terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Democracia e socialismo

Carlos Nelson Coutinho
DEU EM O GLOBO


No GLOBO (16/12/2008), Ali Kamel publicou um interessante artigo, no qual comenta o livro "Memórias de um intelectual comunista", de meu querido amigo Leandro Konder. Ao evocar a trajetória intelectual e política de Leandro, Kamel se refere também à minha trajetória, detendo-se em particular num velho ensaio que publiquei há trinta anos, "A democracia como valor universal".

Kamel resume corretamente o contexto político-ideológico em que aquele ensaio veio à luz. Embora dirigido também a um público "externo", ele foi parte da luta travada então no seio do PCB, depois que a anistia permitiu o regresso de seus principais dirigentes e de alguns de seus intelectuais. Kamel recorda que nosso grupo, depreciativamente chamado de "eurocomunista" por nossos adversários, defendia uma tradição que provinha de Gramsci e, em particular, do saudoso Partido Comunista Italiano - tradição fortemente diversa daquela que inspirava o chamado "socialismo real" de matriz soviética.

Mas me surpreendeu a afirmação de Kamel de que meu velho ensaio "foi fundamental para que eu me afastasse da esquerda". Recordo apenas a passagem em que busco resumir os dois objetivos do ensaio: "Indicar como o vínculo entre socialismo e democracia é parte integrante do patrimônio categorial do marxismo; e como a renovação democrática do conjunto da vida nacional [é] elemento indispensável para a construção dos pressupostos do socialismo." Democracia, sim, mas no quadro da reivindicação do marxismo e da afirmação de que a democracia é parte integrante da luta pelo socialismo. Portanto, não foi a leitura do meu ensaio que levou Kamel a abandonar a esquerda e a adotar as posições conservadoras que hoje defende.

Kamel também não informa adequadamente o leitor sobre minha decisão de não republicar A democracia como valor universal em sua velha forma: ao contrário do que ele insinua, esta decisão não resulta de minha suposta passagem da "direita" para a "esquerda". Em meu livro "Contra a corrente", reeditado em 2008 e citado por Kamel, deixo claras as razões desta decisão: "Conservo minha convicção de que, no essencial, eu estava no caminho certo. Porém, relendo hoje o velho ensaio, percebo que ele era ainda tímido diante da revisão radical de alguns paradigmas analíticos que provêm dos bolcheviques e, sobretudo, da Terceira Internacional. Além disso, ele apresenta as marcas do contexto concreto em que foi escrito: estão "datados" não só muitos elementos da análise de conjuntura nele presente, mas também alguns dos alvos polêmicos contra os quais era dirigido. Foi por isso que decidi não republicá-lo em sua forma original." De resto, neste livro, num tópico intitulado precisamente "A democracia como valor universal", reproduzo quase literalmente a parte teórica do velho ensaio.

Kamel manifesta perplexidade diante do fato de que "a maior parte daquele grupo [de "eurocomunistas"] da "direita" do Partidão foi se deslocando para o extremo oposto: entraram no PSB, no PT e, hoje, estão no ortodoxo PSOL". Estou convencido de que permaneço, na topografia das opções políticas, no mesmo lugar onde estava na época em que escrevi "A democracia": o fato é que muitos dos que se supunham à minha esquerda (seja no velho PCB, seja no PT) foram paulatinamente se deslocando para o centro e até mesmo para a direita. Emblemático me parecem os casos do PPS e de muitas correntes hoje majoritárias do PT.

E não foi porque me "desloquei à esquerda" que decidi ingressar no PT. Quando tomei essa decisão, em 1989, o PT iniciava a saída do gueto político que marcara suas origens e começava a adotar uma estratégia de luta pelo socialismo baseada na conquista da hegemonia e no aprofundamento da democracia. Não hesito em dizer que, durante um certo tempo, a estratégia desenvolvida pelo PT foi a que mais se aproximava no Brasil das velhas propostas do eurocomunismo e do PCI.

Também não foi por um irresponsável "deslocamento à esquerda" que decidi participar da fundação do PSOL. Quando o PT, já antes de se tornar governo, abandonou a luta pelo socialismo, a política brasileira tornou-se "pequena política", ou seja, a mera disputa pelo poder entre dois blocos (agrupados respectivamente em torno do PT e do PSDB) que não diferem substantivamente em suas propostas programáticas e em suas práticas políticas. Diante disso, avaliamos - eu, Leandro Konder e Milton Temer, mas também intelectuais do porte de Chico de Oliveira, Paulo Arantes e Ricardo Antunes - que era preciso lutar pela manutenção na agenda política de uma alternativa de esquerda à mesmice imperante. Como continuo a crer na importância do partido político, aderi ao PSOL.

Esta adesão baseia-se numa aposta. Sei que nosso tempo não é favorável à esquerda. Ao contrário do PT, que nasceu num momento de ascensão dos movimentos sociais, o PSOL surge numa conjuntura de refluxo destes movimentos, muitos dos quais foram cooptados pelo governo Lula. Nada garante que o PSOL cumpra a função para a qual foi criado nem que venha a se tornar o herdeiro da política socialista e democrática que outrora foi encarnada pelo chamado "eurocomunismo". Isso vai depender não só do empenho de seus militantes, mas sobretudo das condições concretas em que irá se desenvolver a luta política em nosso país e no mundo.

Agradeço a Ali Kamel a oportunidade de esclarecer minhas posições - e também a de outros velhos intelectuais comunistas, como Leandro Konder e Milton Temer.

CARLOS NELSON COUTINHO é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Rosa Luxemburgo

Leandro Konder,
DEU NO JORNAL DO BRASIL / IDÉIAS & LIVROS
(27/12/2008
)

RIO - Há 90 anos, Rosa Luxemburgo e seu amigo Karl Liebknecht, ex-deputado, estavam refugiados em casa de um correligionário. Eram tempos tumultuados na Europa. Os operários alemães, aborrecidos com os baixos salários e com inveja dos trabalhadores russos, que tinham feito uma revolução, armaram barricadas nas ruas de Berlim. O partido de Liebknecht e Rosa Luxemburgo – a recém-fundada Liga Spartacus – tinha apoiado a revolta.

Rosa Luxemburgo se sentia eticamente comprometida com o movimento, mas sabia que ele não tinha chance de vencer. No dia 15 de janeiro de 1919, um grupo de soldados da divisão de cavalaria da guarda prendeu Rosa e Liebnecht, levou-os ao Hotel Éden, onde foram interrogados pelo capitão Pabst e espancados por seus capangas. Em seguida, o tenente Vogel levou os prisioneiros para um lugar pouco freqüentado à margem do rio, e seus asseclas os mataram. Foi aberto um inquérito que não apurou coisa alguma. No caso específico da morte de Rosa, a opinião pública ficou chocada pelo contraste entre a suavidade da vítima e a brutalidade de seus carrascos. Rosa tinha uma perspectiva política radical, porém divergia do modelo altamente centralizado de partido adotado por Lênin.
Ela dizia: “Liberdade só para os partidários do governo ou só para os membros de um partido, por maior que ele seja, não é liberdade coisa nenhuma. Liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente”.

Segundo ela, o envolvimento da Spartacus na violência daquela época decorria de uma contingência trágica: “A revolução proletária não precisa de nenhum terror”. Era culta, refinada, adorava Mozart e Beethoven, admirava Rembrandt. Hannah Arendt conta um episódio que mostra toda a elegância da ativista: durante uma sessão de um congresso socialista internacional, o francês Jean Jaurès fazia uma intervenção contra Rosa e ridicularizava as teses dela, quando o tradutor precisou sair. Rosa, poliglota, assumiu a função de intérprete e traduziu com absoluta fidelidade para o alemão o discurso mordaz que seu colega fazia contra ela.

Combatia a concepção da história determinista, e até mesmo fatalista, de alguns de seus companheiros. Para ela não havia nenhuma garantia da vitória final inexorável dos revolucionários. Estava convencida de que a humanidade tanto podia avançar para o socialismo, como podia regredir para a barbárie.

Era uma fascinante combinação de razão e afetividade. Às vezes, suas críticas eram bastante violentas. Presa em 1914, adotou a linha de ação de acusação a seus acusadores, sustentando que o grande criminoso era o governo. Em 1911, durante uma reunião do partido social democrático alemão, atacou seus companheiros, considerando-os excessivamente conciliadores. Aproveitou um intervalo para espairecer; saiu para passear em companhia de sua amiga, Clara Zetkin. As duas demoraram um pouco mais do que pretendiam e, no retorno, se desculparam pelo atraso. O deputado Bebel disse que todos ficaram preocupados, com medo de um atentado. Rosa sorriu:

“Se nós fossemos assassinadas, vocês poderiam gravar na nossa sepultura: 'Aqui jazem os dois últimos homens da direção da social-democracia alemã'”.

Quem lê hoje seus livros e sua correspondência fica inevitavelmente envolvido pela luta apaixonada da militante, que se recusava a renunciar aos seus sonhos mais pessoais e não admitia sacrificá-los no altar da revolução. Através das mais de mil cartas que escreveu a Leo Jogiches, o homem que ela amou ao longo de 15 anos e com quem queria partilhar a felicidade na vida privada.

O crime contra Rosa e Liebknecht foi tão bárbaro que, mesmo depois de vários anos, ao longo do período da República de Weimar, foram feitas tentativas de processar os assassinos. Porém, eles ficaram impunes, porque foi feita uma leitura bastante ampla dos direitos dos criminosos.


Invocaram aquilo que se poderia chamar de uma anistia amplíssima. Inconformado com essa impunidade, o amor da vida de Rosa, Leo Jogiches, empreendeu uma investigação por conta própria. Foi assassinado pelos bandidos de sempre.

O emprego no pano verde da crise

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


É intensa a agenda das centrais sindicais prevista para o início de 2009. Elas já estiveram no BNDES. Agora devem se reunir com os presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Querem convencer os organismos oficiais, pelo menos, a vincular os empréstimos às empresas à garantia da manutenção dos postos de trabalho. O que está em jogo é como evitar um choque de desemprego sem ferir direitos, como sugerem propostas surgidas na área empresarial.

No cardápio de alternativas para minorar o desemprego, até agora, já se falou na "flexibilização" dos direitos, no aumento do prazo e até do valor do seguro desemprego e o chamado "lay off", a suspensão temporária dos contratos de trabalho. À exceção da "flexibilização", proposta considerada "oportunista" pelo presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique da Silva Santos, as centrais estão dispostas a negociação, caso a caso, mas o foco primário da jornada dos sindicalistas é um só: a manutenção do emprego.

Esse foi o tema central da reunião com o comando do BNDES. O banco barrou a proposta de condicionar empréstimos à garantia de manutenção dos postos de trabalho, algo que considerou negativo, restritivo. Os sindicalistas, então, propuseram uma cláusula que prevê "empréstimo em condições mais favoráveis", se o empresário de comprometer a manter o trabalhador. O texto será analisado pela diretoria do BNDES.

Há mais em negociação com o BNDES, como a montagem de um gabinete de crise para avaliar os empréstimos do banco. As centrais, por meio dos sindicatos filiados, informariam sobre a situação de cada uma das empresas tomadoras. Nos atuais contratos já há uma cláusula que fala do compromisso das empresas com a manutenção do nível de emprego, que não é determinante. Mas é a brecha que as centrais encontraram para acompanhar os empréstimos do banco de fomento.

Após três anos de uma situação "positiva, com reajustes salariais acima da inflação, ampliação do espaço de negociação e a retomada de algumas bandeiras do trabalho", como diz Artur Henrique da Silva Santos, o novo momento exige das centrais sindicais administrar perdas. O perigo ronda a cada esquina.

De repente, por exemplo, o acordo para o reajuste do salário mínimo (variação do PIB do ano anterior mais a inflação) é visto como um risco a mais de aumento do desemprego. Esse acordo está sendo cumprido à risca pelo governo federal, mas não é lei - votado na Câmara dos Deputados, ainda espera pela deliberação dos senadores.

"É necessário o Congresso votar urgentemente o acordo do salário mínimo", diz Artur Henrique. "Nós defendemos outra tese: em vez de contribuir para o desemprego, o reajuste do salário mínimo aumenta a renda dos trabalhadores, o que aumenta o consumo e a produção, indispensáveis no combate a crise", argumenta. "Se você começar a olhar para a crise sem estabelecer que é preciso fortalecer o mercado interno, nós vamos ter problemas muito sérios".

Para o presidente da CUT a crise requer soluções diferentes para situações diferentes, pois nem todos os setores foram ou serão atingidos da mesma forma. "Não dá para trabalhar com uma proposta genérica de que é preciso flexibilizar ou reduzir direitos para poder manter o emprego".

Na ótica dos sindicalistas a crise não é geral. Há os setores voltados à exportação, como o automotivo e o de mineração, mais afetados e que "evidentemente tem uma situação mais delicada por conta da suspensão ou da possibilidade de países como a China suspenderem as compras de material do Brasil", diz o sindicalistas. Mas "há outros que continuam muito bem no Brasil, como o setor de comércio, que mesmo com queda em termos de valor, neste final de ano, do ponto de vista de volume de vendas continuam tendo um aumento".

Por essa perspectiva, as centrais acreditam que há um certo equilíbrio, com o impacto da crise sendo diferenciado nos diversos setores. E mesmo empresas afetadas diretamente pela tormenta teriam como manter os postos de trabalho, se aceitassem reduzir margens de lucro. Artur Henrique cita especificamente o caso da Vale, cujo presidente, Roger Agnelli, propôs a "flexibilização" de direitos trabalhistas na mesma entrevista em que anunciou que a empresa dispunha de R$ 14 bilhões em caixa para investir em 2009. "É uma incoerência. Trata-se, como se vê, de uma empresa que poderia ter uma redução das suas margens num momento de crise".

Para assegurar o emprego, os trabalhadores estariam dispostos a fazer contrapartidas, como já está ocorrendo nos setores mais afetados pela crise, segundo o presidente da CUT. No setor de autopeças, por exemplo, no qual o estoque das montadoras está muito alto e não há pedido de compras porque os automóveis estão no pátio, os estoques cheios. "No setor de autopeças o sindicato vai acabar fazendo uma negociação, seja no sentido de ampliação do seguro desemprego, seja de "lay off", como forma de tentar atenuar o problema", diz Artur.

Antes de conversar com os bancos oficiais e com o Congresso, as centrais avisaram o Palácio do Planalto sobre a estratégia consertada, entre elas, de focar na questão do emprego. Numa conversa anterior, os dirigentes da CUT disseram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não é verdadeiro o enunciado segundo o qual é preciso que os trabalhadores retomem a confiança para comprar produtos e manter alto o consumo, porque isso favoreceria a economia. "O trabalhador não vai trocar o carro, a geladeira e a televisão se ele tiver a ameaça do desemprego sobre a sua cabeça", diz Artur Henrique.

Para assegurar o emprego, as centrais afirmam que estão dispostas a negociar, desde que isso não signifique o sacrifício de direitos. "Não é uma proposta de cima para baixo, uma mudança de lei, como tem alguns empresários propondo, de flexibilizar para todo mundo. Não, aí não dá", diz o presidente da Central Única dos Trabalhadores.

Como em nenhuma outra crise antes dessa, os trabalhadores têm no Palácio do Planalto uma liderança legítima, e na qual confiam, para intermediar e avalizar as negociações.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras

Governo quer arrombar o cofre

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

MP que altera a lei do Fundo Soberano permite a Lula criar uma conta de gastos sem aprovação do Congresso

LULA DISSE ontem que anunciará mais medidas anticrise em janeiro. Por ora, sabe-se que deve vir um plano de construção de casas mais populares. Há o rumor, no governo, de que haverá um projeto de obras de infra-estrutura de conclusão mais rápida, o anúncio de concessões de infra-estrutura para a iniciativa privada e medidas "setoriais" (talvez na área de caminhões, tratores, máquinas). Mas o primeiro dos planos anuais de 2009 foi mesmo o pacotinho de Natal, a MP 452, que alterou a lei do Fundo Soberano do Brasil (FSB) no mesmo momento em que ela era promulgada.

O Congresso deixou o fundo quase vazio este ano. A MP vai permitir que o governo faça uma dívida de R$ 14,2 bilhões a fim de encher o cofrinho do FSB. Como o governo já "poupou" esses R$ 14,2 bilhões, a dívida a ser emitida está coberta. Mas, a seu bel-prazer, o governo criou despesa em 2008 para uso futuro.

Ao editar a MP o governo disse mais do que "dane-se o Congresso". Na prática, subtraiu ao Parlamento o seu já escasso poder de decidir o que fazer dos impostos. Quanto ao varejo político-econômico, o governo afirma na prática que vai reduzir o superávit primário deste ano para gastar mais em 2009, evitando porém que o superávit do ano que vem caia muito abaixo da meta de 3,8%.

Em tese e em abstrato, um fundo de poupança pública faz sentido. Como dizem o ministro Guido Mantega e economistas, tal fundo permite ao governo executar "políticas anticíclicas". Isto é, economizar em anos bons para gastar em anos de crise econômica. O problema elementar é que o governo TEM DÉFICIT FISCAL -não economiza, está no vermelho, deve.

O déficit nominal do setor público deve ser de 1% do PIB este ano. E daí? Imagine-se o caso de um cidadão que tenha uma dívida no banco, a juros de uns 14% ao ano, e que gaste mais do que ganha num certo ano. Esse cidadão reserva então parte do seu salário para um "fundo" a ser gasto no ano seguinte. Isto é, o cidadão não abate sua dívida cara, ainda continua no vermelho e acha que está fazendo reservas para o ano seguinte. Isso não faz sentido. Comparar a economia doméstica à economia do setor público em geral dá em besteira demagógica. Mas, nesse caso, a bobagem do governo autoriza a tolice da comparação.

A pessoas sensatas a MP parece inconstitucional, pois permite ao governo criar despesa à matroca. Abre uma conta de despesas financiada por emissão de dívida sem aprovação do Congresso (no Orçamento ou por meio de crédito extra). O governo diz que vai regulamentar a excrescência por meio de decreto.

Isto é, reafirma o seu arbítrio autorizando-se a gastar por meio de uma norma inferior a uma lei. E vai gastar no quê? Em quase qualquer coisa. O FSB, diz a lei, vai "promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos econômicos e fomentar projetos de interesse estratégico do país localizados no exterior".

Se o governo, como promete, investir mais e, por milagre, reduzir gastos de custeio (pois já contratou despesas enormes), terá contribuído para atenuar a crise. Mas arrombar a porta do cofre não é nem o meio legal nem racional de fazê-lo.

Se lá é assim...

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - Espionagem, às vezes (muitas vezes), é como o jornalismo: surge uma dica, uma "fonte de informação" ou um documento secreto, e, a partir daí, é preciso "preencher lacunas" e "criar um todo plausível". E é assim que se cometem as maiores barbaridades, como ensina um livro-reportagem sobre os inacreditáveis erros e absurdos da CIA e da DIA (EUA), do BND (Alemanha) e do MI6 (Inglaterra) que serviram de pretexto para a invasão do Iraque.

O livro "Curveball" (algo como bola de efeito), do norte-americano Bob Drogin, relata detalhadamente como um engenheiro iraquiano amalucado e viciado em internet manipulou os órgãos de inteligência dos três países até que Bush e Colin Powell caíram alegremente na esparrela de denunciar um rocambolesco projeto de fábricas móveis de bactérias.

Curveball, o iraquiano, inventou a história, traduzida do árabe para o alemão, do alemão para o inglês e, enfim, resumida. Em cada etapa, perdia ressalvas e desconfianças até desembarcar nos altos escalões com ares de veracidade. Sabe como é: a "fonte" precisa ser importante, o agente quer valorizar seu achado, o chefe tem que justificar a invasão de um país alheio. Cada um fala, vê, ouve e lê o que quer.

O livro não apenas destrói o endeusamento dos órgãos de segurança dos países ricos como vem bem a calhar no Brasil de hoje, em que todos grampeiam todos, chefes são chutados para o alto, "lacunas" são preenchidas ao gosto do freguês e os fins justificam os meios para "criar um todo plausível" -contra o seu inimigo, certo?

Ao ser despachado como adido policial do Brasil em Lisboa (?!), o delegado Paulo Lacerda leva o principal na bagagem: as gravações da operação Satiagraha e sabe-se lá quantos segredos -e de quem. Da oposição? Ou do próprio governo? No mítico mundo da espionagem, operam pessoas de carne, osso, ideologias e ambições. Saber é poder. Lacerda sabe muitíssimo.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1193&portal=

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

“Fidel decapitó las chances de la izquierda en América”

José Rodríguez Elizondo
DEU EM LA TERCERA (CHILE
)

Intelectual y ex comunista que vivió en la RDA

Uno de los chilenos que mejor conocen la influencia de Castro en América Latina, repasa la influencia de Moscú, Berlín Oriental y La Habana en las tesis militares adoptadas por la izquierda. En cuanto al decisivo influjo cubano, asegura: “Castro fue la tenaza izquierda que aprisionó a Allende junto a la tenaza derecha” tercera.cl .

Llegó exiliado a Alemania Oriental en 1974, junto a cientos de izquierdistas que huían de la represión desatada por la Junta Militar en Chile. Gracias a su condición de intelectual, se salvó del proceso de proletarización por el cual cientos de compatriotas trabajaron por años en factorías alemanas. Su destino fue la Universidad Karl Marx de Leipzig. Allí, junto a otros pensadores del PC, buscó infructuosamente aplicar el marxismo-leninismo a la realidad chilena, tanteando respuestas sobre el fracaso de la UP.

Su profundo desencanto con el socialismo y la ultranza teórica en que fue cayendo su partido lo hicieron, dos años después, romper con el PC y salir de Alemania Oriental. Entonces, dio inicio a un proceso de autocrítica que culminó con la publicación del libro “Crisis y Renovación de las Izquierdas en América Latina” (Editorial Andrés Bello, 1995, 410 Págs.).

“En una cena con Osvaldo Puccio y un abogado comunista, nos reíamos a carcajadas con Osvaldo de la ortodoxia de ese hombre, que estaba feliz y encontraba todo excelente, insuperable, en el comunismo alemán. Poco tiempo después, ese gran admirador del régimen de Honecker se suicidó”.

En esta obra, Rodríguez Elizondo plantea el negativo influjo que la revolución cubana ha significado para la izquierda tradicional en el continente. Un fenómeno que para este periodista, escritor y ex diplomático —que confiesa haber llegado hasta los 60—, tiene como uno de sus mejores ejemplos al PC chileno y su declive, luego de la fracasada adopción de las tesis militaristas por influencia de Castro. “El del PC es un ejemplo paradigmático, en la medida en que fue el partido comunista más desarrollado del continente y hoy es una fuerza política marginal”.

Su libro “Crisis y Renovación de las Izquierdas...” es el primero en lanzar la tesis de que Fidel Castro saboteó a Allende ¿En qué hechos concretos se basó para este juicio?

“Sabotear” es verbo suyo. Lo que yo digo es que basta un análisis sencillo de los dichos y hechos de Fidel Castro, para comprender dos cosas: primero, que temía profundamente el éxito de una revolución sin lucha armada como la que quería Allende. Segundo, que, por problemas caracterológicos, Castro nunca ha tolerado un liderazgo de izquierda en América Latina, que pudiera verse como equivalente o alternativo al suyo. Como Castro habla demasiado, en 1984 reconoció a la revista Newsweek que toda su estrategia armada y continental fue por autodefensa: había que llenar de focos guerrilleros el continente, para evitar que Estados Unidos se concentrara en Cuba. Más que internacionalismo altruista, fue un viejo truco de la estrategia militar nacional.

¿Derechamente, Castro saboteó a Allende?

Para enfrentar esa duda, hay que adentrarse en la mentalidad de Fidel. Con el éxito electoral de Allende, Castro recibió un tremendo desafío. Allende lo invitó una semana a Chile, tendiéndole una mano y sacándolo del aislamiento. En vez de agradecerlo, Castro vino en el fondo a chequear quién de los dos tenía la razón. La duda era si las armas eran la única vía para hacer la revolución en el continente, o si también era posible el camino allendista. Entonces, como ha dicho García Márquez, Fidel Castro es el peor perdedor que existe: no vino a Chile a tenderle la mano a Allende, sino a hacer con él un gallito, en el curso del cual pareció asumir que Allende estaba perdido. En el Estadio Nacional dijo: ‘Me voy más revolucionario que nunca’. Esto terminó por encolerizar contra Allende a la izquierda más radical, y a debilitarlo frente a la oposición de derecha. Castro fue la tenaza izquierda que aprisionó a Allende junto a la tenaza derecha.

¿Qué tan bien o mal le ha hecho Fidel Castro a la izquierda en América Latina?

Para mí Castro ha sido lo peor que pudo pasarle a la izquierda organizada de América Latina, porque esa izquierda se vio desbordada por la izquierda castrista (simbolizada por grupos como el MIR). Entonces, la izquierda tradicional quedó como una cultura decapitada: no pudo desarrollarse porque le surgió una oposición más a la izquierda. Y, al mismo tiempo, esa oposición que surgió más a la izquierda no tenía los medios para imponerse, porque la teoría de los focos guerrilleros de Castro (el foquismo) era una teoría instrumental. Por lo tanto, si uno lo mira con la distancia necesaria y sin pasión, se da cuenta de que Fidel Castro decapitó las posibilidades de la izquierda tradicional para crear focos guerrilleros condenados al fracaso.

El papel de la RDA y Moscú

¿Si Cuba fue el principal país que influyó en el giro del PC hacia tesis más “duras”, qué papel jugaron la RDA y Moscú?

Los viejos dirigentes de la Unión Soviética (y de Alemania Oriental, por reflejo dependiente) siempre consideraron a Castro un tipo un poco loco. Sólo que, tras la caída de Allende y a falta de una teoría propia sobre sus causas profundas, comenzaron a descubrir que muy loco sería Castro, pero había sabido “defender la revolución”. Eso, sumado a la decadencia brezhneviana, arrasó con las tesis pacifistas de Nikita Krushov, sin colocar nada en cambio. Lo paradójico fue que, mientras comunistas europeos procesaban la experiencia chilena como prueba de que nos faltó profundizar en la democracia, los dirigentes chilenos del primer círculo interpretaron la paralogización soviética como una inducción para comprometerse con la vía militarista de Castro.

Los viejos dirigentes de la Unión Soviética (y de Alemania Oriental, por reflejo dependiente) siempre consideraron a Castro un tipo un poco loco. Sólo que, tras la caída de Allende y a falta de una teoría propia sobre sus causas profundas, comenzaron a descubrir que muy loco sería Castro, pero había sabido “defender la revolución” .

¿Hasta qué punto sus vivencias en Alemania Oriental lo llevaron a respaldar esa tesis sobre la negativa influencia de Castro en Chile?

Mi paso por la RDA me sirvió para “desintelectualizarme” y liberarme de los dogmas inherentes a mi condición de militante comunista. En el fondo, verifiqué la homogeneidad de todas las dictaduras, de izquierdas y de derechas. También experimenté ese lugar común de que hay que perder la libertad para apreciarla.

¿Como ex comunista, cuál es el mejor y peor recuerdo de su exilio en la RDA?

Todo se mezcla en una cena con Osvaldo Puccio y un abogado comunista, en mi departamento de la ciudad de Leipzig. Con Osvaldo, socialista de humor reconocido, nos reíamos a carcajadas de la ortodoxia de ese hombre, que estaba feliz y encontraba todo excelente, insuperable, en el comunismo alemán. Sería un recuerdo ameno si no agregara que, poco tiempo después, ese gran admirador del régimen de Honecker se suicidó. Hoy pienso que sus alardes ortodoxos eran sólo una manera de mentirse y de mentirnos, en un contexto en el cual imperaba la desconfianza en el prójimo.

¿Cómo afectó la culpa del fracaso de la UP en el giro histórico hacia las tesis de “todas las formas de lucha”?

Sin duda, era un peso. Cuando una mística revolucionaria ha sido aplastada, puede existir una sensación de culpa e impotencia muy grande. Pero los fenómenos sicológicos nunca son absolutos. En todo caso, “Todas las formas de lucha” fue una fórmula ómnibus que permitía poner el acento en las elecciones o en la “violencia contrarrevolucionaria”, según la coyuntura. En cuanto a la opción concreta por un aparato militar sofisticado, con oficiales formados en Cuba, sé tanto como usted y quizás menos. Nunca estuve en los secretos del partido.

¿Cómo se enteró, entonces, de la reunión celebrada en La Habana, en 1974, en la que Castro ofreció al PC abrir las escuelas militares de la isla a la izquierda?

Me imagino que mantener ese tipo de secretos en La Habana era más difícil que en Berlín Oriental. El rumor existió desde el principio, pero creo que sólo con las memorias de Orlando Millas se “oficializó”.

¿Por qué dirigentes históricos como Orlando Millas eran contrarios a la vía armada y terminaron resignándose a ella?

Yo entendí otra cosa leyendo las memorias de Millas. Creo que él se espantó al ver que una decisión tan grave como la de formar cuadros militares en Cuba no se discutiera debidamente. Después, parece haberse resignado durante un tiempo. Al fin de sus días descubrió y confesó que esa política fue una monstruosidad. Con su conciencia cargada, escribió que a esos jóvenes comunistas “los conducimos a quemarse en Chile en batallas imposibles”.

Proletarización y Círculo de Leipzig

¿Por qué personas como usted se salvaron de ser enviados a las fábricas alemanas como parte del proceso de proletarización que sufrieron los chilenos?

Tal vez porque llegué a la RDA premunido de una invitación directa, personalizada, de -profesores distinguidos de la Universidad de Leipzig.

A esa universidad llegaron a trabajar otros intelectuales comunistas luego conocidos como el “Círculo de Leipzig” ¿Es cierto que este equipo diseñó la política militar del PC?

He leído versiones mitologizadas sobre ese grupo. Mientras yo estuve (hasta 1976), no tuvo el menor relieve “periodístico”. Se inició con cinco profesionales que trataban de suplir las reconocidas deficiencias teóricas del PC. Estudiábamos la Teología del sistema y tratábamos de aplicarla a nuestra realidad chilensis -yo, al menos, cada día con menos convicción-, bajo la orientación de un par de historiadores. Afuera, por celos o por exceso de fantasía, se nos consideraba miembros de una especie de Olimpo y se nos suponía dedicados a preparar las políticas secretas -especialmente militares- del partido. Hasta mi partida, en 1976, con excepción de Millas, nunca supe de dirigentes que leyeran o comentaran nuestros textos. Precisamente el tiempo libre que eso me dejaba me permitió escribir un libro e iniciar la investigación de mi ‘Crisis y Renovación de las Izquierdas en América Latina’.

¿Por qué todavía existe un tupido velo sobre estos temas?

Más bien, lo que falta es el reconocimiento de lo actuado por parte de sus actores. ¿Por qué esa renuencia a reconocer lo obvio? Quizás por un conjunto de factores. Entre ellos, porque algunos son como esos militares que temen reconocer culpas o pedir perdón. Porque en nuestra sociedad light el tema no parece entretenido, y los investigadores capacitados prefieren derivar hacia áreas más rentables. También, porque a los viejos dirigentes no les interesa hacer luz sobre sus errores y eso es muy humano. Fundamentalmente, porque en la cultura marxista y con mínimas excepciones, siempre hubo tensión entre los intelectuales, supuestamente blandengues, y los dirigentes, supuestamente recios y proletarios. Eso, en un marco de estructuras compartimentadas, implica que los que saben no escriben y los que pueden escribir no saben.

Terceira via para 2010

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O Brasil tem hoje 27 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral. À primeira vista é um número grande. Na prática, já ocorreu uma decantação no sistema. É difícil para os de fora do establishment político ter sucesso eleitoral.

Neste ano que termina, pela primeira vez em quase duas décadas, só três siglas (PMDB, PT e PSDB) obtiveram 50% dos votos nas eleições de prefeito nas cerca de 5.600 cidades. Avança a polarização entre dois grupos políticos (petistas e tucanos). Os demais ficam relegados a um segundo plano.

Não é à toa que a eleição de 2010 vem sendo dada como definida entre apenas José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT). Muita gente parece não se conformar com a decretação dessa inevitabilidade.

O problema é como viabilizar uma terceira via. Os partidos com poder para tal (PMDB e DEM) abdicaram de conquistar o Planalto.

Contentam-se em ser coadjuvantes. Construir uma nova sigla é tarefa inglória. O começo é do zero, sobretudo no rádio e na TV. Mas essa partidocracia petista e tucana pode sofrer um abalo. Chegou ao TSE uma consulta do deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio. Miro é o mesmo que há alguns anos provocou um terremoto com a tese da verticalização das alianças. Agora, ele indaga algo simples.

Depois do advento da fidelidade partidária, o TSE considera legítimo um político deixar seu partido para criar uma nova legenda. Nesse caso, seria também legal o político levar consigo para a nova agremiação o patrimônio obtido nas urnas (o tempo de rádio e de TV)? Se a resposta for sim, placas tectônicas se movimentarão na política.

É possível até uma centena de peemedebistas, pedetistas e outros mais (mesmo tucanos e petistas) se juntarem para quebrar a escrita bipolar entre Serra e Dilma em 2010. Está nas mãos do TSE.

ENTREVISTA: "Falta austeridade para enfrentar a crise"

Rubens Ricupero
DEU NA GAZETA MERCANTIL


O ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero, profundo conhecedor da economia brasileira, antevê com confiança o futuro do Brasil, mas relaciona uma série de dificuldades, que vão além do cenário de crise na economia internacional. Personagem destacado na implantação do Plano Real, ex-secretário geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), Ricupero vê como problemas brasileiros o baixo nível da educação pública, "essencial para a melhoria da qualidade de nossas instituições públicas", e, no cenário de turbulência econômica atual, o déficit nominal no orçamento do País, sinônimo de falta de dinheiro para cobrir seus próprios gastos, com o agravante da baixa poupança interna, na faixa de 17% do Produto Interno Bruto (PIB).

Nesta entrevista à Gazeta Mercantil, ele fala também da dependência que o País tem da exportação de commodities, como os produtos agrícolas, dos juros elevados, do custo da intermediação bancária, dos problemas de infra-estrutura e da reforma trabalhista. "A história vai censurar o presidente Lula por não ter tratado da reforma", afirma. Diplomata aposentado, diretor da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, Ricupero entende que o Brasil deve investir em sua imagem de potência mundial em meio ambiente e destaca que, diante da crise, o País tem uma "vantagem enorme" em relação a outras nações. Aponta como grande diferença a operação de bancos muito sólidos. Segundo o ex-ministro , o crescimento brasileiro em 2009 não ultrapassará em muito os 2%, na melhor das hipóteses. Ricupero considera que a crise nos Estados Unidos e no mundo deve durar até o final do ano novo. "Mas hoje não é possível eliminar a possibilidade de um resultado pior", ressalva.

Leia a entrevista de Rubens Ricupero:

Gazeta Mercantil - Qual sua maior preocupação com a crise econômica internacional, a partir dos Estados Unidos, que já irradia seus efeitos negativos para o Brasil?

Fico preocupado, se forem confirmadas as previsões mais pessimistas de que a crise econômica será longa, superior a cinco anos, como aconteceu com o Japão, com a estagnação que aconteceu na década de 1990. Mas espero um cenário mais positivo, que dure até o fim do próximo ano, 2009. E que seja relativamente moderada nos Estados Unidos, com crescimento de 1% a 2% no ano, recuperando-se mais vigorosamente em 2010. Porém, não é possível hoje eliminar a possibilidade de um cenário pior.

Gazeta Mercantil - Como o senhor avalia a reação do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, diante da crise?

No início, foi uma tentativa de negar a realidade sobre a gravidade da situação. Depois, houve uma evolução e o governo tomou algumas medidas muito corretas, a exemplo da oferta de linhas de crédito para exportações, do uso de reservas para empréstimos a empresas com dívidas a renovar, socorro aos setores agrícola, imobiliário e automobilístico. No entanto, a reação oficial parece ainda insuficiente, tanto na avaliação da gravidade das conseqüências para a economia, como a queda de produção e a pressão sobre as taxas de câmbio, como na falta até o momento de uma decisão clara de reduzir os gastos correntes do governo, sobretudo os aumentos com pessoal e viagens etc. O governo e os parlamentares não revelam ainda um clima de premência e austeridade, quando os cortes de gastos são necessários e urgentes.

Gazeta Mercantil - Apesar do cenário global negativo, o Brasil terminará este ano com crescimento do PIB superior a 5%. Qual sua expectativa para o próximo ano?

Infelizmente, acho que teremos um crescimento muito baixo, que não ultrapassará em muito os 2%, na melhor das hipóteses. É possível que a crise tenha um impacto mais grave no Brasil no primeiro semestre do ano novo, pois a queda da economia mundial está sendo muito rápida.

Gazeta Mercantil - O Brasil beneficiou-se adequadamente do período de crescimento da economia mundial?

O País, na verdade, só começou a crescer em 2003, na fase final do período de expansão mundial. A conjuntura favorável ocorreu no momento em que o Brasil mudava de governo (de Fernando Henrique Cardoso para Luiz Inácio Lula da Silva). Nós aproveitamos uma pequena parte.

Gazeta Mercantil - É um consolo o fato de o Brasil ter, na economia, condições relativas melhores que outros países - inclusive o Japão e os europeus - para enfrentar a crise?

Sem dúvida, sem dúvida. É um grande fator positivo concreto. Ter um sistema bancário que não foi afetado, como é o caso brasileiro, é uma diferença tangível para melhor em relação às grandes economias, que deveriam dar exemplo, como os Estados Unidos e o Reino Unido. Temos uma vantagem enorme com o nível de nossas reservas (superiores a US$ 200 bilhões) e, a grande diferença, bancos muito sólidos.

Gazeta Mercantil - O senhor afirma que o Brasil só pode competir com os gigantes na área da agricultura. Não temos outros espaços no comércio exterior?

A minha afirmação não é absoluta. A política cambial do Banco Central tornava impossível uma melhoria do valor agregado das exportações, condenando o País, como no passado, a ter mercado externo somente para produtos com competitividade natural alta, diante da demanda chinesa, a exemplo dos agrícolas e ferro, as commodities. Não há registro na história de nenhum país em desenvolvimento que tenha dado salto de qualidade em exportações com elevado valor agregado das manufaturas, sem que tivesse praticado uma política de câmbio desvalorizado. O Brasil teve uma política de câmbio valorizado, o oposto do que fizeram China, Japão, Coréia. Cada vez mais a pauta de exportações passou a ser dominada por commodities, que também são importantes, mas mais vulneráveis em momento de crise econômica.

Gazeta Mercantil - Como o senhor analisa o câmbio hoje?

O câmbio brasileiro preocupa em razão de suas violentas oscilações, com o dólar acumulando uma desvalorização de quase 30% nas últimas semanas. Mas já não é mais valorizado, como antes. Além da questão do câmbio, que está sendo corrigida, temos um custo de investimento muito alto, dependente de taxa de juros muito elevada, e a intermediação bancária, a mais onerosa do mundo - ainda nem começamos a resolver esses assuntos. Há também a elevada carga tributária, de aproximadamente 40% do PIB, a burocracia muito pesada, os problemas de infra-estrutura nos transportes, na operação de portos e na área de seguros. Para termos uma pauta de exportações de valor agregado crescente, precisamos resolver isso tudo.

Gazeta Mercantil - Qual a importância, no cenário da crise, das economias dos países que formam o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China)?

Sou reticente no uso da expressão bloco para os países do Bric. A Rússia está numa situação econômica dificílima, a Índia também enfrenta sérios problemas. A China é o único país que encontra espaço muito generoso para adotar medidas favoráveis à sua economia. Tem, por exemplo, uma taxa de poupança interna de 44% do PIB, enquanto no Brasil ela é de aproximadamente 17%. Os chineses, então, têm vastas reservas de recursos internos. O Brasil não. Só cresceu nos últimos anos com o crescimento do consumo com bom aporte de poupança externa, investimentos diretos e em bolsa, que diminuem com a saída de capitais em razão da crise. Não temos a capacidade para compensar isso. Tampouco dispomos de espaço de política fiscal, porque temos um déficit nominal no orçamento, se eliminarmos a idéia do chamado déficit primário, que desconsidera o pagamento dos juros. O Brasil não tem dinheiro para atender a todos os seus gastos e pagar os juros da dívida. Os Estados Unidos podem, por exemplo, aumentar sua dívida interna porque têm a moeda de referência no mundo, o dólar. Podem emitir papel, que seus títulos serão comprados.

Gazeta Mercantil - Ao lado de cuidar da economia, quais outras áreas deveriam merecer atenção especial do governo?

O presidente da Vale, Roger Agnelli, pediu recentemente a flexibilização das leis trabalhistas e sindicais. A história futura vai censurar o presidente Lula por não ter tratado desse assunto. Nenhum outro governante teve condições, como ele, que nasceu politicamente no movimento sindical, de fazer uma reforma trabalhista inteligente, que conciliasse a proteção dos direitos dos trabalhadores e o grau de competitividade que a economia exige. O que temos hoje é uma legislação de origem fascista italiana, atrasada, que emperra muito a economia. Ao mesmo tempo, nossos parlamentares têm um comportamento populista e demagogo diante do tema.

Gazeta Mercantil - O senhor agora atua no ensino superior. Estudo recente mostra que, na última etapa da educação básica, de cada dez alunos matriculados, somente seis concluem os estudos e estão aptos a obter uma graduação maior. Como o senhor avalia nossa educação?

A educação, infelizmente, merece uma nota muito baixa. Ao lado dela, o País precisa melhorar a qualidade de suas instituições públicas, incluindo a Justiça, que é demorada e ineficiente, o Congresso e o Executivo. Temos ilha de eficiência num oceano de desperdícios. A qualidade da educação é um problema grave em longo prazo. As escolas primárias e secundárias são muito ruins. O problema hoje não é mais a quantidade; é qualitativo, embora o atual ministro da Educação, Fernando Haddad, venha se esforçando para melhorar a escola pública. Hoje, quando o jovem chega ao ensino superior, vemos que só um pequeno grupo é capaz de escrever, falar e compreender o que lê. Assim, os nossos recursos humanos, no mercado de trabalho, são de baixa qualidade, o que é gravíssimo. Todo país que tem uma posição importante no mundo resolveu essa questão. Tudo gira em torno da educação, que é essencial também para a melhoria da qualidade de nossas instituições públicas.

Gazeta Mercantil - Qual sua percepção sobre o futuro brasileiro em meio a tantas dificuldades?

Em curto prazo, temos condições relativamente melhores que muitos outros países. Nosso sistema financeiro é sólido, temos recursos naturais que se valorizam no mundo - as descobertas de petróleo no pré-sal vão fazer a diferença. Além disso, temos um grau elevado de democracia e estabilidade política, mesmo com o baixo desempenho de nossas instituições públicas. O Brasil será beneficiado pelo bônus demográfico, com o crescimento moderado da população. Podemos crescer menos economicamente, que no passado, para ter igual resultado. Vejo o futuro com confiança. Não temos, mesmo em comparação com os países do Bric, problemas raciais e religiosos - estamos em paz com nossos vizinhos há 138 anos. Os problemas de nossas instituições e da educação são perfeitamente solúveis.

Gazeta Mercantil - Qual o grande potencial do País?

Tenho insistido muito que o Brasil é uma potência mundial ambiental, e o governo deveria dar maior atenção a isso. Está aqui a maior floresta tropical do mundo; a maior reserva de biodiversidade biológica do planeta; a maior reserva de água doce, que ganha cada vez mais importância. Temos também uma matriz energética relativamente limpa porque temos as usinas hidrelétricas. O Brasil, além de tudo isso, é o único país que tem no mundo uma experiência de 35 anos, em escalas gigantes, na área de biocombustível, desde o carro a álcool. A experiência dos demais ainda se encontra, praticamente, em nível de laboratório. Não haverá solução dos problemas do mundo sem a participação brasileira, mas temos de resolver o controle do meio ambiente, evitar o desmatamento na Amazônia, estabelecer um zoneamento para seu uso e acabar com a exploração predatória.

Os grandes desafios de 2009

Maria Cristina Pinotti e Affonso Celso Pastore
DEU NO VALOR ECONÔMICO


As convicções do governo Lula estão sendo testadas diante da atual crise internacional. Desde o início do primeiro mandato o governo manteve um elevado grau de disciplina macroeconômica, graças em grande parte ao pragmatismo do presidente Lula, que não sucumbiu às pressões vindas de dentro do Partido dos Trabalhadores para que enveredasse pelo caminho da heterodoxia e do populismo. Mas seu governo nunca foi submetido a um teste que colocasse à prova aquele pragmatismo. Afinal, ao contar com a contribuição de uma conjuntura internacional favorável ao crescimento econômico, podia jogar livremente e com custo baixo o jogo da "ortodoxia" na política econômica, conseguindo ao mesmo tempo agradar os mercados e as agências de risco; elevar a sua popularidade; e acalmar os setores mais à esquerda de seu partido, porque a eles entregava um crescimento acelerado e um aumento da probabilidade de permanecer no poder por muitos anos.

Agora o governo terá que enfrentar os efeitos de uma economia internacional em crise, que afeta o Brasil através da contração do crédito; da redução no ingresso de capitais e da queda nos preços das commodities; e da deterioração das expectativas de consumidores e empresários. O mundo impõe ao Brasil uma desaceleração no crescimento, mas o custo político da desaceleração parece ser insuportável para o presidente, que tenta contrariar as forças da natureza. Por que não seguir as mesmas políticas monetária e fiscal expansionistas dos Estados Unidos e da Europa? Ocorre que a reação destes países não serve de exemplo para o Brasil. No mundo industrializado há uma crise de insolvência bancária, e quedas assustadoras de produção industrial e do PIB. Nos próximos dois trimestres os Estados Unidos terão contrações do PIB a taxas anualizadas superiores a 4%, e as perspectivas são de taxas de desemprego superiores a 8%, enquanto que na Europa as quedas de produção industrial, em muitos países, superam 8% ao ano. Taxas de juros convergindo para zero e fortes expansões no déficit público são os remédios contra a deflação e a depressão. O caso brasileiro é totalmente diferente. Fazer "o que todo mundo está fazendo" não é uma boa diretriz a ser imprimida à política econômica no Brasil.

A cada semana vêm sendo anunciadas medidas contra-cíclicas, quer expandindo os gastos públicos e reduzindo impostos, quer expandindo o crédito através dos bancos oficiais. O governo nega que ocorrerá uma desaceleração no crescimento, mas esta é inevitável e reduzirá a receita tributária. Por isso, mesmo antes de novas medidas reduzindo impostos e elevando gastos já há uma importante redução do superávit primário. Crescem também as pressões para que o Banco Central reduza a taxa de juros olhando somente para a atividade econômica e não para a inflação. Estímulos são necessários, mas não em excesso. O governo está cada vez mais preocupado com o custo político de uma recessão, que teria efeitos negativos na popularidade de Lula e na sua capacidade de eleger seu sucessor, pondo em risco a qualidade das políticas macroeconômicas e, conseqüentemente, a capacidade de o país crescer quando a crise tiver se dissipado.

Além da contração derivada da disfunção do crédito, que a curto prazo vem sendo habilmente minimizada, porém não integralmente evitada pelo Banco Central, há os efeitos da queda nos ingressos de capitais, que impõe um encolhimento no déficit nas contas correntes que, por sua vez, requer uma queda na demanda doméstica, levando a uma queda no crescimento do PIB. Se esta desaceleração no crescimento do PIB continuar a ocorrer ao lado de uma queda na inflação, como vem ocorrendo até o presente momento, a vida do Banco Central será mais fácil. Mas isto não está garantido, e crescerão as pressões para políticas monetárias mais frouxas, ignorando os riscos da inflação. Por outro lado, na medida em que preocupado com o custo político desta desaceleração, o governo exagerar em políticas contra-cíclicas, elevando os gastos públicos, estimulando o consumo das famílias através de reduções de impostos e aumento do crédito oferecido por bancos oficiais, jogará um maior peso do ajuste na absorção sobre a contração dos investimentos, o que piora as perspectivas de crescimento. Na medida em que persista a escassez de fluxos de capitais, o déficit nas contas correntes terá que se reduzir através de maior depreciação cambial, o que eleva a inflação, acentuando conflitos, em vez de reduzi-los.

Para evitar o dissabor de ver depreciações cambiais e inflações maiores, acentuando o dilema do Banco Central, o governo deveria evitar o crescimento de duas componentes da demanda total doméstica: o seu próprio consumo e o consumo das famílias. Não tem como combater diretamente o encolhimento nos ingressos de capitais, que lhe é imposto exogenamente. Pode e deve utilizar as reservas para evitar quedas maiores no consumo e na formação bruta de capital fixo, porém essa utilização tem que ser prudente. Se utilizasse exageradamente as reservas para impedir uma depreciação cambial mais forte estaria se expondo ao crescimento dos prêmios de risco e ao encolhimento ainda mais forte dos ingressos de capitais. Somente resta ao governo a opção de reduzir o déficit nas contas correntes, tornando-a mais compatível com a nova realidade dos ingressos de capitais. Mas isto impõe que caia a absorção, e não é este o caminho que tem a preferência do governo, que prefere elevar os seus gastos e estimular o consumo das famílias, o que piora as condições para o equilíbrio macroeconômico, mas no curto prazo eleva o apoio popular ao governo.

Decisões tomadas por estadistas, com horizontes mais longos, diferem de decisões tomadas por governos que somente olham para a sua popularidade. No caso brasileiro o horizonte do governo é determinado pelo horizonte da eleição presidencial, que ocorrerá em 2010, e é muito curto em relação à provável duração da atual crise. Opções de política econômica que criem condições para uma recuperação mais sólida quando o mundo superar a presente crise e iniciar a sua recuperação não são as que maximizam a popularidade do governo no horizonte de uma campanha eleitoral. As preferências deverão concentrar-se em medidas de expansão de gastos públicos e de estímulo ao consumo, ou que forcem o Banco Central a uma redução mais intensa e mais veloz da taxa de juros, ampliando o risco da inflação. O crescimento econômico não será beneficiado, e talvez nem a própria popularidade do governo.

Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti são economistas e escrevem mensalmente às segundas-feiras.

Crise, mãos e bons votos

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Falei aqui na semana passada, a propósito da crise mundial, do contraste entre incompetência e ânimo de fraude. O contraste se liga com outra antinomia que remete ao cerne do debate sobre a crise.

Trata-se de algo que a reflexão sociológica e política tem designado de muitas formas e que Robert Nozick sintetizou há alguns anos, em "Anarquia, Estado e Utopia", em termos de dois modelos explicativos em torno dos quais oscilamos perversamente: o modelo da "mão invisível" e o da "mão oculta". De um lado, sempre que a feição mais ostensiva dos fenômenos sugere a ocorrência de mecanismos do tipo dos sugeridos pela clássica "mão invisível" de Adam Smith (ou seja, de mecanismos causais, que não correspondem à realização dos desígnios buscados explicitamente na ação de quem quer que seja), a explicação aparece como devendo consistir em apontar a atuação, "na verdade", dos interesses ou objetivos de algum ator ou conjunto de atores - portanto, em substituir os mecanismos de mão invisível por outros do tipo "mão oculta", o desígnio de alguém ou de algum grupo, tipicamente um desígnio sinistro ou conspiratório. De outro lado, sempre que os aspectos aparentes sugerem a operação bem sucedida de agentes que buscam seus próprios objetivos, e em que a intencionalidade envolvida se ajusta a um modelo do tipo "mão oculta", a explicação consistiria, ao contrário, em mostrar que "na verdade" o ator é irrelevante e que os mecanismos de causalidade social objetiva é que fornecem a verdadeira explicação.

Por certo, a "mão" que atua de modo intencional não é necessariamente sinistra ou maligna, e pode mesmo ser ostensiva em vez de oculta: há o herói, o estadista, o "proletário consciente"... Além disso, a convivência e o embate entre os dois modelos podem dar-se dentro de uma mesma perspectiva, se esta é definida em outros termos. Veja-se o confronto entre "determinismo" e "voluntarismo" no marxismo, que fala nas "condições objetivas" mas convida à "tomada de consciência" e à luta; ou, na ciência social acadêmica da atualidade, a chamada teoria da "escolha racional", que expande para diversos campos os supostos da economia neoclássica e destaca, no nível "micro", a busca intencional e supostamente racional do interesse próprio por agentes individuais, mas observa com atenção os efeitos de causalidade objetiva (a causalidade "supra-intencional") que resultam, no nível "macro", da agregação da multiplicidade de ações individuais dispersas. E, de par com a "manipulação" negativa e sinistra que a "mão oculta" sugere, a causalidade que emerge no nível agregado, se podia ser descrita como a benigna mão invisível por Adam Smith, pode igualmente carregar-se de efeitos negativos e perversos, ou cristalizar-se em "contradições" estruturais.

Como é bem claro, Estado e mercado correspondem, em princípio, aos pólos de intencionalidade e dinâmica espontânea que aí sobressaem - o que está longe de permitir situar de vez qualquer deles quer no lado "benigno" quer no "maligno" do espaço subjacente. Seja como for, a dinâmica "neoliberal" que culmina na crise atual era até há pouco descrita não só como um dado da realidade objetiva à qual, contra as fantasias de esquerdistas menos ou mais radicais, não seria possível senão acomodar-se (em paralelo curioso com automatismos supostamente irresistíveis antes apontados pela esquerda a operar em direção diferente); ela corresponderia também à realização de valores preciosos. Temos agora a multiplicação de interpretações em que não só se salientam as distorções e falhas dos espontaneísmos do mercado como tal de que a crise teria brotado; mais que isso, aponta-se com insistência o aspecto de sinistra mão oculta nas ações dos próprios agentes ostensivos do Estado.

Sem dúvida, é no espaço da política que as conspirações se executam, e o fato de que digam respeito a interesses econômicos não torna essa proposição menos verdadeira. Além disso, a diferença que faz um Ronald Reagan (ou um George W. Bush...) como estímulo à cara mais feia do mercado que a crise exibiu é patente. Análises sérias (um exemplo é "The Transformation of American Politics", organizado por P. Pierson e T. Scokpol) têm mostrado o próprio predomínio político-eleitoral do Partido Republicano nos Estados Unidos das últimas décadas como produto, em boa medida, de conspiração bem conduzida.

É difícil aceitar, porém (como vemos na informativa colaboração de Rubens Ricupero sobre a crise no número 64 de "Estudos Avançados"), que o argumento seja levado ao ponto de minimizar ou negar o papel da adesão de boa-fé a uma ideologia que se mostraria agora "equivocada", com a desqualificação, na sequência, do empenho regulador que se poderia ter com o próprio Barack Obama pela presença de certas figuras entre seus assessores econômicos. Afinal, a desregulação foi parte de um receituário tomado com seriedade até por governos trabalhistas ou socialdemocratas pelo mundo afora. E é no mínimo curioso juntar ao diagnóstico o que pode ser visto como a candura com que Alan Greenspan, agora erigido em vilão quase do porte de Bernard Madoff, admite sem vacilação no Congresso estadunidense que sua filosofia econômica estava errada. Joseph Stiglitz, em "The Economic Crisis: Capitalist Fools" (Vanity Fair, janeiro de 2009), destaca a admissão para lamentar as consequências atuais da difundida adesão a tal filosofia nos Estados Unidos e em muitos outros países.

A ênfase na causalidade objetiva pode extremar-se na idéia da fatalidade ou do destino. Mas, como na fala do Corisco de Glauber Rocha, há uma acepção em que o próprio destino é passível de mudança. Oxalá possamos dispor de heróis maquiavélicos no melhor sentido, dotados da "virtù" e atentos às condições da "fortuna", para (sem armas, apesar de submarinos franceses) mudar o destino de muita gente em 2009 - e 2010, 2011...

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Socorrer quem?

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Se os bancos continuarem a ser socorridos sem serem nacionalizados, não haverá a reestruturação necessária

O QUE FARÁ o presidente eleito Obama com o pacote fiscal de mais de US$ 850 bilhões que o Congresso dos Estados Unidos está colocando à sua disposição para estimular a economia? Promoverá o consumo dos pobres e da classe média ou o luxo dos ricos? Estimulará as empresas que investem e inovam ou os rentistas que vivem de juros e dividendos e os financistas que se enriqueceram recebendo comissões de performance e bônus sobre uma riqueza financeira fictícia que criaram?

Essas duas perguntas não têm apenas um conteúdo moral. De sua resposta dependerá o êxito ou o fracasso de uma política fiscal que visa evitar que a recessão nos Estados Unidos se transforme em depressão.

Comecemos pela segunda pergunta. Uma parte dos recursos será necessariamente usada para capitalizar os bancos. Mas essa capitalização deve ser feita com a reestruturação do sistema financeiro. E nela é essencial que os acionistas percam o controle dos bancos e que os financistas tecnoburocráticos que os administraram sejam afastados. Foi isso o que foi feito no Brasil no caso do Proer. Os bancos foram salvos, não seus acionistas nem seus administradores. Nos Estados Unidos, não é isso que está sendo feito.

No caso do Citibank, houve um primeiro socorro de US$ 25 bilhões e, no fim de novembro, outro de US$ 20 bilhões, em um momento em que o valor patrimonial do banco havia caído para US$ 20 bilhões. Não obstante, conforme noticiaram os jornais, o governo ficou com apenas 8% das ações do banco.

Uma política desse tipo, além de injustificável do ponto de vista ético, é inaceitável do ponto de vista econômico e administrativo. No setor financeiro, não basta que o governo americano promova a regulamentação do sistema e socorra os bancos; precisa, além disso, quebrar o poder do lobby financeiro que foi responsável pela desregulamentação e pela crise bancária. Se os bancos continuarem a ser socorridos sem serem nacionalizados (e, depois de saneados, reprivatizados), não haverá a reestruturação necessária do sistema, o capitalismo americano continuará baseado em finanças em vez de na produção, e não apenas ficará sujeito a novas crises: a crise atual demorará mais para ser superada. O exemplo negativo do Japão é nesse sentido claro. Em 1990, depois de uma enorme bolha imobiliária e acionária, o país entrou em crise e, como não reestruturou os bancos, nela permaneceu por 10 anos.

A resposta à primeira pergunta é também crucial. Enquanto um pacote fiscal conservador reduz o imposto dos ricos (governo Bush), um progressista aumenta a renda dos pobres e resguarda a da classe média. Enquanto uma política fiscal equivocada realiza imensas obras públicas sem qualquer prioridade (essa foi novamente a prática japonesa dos anos 1990), uma competente restringe os investimentos aos realmente necessários, ao mesmo tempo em que incentiva os pobres com sistemas de renda mínima (como nós fazemos no Brasil) e incentiva as famílias de classe média a consumir por meio de esquemas que lhes permitam, por exemplo, conservar as casas em que habitam.

Nos primeiros meses de seu governo. Obama terá poder suficiente para quebrar o lobby financeiro-tecnoburocrático. Vamos torcer para que ele o use bem. Sua vitória não será apenas dos americanos, mas de todo o mundo.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais&portal=#

domingo, 28 de dezembro de 2008

Neoclássicos versus keynesianos e a crise

Flávio Basilio
Valor Econômico (26/12/2008)

A evolução da Teoria Quantitativa da Moeda, particularmente a sua nova versão ancorada no arcabouço wickselliano, tem como conseqüência natural a proposição de que a poupança determina o investimento. Sob este referencial, o foco principal de análise é baseado na determinação dos preços, e não da renda nacional. O preço fundamental é aquele que garante o equilíbrio entre poupança e investimento, ou seja, a taxa de juros. Segue-se, portanto, que se o país cresce pouco é porque não tem poupança suficiente para estimular o investimento adicional requerido, e não tem poupança porque a taxa de juros é baixa, dando origem ao fenômeno da repressão financeira. Sob este aspecto, estratégias de redução dos gastos públicos são sempre bem vindas, mesmo em um cenário de crise, uma vez que aumenta a poupança do governo. Essa mesma teoria postula que se o país não tem poupança pública e privada suficientes para estimular o crescimento econômico, então o país deveria adotar uma estratégia de liberalização dos fluxos de capitais com o objetivo de captar poupança externa.

Do outro lado do flanco de batalha, Keynes, em sua obra magna "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", constrói o argumento de que a poupança, ao invés de constituir-se no pré-requisito do investimento, como propõe a economia neoclássica, é, na verdade, seu resultado. Essa mudança ocorre porque a variável central no pensamento keynesiano não são os preços e sim o produto real. Em uma economia monetária ou empresarial, a decisão de investir não depende da disponibilidade de produto não-consumido, mas de financiamento, isto é, acesso aos meios de pagamento. Para isso, o sistema financeiro, em particular os bancos, deve ser capaz de colocar nas mãos dos empresários os meios de compra necessários para que os investimentos sejam efetivados.

Dito isso, o que podemos esperar de proposições de política econômica por parte dos economistas em um cenário de crise? Os economistas neoclássicos, se forem coerentes com o referencial teórico que defendem, não terão o que falar sobre a crise financeira. Isso porque a crise não tem espaço no referencial neoclássico, uma vez que os mercados financeiros são sempre eficientes e garantem a perfeita alocação dos recursos. Sob esta lógica, se a crise financeira existe, ela só pode ser culpa do governo que interveio excessivamente na economia distorcendo o funcionamento adequado do mercado.

Infelizmente, esta afirmação não tem contraparte nos fatos. O que se evidenciou foi uma crescente liberalização dos mercados financeiros a partir da era Volker, bem como o aprofundamento da liberalização dos fluxos internacionais de capitais capitaneados pelo segundo Consenso de Washington. Curiosamente o resultado foi o aumento da fragilidade financeira das economias capitalistas. De qualquer sorte, dado que a crise financeira requer proposições de política econômica, a corrente neoclássica, obviamente, defenderá a necessidade de um forte ajuste fiscal por parte do governo com o objetivo de aumentar a poupança doméstica, liberando, dessa forma, recursos adicionais aos empresários. Acrescenta-se que a autoridade monetária deverá manter um austero controle da inflação. Para isso, é imperativo que o Banco Central mantenha a taxa básica de juros em 13,75%. Em primeiro lugar porque dessa forma, as expectativas de inflação convergem para a meta. Em segundo lugar, porque quanto maior a taxa de juros, maior será a poupança e, conseqüentemente, maior será o investimento. A corrente keynesiana, por sua vez, advogará que o governo, em um cenário de crise, deverá elevar os gastos de investimento com o objetivo de estimular a demanda agregada. Em especial, o governo deverá efetuar aportes significativos de capital, por intermédio do Tesouro Nacional, ao BNDES com o objetivo de restabelecer e fortalecer as linhas de crédito às empresas, em especial ao setor exportador, sob pena de no futuro próximo estarmos sujeitos a uma nova crise do balanço de pagamentos. Mais uma vez, o antagonismo de proposições de política econômica fica evidente. Os neoclássicos defendem a necessidade de crescimento com poupança externa, o que implica necessariamente déficit em transações correntes. Os keynesianos, por sua vez, defendem que o crescimento sustentável só é possível se o país adotar uma estratégia de crescimento puxado pelas exportações, a exemplo do que faz a China. Nesse momento, políticas sociais de redistribuição de renda também são bem vindas, na medida em que aumentam a eficácia de política fiscal por intermédio do aumento do multiplicador da demanda autônoma. Além disso é fundamental a redução de pelo menos 1 p.p na taxa básica de juros com vistas a reduzir o custo do capital, estimulando o crédito ao setor privado.

Em síntese, o governo brasileiro deve seguir o exemplo do primeiro ministro do Reino Unido e repudiar medidas heterodoxas neste momento. Deve adotar políticas coordenadas de estimulo fiscal e expansão monetária com vistas a garantir a solvência do setor privado - fragilizado pela excessiva apreciação cambial que conduziu as empresas a substituírem receita operacional por receita financeira a partir das operações de target foward - estimulando a demanda agregada e barateando o custo do capital.

Mais do que nunca, o governo tem que colocar o PAC para andar, para, pelo menos, manter o crescimento da economia. Além disso, verifica-se que os preços das commodities e, em especial o preço do petróleo, estão despencando no mercado internacional. A pressão inflacionária provocada pela elevação dos preços dos alimentos desapareceu. Os Estados Unidos já convivem com o fenômeno perverso da deflação.

Enquanto isso, a Europa e o Japão estão em recessão e a China começa a demitir trabalhadores. Com a queda do preço do petróleo a Petrobrás pode a qualquer momento reduzir o preço da gasolina, facilitando o controle da tão anunciada (sic) inflação de demanda por parte do Banco Central. Ora, em termos de balanceamento de riscos, o cenário aponta mais para recessão do que para aquecimento da economia. Não vejo nenhum economista apontando na direção desse último cenário! Conseqüentemente, não faz sentido o Banco Central manter uma política monetária restritiva para uma inflação que não acontecerá. Além disso, o governo deve se preparar para a anunciada crise do balanço de pagamentos. Para isso, deve desenhar um plano B que incorpore controle de capitais com vistas a evitar a escalada do dólar, tal como já foi defendido neste espaço por outros economistas keynesianos.

Flávio Basilio é economista, doutorando em economia pela Universidade de Brasília (UnB) e membro da Associação Keynesiana Brasileira.



Keynesianos vs. Neoclássicos na Crise

Tony Volpon
Economista filiado ao PPS


Muito bem vindo o artigo do Flavio Basílio da UnB no Valor de hoje: “Neoclássicos versus keynesianos e a crise”. Apesar do que eu considero alguns erros de representação, ele condensa bem as diferentes visões e recomendações sobre a crise atual, como os perigos, ao meu ver, de um certo pensamento que se diz keynesiano, e que esta “em alta” pela ido de Guido Mantega a Fazenda como as mudanças no IPEA que levaram muitos deles ao Instituto.

Sendo um texto “polemico” encontramos nele a mais usada, e abusada, estratégia retórica, a de simplificar a representação do seu “inimigo” para poder facilmente derrubá-lo. Veja como os tais “ são neoclássicos” retratados:

A evolução da Teoria Quantitativa da Moeda, particularmente a sua nova versão ancorada no arcabouço wickselliano, tem como conseqüência natural a proposição de que a poupança determina o investimento. Sob este referencial, o foco principal de análise é baseado na determinação dos preços, e não da renda nacional. O preço fundamental é aquele que garante o equilíbrio entre poupança e investimento, ou seja, a taxa de juros. Segue-se, portanto, que se o país cresce pouco é porque não tem poupança suficiente para estimular o investimento adicional requerido, e não tem poupança porque a taxa de juros é baixa.

Não é fácil determinar aqui sobre quem Flavio esta falando. Quando fala sobre a “nova versão” da teoria wickselliana, me faz pensar imediatamente da teoria monetária nova-keynesiana que, se inspirando em Wicksell, abandonou a abordagem centrada na quantidade/oferta de dinheiro e passou a analisar o nível de juros diretamente como determinante da inflação. Essa é hoje a abordagem “padrão”, inclusive no desenho do sistema de metas de inflação, e tem no livro-texto de Woodford (“Interest and Prices” : Foundations of a Theory of Monetary Policy”) sua mais conhecida representação.

Se fosse isso tudo bem, mas não consigo ver o que a teoria monetária nova-keynesiana tem a ver com a afirmação, um tanto (e talvez propositalmente por estratégia retórica) contraditória que para a economia crescer, tem que AUMENTAR a taxa de juros. Lendo esse texto, com usa ligação entre crescimento e taxa de juros, me lembrei também dos modelos canônicos de crescimento econômico de Solow, Ramsey, Koopmans, onde a acumulação de capital acontece se a produtividade marginal do capital esta acima do parâmetro de preferência intertemporal dos agentes, o que pode ser “interpretado” como dizendo que haverá crescimento e investimentos líquidos se o retorno sobre investimento for maior que a taxa de juros vigente, mas ambem não me parece que seja isso que Flavio esta representando.

Agora vamos ao que supostamente representaria o pensamento de Keynes:

Do outro lado do flanco de batalha, Keynes, em sua obra magna "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", constrói o argumento de que a poupança, ao invés de constituir-se no pré-requisito do investimento, como propõe a economia neoclássica, é, na verdade, seu resultado. Essa mudança ocorre porque a variável central no pensamento keynesiano não são os preços e sim o produto real. Em uma economia monetária ou empresarial, a decisão de investir não depende da disponibilidade de produto não-consumido, mas de financiamento, isto é, acesso aos meios de pagamento.

Digo “supostamente” porque lembro o que meu professor de Teoria Macroeconômica em Mcgill, A. Asimakopulos, ele mesmo estudante da Joan Robinson, me confidenciou, tem um pensamento econômico completo em quase cada capitulo da Teoria Geral. Mas o que dizer sobre essa afirmação?

Vemos nela o que eu acho o maior perigo desssa linha de pensamento "keynesiano". Para simplificar, ela postula que o investimento gera sua própria poupanca. Ora, assim sendo o problema sempre se resume a falta de investimentos. Não aprece existir aqui nenhuma restrição, seja de recursos disponíveis ou no âmbito externo.

A verdade é que enquanto tal idéia foi de fato articulada por Keynes, ela só representa uma verdade em uma economia já em condições depressivas, com muitos recursos sem uso. Ai sim podemos falar de ineficiência de demanda e investimento. Ai sim “financiamento” mais do que poupança é a variável chave. Tentar generalizar esse caso para qualquer outra situação é tanto perigoso como uma muito errada leitura de Keynes, como veremos abaixo.

Qual entao seria as solucoes para atual crise vindo desses paradigmas opostos?
No caso dos neoclássicos:

Os economistas neoclássicos, se forem coerentes com o referencial teórico que defendem, não terão o que falar sobre a crise financeira. Isso porque a crise não tem espaço no referencial neoclássico, uma vez que os mercados financeiros são sempre eficientes e garantem a perfeita alocação dos recursos

De novo, quem são esses crentes puro na eficiência dos mercados? O que aconteceu com toda a literatura nova-keynesiana sobre assimetria de informação nos mercados de trabalho, ou sobre estrutura de mercados não perfeitamente competitivos? De novo, é meio difícil dizer quem é esses neoclássicos...

Ai lemos isso tambem:

De qualquer sorte, dado que a crise financeira requer proposições de política econômica, a corrente neoclássica, obviamente, defenderá a necessidade de um forte ajuste fiscal por parte do governo com o objetivo de aumentar a poupança doméstica, liberando, dessa forma, recursos adicionais aos empresários. Acrescenta-se que a autoridade monetária deverá manter um austero controle da inflação. Para isso, é imperativo que o Banco Central mantenha a taxa básica de juros em 13,75%. Em primeiro lugar porque dessa forma, as expectativas de inflação convergem para a meta. Em segundo lugar, porque quanto maior a taxa de juros, maior será a poupança e, conseqüentemente, maior será o investimento

Aqui Flavio confunde duas coisas. Uma é a, ao meu ver correto, reconhecimento que nessa crise temos uma queda do produto potencial pela imposição exógena de restrições a renda e financiamento externo. Sendo assim, uma recomposição da demanda interna para privilegiar investimentos seria benéfico, o que implica cortar o consumo do setor publico onde possível. Isso tudo não tem nada a ver diretamente com a questão das metas de inflação, e absolutamente nada com a idéia que maior os juros, maior a poupança e então os investimentos.

Qual seria a proposta keynesiana?

A corrente keynesiana, por sua vez, advogará que o governo, em um cenário de crise, deverá elevar os gastos de investimento com o objetivo de estimular a demanda agregada. Em especial, o governo deverá efetuar aportes significativos de capital, por intermédio do Tesouro Nacional, ao BNDES com o objetivo de restabelecer e fortalecer as linhas de crédito às empresas, em especial ao setor exportador, sob pena de no futuro próximo estarmos sujeitos a uma nova crise do balanço de pagamentos

Como de praxe, parece que a resposta a tudo é maiores gastos públicos. (queria ver uma vez alguém dessa escola defender corte de gastos públicos em alguma situação!...) De novo, devemos perguntar: A economia brasileira esta em depressão? Com as expectativas do governo sendo um crescimento de 4% ao ano, precisamos adotar políticas feitas para economias em forte recessão?

O que fica totalmente fora de qualquer articulação aqui é a questão externa, ou quase. A queda na demanda e nos preços das importações brasileiras merece a seguinte analise:

Além disso, verifica-se que os preços das commodities e, em especial o preço do petróleo, estão despencando no mercado internacional....Além disso, o governo deve se preparar para a anunciada crise do balanço de pagamentos. Para isso, deve desenhar um plano B que incorpore controle de capitais com vistas a evitar a escalada do dólar, tal como já foi defendido neste espaço por outros economistas keynesianos.

Não fica claro no texto porque vamos ter tal crise, mas contra qualquer idéia que devemos trabalhar para ter uma política econômica que torna os equilíbrios internos e externos compatíveis, vemos a velha afirmação que basta tacar controle de capitais para resolver o problema.

Infelizmente vemos nesse oportuno texto dois vícios da escola pós-keynesiana brasileira.

Primeira, a presunção que o que vale em uma economia recessiva, vale o tempo todo, o que leva a estes sempre advogarem a mesma coisa: aumento dos gastos públicos. Segundo, a também usual afirmação que basta tascar “controle de capitais” sobre a economia para resolver qualquer problema de restrição externa. Gostaria de convidar qualquer um desses economistas a apresentar tal programa de “controle” detalhado para passar por uma boa analise. Veríamos rapidamente que este ou não funcionaria, ou teria efeitos colaterais extremamente nocivos se fosse grande e forte o suficiente para realmente “resolver” a restrição externa.

Concluo que não é por ai. Não temos dos nossos keynesianos, e esse texto é de fato uma boa e completa exposição desse pensamento, um diagnostico correto da crise atual ou um programa para enfrentá-lo.

Gol contra

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Retrospectivas de 2008 e previsões para 2009, a virada do ano impõe poucas opções e um dilema injusto. Esmagado entre o passado e o futuro, nunca sobra lugar para o presente, o hoje não tem vez. A realidade vai para debaixo do tapete embora seja nela que vivemos, nela está a verdade concreta. Irretocável.

Nas vésperas deste Natal fomos brindados com cenas pitorescas - como a do presidente da República vestido de Papai Noel no papel de promotor de vendas - bem como situações inéditas, inauditas e insólitas na mais alta câmara legislativa.

O mais dramático episódio foi o ultimato do governo federal à empresa de transporte aéreo Gol, detentora da antiga estrela da nossa aviação, a Varig. Apesar da operação "Feliz 2009", anunciada com o estrépito habitual para evitar o caos aéreo do ano passado, os últimos dias foram desastrosos: índices de atraso inaceitáveis, número inadmissível de cancelamentos, menosprezo e até mesmo violência contra o cidadão que ingenuamente comprou sua passagem certo de que em troca receberia um serviço decente.

A advertência do governo não impediu que, na quinta, feriado do Natal, e nesta sexta, obrigatoriamente tranqüila, a empresa continuasse a oferecer um atendimento precário nas duas frotas que administra. Isso não significa que a principal concorrente, a TAM, possa ser apontada como modelo de respeito e responsabilidade.

O duopólio que domina a aviação comercial brasileira é visivelmente insuficiente no seu conjunto sendo que o pólo que abocanhou o segmento maior e mais popular da sociedade é o mais deficiente. Esta é uma situação que não se resolverá com reuniões de emergência no meio de um feriadão, muito menos com ultimatos que, sabemos, jamais serão levados às últimas conseqüências. Na questão da aviação comercial o governo está completamente desmoralizado, e isto desde meados de 2006 quando a Varig corria o risco de falência com um passivo de sete bilhões de reais.

E o que fez o governo federal, teoricamente intervencionista, intransigente adepto da atuação do Estado? Entregou a Varig a um grupo empresarialmente bem sucedido é verdade, mas desprovido da necessária credibilidade para atuar num setor de ponta.

A economia mundial estava aquecida, o crédito era abundante, o País atravessava uma fase de prosperidade, o brasileiro aprendia a voar e estava gostando. No lugar de uma rigorosa intervenção estatal na Varig para saneá-la e, em seguida, devolvê-la ao mercado - como agora virou rotina no sistema capitalista global - expoentes do governo como a chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, e o então ministro da Defesa, Waldir Pires (veementes defensores da idéia de um Estado ativo e afirmativo) preferiram a solução privatista, imprevisível e imponderável.

O grupo Gol/Varig não corre o risco de quebrar sob o ponto de vista econômico ou contábil. Mas está quebrado em matéria de confiabilidade, não merece fé, envolto em suspeição como prestadora de um serviço público estratégico. Comprometeu-se publicamente a manter a marca e a empresa Varig, mas os balcões de check-in da empresa estão esmagados pela multidão de clientes mal-servidos nos balcões vizinhos, da Gol. Acontece que as tarifas da Varig são bem mais caras. Nos aviões da Varig apenas as comissárias de bordo pertencem à empresa, a tripulação de cabine é da Gol. A aviação comercial brasileira está sendo nivelada por baixo, razão pela qual a TAM deixou de investir em qualidade. Tem a certeza de que o concorrente oferecerá sempre um serviço pior.

Este é um dado transcendental que os estrategistas do governo deveriam levar em conta. Sobretudo porque o inominável atendimento ao público é a face visível da trágica capitulação de um Estado que não confia na sua capacidade de disciplinar e sanear o mercado.

O caos aéreo é uma ameaça presente, recorrente, permanente. Depois das festas continuará ao longo das férias de verão e reaparecerá intacto no Carnaval. Começou num passado recente e dificilmente será resolvido no futuro próximo.

» Alberto Dines é jornalista

A economia Madoff

Paul Krugman
Tradução: Régis Machado e Mauricio Tonetto
New York Times News Service
DEU NO ZERO HORA (RS)

A revelação de que Bernard Madoff brilhante investidor (ou, pelo menos, era o que quase todo mundo achava), filantropo e figura conhecida da comunidade era um impostor surpreendeu o mundo, e de forma compreensível. A dimensão do seu suposto esquema Ponzi de US$ 50 bilhões é que é difícil de compreender. Certamente, não sou a única pessoa a fazer essa pergunta óbvia: qual a diferença, na verdade, entre a mentira de Madoff e a história da indústria de investimentos como um todo?

A indústria de serviços financeiros reivindica participação na sempre crescente receita da nação ao longo das gerações passadas, tornando as pessoas que administram a indústria incrivelmente ricas. Neste ponto, parece que boa parte da indústria tem destruído valores, e não criado. E não é apenas uma questão de dinheiro: a vasta riqueza alcançada por aqueles que gerenciam o dinheiro de outras pessoas gerou um estímulo à corrupção em nossa sociedade como um todo.

Vamos começar com os salários. Ano passado, a média de salários daqueles que trabalhavam com “títulos, contratos de commodities e investimentos” era mais do que quatro vezes a média de salários do resto da economia. Ganhar US$ 1 milhão não era nada especial, e mesmo rendimentos de US$ 20 milhões ou mais eram razoavelmente comuns. Os rendimentos dos americanos mais ricos estouraram ao longo da última geração, mesmo salários de trabalhadores ordinários estagnaram, e os altos salários em Wall Street se tornaram a causa principal do problema.

Mas, com certeza, aqueles superstars financeiros devem ter ganhado seus milhões, certo? Não, não necessariamente. A abundância do sistema de pagamento em Wall Street recompensa a aparência de prosperidade, mesmo que mais tarde esta aparência se revele uma ilusão. Considerando um exemplo hipotético de um corretor que alavanca o dinheiro de seu cliente assumindo muitas dívidas, então investe em alta produtividade e ativos arriscados, tais como títulos de hipotecas. Por enquanto – diz, já que a euforia continua a inflar – ele fará grandes rendimentos e receberá grandes porcentagens. Quando a euforia estourar e seus investimentos se transformarem em resíduo tóxico, seus investidores perderão muito – mas ele irá manter seus bônus.

OK, depois de tudo, talvez meu exemplo não seja hipotético.

Então, qual a diferença do que fez Wall Street a partir do caso de Madoff? Bem, Madoff supostamente pulou algumas etapas, simplesmente roubando o dinheiro de seus clientes em vez de recolher os honorários, enquanto expunha investidores a riscos que eles não compreendiam. E, enquanto Madoff estava aparentemente auto-consciente da fraude, muitas pessoas em Wall Street acreditavam em suas próprias mentiras. E ainda, o resultado final foi o mesmo (exceto pela prisão domiciliar): os corretores ficaram ricos, os investidores viram seu dinheiro desaparecer.

Estamos falando de muito dinheiro. Em anos recentes, o setor financeiro contou com 8% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, acima dos menos de 5% da geração anterior. Se esse extra de três pontos percentuais foi dinheiro por nada – e isso provavelmente foi – estamos falando de US$ 400 bilhões por ano em desperdícios, fraudes e abusos.

Mas os custos da era Ponzi dos Estados Unidos foram além do desperdício direto de dólares e centavos. Nos níveis mais crus, os rendimentos ilícitos adquiridos em Wall Street corromperam e continuam corrompendo políticos, de forma bipartidária. Da administração de Bush com oficiais como Christopher Cox, presidente da Securities and Exchange Commission, que procurou outro caminho como evidência do esquema de fraude financeira, a democratas que ainda não fecharam a lacuna escandalosa de taxas que beneficiam executivos em fundos de investimentos e empresas privadas de equity, os políticos sempre vão onde está o dinheiro.

Entretanto, até que ponto o futuro da nossa nação tem sido prejudicado pelo impulso magnético ao rápido enriquecimento pessoal, que há anos tem atraído muitos dos nossos melhores e mais brilhantes jovens aos bancos de investimento, em detrimento da ciência, serviço público e sobre todo o resto?

Acima de tudo, a vasta riqueza que eles têm conquistado – ou talvez que eles deveriam ter “conquistado” – em nossa inchada indústria financeira minaram nosso senso de realidade e degradaram nossas análises. Pense como quase todo mundo importante ignorou os sinais de aviso de uma crise iminente. Como isto foi possível? Como, por exemplo, pode Alan Greenspan ter declarado, apenas há alguns anos, que “o sistema financeiro como um todo tornou-se mais resistente”, graças aos instrumentos derivados, e nada mais? A resposta, eu creio, é que há uma tendência inata por parte da mesma elite que idolatra os homens que estão fazendo um monte de dinheiro, a pensar que eles sabem o que estão fazendo.

Depois de tudo, é por isso que muitas pessoas confiavam em Madoff. Agora, quando analisamos os restos da crise e tentamos entender como as coisas podem ter ido tão mal, e rápido, a resposta é realmente muito simples: o que nós estamos olhando agora são as conseqüências de um mundo sem Madoff.

Bloco

DEU NO CORREIO BRAZILIENSE
Os presidentes do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), e do PPS, Roberto Freire, preparam um grande encontro das três legendas para fevereiro, quando pretendem lançar o bloco democrático e progressista. As estrelas do encontro serão os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves. A idéia é discutir uma agenda comum para 2010.