasil ficou estagnado, não conseguiu crescer e só gerou desempregos". (Inauguração do terminal de regaiseficação de gás natural liquefeito, São Gonçalo do Amarante, 20/08)

"Esse petróleo é de 190 milhões de brasileiros, e nós vamos fazer valer a idéia de que ele é nosso. Daí porque eu disse que nós temos que utilizar esse petróleo para resolver um problema crônico de investimento na educação do nosso povo, para tirá-lo do atraso de 50 anos a que foi submetido. Ao mesmo tempo, utilizar uma parte desse dinheiro para resolver o problema dos miseráveis deste país, das pessoas que ainda não conquistaram sua cidadania. Já começou a melhorar". (20º aniversário da Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos, Brasília, 21/08)

O risco da mistificação no debate do pré-sal

"O pré-sal é um passaporte para o futuro e sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações e o combate à pobreza". (Reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, Brasília, 28/08)

A proposta para o pré-sal que está sendo gestada por comissão interministerial ficará para depois das eleições municipais. É também a partir das urnas apuradas que os partidos começam a medir forças para a sucessão presidencial. É inevitável, portanto, que a discussão do pré-sal, desde a forma de exploração até a destinação da receita, coincida com a campanha presidencial.

A candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, cai como uma luva para esta plataforma de campanha. É egressa do setor energético, já ocupou a pasta das Minas e Energia, e capitaneou no governo a bem sucedida concessão das rodovias federais, sempre citada pelo presidente como exemplo de contrato privado em benefício do interesse público. Não por acaso, comanda a tal comissão interministerial.

O governador Marcelo Deda (PT), do Sergipe, um dos Estados banhados por royalties do petróleo, acha inevitável a coincidência. "São riscos inevitáveis da democracia. Teremos que decidir entre arquivar um debate estratégico ou arquivar as eleições?".

Lembra o lançamento do Real, quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso assinou a cédula da nova moeda em pleno ano eleitoral. "Isso nos levou equivocadamente a enfrentar o Real", diz. "Feliz o país que pode escolher seus governantes sob uma perspectiva de riqueza e não de escassez".

O debate em torno da apropriação da receita dos novos campos de petróleo não pode ofuscar a discussão sobre como conseguir os recursos para tirar o óleo de 7 mil metros abaixo do fundo do mar. Mas não dá para colocá-las em redomas de vidro como se a política e a economia regessem interesses independentes.

A perspectiva de uma sucessão dominada pelas opções de desenvolvimento de um país que enriquecerá é mais alvissareira do que a a toada do mensalão que embalou a de 2006. Se é pedir demais que vítimas e algozes da mistificação do debate político desta vez se entendam em torno de uma campanha mais madura, resta apostar que o eleitor, nessas maratonas bienais a que é submetido, tem aprendido a identificar o interesse público nas artimanhas da disputa pelo poder.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

A reforma política da Dilma


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A suspeição é inevitável: quando o governo preguiçoso deixa para os dois últimos anos e quebrados do segundo mandato – com a candidatura da ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff assumida em declarações explícitas do presidente Lula – para encaminhar ao Congresso o primeiro pacote de proposta de reforma política é de uma evidência cristalina que está ajeitando as coisas para facilitar a eleição da sucessora favorita.

O projeto reformista que o governo chocou durante quase seis anos de profundas meditações e entre dúvidas de tirar o sono é radical e novidadeiro. E, ao mesmo tempo, uma tentativa de buscar o consenso em torno de obviedades.

Levada ao presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) pelos ministros Tarso Genro, da Justiça, e José Múcio Monteiro, das Relações Institucionais, sofreu o primeiro contratempo com a advertência do escaldado político paulista de que a aprovação das propostas neste final de ano, com a campanha eleitoral para a eleição de prefeitos e vereadores esvaziando o Congresso, é praticamente impossível. E, se o governo quer mesmo corrigir alguns dos muitos defeitos de uma legislação deformada por remendos do oportunismo terá que se dedicar em tempo integral à articulação da sua dispersa maioria e consertar as muitas rupturas deixadas pela luta eleitoral.

Para o presidente da Casa, as prioridades consensuais que dificultam a tramitação da reforma proposta pelo governo são a reforma tributária, a mudança radical na tramitação das medidas provisórias que trancam pauta para a votação nos três dias úteis da semana parlamentar e o fundo soberano.

Mas, reconheça-se que o governo chegou pisando macio. Na verdade, não está propondo um pacote fechado de reforma política, mas um embrulho com os presentes em saquinhos. E como não há segredo a preservar, os emissários deram o serviço completo. A proposta inclui, em projetos separados, um para cada tema, o voto em lista fechada que seduz as lideranças e parlamentares de prestígio, com vaga cativa na cabeça da relação de candidatos, garantia da reeleição para mais quatro anos de fruição de um dos melhores empregos do mundo.

Só esta proposta tem potencial explosivo para rachar a maioria parlamentar. A lista fechada é uma burla legalizada do voto. E que só é admissível em países com sólida tradição partidária, nos quais o eleitor não se sente constrangido nem enganado quando vota na legenda e não no candidato. Os quocientes eleitorais que a legenda atingir elegerão os candidatos de acordo com a relação decrescente da lista partidária.

A ampla maioria do baixo clero, que só deve crescer, não cairá na ratoeira armada pela elite que mingua a cada eleição.

No mais, não há novidade. É o menu de sempre: financiamento público de campanha para evitar novo escândalo do caixa dois, com o distinto público pagando a despesa; a quimera da fidelidade partidária quando se conta pelos dedos de uma das mãos os partidos que podem ser levados a sério, mais o molho da fidelidade partidária e a oportuna proposta da inelegibilidade de candidatos com a ficha suja que tenham sido condenados em decisão colegiada e não em última instância.

O governo da gastança atirou o cascalho de projetos de reforma política de morro abaixo para recolher, entre os que passarem no teste da viabilidade, os que se encaixem no painel da ministra-candidata.


Ou de quem a substitua se ela não tiver fôlego para completar a maratona.

Freire: Reforma Política do governo repete as da Câmara e muda decisões do STF


Valéria de Oliveira
DEU NO PORTAL DO PPS

"O governo não inovou; está fazendo jogo de cena", diz Freire. "Vamos ver se, desta vez, ele mobiliza sua base para aprovar a reforma", provoca o presidente do PPS, lembrando que na última apreciação da matéria foi a própria base de Lula que derrubou propostas que agora voltam a ser apresentadas pelo Planalto.
"Acho que, como sugestão, o Congresso deve agradecer, porque parte dessa matéria já tramita na Câmara, com propostas semelhantes ou idênticas às enviadas pelo presidente e a outra parte é fruto de decisão do Supremo Tribunal Federal", disse o presidente nacional do PPS, Roberto Freire, sobre o anteprojeto de reforma política entregue pelo Palácio do Planalto à Câmara. Ele referia-se ao substitutivo do deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO), que já começou a ser votado pelo plenário da Câmara, e às deliberações do STF a respeito de fidelidade partidária, da chamada ficha suja e da cláusula de barreira.

O sistema de listas fechadas para eleições proporcionais, defendido na proposição de Caiado, foi derrotado justamente pela base do governo, em deliberação no plenário da Câmara. Entretanto, é um dos pontos sustentados no anteprojeto do Planalto. O financiamento público exclusivo de campanha não foi a voto, mas as discussões sobre o assunto já começaram na tribuna. O governo, no entanto, fez constar a matéria do texto de sua autoria. "O governo não inovou; está fazendo jogo de cena", diz Freire. "Vamos ver se, desta vez, ele mobiliza sua base para aprovar a reforma".

Chinaglia

Na reunião de líderes desta quarta-feira, o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia, anunciou que a proposta do Planalto chegaria e que seria enviada para os líderes para o início das negociações. Justificou que o texto de Caiado não permitia acordo. Ou seja, deixou claro que engavetaria o trabalho da Casa em favor da proposição do Poder Executivo. Na avaliação de Roberto Freire, o governo está usando a reforma "mais uma vez" com o objetivo de fazer marketing político e "lançar mão do diversionismo, para fugir de assuntos que não lhe interessa discutir, como corrupção".

O governo desconsiderou ainda o projeto de lei complementar do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que abre prazo de 30 dias antes do prazo limite para filiação com vistas a disputar eleições para que os candidatos trocassem de partido. Mandou uma sugestão idêntica, embora o PLP do parlamentar já tenha sido aprovado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e esteja pronto para apreciação do plenário.

Decisões do STF

O Planalto ignorou, também, que a suprema corte já tomou decisão a respeito da cláusula de barreira e a participação nas eleições de candidatos com "ficha suja". Incluiu no anteprojeto os dois assuntos. Mas o STF já declarou inconstitucional a cláusula de desempenho (que exige dos partidos o mínimo de 1% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados). Considerou-a antidemocrática e contrária ao pluralismo político. Assim, mesmo que seja aprovada em forma de emenda constitucional, corre o risco de, mais uma vez, cair por inconstitucionalidade, pois fere cláusula pétrea da Constituição.

A inelegibilidade dos candidatos que respondem a processo por crimes praticados contra a administração pública pode ter melhor sorte porque, embora o STF tenha decidido que a punição só pode ser aplicada com sentença transitada em julgado, existe a possibilidade de o Congresso corrigir uma brecha deixada pela lei. O governo sugere que o candidato se torne inelegível se a segunda instância confirmar decisão contra ele.

Governo banca duas propostas polêmicas

Editorial
DEU NO VALOR ECONÔMICO

O governo encaminhou ao Legislativo uma proposta de reforma política que nas questões da fidelidade partidária e da cláusula de barreira fica no meio do caminho das decisões tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a lei atual, mas está longe de ser uma solução de conciliação entre as liberalidades pretendidas por parcela dos partidos representados no Congresso e os rigores instituídos por decisões das cortes superiores de Justiça. Ao propor as eleições proporcionais por listas partidárias e o financiamento público de campanha exclusivo, o governo Lula se mete em questões polêmicas que, segundo o exemplo das tentativas anteriores de mudar estruturalmente as regras eleitorais, inviabilizam o entendimento entre os partidos, dada a divergência de interesses que essas questões encerram.

A mais polêmica proposta do governo talvez seja a que institui a lista fechada para as votações proporcionais. Por essa proposta, nas eleições para deputados estaduais e federais e vereadores, os partidos apresentam ao eleitor uma lista de candidatos cuja ordem é definida em convenção.

A proporção de votos que a lista tiver corresponderá ao número de parlamentares a que o partido tem direito - e serão eleitos os primeiros da lista, até que se complete o número de parlamentares correspondente aos votos obtidos. Por exemplo, se o PMDB tiver 20% dos votos a deputado federal num Estado com direito a 10 parlamentares, serão considerados deputados os dois primeiros nomes de sua lista escolhida pela convenção. Os deputados estaduais, os deputados federais e os vereadores não mais disputarão individualmente o voto e será o partido, em última instância, a definir quem será eleito.

Teoricamente, essa proposta acaba com o personalismo e valoriza não apenas o voto partidário, mas reafirma o conceito consagrado pelo STF de que o voto pertence ao partido, não ao candidato. Na prática, porém, tende a favorecer a burocracia partidária, que terá um enorme poder de excluir dissidências. Será praticamente impossível a um parlamentar que mantenha divergências internas com a cúpula partidária conseguir um lugar na lista que lhe permita voltar ao mandato, na medida em que sua votação individual deixa de contar a seu favor, mas passa a somar um "coletivo" de votos que vai favorecer os ungidos pelas direções partidárias guindados aos primeiros lugares da lista. No caso do PT, a vigência das listas fechadas tende a favorecer uma estrutura onde a burocracia partidária já tem enorme peso e a reduzir mais ainda a democracia interna.

O financiamento público exclusivo é outra questão polêmica. É, de fato, uma crítica fácil a de que os políticos não fazem jus ao dinheiro público, e que portanto eles que se virem com o financiamento privado. Mas apenas isso. Bater nessa tecla significa andar em círculos: como teoricamente o político não merece o financiamento público, ele deve procurar o financiador privado; e ele é intrinsecamente corrupto, segundo esse entendimento, porque se financia privadamente. A discussão aqui deve ser outra. As regras devem ser claras e o eleitor tem que fiscalizar o cumprimento delas - a referência da corrupção ou não deve ser a lei, e não prevalecer o senso comum de que todo financiamento público ou privado favorece a corrupção. Nesse debate, deve se levar em conta as experiências passadas. Durante a ditadura, e até o impeachment do presidente Fernando Collor, o financiamento era teoricamente público - mas financiava-se privadamente o caixa dois, com toda a corrupção que isso representou. O financiamento privado foi instituído como uma forma de "legalizar" as contribuições de pessoas físicas e jurídicas a campanhas, no pressuposto de que, se elas eram inevitáveis, melhor que fossem feitas à luz do dia.

O mensalão não foi o único caso, mas uma evidência escandalosa de que o caixa dois continuou convivendo com a mudança de legislação. E de que, seja público ou privado, o financiamento de campanha deve ser, sobretudo, objeto de fiscalização permanente. O poder econômico, isso é reconhecido pela lei e pela jurisprudência, desequilibra o jogo eleitoral e neutraliza qualquer medida que pretenda zelar pelo equilíbrio da disputa.

A reforma política de Lula

Editorial
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Como quem diz que está fazendo a sua parte, o governo acaba de levar ao Congresso uma proposta de reforma política que se desdobrará em cinco projetos de lei e uma emenda constitucional, a serem encaminhados depois das eleições municipais. As questões abrangidas são as de sempre - sistema eleitoral, financiamento de campanhas, fidelidade partidária, cláusula de barreira -, com uma novidade: a questão dos chamados “fichas-sujas”. Numa iniciativa que terá a aprovação da sociedade, o Planalto quer tornar inelegíveis os candidatos que tenham sido condenados em decisão colegiada (não de um juiz apenas), seja qual for a instância judicial. No começo do mês, como se recorda, o Supremo Tribunal Federal (STF), considerando que a lei das inelegibilidades é omissa a respeito, decidiu que os políticos que sofrem processos só perdem o direito de se candidatar se tiverem sido condenados em sentença inapelável. O governo pretende vedar a brecha na legislação.

Não está nada claro, porém, o destino do projeto - aliás, a dúvida se estende a quase todos os demais itens da proposta do Planalto. A relutância do Congresso em mudar as regras do jogo pelas quais os seus membros se elegeram parece invencível, para desalento dos reformistas dos principais partidos. É de recear que não seja diferente desta vez, menos, como não poderia deixar de ser, em relação ao ponto que fala diretamente ao interesse dos próprios políticos, por abrandar a lei da fidelidade partidária. No começo do ano, a Justiça Eleitoral e o STF, ao entender que os mandatos legislativos pertencem aos partidos e não aos eleitos, puseram fim à farra do entra-e-sai pelas legendas, punindo os transgressores com a perda do mandato. Agora o Planalto propõe a infidelidade com data marcada: apenas nos anos eleitorais, até a sete meses da votação. A norma impediria a habitual dança das cadeiras entre o pleito e a posse dos novos governos, que assim engordam as suas bancadas.

A reforma apresentada ao Congresso revive a cláusula de barreira ou de desempenho. Emenda constitucional prevê que deixarão de ter existência parlamentar os partidos que não obtiverem, na eleição para a Câmara dos Deputados, 1% dos votos válidos em pelo menos 1/3 dos Estados, com um mínimo de 0,5% em cada um. Calcula-se que, nessa hipótese, mais da metade dos atuais 27 partidos brasileiros sairia de cena. Seriam preservadas, de toda forma, as pequenas agremiações históricas, como o PC do B. “A idéia é extinguir os partidos-mercadoria, que só existem para negociar tempo de TV”, diz o ministro da Justiça, Tarso Genro. Ocorre que uma limitação mais severa - patamar de 5% dos votos - foi aprovada em 1995 para entrar em vigor em 2006, mas o Supremo a julgou inconstitucional por ferir o direito das minorias. A lei condenada não distinguia entre partidos históricos e de aluguel.

A rigor, a cláusula de desempenho se tornaria supérflua se viesse a ser aprovada a proposta - que não é nova - de proibir as coligações nas eleições proporcionais, em que as siglas de aluguel mercadejam os seus minutos no horário gratuito em troca de vagas na chapa comum. Sem isso, os pseudopartidos dificilmente elegeriam algum representante - e a fragmentação política teria os dias contados. Também para combater as “alianças interesseiras”, segundo Genro, o Planalto quer que nas eleições majoritárias o tempo de rádio e TV de cada coligação seja aquele a que tem direito o maior partido da chapa, e não mais a soma dos tempos das siglas coligadas. Estranhamente, porque no ano passado a Câmara derrubou projeto semelhante, o governo sugere a adoção do voto em listas partidárias fechadas, no lugar do voto em candidatos individuais, para deputado e vereador. Até os articuladores políticos governistas duvidam que a mudança seja aprovada.

Para o presidente Lula, de todo modo, o mais importante é a implantação do financiamento público exclusivo das campanhas. Ele vetou o plano inicial de também oferecer ao Congresso a alternativa de um sistema misto, público e privado, como existe nos Estados Unidos. Pesquisas atestam que a idéia de gastar dinheiro do contribuinte para eleger políticos - que é como a opinião pública define a questão - é rejeitada pela grande maioria dos brasileiros.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1072&portal=

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Razão x emoção


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DENVER, Colorado. Ter colocado em segundo plano o combate ao terrorismo e priorizado a retirada das tropas do Iraque, conforme um esboço de programa de governo divulgado aqui em Denver, pode trazer mais problemas do que soluções para o candidato democrata Barack Obama, que continua sob intensa desconfiança do eleitorado. Embora, também, ter colocado questões econômicas no topo de suas preocupações possa render bons frutos. Nesses momentos decisivos, a escolha das prioridades é fundamental. Ao contrário do que esperava, por exemplo, ter convidado um senador especialista em política externa para seu companheiro de chapa provocou uma queda na primeira pesquisa de opinião após o anúncio, realizada pelo Gallup.

Não agradou nem a gregos nem a troianos. Foi entendido por uns como admissão de que não tem experiência suficiente para os grandes temas internacionais, e por outros como uma submissão à política de Washington, pois o senador Joe Biden preside a poderosa comissão de relações exteriores do Senado, onde tem assento há nada menos que 36 anos.

O adversário republicano, John McCain, aproveitou a convenção democrata não apenas para divulgar anúncios com declarações da senadora Hillary Clinton contra Obama, mas também para continuar desconstruindo a imagem dele como líder. A última safra classifica o candidato democrata como "perigosamente inexperiente" num mundo em que crescem os desafios aos Estados Unidos.

A crise na Geórgia continua sendo muito explorada por McCain, mas Obama também está tomando posições mais fortes contra a Rússia, especialmente depois que o senador Joe Biden assumiu o comando dessas questões na campanha.

Biden terá outra função importante, a de desanuviar o clima tenso entre os assessores dos Clinton e os de Obama. Biden é amigo dos Clinton e era tido no início da campanha, quando desistiu de sua candidatura, como um apoiador de Hillary, de quem poderia ser até mesmo um ministro importante. Na noite de terça-feira, o ex-presidente Bill Clinton e Hillary tiveram uma conversa reservada com Joe Biden depois da convenção.

Distorcendo um comentário de Obama sobre a natureza do risco que o Irã representa para os Estados Unidos, McCain alerta que o candidato democrata não sabe o que diz quando afirma que o país não significa uma ameaça séria, e o critica por se mostrar disposto a sentar à mesa e conversar com Mahmoud Ahmadinejad ou Chávez, da Venezuela.

A campanha do democrata teve que se explicar através de nota, onde o verdadeiro sentido da frase de Obama fica claro. Ele diz que grandes presidentes conversam com seus adversários, e cita encontros de Kennedy com Kruschev; Reagan com Gorbachev e Nixon e Mao. E sublinha que, comparados com a antiga União Soviética, nem Irã, nem Venezuela e nem a Rússia de Putin representam um grande perigo.

Uma pesquisa da CNN divulgada ontem indica que a maioria considera McCain mais preparado do que Obama para lidar com questões como terrorismo e Iraque, e também que o candidato republicano é um líder mais forte para enfrentar uma crise internacional, numa proporção de 58% para Obama e 78% para McCain.

Já na questão econômica, que dominou o segundo dia da convenção e teve seu marco no firme discurso da senadora Hillary Clinton, a vantagem é de Obama, e os pontos centrais devem ser energia e impostos, justamente os principais assuntos que estão sendo debatidos aqui pelos democratas.

Na energia, por exemplo, há uma ênfase muito grande quanto à necessidade de programas de combustíveis alternativos "made in USA", o que coloca em risco o etanol brasileiro, inclusive porque no programa dos democratas há uma citação passageira, mas sintomática, de que uma futura gestão do partido se preocupará com a possibilidade de uso da Amazônia para cultivo de fontes de energia alternativa, como biocombustíveis.

Depois que assumiu a dianteira na defesa de novas prospecções de petróleo como solução para a alta do barril, McCain reduziu pela metade a diferença, que ainda favorece a Obama na questão energética.

Mas a vantagem de Obama nesses assuntos já foi maior, especialmente com relação aos impostos. A campanha democrata faz uma carga muito pesada sobre a política de corte de impostos para os mais ricos adotada pela gestão Bush, que seria continuada em eventual governo McCain, enquanto este acusa Obama de demagogia.

No discurso de terça à noite, em que ajudou a começar a dissolver o mal-estar que há entre seus eleitores e a candidatura de Obama, a senadora Hillary Clinton deixou subentendida uma cobrança: disse que não vê a hora de assistir à cerimônia na Casa Branca de assinatura do programa que amplia a todos os cidadãos os serviços de saúde pública, base de sua campanha, um compromisso que fez Obama assumir, mas que muita gente acredita que ele não cumprirá, pelo menos na extensão sonhada por Hillary.

Nessa pesquisa da CNN, somente em questões de política externa Obama perde para McCain. Mantém uma larga vantagem sobre o adversário republicano na questão de saúde, e é visto pela maioria como o que mais se preocupa com as pessoas, o que traz mudanças e é capaz de unir o país.

E será na base desse apelo emocional, mais do que em qualquer tipo de programa de governo, que o candidato democrata tentará, com o discurso de hoje à noite no Invelco Field, um estádio com capacidade para 75 mil pessoas que já tem mais de 80 mil credenciados e outros 30 mil na lista de espera, que Barack Obama se lançará para a etapa decisiva da campanha presidencial.

Eleição x coroação


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - O Barack Obama que foi sagrado ontem candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos não é nem o senador semidesconhecido que se lançou às primárias no início do ano nem o semideus em que se transformou a partir de suas primeiras vitórias contra Hillary Clinton.

Se o presidente Lula fosse comentarista de política internacional, certamente diria que jamais neste planeta um candidato presidencial foi tão deificado como Obama. Deificado, claro, pela mídia e pelo público democrata/independente, que os republicanos não endeusam adversários.

Tão endeusado que os Clinton, marido e mulher, queixaram-se de que a mídia estava favorecendo Obama em detrimento de Hillary, queixa que não costuma ser feita por quem é a quintessência do establishment democrata.

O paradoxal é que o endeusamento cessou a partir do instante em que Obama ganhou as primárias, quando era de esperar o contrário. Começou, então, o previsível processo de demolição, a cargo dos republicanos. Nada de especial. Especial, sim, é o semear de dúvidas entre os próprios democratas, como se o "yes, we can" dos primórdios da campanha tivesse se transformado em "can we?" ou, pior ainda, em "no, we can"t".

Claro que o "sim, podemos" era tão sedutor como oco. Poder, todos podemos tudo, em tese. O problema de Obama é definir o que significa o seu "podemos".

Tantas foram as dúvidas semeadas, que o melhor resumo para o Obama que sai da convenção foi feito por Gerald Baker no "Times" de Londres: "Cancelem a coroação.

Devolvam as medalhas comemorativas. Ponham as camisetas "yes, we can" à venda no e-Bay; a histórica procissão de Barack Obama à Presidência americana foi rudemente interrompida".Obama, claro, pode ganhar, mas já não será uma coroação.

Uso do cachimbo


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Não poderia surgir em hora mais imprópria - e simbólica - a proposta do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves, de inclusão do reajuste dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal na pauta de votações da Câmara.

O primordial não é o valor ao aumento, mas a motivação do autor: “É uma homenagem à Corte. Temos que tomar essa decisão como uma forma de prestigiar o ministro Gilmar Mendes (presidente do STF), que está nessa cruzada em prol da cidadania”.

Quer dizer, o uso constante do cachimbo realmente tem o condão de entortar a boca das criaturas.

Mesmo na atual conjuntura de degradação galopante do Poder Legislativo, parece quase profana a oferta de vantagens financeiras à mais alta Corte do País, de forma a criar um espaço de interesse comum entre dois Poderes hoje de condutas tão opostas.

Isso no exato momento em que o Judiciário é apontado como usurpador de poderes por assumir a dianteira na resolução de questões deixadas de lado pelo Legislativo, predominantemente voltado para o trato de seus interesses junto ao Executivo.

O líder do PMDB na Câmara talvez não tenha se dado conta - o que só aumenta a gravidade da história -, mas não presta “homenagem” alguma ao Supremo sacando do arquivo um projeto de aumento datado de dois anos atrás e posto de lado por absoluta impossibilidade de convencer a opinião pública de que é justo majorar proventos de R$ 24.500 no Judiciário e, com isso, ainda abrir caminho para o Legislativo reivindicar isonomia.

Antes insulta seus integrantes ao acreditá-los permeáveis aos mesmos métodos adotados pelo Congresso para dirimir conflitos. Rebeldia, resistência, excesso de autonomia, tudo isso os governos resolvem distribuindo favores às suas bases parlamentares.

A proposta do deputado Henrique Eduardo - queira o bom senso seja rechaçada por seus pares e posta em seu devido lugar pelos destinatários da oferenda - traduz o sumo das razões pelas quais hoje se discute o tema do ativismo do Judiciário em contraposição à combinação de anomia e paralisia que assola o Legislativo: a compreensão, ou não, dos papéis.

O Poder Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, percebeu perfeitamente a hora de crescer institucional e socialmente. Deixou de ser um tribunal auto-referido e passou a ouvir as demandas de seu tempo e da gente de seu País.

Se isso ocorreu em prejuízo do papel do Congresso não foi por vocação à posse fraudulenta de prerrogativas. Aconteceu porque o Legislativo, não obstante reiterados alertas, não soube parar de decair. E continua sem saber, como se vê pela proposta de um toma-lá-dá-cá dirigida ao Supremo Tribunal Federal.

Círculo de vícios

A imprensa durante algum tempo vai vigiar, e é até possível que um ou outro político mais notório - ou menos insensível - demita mesmo seus parentes dos cargos ocupados sem concurso.

Mas a multidão de anônimos beneficiados pelo Q.I. (quem indica) familiar de sabe-se lá quantos agentes públicos dos três Poderes passarão incólumes à proibição do nepotismo imposta pelo Supremo Tribunal Federal. Basta a vontade dos padrinhos e a parceria do silêncio em cada um dos nichos de nepotismo espalhados no País todo.

A proteção do anonimato é apenas uma entre as inúmeras modalidades de burla que, tudo indica, levarão a decisão do STF à companhia de outras letras mortas da legislação brasileira.

Uma dessas defuntas está na Constituição e serviu de base à sentença: a obrigatoriedade de obediência aos preceitos da moralidade, impessoalidade e da legalidade na administração pública. Só respeita quem quer.

Como o interesse primeiro a ser atendido pelas nomeações é o “de cima”, a corrente atrelada a ele não é quebrada a menos que o elo inicial deflagre o processo de correção.

E não é essa a disposição até agora demonstrada no Poder Executivo - onde o estratagema é a promoção dos parentes para cargos fora do alcance da norma - nem no Legislativo, onde a solução foi transferir aos parlamentares a iniciativa de entregar a cabeça da família à guilhotina.

Ressalvadas, cumpre repetir, as exceções, a regra geral será a de deixar como está para ver como é que fica. A possibilidade de que fique tudo como está é altíssima, entre outros motivos porque não se assegura a ordem entregando a raposas a guarda dos aviários.

Olavo Setúbal

Prefeito de São Paulo nos idos dos 70, ele parecia à geração que adolescera na ditadura um arauto da opressão. Trinta anos passados e o concurso da maturidade mostraram no reencontro à outrora jovem repórter a prosaica realidade: era apenas um homem de bem tentando fazer a sua parte, inclusive na reconquista da democracia.

Quando a atividade política passou a ser um negócio, voltou aos seus negócios.