sábado, 29 de novembro de 2008

PT acusa Lula de ter escolhido Serra!

Nhenhenhém :: Jorge Bastos Moreno
DEU EM O GLOBO

Gravei, sem autorização da Justiça, naturalmente, uma reunião informal do comando do PT sobre a sucessão de Lula.

Se a transcrição abaixo não for verdadeira, que me desmintam o Berzoini, o Gilberto Carvalho, o Tarso, o Dulci, o Marco Aurélio e o Zé Eduardo. Aí eu mostro a fita inteira.

Petista 1: - Bem, definidos os nomes dos dois candidatos, temos que começar a montar nossa estratégia de ação.

Petista 2: - Mas quem definiu?

Petista 3: - O presidente, uai!

Petista 4: - É verdade, tchê! Antes, só o dr. Getulio fez isso.

Petista 5: - E nós vamos aceitar a Dilma pacificamente?

Petista 4: - E o PT, depois de tudo o que fez, pode exigir?

Petista 6: - O Lula nos tirou da lama e a Dilma é limpa.

Petista 1: - Teremos uma grande dificuldade. É mais do que coerente que o Serra continue combatendo a política econômica. Ele combate os juros desde o governo FH.

Petista 5: - E a Dilma, mesmo que não queira, vai ser obrigada a defender Meirelles.

Petista 4: - Barbaridade, tchê! Então a Dilma ficará à direita do Serra. Ou seja, o PSDB será nós e o PT serão eles?

Petista 5 : - A culpa é do Lula. Quem mandou indicar Serra?

Petista 4: - E tem no país alguém mais Lula do que Serra?

As águas vão rolar


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O desfecho da participação do senador José Sarney no veto à candidatura do petista Tião Viana para a presidência do Senado seguiu o roteiro previsto na semana passada pela cúpula do PMDB, que só via um jeito de resolver a questão: Sarney recusar ser candidato em qualquer hipótese e atuar como coordenador das adesões a Viana.

Em tese, isso aconteceu. Já no início da semana, o senador Sarney assegurou à direção do partido que não está no páreo e, ato contínuo, foi a Tião Viana emprestar o seu apoio e aconselhá-lo a levar em frente seu projeto.

Se a motivação foi ou não uma conversa franca com o presidente Luiz Inácio da Silva, não importa.

Fato é que tudo ocorreu conforme haviam antecipado os caciques que viam no encontro com Lula a única possibilidade de Sarney expor as verdadeiras razões do desagrado, falar francamente do propósito do PMDB em assumir o controle total do Congresso pondo em risco o equilíbrio da base governista e definir se pretende ou não assumir o cargo.

Na hipótese de negativa, seria convidado por Lula a coordenar a campanha de Tião Viana. O noticiário registrou que o grande fiador da mudança do cenário foi o presidente do PMDB, Michel Temer.

Pouco provável, uma vez que é parte, candidato a presidente da Câmara e, além disso, não dispõe de intimidade, estatura, confiança e poder suficientes para levar Sarney a esta ou àquela definição. De duas uma: ou o gesto de Sarney foi sincero ou não foi produto do apelo de Temer.

Os próprios senadores de vários partidos vêem com desconfiança essa paz antecipada e tão satisfatória para grupos até outro dia abertamente insatisfeitos.

O senador Heráclito Fortes, do DEM, diz do alto de décadas de política, boa parte ao lado de Ulysses Guimarães: “Alguma coisa não combina, porque estão todos muito felizes: Tião Romero (Jucá, líder do governo no Senado), Sarney, Renan (Calheiros, o foco inicial da infecção). Quando é assim, alguém está enganando alguém ou todos estão enganando a todos.”

Convidado a apostar em quem será o próximo presidente do Senado, Heráclito não hesita: “José Sarney.” Como? “Não sei, tem muita água ainda para rolar daqui até fevereiro (data da eleição).”

Já o senador pemedebista Jarbas Vasconcelos, um dissidente de oposição, acredita no que vê pela absoluta impossibilidade lógica de se eternizar a enganação que, mais cedo ou mais tarde, teria de expor seus objetivos.

“Se Sarney já disse a todo mundo que não é candidato, liberou Tião para tocar a candidatura, não há mais espaço para recuo. Compreendo que o jogo das falsas aparências seja um método em uso, mas não entendo que integrantes de um grupo possam patrocinar engodos mútuos sem o risco de perder tudo. Há um momento em que as coisas são mesmo como parecem.”

Aposta de Jarbas para o próximo presidente do Senado? “Tião Viana.”

Portanto, com Michel Temer eleito presidente da Câmara. Isso, se o “outsider” Ciro Nogueira não repetir, em outros termos, a trajetória de seu antigo padrinho político, Severino Cavalcanti.

Noves fora todos os relatos e avaliações, fica-se com a nítida impressão de que o que está havendo no Congresso não é bem uma briga entre PT e PMDB.

O conflito instala-se mesmo dentro do partido, contrapondo as bancadas da Câmara e do Senado. Pela disputa do poder dentro do que resta do governo Lula. A constatação desmente a tese de que o PMDB está unido com o governo.

Com o governo, de fato, está todo, mas não unido. Inclusive porque houve, do primeiro para o segundo mandato de Lula, uma inversão de influência. Na primeira fase, Sarney e Renan comandaram do Senado toda a ocupação da máquina administrativa pelo partido. Indicavam, aconselhavam o presidente, eram os interlocutores de todas as demandas.

Depois da reeleição, a balança passou a pesar em favor da bancada da Câmara. Um exemplo simples: Sarney é respeitado no Palácio do Planalto, Renan Calheiros é visto como um estorvo, mas Geddel Vieira Lima, ministro da Integração Nacional, é o grilo falante com cadeira cativa autorizada junto aos ouvidos do presidente.

Basta ver: o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, falou mal da Funasa, se indispôs com a bancada de deputados, de forma implícita foi convidado a guardar a viola em receptáculo bem fechado.

Quer nos parecer que o PMDB no Senado insiste na presidência não por ambição desmedida de ocupar também a presidência da Câmara. Mas para tentar podar o aumento de poder da bancada, inviabilizar a candidatura Michel Temer manifestando a ele todo apoio e, de posse do álibi, mandar a conta à tesouraria (no bom sentido) do PT.

Pensando bem

Se o governador Aécio Neves estaria cogitando da hipótese de deixar o PSDB porque o partido está dividido entre a candidatura dele a presidente e a do governador José Serra, o que encontraria no PMDB, um partido unido?

Despreparo sem fim


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Basta um momento de necessidade para vir abaixo a tese de que o Brasil é hoje um país preparado para enfrentar crises e situações de necessidade. Não vale comparar com a conjuntura de 20 anos atrás. Desenvolvimento inercial é algo bem diferente. O Paraguai também está muito melhor do que há duas décadas.

No plano econômico, a quimera da blindagem brasileira se desmancha a cada dia. A Petrobras acaba de pedir água estatal ao BB e à CEF.

Onde foi parar o sólido e bem regulado sistema financeiro? Ainda sobre blindagem, nunca é demais lembrar o tamanho da queda do índice Bovespa: 43% neste ano (cerca de 50% em dólar). Em Nova York, a perda foi de 34%.

Mas desgraças cotidianas atestam de maneira mais doída a crônica incapacidade gerencial dos governos brasileiros, em todos os níveis -municipais, estaduais e federal. Reportagem de Evandro Spinelli na Folha ontem mostrou a inexistência de mapeamento de áreas de risco nos municípios destruídos pela chuva em Santa Catarina.

Embora seja uma responsabilidade municipal, nada impede governos estaduais e federal de ajudarem. Nunca na história deste país houve tantos ministérios. São 37 os assessores de Lula no primeiro escalão. Pelo menos três teriam condições de atuar incentivando as cidades a executar estudos sobre áreas de risco: Integração Nacional (onde está a Defesa Civil), Minas e Energia (que comanda o Serviço Geológico do Brasil) e a pasta das Cidades (por razões óbvias).

Mas o ministro de Minas e Energia quer ser governador do Maranhão. O da Integração Nacional sonha em comandar a Bahia. O das Cidades é um tecnocrata colocado na cadeira para "atender ao PP".

Esse foi o azar de Santa Catarina.

Não há nenhum político do Estado ocupando um lugar vistoso na Esplanada dos Ministérios de Lula.

América Latina no radar


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Mesmo que tenha sido publicado num período em que ninguém está muito atento à leitura, mais preocupado com o período de festas - que, nos Estados Unidos, começa com o Dia de Ação de Graças, festejado na última quinta-feira, e vai até o Natal -, o editorial do "The New York Times" de ontem sobre o que deveria ser a política do futuro governo Obama para a América Latina tem o mérito de trazer à discussão pública, e quem sabe chamar a atenção de um assessor ou outro da futura administração, uma parte da política externa que tudo indica não será prioritária, mas terá importância por motivos diretos citados pelo jornal americano: é da América Latina que saem para os Estados Unidos um terço de suas importações de petróleo (a maior parte da Venezuela), a maioria de seus imigrantes e "virtualmente toda sua cocaína".

No que se refere ao Brasil, o passo mais importante seria eliminar as tarifas para a importação do etanol, o que, segundo o "Times", ajudaria também na política de redução da dependência de petróleo.

Esse é o ponto fundamental da discussão do livre comércio, pois, para as exportações brasileiras, segundo os especialistas, mais importante que o fim dos subsídios aos produtores de etanol de milho seria a abertura do acesso ao mercado americano, com o estabelecimento de uma cota de importação livre de taxas.

Neste momento, o Brasil não tem condições de elevar substancialmente suas vendas de etanol para os Estados Unidos, pois isso provocaria desabastecimento do mercado interno.

O estabelecimento de uma cota daria aos produtores brasileiros tempo e segurança para realizarem os investimentos exigidos pela nova situação.São poucas, no entanto, as possibilidades de ser retomada uma agenda de livre comércio nos Estados Unidos diante da crise econômica que pode vir a ser uma recessão já no início do próximo ano.

Por isso também foi impossível para o governo Bush aprovar no Congresso o tratado de livre comércio com a Colômbia, pois a bancada democrata majoritária é mais protecionista que a republicana. O melhor exemplo vem do próprio Barack Obama e da futura secretária de Estado, Hillary Clinton.

Os dois votaram contra as propostas de renovação de fast track, a permissão para o governo negociar acordos de comércio sem a aprovação prévia do Congresso.

O tratado com o México, negociado no governo de Bush pai e aprovado em pleno governo Clinton, trouxe problemas para a então candidata Hillary Clinton, que disputou com Obama durante as primárias quem era mais contra o Nafta.

A maioria democrata ampliada no Congresso deverá continuar ativamente contra o Nafta, os acordos de livre comércio com a Coréia e com a Colômbia e a Rodada de Doha. Os sindicatos estão cada vez mais ativos na defesa dos empregos nos EUA, e o livre comércio é o principal responsável pelo desemprego crescente, nessa ótica sindical.

Cada um dos temas levantados pelo "Times" - petróleo, imigração e drogas - tem implicações políticas importantes, a começar pela nova política de imigração que deve ser levada a efeito pela futura ministra de Segurança Interna, Janet Napolitano, que também é a responsável pela repressão interna ao tráfico de drogas.

De acordo com o relatório publicado em outubro pelo centro de pesquisas Pew Hispanic Center, no ano de 2050 um em cada três americanos será de origem hispânica. Hoje, são 45 milhões de latinos, que representam 15% da população dos Estados Unidos.

Nada menos que 57% dos latinos registrados para votar se dizem democratas. Dos que votaram em novembro, quase 70% escolheram Obama, o que significou, entre outras, uma vitória na Flórida que reverteu uma predominância republicana que garantiu a vitória de Bush na polêmica eleição de 2000.

O presidente eleito, Barack Obama, parece inclinado a mudar o foco da política de combate às drogas levada a efeito na Colômbia, que não deu resultado.

O caráter estritamente militar do Projeto Colômbia, que mistura a repressão aos cartéis de drogas colombianos com o combate à guerrilha, tem dado certo no plano de segurança interna, mas não deu conta de reduzir a produção de cocaína, cujo destino final na maior parte é o consumo interno nos Estados Unidos.

A política de Obama combinaria estímulos econômicos para que a Colômbia se desenvolvesse por conta própria - e nesse caso aprovar o tratado de livre comércio seria prioridade - e o combate mais efetivo dentro dos EUA para a redução do consumo.

Um outro eixo da política externa na América Latina tem a ver com o antiamericanismo comandado pelo presidente da Venezuela, o cada vez mais ditatorial Hugo Chávez.

Com a crise, o preço do petróleo despencou e a política externa de Chávez está perdendo sua capacidade de financiar países como Cuba, Argentina, Nicarágua, o que pode levá-lo a radicalizar cada vez mais a política interna, como parece estar acontecendo, sobretudo agora com os recentes acordos militares com a Rússia, cujo presidente, Dmitri Medvedev, andou circulando pela região, mostrando os músculos em Brasília, Caracas e Havana.

Ao mesmo tempo, a oposição venezuelana vai ganhando terreno com o fracasso das políticas populistas, o que pode dar aos Estados Unidos um espaço político para agir no continente.

O "Times" sugere que o embargo econômico a Cuba seja levantado para distender a situação política na região.

Sejam quais forem os passos da futura administração com relação à América Latina, o Brasil ocupa lugar de destaque nessa estratégia, e a provável nomeação de Hillary Clinton para a Secretaria de Estado será um bom sinal, pois a senadora por Nova York conhece bem o país e suas potencialidades.

Para não esquecermos


Paul Krugman
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Há alguns meses participei de uma reunião de economistas e autoridades de finanças que debatiam a crise - o que mais poderia ser? O ambiente era de muita introspecção. Um conhecido legislador perguntou: “Por que nós não percebemos essa crise se aproximando?” Naturalmente, como resposta só havia uma coisa a dizer, e eu disse: “Nós quem, cara pálida?”

Mas, falando sério, ele tinha razão. Algumas pessoas dizem que esta é uma crise sem precedentes, mas a verdade é que houve muitos precedentes, alguns deles muito recentes. Mas foram ignorados. E essa história de como “falhamos” em não perceber isso tem uma clara implicação política - ou seja, que a reforma do mercado financeiro deve ser feita rapidamente, que não devemos esperar até que a crise seja resolvida.

Quanto aos precedentes, por que tantos observadores subestimaram os sinais claros de uma bolha imobiliária, apesar da bolha das pontocom ainda estar viva na nossa memória? Por que tantas pessoas insistiram que o nosso sistema financeiro tinha “capacidade de se recuperar”, como dizia Alan Greenspan (ex-presidente do Federal Reserve, o banco central americano), quando, em 1998, o colapso de um único fundo de hedge, o Long-Term Capital Management, paralisou temporariamente os mercados de crédito em todo o mundo? Por que quase todo mundo acredita na onipotência do Federal Reserve quando o seu contraparte, o Banco do Japão, passou uma década tentando - e fracassando - reanimar uma economia estancada?

Uma resposta a essas perguntas é que ninguém gosta dos desmancha-prazeres. Enquanto a bolha imobiliária inflava, os credores ganhavam muito dinheiro emitindo hipotecas para qualquer um que passasse pela porta; os bancos de investimento lucravam ainda mais refinanciando essas hipotecas com a emissão de novos títulos; e os gestores de recursos, que contabilizavam enormes lucros não realizados comprando esses títulos com fundos tomados emprestados, pareciam gênios e eram pagos de acordo.

Quem iria querer escutar aqueles sinistros economistas alertando que o processo todo era, na realidade, um gigante esquema Ponzi (esquema fraudulento de ganhar dinheiro)? Houve uma outra razão pela qual o establishment político econômico não pressentiu a aproximação da atual crise. As crises da década de 90 e dos anos iniciais desta década deveriam ser vistas como terríveis presságios, indícios de que algo pior ainda estava por vir. Mas todo mundo estava muito ocupado, comemorando o sucesso no combate àquelas crises, para notar algo mais.


OS TRÊS MARQUETEIROS

Considere, em particular, o que ocorreu após a crise de 1997-98. Ela mostrou que o sistema financeiro moderno, com seus mercados desregulados, seus participantes altamente alavancados e fluxos de capital globais, estava ficando perigosamente frágil. Mas, quando essa crise foi apaziguada, a ordem do dia foi o triunfalismo e não um exame de consciência.

A revista Time chamou Alan Greenspan, Robert Rubin e Lawrence Summers de o “Comitê para salvar o mundo”, frase que ficou famosa. Os “Três Marqueteiros” que “evitaram um derretimento global”. Na verdade, todos declararam uma vitória, por sairmos da beira da crise, mas esquecendo de indagar, primeiro, como chegamos tão próximo dela.

De fato, tanto a crise de 1997-1998 como o estouro da bolha das pontocom provavelmente tiveram o efeito perverso de tornar investidores e autoridades públicas mais, e não menos, complacentes.

Como nenhuma das crises chegou à altura dos nossos piores temores e nenhuma delas provocou uma outra Grande Depressão, os investidores passaram a acreditar que Greenspan tinha o poder mágico de solucionar todos os problemas - e se suspeita que assim pensava também o próprio Greenspan, que se opôs a todas as propostas de uma prudente regulamentação do sistema financeiro.

Agora estamos em meio a uma nova crise, a pior desde a década de 30. No momento, todos se concentram numa resposta imediata para o problema.

As medidas mais agressivas adotadas pelo Fed para desbloquear os mercados de crédito finalmente vão começar a surtir efeito? O estímulo fiscal preconizado pela administração Barack Obama vai mudar a situação do emprego e da produção? (a propósito, não estou muito certo se a equipe econômica está pensando de maneira suficientemente abrangente).

A PRÓXIMA CRISE

E como nós todos estamos tão preocupados com essa crise, é difícil concentrar a atenção em questões de prazo mais longo - colocar um freio no nosso sistema financeiro descontrolado, e também impedir, ou pelo menos limitar, a próxima crise.

Mas a experiência da última década sugere que devemos nos preocupar com a reforma financeira, sobretudo com uma regulamentação do “sistema bancário paralelo”, no centro da atual desordem, o mais brevemente possível.

Tão logo a economia entre na rota da recuperação, os trambiqueiros novamente começarão a ganhar dinheiro fácil e fazer muito lobby contra qualquer um que tente limitar seus resultados finais. Além disso, o sucesso dessas tentativas de recuperação acabará por parecer algo predestinado, embora não seja, e a urgência de uma ação poderá se perder.

Portanto, eis aqui o meu apelo: mesmo que a agenda da próxima administração já esteja muito cheia, ela não deve adiar a reforma financeira. O momento de começar a impedir a próxima crise é agora.

*Paul Krugman é articulista

As marcas no longo caminho


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Há 60 anos, no dia 27 de novembro de 1948, a contar do registro na carteira profissional, passando por jornais, revistas, rádios e televisões, acompanho a política nacional como repórter, cronista, chefe de seção e diretor da sucursal do Estadão.

Na verdade, não estou contando os meses de batente na velha A Notícia, de Candido de Campos e Silva Ramos, em que me submeti ao teste de foca e pau para toda a obra, desde a rotina das salas de imprensa de ministérios às chegadas de novos hóspedes para o Jardim Zoológico. A Notícia de então era reconhecida como uma escola prática de jornalismo, antes da exigência de diploma de nível universitário. Caí, e de cabeça, na reportagem política por obra do acaso, em episódio contado e recontado. Esbarrei com um inesquecível personagem, o empresário Ivo Borcioni, de quem ouvi a história fantástica de uma tentativa de suborno, envolvendo altas autoridades do governo do presidente Dutra, na transação da venda de dormentes para a Central do Brasil.

A manchete na primeira página do vespertino estourou na tribuna da Câmara, com a oposição e o governo trocando desaforos. Deu em nada, tal e qual acontece até hoje. Aliás, agora muito mais do que ontem, pois o progresso marcha em cadência acelerada. De meados do governo do presidente Dutra até hoje, venho acompanhando – na sucessão das esperanças que sempre anunciam as solenes promessas de um regime democrático, firme como a rocha, e nos percalços ditatoriais – a série de erros que deflagraram as crises e as recaídas no arbítrio.

Alguns cortes são de solar evidência, como a volta triunfal de Getúlio, na rota aberta com as intrigas da turma da Copa e da Cozinha do governo Dutra e o suicídio que virou o país e o udenismo de Café Filho que abriu a canela para os 5 anos em 5 de JK. O pé-de-valsa, que aliviou a tensão e devolveu a alegria à população, abriu frentes em todas as áreas: da Copa do Mundo de 58, da bossa nova, das risadas e do permanente bom humor, escorregou na precipitação. Inaugurou Brasília, em 21 de abril de 1960, antes de estar pronta, e pagou o preço das mordomias, das vantagens, das exigências absurdas para pavimentar o JK-65. Como nas caçadas de paca, deixou aberto o carreiro para o golpe e a ditadura militar.

A história do aloprado Jânio Quadros é uma inacreditável novela de farsas, desatinos e faniquitos que termina com o golpe fracassado da renúncia com sete meses de mandato, armado com a traição do Jan-Jan do conluio com Jango Goulart e que por muito pouco não ensangüenta o país com o confronto militar.

Carlos Castelo Branco, o maior repórter político do Brasil e que foi assessor de Jânio, presta no seu livro A renúncia de Jânio, de leitura indispensável, o seu depoimento de quem viu por dentro os meses de governo do extravagante personagem. E sem arranhar a ética avançou até o limite do narrador e analista do que testemunhou: o clima de intriga palaciana em que fica transparente a tentativa do golpe, como idéia fixa, para a volta nos braços do povo e com plenos poderes. O povo enganado não saiu de casa. E Jânio teve um fim melancólico.

Jango não sossegou enquanto não antecipou o plebiscito para derrubar o parlamentarismo híbrido, que era a sua proteção. Com o presidencialismo restaurado com cola, esticou a corda até ser deposto pelo golpe de 1° de abril de 1964. Passamos pela provação dos quase 21 anos da ditadura militar, com o rodízio dos cinco generais-presidentes. A nova democracia, que aí está, depois da frustração com o martírio e morte de Tancredo Neves, a Constituinte de 1988 pendulando entre o centrão e a esquerda e o mandato difícil do presidente José Sarney. A crise do curto governo de Collor de Mello e os dois anos e quatro meses sem turbulência do correto governo de Itamar Franco. Dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso e seis anos do Presidente Lula.

Afinal, valeu a pena? Inútil chorar as mágoas passadas. Mas é inevitável a comparação para quem tanto viu e tanto viveu entre a fase de ouro da eloqüência parlamentar dos 14 anos em que freqüentei a Câmara e o Senado até a mudança para Brasília e a chocante evidência de que o atual Congresso dos escândalos, da farra das mordomias, da semana de três dias úteis, da verba indenizatória, da bagunça partidária, é o pior desde o fim do Estado Novo. Mas, como choraminga o Orlando Silva, o maior cantor brasileiro de todos os tempos: "Ninguém foge ao seu destino...".

Pinga Fogo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

» Tem coisa aí

Que é estranho, é: uma empresa (Petrobrás) anuncia um lucro líquido de R$ 26 bilhões, de janeiro a setembro deste ano, e na semana seguinte toma R$ 2 bi emprestado à CEF para pagar impostos federais? Como diz o matuto, tem coisa aí...

» Dois em um

Embora Roberto Freire (PE) negue, estão avançadas as conversas para fundir PPS com PSDB. Até porque, como diz Serra, há mais ex-comunistas hoje no 2º do que no 1º: Alberto Goldman, Arnaldo Madeira, Aloysio Nunes, etc.

» Todos a favor

A fusão do tucanato com os ex-comunistas não terá qualquer problema nas secções de PE. Ela é aprovada por Roberto Freire, pelo senador Sérgio Guerra e pelos deputados Raul Jungmann (PPS), Bruno Rodrigues e Bruno Araújo (PSDB).

Freire: “chapa Dilma/Maggi será facimente derrotada”


ALEXANDRE APRÁ
Especial para o Diário de Cuiabá

Presidente nacional do PPS, junto com líderes tucanos, participou de evento ontem em Cuiabá que discutiu a crise e seus reflexos

O presidente da Executiva nacional do PPS, deputado Roberto Freire, afirmou que uma possível coligação entre o PT e o PR nas eleições presidenciais, com a ministra Dilma Roussef (PT) presidente e o governador Blairo Maggi (PR) como vice, será facilmente derrotada no pleito 2010.

A declaração foi dada ontem, durante a sua passagem no seminário sobre a crise da economia, promovida pela prefeitura da Capital, na tarde de ontem, onde foi referendada a “Carta de Cuiabá”.

Líderes políticos nacionais do PSDB, como o senador Tasso Jereissati e o deputado federal José Aníbal participaram das discussões sobre a crise, que contou com a palestra do secretário de Estado de Fazenda, Éder Moraes.

Em tom de ironia, ele disse que aprova a união dos partidos. “Eu até gostaria que os dois estivessem juntos na campanha de 2010, porque daí ficaria até mais fácil para o governador José Serra sair vitorioso”, disse.

O governador Blairo Maggi deixou o PPS após assumir publicamente apoio à reeleição do presidente Luis Inácio Lula da Silva, no segundo turno das eleições de 2006. Com ele, vários filiados, entre eles o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Sérgio Ricardo, e o deputado federal Homero Pereira, também provocaram uma debandada dos socialistas para a sigla republicana.

Roberto Freire também se manifestou terminante contra qualquer movimentação para um terceiro mandato. “Terceiro mandato é sinônimo de golpe, de atitude antidemocrática”, afirmou. Para ele, a alternância de poder é uma das prerrogativas da democracia e uma permanência do presidente ou governadores seria uma possível volta da ditadura. “Quem ficava no poder quanto tempo queria eram os militares da ditadura. O Brasil não merece isso”, declarou.

Na avaliação dele, as especulações de um terceiro mandato estão sendo colocadas por políticos inexpressivos e sem credibilidade. “Qual é o parlamentar de bom-senso que se colocaria a favor dessa atitude totalmente antidemocrática? Só se for louco ou não tiver nada a perder”, sustentou o seu argumento.

Com seu estilo de opositor ferrenho, Roberto Freire aproveitou sua fala durante o Seminário “Cuiabá e a Crise” para fazer uma sessão piada. Em poucos minutos, ele leu algumas frases ditas pelo presidente Lula acerca da crise, que arrancaram risos da platéia presente.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1162&portal=

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

AI5:Serra recebe a notícia no Chile, e fica no exílio


Raymundo Costa
DEU EM VALOR ECONÔMICO

Entre os perseguidos do regime que hoje podem ser candidatos a presidente da República está o governador de São Paulo, José Serra. Dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1964, no golpe militar, ele teve de se exilar no Chile, mas certamente não esperava que 14 anos se passariam até que retornasse ao país e à política.

Qualquer plano imediato de retorno foi interrompido naquele 13 de dezembro de 1968, quando o regime editou o AI-5. Os brasileiros que se encontravam em Santiago, a capital chilena, então um refúgio seguro para exilados de várias partes do continente, já aguardavam o recrudescimento do regime, mas a notícia foi particularmente marcante para José Serra. "Para mim, a notícia chegou num momento péssimo: eu estava de cama, com febre tifóide intensa, doença de incidência relativamente elevada naquela época na região da capital chilena", descreveu ao Valor.

Ele sentia uma "forte e ininterrupta dor de cabeça, febre elevada, necessidade de permanecer imobilizado na cama" e tomava o que classifica hoje de "doses cavalares de um antibiótico enjoativo". Quem lhe transmitiu a má notícia foi a economista Maria da Conceição Tavares, na época funcionária da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). O governador de São Paulo dá a impressão de ainda sentir o mau humor com que ouviu as palavras dela: "Pareceu-me mais verdadeiro do que nunca aquele aforismo pessimista: toda desgraça é pouca", diz Serra, com acidez.

"Eu havia acabado de concluir o mestrado em economia pela Universidade do Chile, tinha sido contratado pela faculdade, estava casado fazia cerca de um ano e minha mulher estava grávida. Já estava exilado desde 1964 - era o único estudante exilado naquela época, por causa de uma condenação absurda da Justiça Militar, baseada em "provas" forjadas. Mesmo assim, planejava voltar para o Brasil em algum momento de 1969."

Plano que o governador teve de adiar até 1978. Durante algum período ele ainda permaneceu no Chile, mas o sangrento golpe militar do general Augusto Pinochet o levou à prisão e, depois, a uma fuga providencial - era um nome marcado para morrer.

"Num segundo, enquanto a Conceição, a um par de metros da minha cama, me relatava o que havia acontecido, percebi que ficaria ainda muito mais tempo no exterior."

Segundo Serra, com a doença, ocorreu algo raro: depois de recuperado, semanas depois, ela voltou, apesar de o médico ter dito que a probabilidade de recidiva era de 1%. "Foi o efeito do AI-5, pensei, em meio às novas dores de cabeça e da febre de 40 graus."

Rolando Lero


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Período compreendido entre o balanço de perdas e ganhos de uma eleição e a apresentação das cartas em jogo no próximo pleito, a entressafra eleitoral é a fase das floradas do recesso.

A atual revela-se especialmente fértil em fabulações de toda sorte por causa da dificuldade que a crise econômica impõe à visão do horizonte. Na falta de algo consistente para dizer ou fazer, os partidos, os políticos e os pretendentes a candidatos fazem e dizem qualquer coisa.

Desde que ocupem espaços e aumentem os respectivos cacifes para disputar as melhores posições na largada, valem todas as marolas.

Vale o presidente Lula sacramentar Dilma Roussef como candidata à sucessão sem perguntar o que o PT tem a dizer; vale o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, abraçar a candidatura da ministra ao arrepio da posição de seu partido, mesmo cansado de saber que o PMDB tem outros (no sentido de múltiplos) planos.

Vale Dilma trocar os óculos por lentes de contato, reunir uma claque eleitoral em palácio e posar como provável chefe de Estado não obstante careça dos 50, 60 milhões de votos necessários; vale o DEM pedir rigorosa investigação para “apurar” se Lula está ou não fazendo campanha eleitoral antecipada para Dilma usando da máquina pública, sabendo da esterilidade da ação.

Vale até mesmo os governadores José Serra e Aécio Neves defenderem com assertividade a realização de prévias para escolher o candidato do PSDB à Presidência, quando a hipótese não está nem nunca esteve em cogitação. Se os tucanos falam dia e noite em unidade, há três eleições sofrem as dores da divergência interna, era o que faltava abrirem uma disputa a votos dentro do partido em pleno transcorrer de 2009.

Só o que não vale é o eleitor investir seu estoque de crença nessas conversas, cujo conteúdo é para ser registrado por um ouvido, dispensado pelo outro e nunca, jamais, ser escrito.

Nada do que está sendo dito ou feito merece confiabilidade rigorosa. Muito menos o que é dito e feito em público, entregue ao exame da população previamente enquadrado na moldura que mais interessa a seus autores.

Nos exemplos acima citados, os interesses são os seguintes: Lula precisa de Dilma para não esvaziar o mandato em curso antecipadamente; o PMDB precisa simular fidelidade para não perder espaço; o DEM precisa posar de oposição aguerrida e o PSDB precisa fazer ares de família que reza unida.

Vida pregressa

A absolvição do deputado Paulo Pereira da Silva no Conselho de Ética da Câmara é dada como certa. Foi alcançado por investigação da Polícia Federal sobre desvio de empréstimos no BNDES e flagrado em telefonema prometendo “mexer os pauzinhos” no Congresso para convocar o ministro da Justiça a dar explicações sobre a prisão de um assessor na operação.

As provas, ao presumido sentir do conselho, são inconsistentes.

Insuficiente também para caracterizar falta de decoro é o inquérito que corre contra ele no Supremo Tribunal Federal por causa de repasses de verbas do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Presidente da Força Sindical, o deputado responde pela entidade sob suspeita de ter recebido dinheiro do Ministério do Trabalho para promover cursos inexistentes oferecidos a alunos fantasmas.

As acusações atingem outras centrais, entidades patronais e apontam para a conivência do ministério, que avalizou todos os convênios feitos ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso.

Na campanha eleitoral de 2002, candidato a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes, Paulo Pereira ameaçou fazer e acontecer contra seus “caluniadores”. Terminou ele sendo o investigado e, dependendo da decisão do STF, processado.

Na Câmara nada disso conta. O mandato parlamentar serve para conferir foro privilegiado por atos cometidos antes do mandato, mas esses mesmos atos não pesam na avaliação da conduta do parlamentar.

Autocombustão

À falta de argumentos consistentes para defender o correligionário Cássio Cunha Lima, governador cassado da Paraíba, os tucanos disseminam desconfiança sobre o voto do ministro-relator do caso no Tribunal Superior Eleitoral, Eros Grau.

Dizem que ele votou “muito rápido”. Sobre os 35 mil cheques de programa social distribuídos no período eleitoral como “um presente do governador” ou a respeito de boladas usadas para pagamento de contas pessoais de Cunha Lima, nem uma palavra. Não lhes ocorre, por exemplo, que o ministro tenha sido ligeiro exatamente porque os fatos são espessos.

O tucanato repete aqui o gesto da defesa do senador e então presidente do PSDB Eduardo Azeredo no caso do “mensalão mineiro”, em 2005.

Lá, perdeu a moral para acusar o PT e, recolhido à insignificância conferida pelo equívoco, viu Lula renascer.

Aqui, joga no lixo o discurso da probidade e eficácia administrativas.

O viés da crise na reforma tributária


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A dificuldade de se arregimentar adesão pública a quaisquer propostas de reforma tributária vem do temor de que a demonstração de apoio diminua o poder de barganha numa negociação em que parte alguma quer sair perdendo.

A votação do projeto de reforma tributária pelo plenário da Câmara na próxima semana vai ser um teste da influência dos governadores sobre as bancadas de seus Estados. Vendida como uma proposta destinada a desonerar a produção, enfrenta, presumivelmente, a resistência dos Estados do Sudeste e conta com mais apoio dos governadores do Norte e Nordeste.

O argumento de que a crise econômica inviabiliza a reforma antes explica a resistência que a justifica. Não há grita significativa do setor produtivo. A desoneração da folha é responsável por grande parte desse apoio. "Se houvesse evidências de aumento da carga não seria previsível que gritassem?", indaga o deputado Pepe Vargas (PT-RS), que tem encaminhado a posição de sua bancada na tramitação do projeto. Entre as muitas projeções que circulam pela Câmara, de um e outro lado, Vargas exibe aquela em que o ganho do PIB com a reforma aprovada chega a 10%.

É compreensível que em Estados como São Paulo, onde a concentração industrial e financeira fará com que a crise emita seus sinais mais eloquentes, o governo tenha receio de perder receita.

Mas não há como rechaçar as evidências de que a desoneração pode vir a amortecer os efeitos da crise em alguns setores da economia. Esses efeitos são conhecidos, mas a decisão de conceder isenções e benefícios fiscais é pouco do federalismo que restou depois que os governadores ficaram sem bancos e estatais.

É o que fundamenta, por exemplo, a resistência de um dos Estados nordestinos mais resistentes à reforma - o Ceará - onde é conhecida a posição do deputado Ciro Gomes (PSB) e do seu irmão governador sobre o tema.

Os governistas argumentam que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional subsidiará políticas de atração de investimento de maneira mais transparente que a guerra fiscal mas não negam que os governadores perderão poder político com a troca.

Na disputa, os militantes pró e anti-reforma terão que arregimentar os Estados do Centro-Oeste e do Sul. Entre os primeiros, sobressai por exemplo, a resistência do Mato Grosso. Cortado pelo gasoduto Brasil-Bolívia, o Estado não aceita tributação do no destino.

No Sul, não bastasse o temor de que as compensações de perdas não sejam suficientes, o alerta soou com a emenda que propõe a desoneração da cesta básica. De autoria da deputada Ana Arraes (PSB-PE), mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a emenda foi incorporada à reforma na madrugada em que o texto foi aprovado pela comissão especial na Câmara.

Apesar das grandes divergências em torno do texto final, a decisão é de levar ao plenário na próxima semana. A julgar pela sessão da comissão especial, que só terminou ao amanhecer da quinta-feira passada, a votação promete. Na hipótese, ainda incerta, de que a votação, em dois turnos, seja concluída este ano pela Câmara, a dura batalha do Senado ficará para 2009. Como a legislatura se iniciará no auge da esperada desaceleração da economia, a expectativa governista é de que a pressão do setor produtivo escude a reforma contra a resistência dos Estados.

A indústria da insensibilidade

Foi-se o tempo em que os catarinenses reagiam aos caprichos da natureza com procissões religiosas. Catarinense de Itajaí, onde viveu até a adolescência, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, titular de História do Brasil da Universidade de Paris IV, acompanha à distância a tragédia que se abateu sobre sua cidade, mas acredita que a cobrança ao poder público se avolumará. Nunca tinha visto nada igual, mas contabiliza avisos que já teriam sido suficientes para alertar as autoridades: as grandes enchentes dos anos 80, o ciclone Catarina em 2004, tido como o primeiro da América do Sul, e um furacão de baixa intensidade há dois anos. Recorre ao furacão Katrina, que demonstrou uma capacidade de reação do governo George W.Bush restrita a tragédias que afetassem seus interesses geopolíticos, para alertar sobre o desgaste da inércia pública. Nos anos 80, os moradores da região tiveram uma reação organizada às enchentes. Dela resultou, por exemplo, a Octoberfest de Blumenau que, pensada para angariar recursos, tornou-se tradição. Desta vez, não há empreendedorismo local que resolva a terra arrasada do Vale do Itajaí. No Brasil, a tradição do poder público de reagir a desastres naturais gerou indústrias como a da seca. A imagem de catarinenses com água pelo pescoço catando produtos que bóiam em supermercados demonstra que a única indústria que floresceu nessas décadas em que não faltaram avisos foi a da insensibilidade.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Mancha na solidariedade do povo


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


A calamidade que castiga Santa Catarina, com o seu trágico balanço de quase uma centena de mortos, dezenas de milhares de casas destruídas ou abandonadas e a mancha negra na solidariedade do povo do registro policial do medo e da insegurança da população com o saque de residências e estabelecimentos comerciais, como supermercados e farmácias, por grupos de vândalos que não furtam comida para aplacar a fome, mas levam bebidas alcoólicas, caixas de cigarros e objetos de valor abandonados pelos donos na pressa para escapar da morte.

Não é a primeira vez que a emoção da sociedade contrasta com a insensibilidade de marginais. Mas, se é cedo para o balanço e a crítica dos muitos erros que agravaram a tragédia, com a cidade de Itajaí submersa, Blumenau alagada e municípios ainda isolados, a dimensão da tragédia alerta para erros, omissões e desleixo dos responsáveis.

O crescimento desordenado das cidades, com o êxodo do interior, nunca chegou a merecer uma tentativa de planejamento que, sem proibir ninguém de tentar melhorar de vida, disciplinasse a ocupação das áreas disponíveis, garantindo os serviços essenciais e impedindo a favelização das áreas de risco, cenário dos ciclos anuais de desgraças.

A favelização do Rio, assistida de camarote pelos sucessivos governos estaduais e municipais – e até com o estímulo do secretário que cunhou a frase que não pode ser esquecida: "Favela não é problema, é solução".

Com cinco dias de atraso, a contar desde que Santa Catarina começou a ser castigada pela maior enchente de todos os tempos, o presidente Lula venceu a estranha indecisão que paralisa em momentos de adversidade e não apenas cumpriu o seu dever, como resgatou a dívida que estava sendo cobrada pela sociedade. Nas três horas em que trocou o Aerolula pelo helicóptero, sobrevoou as áreas alagadas, não apenas de Florianópolis, mas do Vale do Itajaí.

E, em cima da hora, sob visível emoção, reconheceu que "aquela é a maior tragédia acontecida nos seus seis anos de governo". Liberou R$ 1,97 bilhão para socorrer as vítimas da enchente em Santa Catarina, no Espírito Santo, Minas e Rio de Janeiro e também para o socorro aos castigados pela seca no Nordeste. E está fazendo o que pode. Ou quase tudo. Ministros, secretários e demais figurões devem estar presentes para fiscalizar as operações de socorro às vítimas. Mas, a presença do presidente é insubstituível. E Lula não faltou ao dever da solidariedade.

No impulso, para não perder o rumo, o presidente deveria adiar para melhor ocasião a anunciada campanha publicitária com todos os cacoetes de jogada eleitoral para alavancar a candidatura da ministra Dilma Rousseff.

O governo embarcou na fórmula simplista de estimular o povo a gastar o dinheiro que tem no bolso para não paralisar o giro do consumo, no modelito do moto-contínuo: se a população não comprar o que precisa ou deseja – do rádio a televisão, ao computador e até o automóvel a preço de liquidação – as fábricas reduzem o ritmo de produção, despedem empregados e a crise acompanha a retração.

É impactante o mote da campanha que vai ganhar espaço no plano oficial: o mundo aprendeu a confiar no Brasil, e o Brasil confia nos brasileiros.

Mas, a campanha não pode ser levada à população de Santa Catarina, aos milhares sem casa, que perderam tudo e não sabem como recomeçar a vida, sem que pareça um deboche.

E se não pode ser lançada em Santa Catarina, também não deve ser no resto do país, para respeitar o sentimento de solidariedade do povo brasileiro.

De falcões e pombos


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Os ataques terroristas na Índia trouxeram novamente a questão da segurança nacional para o centro das preocupações dos americanos, que estariam sendo caçados em Mumbai e, no plano interno, de novo às voltas com ameaças de atentados no metrô de Nova York em pleno Dia de Ação de Graças. Assim, a apresentação da equipe que vai comandar a política de segurança nacional do futuro governo Barack Obama ganhou dimensões políticas maiores ainda do que normalmente já teriam, e as críticas de ambos os lados já cercam as escolhas, ainda não anunciadas oficialmente.

Os democratas mais empenhados no movimento pacifista vêem com desagrado escolhas como a de Hilary Clinton para a Secretaria de Estado, ou a permanência de Robert Gates na Secretaria de Defesa, que seriam sinais de que o espírito de "pombos" não estaria guiando a seleção do futuro gabinete.

A senadora Hilary Clinton, por exemplo, apoiou a Guerra do Iraque quando foi desencadeada, sendo inclusive criticada por isso por Obama durante a campanha, e também defende posições mais duras contra o Irã, aparentemente em desacordo com as idéias defendidas por Obama nos debates das primárias.

Ao mesmo tempo, republicanos belicosos criticam a ausência de "falcões" na equipe de Obama, no momento em que a ameaça terrorista já se mostrou novamente ativa. Se confirmar a manutenção de Gates à frente do Pentágono, o futuro presidente estará dando um caráter de urgência à primeira transição em tempo de guerra em 40 anos, optando por manter a operacionalidade do esquema de segurança já existente.

É inegável que uma transição desse nível, mesmo em tempos de paz, leva alguns meses para ser realizada com sucesso, e manter Gates significa que Obama não quer ficar um minuto de seu novo governo sem estar pronto para ações concretas contra o terrorismo.

Com uma longa carreira nos serviços de inteligência do governo dos Estados Unidos, sobretudo a CIA, Gates foi o primeiro nome cogitado para ocupar o novo ministério de segurança interna, criado logo depois dos atentados de setembro de 2001, mas recusou o convite para permanecer à frente de uma universidade no Texas.

Entrou para o governo Bush em 2006, depois de ter feito parte de um grupo de estudos bipartidário sobre a Guerra do Iraque, comandado pelo ex-secretário de Estado James Baker.

Gates tem condições de auxiliar o novo governo em duas políticas cruciais: o corte de programas militares não prioritários, na busca de equilibrar o orçamento interno, e ao mesmo tempo a retirada das tropas americanas do Iraque.

O cronograma de retirada dos 150 mil homens do Exército americano prevê um período de 16 meses, mas certamente esse projeto poderá ser ampliado caso as circunstâncias do momento indiquem a necessidade de um período maior.

Um dos principais objetivos do novo governo, o de transferir os esforços de guerra para o Afeganistão na busca dos terroristas da Al Quaeda, tem nos atentados da Índia talvez o primeiro sinal de reação na região.

Outros dois cargos de fundamental importância no esquema de segurança nacional já foram anunciados, e ambos mereceram críticas de republicanos mais radicais. A escolha da governadora do Arizona Janet Napolitano para o ministério da Segurança Interna foi vista como uma clara opção de dar prioridade às questões imigratórias, em detrimento à luta contra o terrorismo.

A governadora de um estado que faz fronteira com o México é vista como uma especialista na área de imigração, sem os conhecimentos necessários para atuar em outras áreas abrangidas pelo ministério, como a prevenção das drogas e o terrorismo.

Outra escolha criticada pelos republicanos foi a de Eric Holder para Ministro da Justiça, um antigo servidor do governo Clinton e ligado à senadora Hilary Clinton. Ele é acusado de ter ajudado Hilary na sua disputa pelo Senado em Nova York ao, como vice ministro da Justiça, ter apoiado o perdão dado pelo presidente Clinton a um grupo de terroristas de Porto Rico que colocou bombas em vários locais de Nova York, matando quatro pessoas em um restaurante.

O grupo Forças Armadas de Liberação Nacional (Faln) lutava pela independência de Porto Rico, que tem uma grande comunidade de residentes em Nova York. O fato é que os terroristas já estavam presos há 19 anos e uma comissão de prêmios Nobel da Paz, entre eles o ex-presidente Jimmy Carter, pediu a clemência, alegando que as penas eram muito maiores do que as normalmente atribuídas ao tipo de crime que haviam cometido.

Hilary, na sua campanha para o Senado, apoiou o perdão, mas depois retirou o apoio por que uma das condições da Casa Branca era de que os terroristas abdicassem da violência, o que eles se negaram a fazer depois de libertados.

O futuro ministro da Justiça, Eric Holder, foi um dos primeiros apoios na campanha de Obama dentro do Partido Democrata, assim como a governadora Janet Napolitano, e as duas nomeações estão sendo tratadas mais como uma recompensa política do que uma escolha técnica.

A verdade está no meio termo, e a de Obama não será uma equipe nem de "falcões" nem de "pombos", assim como a política de segurança nacional não será a continuação do espírito belicoso da era Bush, mas não será também dominada pela ingenuidade que muitos acusam Obama de ter.

O futuro das chuvas


Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - Quando passou um furacão em Santa Catarina, por acaso, estava lá.

Constatei que havia infra-estrutura razoável e que a defesa civil era boa. Numa cidade como o Rio, 40 minutos de temporal bastam para inundar alguns dos seus principais bairros.

Isso significa que chuvas como as que caíram em Santa Catarina podem ser mais devastadoras ainda em algumas regiões do país. Lá mesmo, houve grandes chuvas em 1980 e 83. Não se falava ainda no processo de mudanças climáticas.

Metrópoles como Londres acreditam na possibilidade dessas mudanças. Têm estrutura e autoridade designada para realizar o que os debates internacionais recomendam diante do futuro: adaptação.

Não sei se o caminho no Brasil se resume em alertar para mudanças climáticas, nas quais muitos, apesar de 20 anos de alerta, não acreditam. Há coisas mais elementares que poderiam nos unir: limpar galerias, desentupir bueiros, recolocar pessoas que vivem em perigosas encostas ou, ilegalmente, próximas aos espelhos-d"água.

Durante algum tempo, fixei-me na idéia de adaptação e cheguei e prever no Orçamento uma verba para Petrópolis desenvolver um plano. A idéia era simples: se fizéssemos um plano numa cidade castigada por temporais, poderíamos oferecê-lo a outras cidades do mundo, respeitadas as singularidades.

Mas é preciso baixar a bola. Criar um mecanismo para avaliar se as cidades estão mesmo fazendo o trabalho subterrâneo. Nem sempre as empresas cumprem os contratos: algumas vezes, perto de eleições, o dinheiro poupado é dividido com os políticos.

Bastaria um robô para inspecionar as galerias. Com tanta ONG no Brasil, por que não criar uma para fazer o que os governos desprezam? Não importa se as mudanças climáticas virão. Estamos indefesos diante das chuvas de verão.

Até debaixo d"água


Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A humanidade não está brincando com fogo, está brincando com água. Já houve as tragédias da Índia, da China, da Tailândia, dos EUA, e chegou a vez do Brasil, o paraíso tropical onde faz sol de janeiro a janeiro, não há terremotos, maremotos, nem furacões. Pelo menos até agora.

A tragédia que afunda Santa Catarina em água, lama e uma centena de mortes não é uma questão política, nem de gerência, é um alerta da "Mãe Natureza". Está na hora de parar de achar que esse tal de aquecimento global e essa tal de mudança climática são devaneios de lunáticos que não têm o que fazer.

A natureza está mandando sinais de alerta, que o homem agrava ao desenvolver cidades e povoados perigosamente margeando os rios e desrespeitando o limite de 20% de inclinação das encostas para construir suas casas, pobres ou ricas, como surgem nas fotos de Santa Catarina agora.

Em todas as calamidades assim, possivelmente o maior número de mortos e desabrigados é justamente entre os que habitam as encostas.

A chuva excede a média, o rio transborda, a terra se afofa. As casas vêm abaixo junto com a água, a lama e os seus moradores. Até a próxima tempestade, os próximos desabamentos, as próximas mortes.

O caos em Santa Catarina é como se um dos mais bonitos cartões-postais brasileiros estivesse sendo rasgado, despedaçado, justamente às vésperas do seu período anual de glória: o verão.

Aliás, é uma trágica ironia que a mais nova edição da revista da Gol enalteça até na capa as belezas catarinenses, conclamando os viajantes a se deliciarem com suas praias e comidas.

É difícil escrever num momento assim, mas é impossível ficar indiferente e não escrever nada.


Até porque as chuvas passam e vêm o desabastecimento, a desordem, a falta de estradas, de água tratada e de luz e o imenso risco de doenças, até epidemias. Sem falar na dor de milhares, que fica para sempre.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Carta aberta ao Grande Chefe Branco


Demétrio Magnoli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Prezado deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP):


No 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a Câmara passou a lei de cotas nas universidades e instituições federais de ensino médio, que é a primeira lei racial na história da República. A aprovação se deu sem o voto dos deputados, por conluio entre lideranças. Você participou destacadamente daquele conluio, renunciando à posição contrária à inclusão da raça na lei que dizia sustentar.

Arlindo Chinaglia (PT-SP), o presidente da Câmara, celebrou o desenlace e ofereceu um diagnóstico: “Os que têm opiniões divergentes cederam, o que resultou em um grande avanço.” Traduzo a frase do seguinte modo: nada é impossível, nem mesmo derrubar o princípio da igualdade perante a lei, quando a oposição abdica de seus deveres básicos. Estou errado?

Serei franco. Surpreendeu-me a sua colaboração, sem a qual o projeto teria de aguardar uma sessão com quórum e ser votado nominalmente pelos deputados. Li num jornal a sua justificativa. De acordo com ela, o projeto não é ruim, pois estabelece cotas raciais proporcionais à composição “racial” da população de cada unidade federativa, de modo que, nas suas palavras, nos Estados com predomínio demográfico de brancos, eles terão chances maiores de ingressar nas universidades. Se entendi, você negociou e aprovou o projeto pois não viu nele desvantagens para a “raça branca”. Posso, então, intitulá-lo Grande Chefe Branco?

Não há ironia nisso, acredite. Os patrocinadores de projetos de cotas no ensino e no mercado de trabalho almejam a condição de líderes negros. Eles usam o fruto envenenado da raça para impulsionar carreiras políticas ou conquistar posições de prestígio em ONGs muito bem financiadas. Mas é claro que a construção de identidades raciais oficiais no Brasil abre possibilidades inusitadas. Se há líderes negros, por que não líderes brancos? (Veja que para isso nem se precisa de algo tão aparente quanto a cor da pele: em Ruanda a vida política girava em torno de líderes tutsis e líderes hutus, ao menos até o genocídio).

Não nos enganemos. Políticos oportunistas em busca da condição de líderes negros (ou brancos) são elos instrumentais na passagem de leis de raça, mas a concepção de tais leis se deve aos doutrinários racialistas, que são pessoas dotadas de princípios - e o xis do problema reside no conteúdo desses princípios. Racialismo é a doutrina baseada numa dupla crença: 1) raças existem, se não na natureza, ao menos na história; 2) “a história do mundo não é a história de indivíduos, mas de grupos, não a de nações, mas a de raças”. Empreguei, para expor a segunda crença racialista, uma citação de William Du Bois (1868-1963), o pai fundador da doutrina. Toda a lógica das políticas de cotas raciais se encontra delineada na obra desse americano. Seria inoportuno sugerir que a lesse?

Du Bois era um racialista, não um racista, pois não acreditava em noções de superioridade racial. Ele visitou a Alemanha nazista e gostou do orgulho de raça promovido pelo regime, mas confessou sua repulsa com a perseguição aos judeus. Bem antes, em 1903, escreveu Os talentosos dez por cento, em que expunha a tese de que, por meio de uma criteriosa seleção educacional, um negro em cada dez poderia converter-se em líder mundial da raça negra. O artigo começa assim: “A raça negra, como todas as raças, será salva por seus homens excepcionais. O problema da educação entre negros, então, deve antes de tudo concentrar-se nos 10% talentosos...” Entendeu, agora, a proposta de cotas? Percebeu que ela nada tem que ver com um programa de redução de desigualdades sociais?

Nos EUA, as leis de segregação racial definiram quem era branco e quem era negro. Du Bois falava para uma raça oficializada pela discriminação. Por aqui, os racialistas lamentam a ausência de leis desse tipo no nosso passado, pois recaiu sobre os ombros deles a missão de fabricar, na mente das pessoas, a consciência racial e o orgulho de raça. Fico um tanto triste ao perceber que se procura realizar essa obra a partir da escola. Tarso Genro, na sua passagem pelo Ministério da Educação, ordenou que todas as escolas associem nominalmente cada aluno a uma raça. Você, um ex-ministro da Educação, e Paulo Haddad, o atual titular da pasta, articularam juntos o projeto de cotas raciais aprovado na Câmara. Vocês não são três, mas uma tríade. Juntos, por cima de diferenças partidárias, invadem as aulas de História e Biologia para apagar a lousa onde está escrito que raças humanas não existem, a não ser como invenção do racismo. Mas você liga para o que está escrito na lousa?

Já notou que os brasileiros sentem uma certa repugnância diante da idéia de serem divididos oficialmente em raças? Por coincidência, no mesmo dia em que vocês aprovavam uma lei que faz exatamente isso, divulgou-se uma pesquisa de opinião pública sobre atitudes diante do tema racial. Encomendada pelo Cidan, uma ONG racialista, a pesquisa fez perguntas viciadas, tendenciosas, a uma amostra da população carioca. Mesmo assim, 63% declaram-se contra as cotas raciais. Mais interessante é que as posturas diante das cotas raciais não variam em função da cor autodeclarada das pessoas. Entre os “brancos”, 63,7% rejeitam essa política; entre os “pardos”, 64%; entre os “pretos”, 62,2%. Eu interpreto isso como uma opção identitária: as pessoas, independentemente da cor da pele, querem ser cidadãos iguais perante a lei. Estou errado?

Não há motivo para imaginar que os demais brasileiros pensem diferente dos cariocas. Apesar da maciça propaganda racialista veiculada pelo Estado, os cidadãos percebem o mal que a pedagogia das raças faz aos jovens estudantes. A coincidência entre a divulgação da pesquisa e a aprovação por conchavo da lei de cotas coloca uma pergunta constrangedora: onde está a representação parlamentar da maioria que rejeita as leis raciais?

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

De mau a pior


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A Câmara dos Deputados passou o ano todo indo, voltando, virando e mexendo no projeto de emenda constitucional que altera o rito de tramitação das medidas provisórias. Embromando, seria o termo mais exato.

Na semana passada o presidente do Senado, Garibaldi Alves, deu um susto geral devolvendo de forma unilateral a MP de anistia às entidades filantrópicas, na terça-feira o Parlamento resolveu simular uma providência aprovando uma emenda que, na essência, não muda coisa alguma.

Ou, por outra, piora o que já estava ruim: conserva o poder de interdição da pauta do Legislativo nas mãos do Executivo, cria uma zona franca para o pedido de créditos suplementares e ainda livra o Congresso da responsabilidade constitucional de examinar os preceitos de relevância e urgência das MPs.

Hoje, uma medida provisória passa na frente de todos os outros projetos 46 dias depois de editada e paralisa a agenda até ser aprovada ou rejeitada. Pela nova regra, uma MP ganha prioridade no 16º dia de edição, mas pode perder essa condição se a maioria absoluta dos parlamentares (257 deputados ou 41 senadores) concordarem em inverter a ordem dos assuntos em pauta.

Em tese, o Congresso recupera a iniciativa e o poder sobre o andamento dos trabalhos. Na prática, fica tudo como está. O Executivo continua dono da chuva e do sol dentro do Parlamento.

Tendo a maioria e sendo ela ora subserviente ora fisiológica, de duas, uma: ou o governo sempre conseguirá mobilizar naturalmente sua base para impedir a inversão da pauta ou fará isso movimentando mais instrumentos de negociação caso a caso para assegurar a fidelidade da tropa.

Se o objetivo do Legislativo era reequilibrar a correlação de forças com o Executivo, o texto aprovado pela Câmara não dá motivo para comemoração. O Planalto ganhou mais uma vez.

Pode ser que venha a perder quando a emenda for a exame no Senado, onde a maioria governista é mais estreita e menos cordata. Mas, por enquanto está em vantagem.

No início, jogou duro contra qualquer mudança. A Casa Civil chegou a mandar uma proposta aumentando a validade de uma MP de 120 para 240 dias. Provocação pura.

Alertado para a necessidade de falar sério se não quisesse assistir a uma reforma para valer, o governo aceitou dar prosseguimento ao assunto, mantendo, porém, o trancamento da pauta como ponto de honra. Cláusula pétrea.

Pelo seguinte: se as medidas provisórias de alguma forma não paralisassem a pauta de votações não poderiam mais ser aprovadas em bloco e por acordo como ocorre atualmente. Nesse caso, o Executivo seria obrigado a tratar de cada medida em separado negociando a entrada na pauta e a aprovação do mérito.

Ou, então, diminuir o número de medidas provisórias. Como isso estava fora de cogitação, criou-se o inócuo atalho.

Essa é a parte, digamos, boa da história. A ruim impõe dois retrocessos: abre uma brecha para o pedido de créditos suplementares por meio de medida provisória para fugir das sentenças de inconstitucionalidade dadas pelo Supremo Tribunal Federal e extingue a exigência do exame de admissibilidade das MPs por uma comissão especial com poder de devolvê-las.

A comissão nunca se reúne, mas a prerrogativa de fazê-lo está lá, lembrando ao Congresso que ele não cumpre suas obrigações. Agora as medidas precisam de um parecer da Comissão de Constituição e Justiça que, seja qual for, não impede o curso da MP até o plenário.

Quer dizer, para o Executivo a situação é a mesma e para o Legislativo ficou bem mais confortável.

Honra da firma

O clima no governo não corresponde ao otimismo exibido depois da reunião ministerial de segunda-feira, da qual resultou uma "determinação" do presidente Lula para que os ministérios gastassem o dinheiro em caixa a fim de combater preventivamente os efeitos da crise econômica mundial.

A atmosfera tampouco é de pessimismo. Prepondera, na realidade, a incerteza. Ninguém sabe o que vem por aí em 2009. Por via das dúvidas, a ordem geral é manter o moral da tropa nacional elevado enquanto não se desenham com exatidão as conseqüências internas da crise externa.

O objetivo do encontro foi puramente virtual. Até porque os investimentos em questão não dependem da palavra do presidente. Quem não gastou recursos previstos no Orçamento (menos da metade até novembro) não o fez por falta de "autorização" de Lula, mas por insuficiência de desempenho.

É inócuo também o incentivo governamental ao consumo porque no cotidiano ninguém organiza as respectivas despesas conforme orientação do Palácio do Planalto.

Na política, contudo, o otimismo serve como antídoto ao baixo-astral que, como bem sabe o PT, quando se alastra pelo ambiente tende a desgastar o governo e favorecer a oposição.

E, se o ambiente é de mandato em reta final, com mais velocidade as más profecias se tornam o motor de sua própria realização.

Crise e oportunidade


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. A dívida externa americana, que chegou a US$10 trilhões antes da crise financeira iniciada no meio de setembro, está a ponto de atingir 100% do PIB com os sucessivos pacotes de liquidez já aprovados no valor total de cerca de US$2,5 trilhões, e mais um provável programa de US$700 bilhões para a criação de 2,5 milhões de empregos em obras de infra-estrutura a ser anunciado pelo presidente Barack Obama em seus primeiros dias na Casa Branca. E é previsível que outros pacotes de estímulos ainda virão. O outro déficit, o público, se ampliará para o recorde de aproximadamente US$490 bilhões no ano que vem, e caberá ao novo diretor de Orçamento, Peter Orzag, fechar o grande buraco orçamentário que será herdado.

Será possível à nova administração democrata montar uma arquitetura financeira que combine uma política monetária bastante frouxa no curto prazo, e que em longo prazo mantenha o interesse dos investidores nos papéis do Tesouro, diante de um déficit dessa magnitude? É real a possibilidade de os títulos do Departamento do Tesouro sofrerem uma desvalorização por conta do agudo crescimento do endividamento do governo?

As agências de classificação de riscos, das grandes culpadas pela crise financeira, considerarão rebaixar a classificação dos Estados Unidos, hoje considerados AAA? Se isso vier a acontecer um dia, o reflexo se verificará por toda a economia globalizada, já que os títulos do Tesouro americano são a referência internacional e o dólar é o padrão monetário.

O economista Paulo Rabello de Castro lançou um livro ontem cujo título já diz tudo: "A grande bolha de Wall St. - Como ela pegou o mundo, como ela pode afetar você". Ele está convencido de que "as autoridades estão perdidas diante de uma economia real que se dissolve". Paulo Rabello acha que "estamos diante de uma completa dissolução dos princípios econômicos. Será que serão torneiras de liquidez abertas que darão mais competição e competitividade à economia norte-americana?", pergunta, cético.

Ele vê "um excesso de questões mal respondidas pelo governo dos EUA", e ressalta que o "caminho para o qual estão levando a confiança no dólar é trágico". Por isso, ele diz que "é preciso acompanhar de perto a trajetória do Federal Reserve, com total atenção".

Os pacotes multibilionários de ajuda, neste caso, analisa Paulo Rabello, podem ter efeito contraditório, voltando-se contra o regime monetário dos países, expondo a fragilidade de suas moedas. "O grande desafio hoje é como reverter a grande fragilidade do regime monetário norte-americano. Para o resto do mundo, a pergunta é: haveria um substituto claro a ocupar o lugar de lastro internacional de transações?".

Ele diz que "o uso e abuso do suprimento de liquidez já tem sido a arma secreta desde Greenspan (Alan Greenspan, ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos), cuja escola é a mesma do (Ben) Bernanke e agora de (Tim) Geithner e Larry Summers".

Paulo Rabello ressalta que a liquidez abusiva até funciona enquanto a demanda por títulos públicos é grande e crescente, como ocorreu enquanto a China, Brasil, Índia, os países árabes "compravam literalmente trilhões em bônus dos EUA, os quais assim financiavam a guerra de 2003, a redução de impostos dos ricos, os programas eleitoreiros domésticos do Bush, etc etc". Mas ele crê, "com realismo", que essa demanda "secou ou vai secar feio" devido ao ajuste, "que demandará que os chineses poupem menos e que os americanos poupem o que nunca pouparam antes".

Para ele, existe em marcha "um choque de riqueza com sinal trocado que é monstruoso" com a percepção de todo americano de que "seu fundo de pensão foi parcial ou totalmente para o brejo". Paulo Rabello dá o exemplo da fábrica de carros GM, "que não consegue mais arcar com contribuições, ao mesmo tempo em que o valor dos ativos da reserva do fundo caem de valor drasticamente". E também o do Estado de New Jersey, que não poderá pagar as pensões integrais.

Para ele, este é o "efeito-pobreza", que é agravado pela noção do contribuinte de que "a torneira fiscal de hoje é o imposto amanhã, e que, assim, ele tem que poupar mais para enfrentar o imposto", anulando o esforço de convite ao gasto feito pelos pacotes de estímulos econômicos dos governantes.

O economista acha que a solução dependeria "de fazer os credores privados afoitos pagarem ao descontar seus créditos radicalmente, mas, se o governo estatiza o crédito, livra o prejuízo de credores e acionistas". Ele considera essa situação espantosa e intrinsecamente má, "pois prolonga o custo total do ajuste em cima das classes menos favorecidas, bem ao contrário do que faz crer a sabedoria e a mídia convencionais".

Paulo Rabello de Castro acha que, dessa crise, a preferência pelo dólar vai recuar e novos regimes monetários poderão surgir com papéis relevantes, e o Real poderá ser um deles, dependendo das decisões a serem tomadas pelo governo brasileiro.

Uma política de fortalecimento do Real teria que atender aos seguintes princípios, segundo Paulo Rabello:

1- Redefinição e contenção de despesas públicas.

2- Reforma tributária arrojada

3- Política fiscal neutra


Alguns objetivos de longo prazo deveriam também ser definidos:


1- Déficit nominal zero


2- Aumento de 10% da Produtividade Pública


3 - Meta de 30% de carga tributária em 2020


4- Fim da indexação pelo IGP


5- Aumento da Poupança Previdenciária


6 - Taxa de investimento de 25% do PIB em 2011.

Desastres conservados


Janio de Freitas
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Já falam nos bilhões do prejuízo com a atual calamidade. Mas o que valem em comparação com uma casa perdida?

HÁ EXATOS 25 anos, um dos governadores recém-vitoriosos na primeira eleição sem restrições, ao apagar da ditadura, irrompeu na notoriedade nacional com o espetáculo de sua ação em uma calamidade feroz. Era a nova figura de Esperidião Amin, que se deparou, mal estreara, com os horrores da enchente gigantesca no mesmo Vale do Itajaí e cercanias agora vitimados. As providências de engenharia, para prevenir o desastre das vazantes excessivas, começaram a ser definidas ainda antes de baixadas as águas e logo asseguradas pelo governo federal (Santa Catarina não teria recursos para tanto).

No quarto de século decorrido desde então, as enchentes cumpriram com regularidade a sua programação anual, concedendo apenas na intensidade variável das suas perversidades. Mas, sempre, cada uma delas configurando a advertência do que poderia vir no ano seguinte. Assim atravessaram os dois anos finais da ditadura com Figueiredo, os dois anos de Collor, o mesmo de Itamar, cinco de Sarney, oito de Fernando Henrique e, já se pode dizer, seis de Lula.

Os ministérios incumbidos das obras mudaram de nome, cresceram nos bilhões das moedas que mudaram de nome, o regime mudou de nome, mudaram dezenas de nomes de ministros como se não houvesse nem um. E o legado de tudo isso foi manter em perfeitas condições as características topográficas, geológicas, fluviais e habitacionais adequadas a novas calamidades.

Já falam, por aí, nos imaginados bilhões do prejuízo com a atual calamidade. Mas o que valem esses bilhões em comparação com a casa perdida por uma família que dedicou tanto da vida a consegui-la, a dar-lhe os bens simplórios que nunca se completam? O custo da orfandade daquela criança, de qualquer criança, cabe nos bilhões do prejuízo citados pelos técnicos e pelos governantes? E os filhos esmagados, sufocados na lama, sumidos nas águas, que valor os técnicos e governantes dão à sua perda pela mãe, pelo pai? Ou não pensaram nisso?

Em proporções que só representam calamidade para os atingidos, e apenas um registro rápido nos noticiários, os desatinos da natureza repetem-se pelo país todo, o ano inteiro. Grande parte seria evitável ou poderia ser atenuada, muitos são objeto de velhos projetos preventivos, mas seguem se repetindo como se fossem uma fatalidade acima do poder humano. É que estão abaixo do poder dos interesses. Eleitorais, comissionais, negociais. Lidam com vidas irreconhecíveis, por não terem presença social, como classe.

No atual desastre catarinense, duas ilustrações resumem o governo. O ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, a quem caberia rápida reação já aos primeiros sinais da calamidade, foi de uma lerdeza muito expressiva, digna de um garçom baiano como ele. É até improvável que soubesse o que é e onde é o Vale do Itajaí. Lula, por sua vez, só ontem se dispôs ao esforço de dar um pulo em Santa Catarina. E assim mesmo porque também ontem recebeu duras críticas por sua distância apática. Críticas acompanhadas da observação de que essa é a sua conduta costumeira nas calamidades e tragédias.

O "homem do saco" e a crise


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Quando do lançamento do Plano Cruzado (1986), o então deputado Antonio Delfim Netto produziu uma daquelas suas corrosivas frases: "Se inflação não tem causa, então o plano dará certo".

Como inflação tem causas, e como as causas não foram atacadas, o plano malogrou, depois de nove mágicos meses.

A frase de Delfim me volta à mente agora toda vez que leio sobre o tsunami de ajudas que os governos do mundo todo estão concedendo ao setor privado.

Se todos os problemas do mundo pudessem ser resolvidos nessa base, nunca haveria problemas no mundo. Bastaria, como agora, privatizar o dinheiro público e estatizar o risco. Bastaria botar para funcionar as máquinas impressoras das casas da moeda -e pronto, nunca haveria crise. Mas é como diz clássico refrão da economia que ninguém, a não ser por birra, é capaz de contestar: Não há almoço grátis.

Algum dia, os zilhões de ajuda serão pagos, ou na forma de déficit público cada vez maior, que, por sua vez, tende a gerar inflação, que tende a gerar contração da economia ou desorganização; ou na forma de endividamento desorbitado, que, não custa lembrar, é a causa original da presente crise.

O que torna a situação ainda mais dramática é a pergunta que James Horney, diretor de política fiscal federal do Center on Budget and Policy Priorities, de Washington, fez ao notável Sérgio Dávila: "Qual é a alternativa? Se o governo não se mexer para estimular a economia, o resultado poderá ser pior".

Quando era criança, me diziam que, se não me comportasse, viria o "homem do saco" e me pegaria. Hoje, vivem me dizendo que, sem esses pacotes todos, vem a "crise sistêmica" e me pega.

Nunca vi o "homem do saco". Alguém aí paga para ver se a "crise sistêmica" existe?

Em 2010, sob o império do cinza


César Felício
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Não resta dúvida sobre a influência de uma crise econômica de grandes proporções no resultado final de uma eleição, evidentemente um fator que ajuda a quem está na oposição. Mas na política o cinza impera sobre o preto e o branco e não existe uma variável que se imponha de maneira definitiva sobre todas as outras. Há exemplos que se deslocam no tempo e no espaço mostrando vitórias do situacionismo no contexto de graves crises econômicas.

Em 1998 o Brasil teve o menor índice de crescimento do PIB desde a introdução da nova moeda, com um percentual muito próximo de zero por cento. A taxa média de juros Selic foi de 31,2%. A fatia do desemprego aberto sobre a população economicamente ativa beirou os 12%. Quase 800 mil vagas no mercado de trabalho formal foram fechadas, número maior que a soma dos três anos anteriores. A única grande conquista que o então presidente Fernando Henrique Cardoso podia apresentar na esfera econômica era o estrangulamento da inflação - quase zero por cento - produzido pelo câmbio virtualmente congelado na paridade com o dólar. Não era pouca coisa, mas obviamente não estava na economia a razão que motivou a maioria absoluta dos eleitores a conceder ao tucano um segundo mandato presidencial já no primeiro turno, façanha não atingida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A reeleição de então foi construída no cenário político. O Palácio do Planalto minou o controle de Paulo Maluf sobre o então PPB - partido que chegou a reunir 88 deputados federais, embalado na perspectiva de o malufismo suceder Fernando Henrique - enquanto tucanos e petistas faziam vir à tona a ciranda dos precatórios na Prefeitura de São Paulo, que recolocou Maluf e seu à época herdeiro Celso Pitta na trilha dos escândalos. Os operadores de Fernando Henrique ainda conseguiram impedir que o PMDB lançasse a candidatura de Itamar Franco, em uma convenção movida a cadeiradas e palavreado chulo. E isolaram a oposição, ao cooptarem os governadores pedetistas Jaime Lerner (PR), Dante de Oliveira (MT) e até o petista Vitor Buaiz (ES), colocando a dupla Lula e Brizola caminhando sozinha pelo Brasil afora.

No começo de 2003, a crise do corralito ainda devastava a Argentina, então em "défault" e com a economia retrocedendo à razão de 10% ao ano. "Que se vayan todos" era um lema insistentemente repetido nas manifestações, em um sinal de repúdio à classe política. Na eleição presidencial, os dois principais candidatos que sinalizavam com mudanças radicais, o conservador José Lopez Murphy e a esquerdista moderada Elisa Carrió, ficaram em terceiro e quarto lugar. Nos dois primeiros lugares, classificados para um segundo turno que não chegou a se realizar, ficaram o ex-presidente Carlos Menem e o preferido do então presidente Duhalde, Néstor Kirchner.

Tanto o resultado no Brasil em 1998 quanto o da Argentina em 2003 não constituíram surpresas e se explicam pela conjuntura política própria de cada tempo e lugar. Indicam que a derrota do governismo em uma circunstância de crise econômica está longe de ser uma equação matemática.

Dilma Rousseff e José Serra, que hoje compõem a mais provável polarização em um segundo turno presidencial em 2010, possuem características semelhantes: radicalismo de esquerda na juventude, formação econômica e a imagem de que preferem a disputa política à composição. Um marketing eleitoral bem feito pode convencer os espectadores do processo de que estamos diante de duas pessoas preparadas para conduzir o Brasil em cenário adverso. Mas forjar alianças amplas talvez seja um atributo que falte a ambos.

Em nove eleições presidenciais democráticas realizadas no país, apenas em uma- a primeira, em 1945- houve a eleição de um ex-ministro do governo anterior, novato em disputas pelo voto: no caso, o marechal Eurico Dutra. Caso vença, Dilma seria o segundo caso em 65 anos. Serra conta hoje com um apoio à sua candidatura mais sólido dentro do parceiro DEM do que em seu próprio partido. Para a eleição de 2010, terá que se defrontar com o rival Aécio Neves. Na eleição municipal recém-terminada, precisou travar um embate surdo com o seu antecessor Geraldo Alckmin.

Se o agravamento da crise econômica diminuir o espaço de Lula para organizar a campanha de sua preferida, estará aberto o caminho para uma eleição pulverizada em 2010, em que não será impossível candidaturas próprias do bloco de esquerda e do PMDB.

Pode parecer desnecessário frisar a imensa quantidade de situações que ainda podem surgir nos próximos dois anos e direcionar o quadro eleitoral para um lado ou para o outro. Mas este é um exercício útil para exorcizar dois riscos: o de despolitizar um processo que é essencialmente político e de tornar a-histórico o que faz parte da história.

César Felício é repórter de Política. A titular da coluna, às quintas-feiras, Maria Inês Nassif, está em férias

Os “arranhões” da crise e os testes das disputas travadas no Congresso

Jarbas de Holanda

Em meio a dados contraditórios sobre os efeitos da crise global no Brasil – destacando uma melhora das operações de crédito no mês de novembro em relação a outubro e ignorando indicadores negativos, como a queda de 18% neste mês da rolagem de empréstimos para os setores privado e público e as férias coletivas de várias grandes empresas – o presidente Lula utilizou a reunião ministerial da segunda-feira sobretudo como cenário de campanha publicitária a ser lançada em dezembro com a dupla finalidade de motivar a população a continuar consumindo e de mostrar a eficácia das respostas do governo a tais efeitos. Apenas lembrando que poderá tomar novas medidas anticrise se ela se agravar (como a redução do IOF admitida como possibilidade pelo ministro da Fazenda), Lula reduziu a “alguns arranhões” as conseqüências que deverão ocorrer e voltou ao otimismo inicial reafirmando a crença num crescimento de 4% do PIB em 2009, ou seja, numa queda bem menor que a prevista pelo conjunto de analistas.

Disputas no Congresso – No aquecimento dos trabalhos dos senadores e deputados neste novembro pós-eleições municipais, destacam-se os seguintes temas ou questões: 1 – A ameaça de conflito entre o Legislativo e o Palácio do Planalto gerada pela devolução da MP das fi (ou pi) lantrópicas, que dá anistia a todas as entidades do gênero devedoras da Previdência. A inesperada devolução dela ao Executivo pelo presidente da Casa, Garibaldi Alves – um ato inédito de protesto do Congresso contra o uso abusivo de MPs – terá de ser submetida ao plenário. Paralelamente ao esforço que o governo faz para anular o ato de Garibaldi, o líder de sua bancada, Romero Jucá, prepara projeto de substitutivo que exclui anistia as entidades suspeitas de desvio de recursos públicos e de outras irregularidades. 2- A verdadeira declaração de guerra do governador de São Paulo,José Serra, ao projeto federal da reforma tributária, às vésperas da votação no plenário da Câmara do parecer do relator, Sandro Mabel, já aprovado na Comissão Especial que trata da matéria. “O que o relatório propõe – afirmou o secretário da Fazenda do governo Serra, Mauro Ricardo Costa, numa entrevista ao Estado de S. Paulo, de ontem – é a destruição da indústria paulista”. Enfrentando resistência também do governador mineiro Aécio Neves – embora menor e aberta a possível negociação -, o projeto (que inclui a fusão do PIS, da Cofins e do Salário-Educação no IVA, novo Imposto de Valor Agregado), terá ou teria a vigência de suas mudanças em janeiro de 2011, constituindo a única reforma econômica tentada no segundo governo Lula. Com forte empenho do deputado e ex-ministro Antonio Palocci, que preside a Comissão Especial. E 3– Por um lado, o aprofundamento das articulações do comando da bancada do PMDB no Senado com vistas à preservação da presidência da Casa no início de 2009 e, por outro, as reações da bancada e da direção do PT contra isso, e para a conquista do cargo, com apoio cauteloso do presidente Lula.

As tensões políticas em torno desses temas, além de relacionar-se a conflitos específicos neles contidos, constituem testes do equilíbrio ou do reequilíbrio de forças no Congresso – num plano, entre as bancadas governista e da oposição e, noutro plano, entre o Planalto e um PMDB tendente a terminar com o alinhamento automático ao governo Lula. Tudo, em crescente medida, voltado para a sucessão presidencial de 2010.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1160&portal=

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

MUSEU DA HISTÓRIA DA IMPRENSA COMUNISTA!

DEU NO EX-BLOG DO CESAR MAIA
A casa na Gamboa onde ficava a imprensa do partido comunista brasileiro, onde rodavam seus jornais e os livros da editora Vitória, será recuperada pelo PPS e transformada em Museu da História da Imprensa Comunista. A casa foi adquirida pelo PCB em 1950. Nos anos de repressão foi "empastelada" e fechada. A prefeitura encaminhará à Câmara Municipal projeto de lei de remissão de suas inevitáveis dívidas, pelas razões.
Clique abaixo e veja as fotos na Rua Leôncio de Albuquerque numero 34 -Gamboa- que será restaurado.
IDÉIAS INICIAIS PROPOSTAS PARA O PROJETO DO MUSEU DA HISTÓRIA DA IMPRENSA COMUNISTA!
Clique abaixo.