segunda-feira, 15 de junho de 2009

Escritores combatentes: o Congresso de escritores de 1945*

Ana Amélia de M. Cavalcanti de Melo**

Em janeiro de 1945 seria realizado em São Paulo o I Congresso Brasileiro de Escritores, organizado pela Associação Brasileira de Escritores. A relevância do encontro no âmbito do processo de redemocratização tem sido apontada seja em estudos referentes à história do PCB ou sobre a trajetória de alguns intelectuais brasileiros. No entanto pouco tem sido pesquisado sobre a organização da associação que convoca este e outros Congressos de Escritores que se realizarão seguidamente e que serão palco de intensas disputas.

O Congresso reuniria delegados de diversos estados brasileiros. Podem ser citadas a modo de exemplo algumas representações importantes como Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de Holanda de Alagoas, do Ceará estaria presente Raquel de Queiroz, Raimundo Magalhães e Herman Lima. O Distrito Federal, teria sua representação composta de vinte membros tais como Affonso Arinos, Aparício Torely, Augusto Frederico Schmidt, José Lins do Rego, Moacir Wernneck de Castro, Manuel Bandeira, Sergio Buarque de Holanda, etc. Do Estado do Rio com Astrojildo Pereira, de São Paulo com Caio Prado, Antonio Candido, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e várias delegações estrangeiras da França, Suíça, Inglaterra, Rússia, Áustria, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Grécia, Estados Unidos, Canadá, República Dominicana, Paraguai, Panamá e México.[1]

A abertura faz-se oficialmente com o discurso do Presidente da sessão de São Paulo, Sérgio Milliet no qual afirma as sérias dificuldades da realização do encontro, não apenas pelas comuns questões financeiras, mas pelo desinteresse da categoria. O discurso, no entanto, faz apelo as responsabilidades do escritor frente ao mundo. No mesmo sentido é pronunciado o discurso de Aníbal Machado, presidente do diretório nacional da ABDE, enfatizando o papel do escritor na vida nacional. O destaque dos dois principais discursos torna claro o propósito do congresso. Entretanto o direcionamento político do evento não se faz sem tensões e resulta da hegemonia de certas forças que interessa aqui estudar.

A ABDE, esta associação de classe, se por um lado seria fundada com o objetivo de refletir sobre temas específicos do ofício de escritor, entretanto ao se propor no Congresso de 1945 uma pauta de discussões em torno da democratização da cultura e liberdade criativa coloca-se como espaço de discussão da política nacional. A própria atuação dos intelectuais nesta década será fortemente marcada pelo resgate da questão da liberdade como essencial na vida política. Este será o tema que, segundo Berenice Cavalcante, dará sentido as palavras formuladas nesse momento.[2] Os intelectuais que se reuniriam no Congresso de 1945 percebem-se como portadores de um papel na sociedade que se relaciona ‘a ação pública, ao mundo da política.

Segundo as declarações de Jorge Amado, presidente da delegação baiana da ABDE e um dos Vice-presidentes do Congresso, ele fora chamado pelo PCB para desempenhar a “tarefa” de ajudar na organização do conclave. Os delegados da Bahia eram Homero Pires, Odorico Tavares, Dias da Costa, Alberto Passos Guimarães, James Amado, Edson Carneiro, Jacinta Passos, Vasconcelos Maia, etc. Segundo o escritor baiano duas correntes se debatiam no plenário: os democratas e os comunistas. O grupo dos democratas era composto por liberais, democratas cristãos e sociais democratas além de comunistas não-alinhados como Caio Prado Jr., Mario Shemberg e obedeciam “à batuta” de Carlos Lacerda que havia rompido com o PCB em 1942.[3]

O momento era de absoluta necessidade de definição no campo ideológico. Esta atmosfera tem na literatura o melhor exemplo. A atualização formal que se fizera nos anos 20, fora, na década de 30, inteiramente absorvida. O anticonvencionalismo tornara-se não mais uma transgressão, mas um direito amplamente praticado e muito bem recebido.[4] O momento era o de revolver o conteúdo, atualizá-lo no sentido de uma crítica social feroz.

Os escritores alem da Torre de Marfim

A fundação da ABDE é sintomática dessa postura dos escritores. Além disso, a entrada do Brasil na guerra nesse mesmo ano criava um grande apelo nacional de mobilização dos ânimos no combate ao facismo. Esta seria também a postura dos comunistas brasileiros seguindo a orientação internacional. A luta democrática, vencida a guerra, continuava a ser uma bandeira defendida pelos intelectuais brasileiros organizados em torno da ABDE. A realização do I Congresso de Escritores no Teatro Municipal de São Paulo seria marcante como um dos eventos políticos mais importantes do período. O Congresso é encerrado com a leitura e aclamação de uma declaração em defesa da liberdade e da democratização da cultura.

Entretanto, apesar do consenso em torno de questões mais gerais, a politização da ABDE gerava certas tensões e conflitos. Para alguns a Associação deveria manter seu caráter de uma entidade meramente de escritores. Nessa perspectiva é criada a UTI (União dos Trabalhadores Intelectuais) com o sentido de aliviar a ABDE das demandas políticas. Astrojildo Pereira seria seu presidente provisoriamente.

Destes escritores o exemplo de Graciliano Ramos é bastante significativo da tensão existente neste momento em torno da função do intelectual na vida política brasileira e das tensões que se estabelecem no interior da ABDE. Na biografia de Graciliano os anos 40 são assinalados por uma participação na política de caráter muito mais acentuado do que fora até então e com um grau de repercussão nacional que ele nunca conhecera. A homenagem realizada no Rio de Janeiro, em 1942, pelo aniversário de seus 50 anos, com a participação de inúmeros intelectuais, políticos e escritores, confirmaria sua consagração. Graciliano tornara-se um homem público cuja opinião e inserção em atos políticos era importante. A compreensão que teria dessa sua nova situação continuaria sendo marcada pela discrição absoluta. No processo de ebulição democrática que se iniciava no país, Graciliano integrar-se-ia às campanhas pela anistia aos presos políticos e pela convocação da constituinte.[5] Seria nesse fluxo de acontecimentos políticos do ano de 1945 que Graciliano se tornaria membro do Partido Comunista Brasileiro.

Dentro do PCB o escritor mantinha-se fiel às diretrizes internas, considerando que, um indivíduo, ao filiar-se a qualquer partido, tacitamente estava de acordo com o que fosse estabelecido.[6] À afirmação feita pela filha do escritor deve-se acrescentar, no entanto, outras circunstância de sua vida. O próprio conflito que teria com as lideranças do PCB, quando inicia a elaboração das Memórias do Cárcere, indica que o grau de aceitação parece não ter sido total. Prevalecia a necessidade de independência que não via na filiação dever de obediência.

A experiência da cadeia certamente redefiniriam a visão política do escritor, acentuando um conflito interior entre a necessidade de atuar na política do país, a participação na construção dos rumos da sociedade brasileira e o sentimento de ceticismo e dúvida permanente que lhe subtraía a vontade de atuar efetivamente. Diria em Memórias do Cárcere:

“Se todos os sujeitos perseguidos fizessem como eu, não teria havido uma só revolução no mundo. Revolucionário chinfrim. Desculpava-me a idéia de não pertencer a nenhuma organização, de ser inteiramente incapaz de realizar tarefas práticas. Impossível trabalhar em conjunto. As minhas armas, fracas e de papel, só podiam ser manejadas no isolamento.”

“Realmente não me envolvera em nenhum barulho, limitara-me a conversas e escritas inofensivas, e imaginara ficar nisso. A convicção da própria insuficiência nos leva a essas abstenções; um mínimo de honestidade nos afasta de empresas que não podemos realizar direito.” [7]

À parte as atividades do partido, o escritor seria um dos mais ativos participantes da Associação Brasileira De Escritores (ABDE). Graciliano não pudera participar do Congresso de 1945 mas acompanhava e integraria suas atividades.

Com o PCB novamente na ilegalidade em 1947, seus membros buscariam outras formas de inserção política no país. A ABDE seria uma dos órgão preferidos, uma vez que dela participavam diversos escritores que pertenciam ao partido, além de ser ela uma organização caracterizada por uma atuação importante na política nacional. No segundo semestre de 1947 seria realizado o II Congresso dos escritores e este seria o momento de dar maior ênfase à atuação dos comunistas na associação. A questão fundamental, apresentada no congresso pelos escritores comunistas, entre eles Jorge Amado, seria a da aprovação de uma moção contra o fechamento do PCB e contra a caça os seus parlamentares. Ao querer priorizar essa moção, alguns dos membros da Associação opuseram-se. A contenda que se estabeleceria revelava, na verdade, um outro conflito que se desenvolvia dentro do partido. Por um lado havia a necessidade de atuação dos comunistas, postos na ilegalidade, a partir de outras vias que não a partidária; por outro existiam divergências entre os membros do partido com relação ao dogmatismo. A estes conflitos somava-se ainda o desagrado dos não comunistas frente à transformação da ABDE em órgão de representação do PCB. Graciliano, apesar de discordar do estreito sectarismo que em muitos casos se impunha, sobretudo nas questões literárias, apoiaria os comunistas.[8]

Dentro desse quadro, a participação dos comunistas na ABDE, sobretudo o interesse do partido em dirigi-la, seriam vistos com desagrado pelos outros membros da associação. Graciliano Ramos, em 1947, durante o II Congresso, seria consultado sobre a possibilidade de assumir a presidência da associação uma vez que seu anterior presidente, Guilherme Figueiredo, havia renunciado por divergências ideológicas com o PCB. Graciliano recusaria o convite.

Apesar de todas as divergências com relação à política cultural do PCB, Graciliano manter-se-ia em suas fileiras e chegaria, por duas vezes, nos anos 51 e 52, a presidir a ABDE, já definitivamente controlada pelo PCB. Seria precisamente como representante dessa instituição que o escritor seria convidado à URSS para os festejos de 1º de maio.

Durante a realização do Congresso em 1945 a expectativa difundida na imprensa era do papel dos intelectuais na condução da sociedade. Falava-se na missão dos escritores reunidos no Congresso[9]. De acordo com Werneck Sodré, em suas memórias, a ditadura já incapaz de impedir a realização do evento, impediria a divulgação na imprensa das declarações finais.[10]

Não obstante, o evento se transforma em um acontecimento político marcante assinalando o início do processo de redemocratização. Os intelectuais assumem a cena política trazendo a tona uma das teses em debate: “O apolitismo dos intelectuais” de Osório Borba.

No parecer lido por Astrojildo Pereira afirma-se: “A tese em apreço examina os aspectos mais expressivos de tão debatido problema da posição dos intelectuais em face das questões de ordem política, e com razão afirma que o chamado ‘apoliticismo’ dos intelectuais “é apenas uma posição conformista, fuga a um dever elementar de cidadania”[11]
* Texto apresentado no XXVIII Congresso Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos - LASA2009 / Repensar as desigualdades - 11- 14 DE JUNHO 2009 - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(PUC/RJ).

** Ana Amélia é professora do Departamento de História da UFCE.

[1] Anais do I Congresso Brasileiro de Escritores. São Paulo, Imp. Graf. Da Revista dos Tribunais, 1945.

[2] Berenice Cavalcante. Certezas e ilusões: os comunistas e a democratização da sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Eduff, 1986.

[3] Amado, J. Navegação de Cabotagem. Rio de Janeiro, Record, 1993.

[4] A afirmação é feita por Antonio Candido, “A Revolução de 1930 e a cultura”, Novos Estudos Cebrap, São Paulo, V, 2, 4, pp. 27-36, abril 1984, p. 30.

[5] RAMOS, Clara, Cadeia. Rio de Janeiro, José Olympio, 1992p. 166.

[6] Ibid., p. 169

[7] Memórias do Cárcere. São Paulo, Círculo do Livro, s/d. p. 36.

[8] MORAES, Dênis, O velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos. Rio de Janeiro, José Olympio, 1993, p. 248.

[9] Jornal do Brasil, 23 de janeiro de 1945.

[10] Nelson Wernneck Sodré, Memórias de um escritor. Rio de Janeiro, Civilização. Brasileira, 1970, p. 335.

[11] Anais. Op. Cit. P. 145.
FONTES

Mario Neme (or.) Plataforma da Nova geração. Porto Alegre, Ed. Livraria Globo, 1945.

Carlos Laurence Hallewell. O livro no Brasil: sua história. São Paulo, T. A. Queiroz/Edusp, 1985.

O medo da classe sem destino

José de Souza Martins*
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Em sua decadência, a nova classe média brasileira está usurpando a ideologia de esquerda para sustentar práticas de direita

O previsto fim da classe média, em face da crise econômica e da recessão eufemisticamente chamada de "técnica", é improvável, pois a classe média é média porque está no meio de extremos, que com a crise se radicalizam. Não obstante, há uma classe média no que esse estrato social consolidou como padrão de consumo e padrão de comportamento, traduzidos numa mentalidade própria e peculiar, a do medo. A classe média se constitui na única classe sem destino e, portanto, a que mais teme as incertezas que a rodeiam. É, sem dúvida, a que mais facilmente se dá conta de que as coisas vão mal e a que mais prontamente reage contra mudanças e riscos, com facilidade tornando-se conservadora e direitista.

Aqui as coisas acontecem de modo diverso do que ocorre nos países prósperos. O favorecimento da direita, nas recentes eleições europeias, indica uma rápida tradução política da crise econômica. Na ameaça, ela reflui para a defesa corporativa de seus interesses e de seus privilégios, elege inimigos e culpados, como os estrangeiros, radicaliza e cinde a sociedade. Na vida cotidiana ela já exercita o radicalismo compensatório que supostamente a protege contra o que ameaça banir seus membros para os estratos inferiores da sociedade.

O sociólogo americano C. Wright Mills, autor do melhor estudo já feito sobre a classe média, a define como a classe do homem pequeno, na mentalidade minúscula que rege sua vida de todo dia. Desprovido de originalidade porque sobrevive na dependência de um desempenho teatral, é antes de tudo imitador e copista. Faz sacrifícios imensos, pagando prestações, para ter os itens do consumismo e do modo de vida que o insere no teatro das aparências que é a sociedade moderna.

É a única classe social que paga juros para se apresentar socialmente.

É próprio da classe média a adoção de um equipamento de identificação, como trajes, calçados, adornos pessoais e objetos complementares, como óculos, relógios e agora o celular, que no seu cenário de ocultamento cotidiano, que é a rua, lhe permita imitar quem não é, mas gostaria de ser, a elite cujos padrões são difundidos pelo cinema, pela televisão e pelos jornais e revistas. Os modos e gestos, a fala e a postura do corpo completam essa adaptação imitativa que torna a vida suportável e escamoteia as crises econômicas cada vez mais frequentes.

No Brasil, a classe média tem características singulares decorrentes de sua história peculiar. Aqui ela se propôs, com a difusão do trabalho livre, muito aquém do marco liberal, contratual e racional que lhe foi próprio nos Estados Unidos e nos mais avançados países europeus. Em nosso marco próprio definiu-se nossa ideologia da ascensão social pelo trabalho, o caminho dos trabalhadores para a classe média. A ideologia da ascensão pressupunha méritos para escalar os degraus do escape das posições sociais ínfimas. Portanto, regulava não só o ritmo da mobilidade social, mas também instituía um certo conformismo na mudança. Até os anos 50, a ascensão se estendia por pelo menos três gerações até que avós pudessem ver seus netos claramente situados na classe média, empregados em ocupações de trajes limpos e compostos, prisioneiros da deferência cerimonial no trato de terceiros, adotando modos e gestos de distanciamento social em relação aos inferiores. Mudanças profundas começaram a ocorrer nos mesmos anos 50, sobretudo com a expansão industrial, a ampliação da indústria automobilística e as migrações originárias do campo. Uma certa pressa no progresso pessoal se difundiu, baseada na valorização da escola e da educação como meio de ascensão social, operários seguros de que seus filhos seriam doutores.

A mentalidade ascensionista sofreu, porém, profundas mudanças e adaptações num cenário em que o crescimento populacional urbano parece cada vez mais descompassado com as oportunidades de inserção individual na prosperidade econômica de um país que empresta US$ 10 bilhões ao FMI, mas não assegura emprego e salário digno às novas gerações. Mais importante do que a educação veio a ser o diploma, mais importante do que a personalidade veio a ser a vestimenta, mais importante do que a classe social veio a ser a ideologia de classe.

A consciência de classe média persistiu, porém não mais como consciência da obrigação dos sacrifícios próprios das conquistas pessoais, do preço a pagar pela ascensão, mas como consciência do débito entre o desejado e o realizado, do preço a receber pela condição de classe. A nova classe média brasileira não está perecendo, mas está em franca decadência, o que pode ser observado todos os dias, nos últimos anos, no tipo de reivindicação que faz e no protesto que grita. As reivindicações corporativas, como as das cotas de todo tipo para ingresso nas universidades proclamam a disseminação de um novo vestibular, não mais para selecionar talentos, mas para distribuir privilégios, o vestibular das cotoveladas nos direitos universais em nome dos direitos corporativos. Ainda nestes dias, nos incidentes ocorridos na Cidade Universitária, na USP, tivemos claras evidências da inversão de valores da velha classe média na prática da nova classe média. Os estudantes opõem-se à implantação, pela Secretaria de Ensino Superior de São Paulo, da Universidade Virtual, que seguindo o exemplo dos países modernos, tornaria o ensino superior de boa qualidade acessível a populações privadas dessa possibilidade.


No fundo, levantam a bandeira reacionária de pretenderem o ensino público e gratuito só para si. Os professores não foram por via diferente: numa assembleia de 94 docentes, 80 votaram pela greve e a impuseram aos outros cerca de 4.900 professores da USP, que não delegaram à minoria ínfima o direito de decidir por eles. Comportamentos de direita na nova classe média estão marcados por outra característica própria do despistamento e do caráter dessa categoria social: a usurpação da ideologia da esquerda para sustentar práticas de direita.

*Professor emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Autor de Fronteira - A Degradação do Outro nos Confins do Humano (Contexto, 2009)

Uma olhada no Chile

Fábio Wanderley Reis
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Para muitos brasileiros de minha geração, o Chile se transformou numa referência pessoal e política de importância. Pessoalmente, assim como outros têm cônjuges chilenos, eu próprio tenho uma filha chilena de nascimento, fruto de um período de dois anos em que morei no país.

Politicamente, além de animadas discussões com colegas chilenos em que a instabilidade brasileira de começos da década de 1960 era qualificada por eles como "tropicalismos" a que o Chile seria infenso, lembro, naturalmente, o interesse com que a partir de certo ponto, já imerso o Brasil na ditadura de 1964, acompanhamos de cá (ou de lá, em muitos casos) a experiência chilena da busca de uma transição singular ao socialismo por via democrática - e o duro aprendizado de todos, em seguida, de que as raízes sociológicas das turbulências brasileiras iam bem além dos trópicos e atingiam, sim, o Chile, embora análises internacionais supostamente sofisticadas tendessem igualmente a idealizar a política chilena anterior a 1973 como uma espécie de vitrina democrática.

Seja como for, tivemos também de engolir, mais tarde, a evidência de que a longa ditadura de Pinochet, juntando-se a condições mundiais favoráveis, criou um Chile próspero, incluindo a "Santiago-Hollywood" de que falam os chilenos, diferente da cidade de aparência meio pobre que conhecíamos antes. Que essa prosperidade teve custos sociais importantes se percebe, por exemplo, em dados do Latinobarômetro relativos a 2002, em que o Chile, na comparação com outros países do continente, se singulariza de maneira sugestiva: em contraste com o que ocorre em outros países, onde surgem padrões como a insatisfação com a democracia entre pessoas educadas e exigentes e satisfação desinformada e ingênua nos níveis mais baixos de escolaridade, no Chile é bem claro o conteúdo de classe quanto à satisfação com a democracia: são os mais pobres e de menor escolaridade que se mostram mais insatisfeitos com ela. A conjectura plausível, mesmo se admitidamente algo tortuosa, parece ser a de que a explicação se encontra na experiência do regime de Pinochet e na provável percepção de distorções sociais ou classistas na prosperidade que o acompanhou. Isso resultou, de todo modo, em estabilidade bastante marcada do apoio eleitoral às forças político-partidárias que se enfrentaram nas duas últimas décadas, em particular a coalizão de centro-esquerda entre socialistas e democrata-cristãos (a Concertación), de um lado, e a direitista Alianza por Chile, de outro.

Agora, porém, estamos aparentemente num momento de mudança. A Concertación, que governa o país há dezenove anos e tem de novo como candidato presidencial o ex-presidente democrata-cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle, se vê desgastada. Ela enfrenta Sebastián Piñera, candidato da Alianza, que, apesar de derrotado em duas disputas anteriores (e de certos desencontros nos números fornecidos por pesquisas diversas), parece contar desta vez com apoio mais forte nos dois turnos e melhores chances de vitória. Há, além disso, a contestação dirigida à Concertación pela esquerda, que se manifesta em rachas de feições distintas: de um lado, Jorge Arrate, de longa militância no Partido Socialista, mas de reduzida penetração eleitoral, que abandonou o partido e a coalizão governista e foi escolhido em abril como o candidato da coligação Juntos Podemos Más, que reúne partidos e movimentos de esquerda; de outro lado, e certamente com maior impacto eleitoral, a candidatura independente de Marco Enríquez-Ominami, originalmente também do Partido Socialista, jovem e de perfil apropriado à exposição nos meios de massa, que subiu meteoricamente nas pesquisas nas últimas semanas e surge agora em empate técnico com Eduardo Frei, quando não em vantagem sobre ele.

Nada há de especialmente intrigante, por certo, em que o processo eleitoral leve alternadamente grupos políticos mais à esquerda ou à direita ao poder. O fato de que haja agora rupturas da Concertación à esquerda é talvez de maior consequência, e pode provavelmente ligar-se à crise mundial e às mudanças que acarreta no cenário ideológico. Dá-se, porém, que tanto Enríquez-Ominami como Arrate têm suas credenciais de esquerda postas em questão - no caso do primeiro, não obstante ser filho de Miguel Enríquez, líder do Movimiento de Izquierda Revolucionaria, o MIR, o questionamento é feito pelo próprio Arrate, de currículo certamente mais denso, mas cujas propostas, por sua vez, não escapam de soar algo estranhas vindo de quem foi por duas vezes ministro, além de embaixador, de governos da Concertación. Como se indica em resumos até agora divulgados, trata-se, com Arrate, de abandonar o "neoliberalismo" e "gerar mudanças estruturais num sistema que por tantos anos restringiu os chilenos", com assembleia constituinte, criação de educação e saúde pública de qualidade, renacionalização do cobre, redução dos juros...

Num plano distante das perplexidades contemporâneas quanto a esquerda, liberalismos e direita, um fato especial é interessante do ponto de vista da conjuntura política brasileira: as pesquisas mostram a presidente Michelle Bachelet com o apoio de nada menos de 69% dos eleitores, nível nunca antes alcançado por ela mesma ou por qualquer outro governante do pós-ditadura. E o curioso e revelador é que a ascensão, a partir do nível de 42%, se deu com a chegada da crise econômica em setembro do ano passado, sendo claramente a consequência da percepção favorável da atuação do governo na crise (o ministro da Fazenda, Andrés Velasco, também obtém avaliação favorável singularmente alta). O que não impede (mesmo se a avaliação do governo é bastante negativa em certos aspectos, como o relativo a corrupção) que já se tenha ouvido falar em reeleição.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Un populismo de baja intensidad y pocos horizontes

Marcos Novaro,
Centro de Investigaciones Políticas - Argentina

Hay algo de cierto en lo que dicen los oficialistas de países como Venezuela y Bolivia (en lo que se revela sin embargo no que ellos tengan la solución para los problemas de esos sistemas políticos, sino más bien la gravedad de la situación que los gobiernos que apoyan han generado en ellos): ser opositor ha quedado asociado en la opinión mayoritaria venezolana y boliviana con ser rico, blanco, pronorteamericano, liberal, más o menos elitista, o reunir varias de esas características, en suma, es estar condenado a ser minoría. Por tanto, el juego democrático ha quedado allí bloqueado, o peor, se vuelve finalmente un juego imposible: las mayorías se han tornado más y más irrespetuosas de los derechos de las minorías, al mismo tiempo que, a raíz de ello o estimulándolo, o las dos cosas a la vez, éstas se volvían más escépticas respecto a la utilidad y la legitimidad de las vías electorales para acceder y ejercer el poder. Por esta vía, se evoluciona a paso firme hacia regímenes híbridos, “semidemocracias”, o directamente hacia el autoritarismo.

Hay buenos motivos para dudar de que esto pueda replicarse en Argentina. Ante todo es fácil comprobar que, por más que el kirchnerismo ha venido recurriendo a la polarización populista, no logró con ello éxitos comparables a los alcanzados en sus países por Evo Morales y Hugo Chávez. Incluso puede decirse que intentar ese camino ha contribuido en gran medida a su actual debilitamiento. Sin embargo, existen muchos intelectuales oficialistas que promueven una visión radicalmente populista de las cosas, o porque creen que revela la esencia de los conflictos que el país tiene que resolver, o porque creen que hacer que ellos se acomoden a esa idea es el único camino para recuperar el favor de la mayoría (que reconocen así, implícitamente, se ha perdido). A la luz de los discursos con que Néstor y Cristina han encarado la campaña, y de algunas de las medidas de gobierno que vienen impulsando, lo menos que se puede decir es que esta radicalización populista ejerce una influencia nada despreciable en la cúpula oficial. Pareciera incluso que a medida que las “amenazas” que les plantean los opositores, los grupos de interés y los actores externos se vuelven más serias para su supervivencia, la reacción natural en el oficialismo es abroquelarse en torno a estas ideas, que le permiten, si no triunfar en las batallas que tienen por delante, al menos encararlas con exaltado heroísmo.

Parafraseando a Napoleón, actuar así es peor que un crimen, es un grave error político. Pero las ideologías funcionan así: les dejan ver a quienes las abrazan sólo aquello que confirma sus premisas, y les permiten ignorar datos “duros” y molestos de la realidad. Un buen ejemplo de cómo funcionan estos mecanismos en el oficialismo lo ha brindado en estos días Ernesto Laclau, convertido en máximo ideólogo kirchnerista en los últimos tiempos, y proveedor de una supuesta solidez conceptual y de cierto glamour académico a todos aquellos que trabajan para sostener la tesis de la radicalización populista. En un intenso raid en los medios de comunicación, Laclau se esmeró en demostrar teóricamente que el populismo no puede ser una amenaza a la democracia porque expresa la voluntad de las masas empobrecidas, y en cambio sí la amenazan los intereses de los ricos, por definición minoritarios, y las ideas que ellos promueven, las del neoliberalismo.

Axiomas como estos no necesitan prueba alguna, son verdades autoevidentes. Pero para que los periodistas que lo entrevistan y la audiencia que lo sigue reciban mejor el mensaje, Laclau se rebaja igualmente a dar algunos ejemplos, y entonces explica cómo en Bolivia, Venezuela, y también en Argentina las masas empobrecidas, que en los años noventa no eran representadas fielmente sino manipuladas, ahora se sienten partícipes de grandes cambios, y eso significa que la democracia allí ha “mejorado su calidad”.

Es interesante recordar que en los años ochenta, Laclau participó, igual que muchos otros académicos de origen marxista, de la tendencia revisionista que permitió a los teóricos y a muchos activistas de izquierda apropiarse de las banderas democráticas en boga en la región: en esa época, su principal preocupación, en línea con la de muchos gramscianos, era cómo articular las reivindicaciones socialistas con las de derechos políticos y civiles. Por esta vía, pudo acercarse a las tesis socialdemócratas dominantes en Europa, y asumir, como una premisa de su propuesta teórica y política, que las batallas de la izquierda debían definirse en términos de la “expansión de las luchas democráticas”, es decir, apropiarse del liberalismo político para ampliar sus horizontes. La actitud teórica y política del Laclau actual, y lo mismo cabe decir de muchos de sus seguidores, revela un cambio muy profundo respecto a esa opción, y un cierto “regreso a las fuentes”: ante las frustraciones acumuladas en esa vía reformista y liberal hacia la transformación de las sociedades latinoamericanas por la que se apostó en los años ochenta, y la reapertura real o imaginada de una vía “revolucionaria” tras las crisis resultantes de las reformas de mercado de los noventa, aparece como una respuesta adecuada, o mejor dicho como la única respuesta posible, el populismo radical de los setenta. En sus términos, el problema de las dos últimas décadas de vida democrática que experimentaron nuestros países ha sido que las mayorías pobres no utilizaron el peso del número, que les asegura ganar elecciones, para imponerse a las minorías ricas, y que en cambio se inclinaron a soluciones “concertadas” con éstas, que nunca podían terminar bien porque no podían satisfacer los intereses de aquéllas. Dicho de otro modo, el modelo socialdemócrata habría probado ser una vía hacia la resignación, y es preciso repudiarlo, para recuperar la vocación transformadora perdida.

Lo llamativo es que esta tesis se ha fortalecido en algunos países de la región, a medida que la opción socialdemócrata ganaba terreno en otros, y acumulaba logros nada despreciables para fortalecer su opción por el reformismo y el liberalismo político. A este respecto, podría decirse que Argentina está a medio camino entre dos mundos. Por cierto, aquí las frustraciones del reformismo no han sido pocas, pero ello no ha significado una completa polarización social, ni tampoco que el resentimiento contra los ricos derive en fuertes tendencias anticapitalistas y aislacionistas. Por otro lado, el liberalismo político no ha perdido tanto terreno con esos fracasos como en otros lados. Para las izquierdas, por tanto, renunciar a él y cederlo a sus adversarios ni se justifica por la posibilidad de imponer cambios económicos y sociales, ni es irrelevante en términos de los costos electorales que implica. Es en gran medida por ello que la democracia argentina no está bloqueada como sí es el caso de las de Bolivia y Venezuela, sino que lo que quedó bloqueado fue el proyecto de un populismo radical local: él ha probado ser una amenaza a las libertades sin ofrecer a cambio ningún horizonte igualador y comunitario más o menos innovador. Estando en el peor de los mundos, no tardará en extinguirse.

Bienal de São Paulo e de Veneza

Luiz Carlos Bresser-Pereira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Por que a Bienal de SP vem perdendo relevância artística enquanto a de Veneza continua a alcançar sucesso?

DIANTE DE crise que dura anos, há cerca de duas semanas o Conselho Curador da Bienal de São Paulo escolheu um jovem e dinâmico consultor e colecionador para a presidência da instituição. Logo em seguida, na Itália, a Bienal de Veneza deste ano foi inaugurada com festas que celebram seu êxito.

Por que essa diferença de destinos? Por que a Bienal de São Paulo, que não deixei de visitar desde quando foi inaugurada, em 1951, até 2006, ano a ano vem perdendo relevância artística e apoio social, enquanto a Bienal de Veneza continua a alcançar sucesso e respeito? Por falta de dinheiro, dirá alguém. Por falta de suficiente apoio do Estado, completará outro. E talvez ambos tenham alguma razão. Sugiro, entretanto, outra explicação que não pretende ser exclusiva, porque ela também ajuda a explicar a falta de recursos, mas que, se for levada em conta pela Bienal de São Paulo, poderá levá-la de volta a seus belos tempos. Há uma diferença fundamental entre as duas bienais. Enquanto a de Veneza está dividida em três setores, a de São Paulo está limitada a um. Enquanto Veneza mantém um amplo setor para as representações nacionais no Giardino e no Arsenale, um setor pequeno mas relevante para artistas consagrados no Giardino, e um setor amplo no Arsenale, em que o curador desenvolve um tema e abre espaço para novos artistas, a Bienal de São Paulo decidiu, há alguns anos, de forma arrogante e equivocada, limitar-se ao tema escolhido pelo curador e aos novos artistas. Refletiu, dessa forma, um fato real e até auspicioso: a importância crescente de curadores criativos para os grandes museus e também para as bienais. Mas o fez de forma radical e, por isso mesmo, equivocada.

Um espaço para artistas consagrados é importante porque é educativo e porque dá mais legitimidade à mostra junto aos demais artistas consagrados, independentemente de estarem ou não presentes. Por outro lado, as representações nacionais são importantes porque, por meio delas, é possível lograr a participação de grandes artistas sem custo para a Bienal, já que fica por conta do governo do país representado. Assim, se decidirmos dividir o espaço da Bienal de forma que 45% fiquem para as representações nacionais, 10% para o curador exibir artistas consagrados e 45% para o tema da Bienal daquele ano, teremos uma mostra mais atrativa para o público e mais barata.

Mas, em compensação, essa limitação do poder do curador não implicará uma queda da qualidade artística ou da significação cultural da Bienal? De forma alguma. Primeiro porque ele terá poder sobre os três segmentos da mostra. Mesmo no caso das representações nacionais, poderá e deverá haver negociação. Segundo porque sobrarão mais recursos para o grande segmento temático -para que o curador possa convidar os melhores artistas que estão despontando.

A Bienal de São Paulo sempre teve um papel importante na difusão da arte de vanguarda brasileira e mundial e na consagração de novos artistas. Por meio dela, a cidade de São Paulo e o Brasil se integram na contemporaneidade, participam das experimentações de vanguarda cultural e da crítica fundamental que transparece na arte conceitual.

Mais do que antes, vemos hoje os artistas se apropriarem das tecnologias mais avançadas para inovar e criar. Não podemos deixar uma instituição como essa morrer por incompetência administrativa e arrogância intelectual. O conselho da Bienal e seu novo presidente têm diante de si um belo desafio.

Luiz Carlos Bresser-Pereira , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".

O QUE PENSA A MÍDIA

Edtoriais dos principais jornais do Brasil

Clique o link abaixo

Romeo & Juliet Suite No.1 - No.7 Death of Tybalt

Serguei Prokofiev
Confira o video

Clique o link abaixo
http://www.youtube.com/watch?v=payQz8R_8Bg

Serguei Sergueievitch Prokofiev, também conhecido pela transliteração anglófona Sergei Sergeievich Prokofiev[1] (em russo: Серге́й Серге́евич Проко́фьев; Sontsovka, 23 de Abril de 1891Moscou, 5 de Março de 1953) foi um compositor russo.

Um dos compositores mais celebrados do século XX, ele é conhecido mais conhecido por obras como o balé Romeu e Julieta, as óperas O Amor das Três Laranjas e Guerra e Paz, a composição infantil Pedro e o Lobo e duas trilhas sonoras para filmes de Sergei Eisenstein. Precoce, mostrou-se talentoso no piano e na composição. Prokofiev nasceu no Império Russo, viajou o mundo em turnês, e voltou à terra local, ex- União Soviética. Em seus últimos anos, enfrentou dificuldades financeiras e de saúde. Junto com Shostakovitch, foi uma das figuras mais importantes da música soviética.

domingo, 14 de junho de 2009

Sem antiamericanismos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Há uma preocupação grande entre as autoridades envolvidas nas negociações dos Brics de que esse movimento não seja entendido como de oposição aos Estados Unidos. A reunião dos chefes do Estado de Brasil, Rússia, Índia e China, da próxima terça-feira em Yekaterinburgo, na Rússia, pelo impacto de ser a primeira, e pelos temas que estarão em discussão, como a reformulação dos organismos internacionais ou a análise do dólar como moeda de referência internacional, tem potencial para ser polêmica, mas o objetivo é que seja o início de uma ampliação de espaço para os emergentes, mas não de confronto.

Mesmo porque neste novo mundo geopolítico que está sendo desenhado pela crise internacional, ainda há muitos avanços a serem feitos pelos Brics. O professor de História Contemporânea da UFRJ Francisco Carlos Teixeira, em recente palestra sobre os Brics, ressaltou que os Estados Unidos continuarão a ser o centro de elaboração do capitalismo liberal, baseado na inovação e nos novos métodos de organização de empresas e trabalho.

A Europa será cada vez mais a mediadora entre os Estados Unidos e a China, com relações intensas com o chamado “segundo mundo”, especialmente a Rússia e a América do Sul.

A China, com seu liberalismo econômico e autoritarismo político, transformará o Triângulo do Pacífico, formado por ela, Japão e a Australásia, no eixo econômico mais rico do mundo.

Neste novo mundo, Brasil, Rússia, Índia e outros países do “segundo mundo” serão fundamentais para o equilíbrio mundial, mas com ressalvas importantes.

O equilíbrio institucional interno é forte no Brasil e na Índia, mas ainda está em construção na Rússia.

O desenvolvimento tecnológico e a capacidade de inovação são fortes na Índia e na Rússia, e estão em construção no Brasil. A capacidade de evitar o isolamento político e estratégico, ou “soft power”, é forte no Brasil e na Índia, e fraco na Rússia.

Para o ministro do Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger, seria muito natural que os Estados Unidos suspeitassem de qualquer iniciativa dos Brics, e reagissem contra, como se o objetivo maior dos movimentos dos emergentes fosse conter a ascendência americana. “Mas isso seria uma miopia”, já advertiu a interlocutores do novo governo de Barack Obama, de quem foi professor na Universidade Harvard.

“Deveriam ver nossos movimentos como uma genuína tentativa de reconstruir a ordem do mundo num sentido que atenderia também aos interesses de longo prazo dos Estados Unidos”, analisa.

Mas Unger admite que há uma distância grande entre o entendimento teórico dessa nova situação, que Barack Obama tem, da prática.

“É preciso observar que essa ambivalência é muito antiga nos Estados Unidos, que sempre quiseram se considerar uma potência revolucionária, mas hoje há razões para eles aceitarem essa mudança no mundo multipolar”.

Aos Estados Unidos pode interessar o avanço em direção a essa nova ordem mundial que dá mais espaço para experimentos, especula Mangabeira Unger.

Mas ele diz que ninguém nos Brics quer institucionalizar novos fóruns de decisão, nem criar regras que engessem as relações internacionais.

Ao contrário, o que se busca são maneiras novas de alcançar um desenvolvimento includente.

Também o embaixador Marcos Azambuja, que como representante do Centro Brasileiro de Relações Internacionais tem participado de diversos encontros com representantes de “think-thanks” de Rússia, Índia e China para discutir uma agenda comum, defende uma agenda mínima, com temas como meio a m b i e n t e e s e g u r a n ç a energética.

A ordem é “não criar uma instituição excessiva, não ser anti alguma coisa”. Ele destaca as afinidades de uma diplomacia presidencial: os quatro líderes que estarão reunidos na Rússia já se entendem diretamente, e estão saindo dessa crise mais fortes do que entraram, “alegando com razão que não foram responsáveis por ela, são vítimas e talvez um pouco salvadores da lavoura”.

Ele acha que “foi a crise que nos revelou e vai nos projetar”. Mas também admite que são países “de extraordinários avanços e extraordinários atrasos”. Seiscentos milhões de indianos vivem em condições de pobreza incompreensíveis para nós. A China tem centenas de milhões de pessoas na miséria, precisam trazer para a cidade 900 milhões de pessoas.

Mas os quatro países estão entre as dez economias do mundo pelo critério de poder de compra, e a reunião deles “tem a força de uma realidade que uma vez revelada é irresistível”.

Na avaliação de Marcos Azambuja, o Brasil é o mais avançado institucionalmente dos quatro, os três outros, os Rics sem o B, “têm uma tradição de rivalidade, de enfrentamento, três países mais em rivalidade do que em cooperação”.

Algumas vantagens comparativas dos países democráticos dentro dos Brics são ressaltadas pelo embaixador Azambuja: “Todas as eleições de todas as democracias europeias juntas não dão os 750 milhões de eleitores que votaram na última eleição da Índia”.

Mangabeira Unger admite, porém, que há um problema nos Brics “que não dá para sonegar”: dois dos países ou não são democracias (China) ou são democracias muito limitadas (Rússia). “E a falta de democracia é um imenso impedimento para o desenvolvimento de alternativas”.

Quase-lógica revisitada

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ainda no decorrer do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio da Silva, a cientista política e pesquisadora do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) Luciana Fernandes Veiga fez um rápido estudo sobre os improvisos do presidente e concluiu que não adiantava cobrar dele precisão de raciocínio nem coerência dos argumentos.

Treinado na linguagem do cotidiano, cujos instrumentos se sustentam basicamente em ditados populares e juízos de valor a partir dos quais o senso comum estabelece suas verdades, Lula, dizia ela, não tem nem pretende ter compromisso com a exatidão, muito menos com a lógica formal.

"Pedir a Lula que seja mais preciso em seus improvisos é pedir que mude seu modo de argumentação e persuasão, construído no campo da linguagem cotidiana."

Luciana Veiga estava certa na constatação que o tempo acabou transformando numa imensa - talvez a maior - vantagem comparativa de Lula em relação aos seus pares na cena política.

O presidente não apenas continuou na mesma toada de obviedades, raciocínios desconexos e argumentos imperfeitos, como se aproxima de completar seus dois mandatos sendo celebrado por ter uma comunicação popular de eficácia inquestionável.

Não obstante a qualidade para lá de questionável no que tange à elevação dos padrões gerais no trato do idioma e no exercício do melhor pensar para aperfeiçoar a capacidade de discernir.

Fosse outro o padrão educacional do País, as falas de Lula muito provavelmente pareceriam desprovidas de sentido. Como a premissa preponderante é da obediência a deduções simplificadas, o discurso não perde credibilidade.

Da mesma forma como no início do governo Lula criticava "os de cima" por acharem que "pobre tem que ser pobre a vida toda", mais recentemente culpou "os louros de olhos azuis" pela crise econômica mundial e contou aí com a colaboração da fantasia da divisão social tal como se dá no imaginário corriqueiro.

"Lula consegue estabelecer acordos tácitos com o público sobre as premissas e pressupostos do discurso porque comunga com a crença e os valores de seus interlocutores", analisava a professora.

Quando do tsunami que atingiu a Ásia, o presidente transformou o maremoto em "vendaval" e deu sua versão "quase-lógica" da tragédia: "A natureza é inofensiva e boa, mas quando é desrespeitada reage à altura."

Segundo Luciana Veiga disse na ocasião, semelhante afirmação é aceita porque soa verossímil aos ditames do cotidiano histórico - "a natureza quando desrespeitada reage" - e do cotidiano moderno - "estão desrespeitando o meio ambiente" - das pessoas.

Pelo mesmo critério, aos ouvidos da maioria possivelmente pareceu plausível a declaração de Lula de que o Brasil encontraria os destroços do acidente com o avião da Air France porque "um país que acha petróleo a 6 mil metros de profundidade no mar, acha uma caixa-preta a 2 mil metros".

As diferenças de circunstâncias, de procedimentos e o mau gosto da comparação simplesmente não são levados em conta.

"Sem muitos recursos cognitivos e com um custo alto de informação, os homens comuns tocam a vida assim, se comunicam com os instrumentos que têm à mão", explicava a pesquisadora, sem entrar no mérito sobre os recursos mentais e verbais do presidente.

O objetivo dela ao estudar o assunto não foi criticar nem elogiar a oratória do presidente, mas apenas expor as razões pelas quais considerava perda de tempo cobrar de Lula uma mudança nos paradigmas adotados ao longo de toda vida, "porque ele não tem a pretensão de ser preciso. Busca apenas chegar à consonância com o público, assim como se comporta o seu João na conversa no balcão do bar ou a dona Maria no portão com a vizinha".

Revisitada a teoria à luz de seis anos transcorridos, a questão que se põe é a seguinte: que proveito poderá tirar o País e quem serão os beneficiários desse legado de comunicação eleitoralmente competente, mas indolente do ponto de vista educativo.

Por ora não é possível perceber ganho algum a ninguém que não seja o próprio Lula.

Tem dono

Ato falho ou voluntário, fato é que na sexta-feira o presidente da República se apropriou da oposição, à qual antepôs o pronome possessivo "minha" ao discursar em Sergipe.

"Minha oposição fica zangada", disse, informando assim aos adversários que passam a fazer parte de seus pertences.

Negócios à parte

Parceria combinada na eleição presidencial, nem por isso o Democratas pretende se pôr à disposição do PSDB em todos os palanques estaduais de 2010.

Vai concorrer em faixa própria onde enxergar possibilidade de vitória. Por enquanto, no mínimo em três Estados: Distrito Federal (José Roberto Arruda), Tocantins (Kátia Abreu) e Bahia (Paulo Souto).

Haraquiri no Senado

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O Brasil é surpreendente, nem mesmo o presidente Lula que se gaba com tanta frequência de conhecê-lo tão bem, percebe suas nuances e domina suas sutilezas. O País desafia, desmente e ilude todos os estadistas, poetas, cientistas e filósofos que se apresentam como seus intérpretes. Não é uma nação, é uma pessoa, um ser nacional autônomo, tem vida, desígnios e traços próprios.

É mais esperto do que a soma das espertezas individuais. A melhor prova desta astúcia orgânica está sendo escancarada através do noticiário político. Enquanto os políticos fingem que retomam a velha discussão sobre a reforma política e admitem até eliminar a função do suplente de senador como primeiro passo para acabar com o sistema bicameral eis que o próprio Senado se adianta e se autodissolve num inédito suicídio institucional.

As revelações, quarta-feira, dos repórteres Rosa Costa e Leandro Colon, do Estado de S. Paulo sobre os 300 atos secretos do Senado e ampliadas nesta sexta por Gerson Camarotti do Globo para 500 bandalheiras sigilosas configuram uma improbidade de proporções calamitosas. Com o agravante da duração: a ilegalidade está funcionando há 10 anos e tem servido para nomear parentes, criar cargos, aumentar vencimentos e pagar horas extras ao funcionalismo.

As ilicitudes foram praticadas conjuntamente pelos beneficiários, pelos agentes beneficiadores diretos (membros da Mesa Diretora e diretores administrativos da casa) e também pelos agentes indiretos – todos os senadores que conviveram com esta aberração por tanto tempo.

Previsto no artigo 37 da Constituição onde se determina a obrigação de dar publicidade a todos os atos, de todos os poderes, de todas as instâncias em todo o território nacional, o crime se agiganta quando transcende o aspecto moral e se configura como verdadeiro atentado político. É uma autêntica ação subversiva contra o Estado, contra o regime e contra a República. Seguindo a inércia dos processos de marginalização, o Senado foi cometendo suas pequenas e irrisórias infrações até colocar-se integralmente fora da lei. A Câmara Alta e suas 500 malandragens foi convertida num distrito clandestino, algo semelhante à milícia mercenária, cosa nostra protegida pela rigorosa omertá.

Como sempre acontece, a imoralidade criou uma burocracia altamente sofisticada: como os atos eram sigilosos e não poderiam ser noticiados no Diário Oficial, eram registrados no boletim administrativo, Diário Oficial Não-Oficial, um D.O. do B., amplamente manuseado pelo funcionalismo senatorial. A socialização do butim fez-se à custa do silêncio e do pacto de lealdade. Todos se regalavam, ninguém estrilava.

O senador José Sarney que presidiu a Câmara Alta duas vezes ao longo do período, não poderia estar alheio ao novo veio de escândalos, conviva obrigatório: um neto de 22, sequer formado, chegou a ganhar cerca de R$ 8 mil reais e uma nora transitória também transitou pelos porões desta república clandestina. Sarney não é o culpado. Com sua infinita elasticidade espiritual e inquebrantável devoção ao relativismo, o atual presidente do Senado é apenas o símbolo da decadência de uma estrutura política à qual serviu em todas as circunstâncias – de líder civil da ditadura militar a vice-rei de uma república popular.

O Ministério Público e o Tribunal de Contas da União já foram convocados: todos prometem agir, punir, demitir, exigir a devolução do dinheiro recebido indevidamente. O mal está feito, a república brasileira está ferida: a parte mais vistosa de um dos seus poderes, desencaminhou-se, tem códigos e costumes diferenciados e outra noção de decoro. É parte daquele país inesperado, rebelde, que fez-nos o grande favor de antecipar a reforma política e mostrar a inutilidade de uma de suas câmaras.

O Senado romano foi cenário do assassinato de um imperador. O Senado brasileiro é palco de um haraquiri coletivo.

» Alberto Dines é jornalista

A matemática dos palanques

Marcos Coimbra
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Para quem acha que as coisas funcionam bem atualmente nas relações entre o governo e os partidos, pode ser até barato deixar tudo como está e ganhar alguns minutos selando uma “aliança” com o PMDB. Quem, contudo, desconfia que as coisas precisam mudar deve avaliar com cuidado o que está comprando.

Os dicionários brasileiros mais famosos não registram o sentido moderno da palavra palanque. No Houaiss, por exemplo, a primeira acepção nos leva a pensar que ela é quase um arcaísmo. Palanque seria um “tablado com degraus para participantes e/ou espectadores de eventos ao ar livre”, coisa que já não existe mais, a não ser nas mais simples cidade do interior. Onde ainda se empregam tábuas para fazer estruturas como essas?

No Aurélio, a definição é praticamente igual: palanque é um “estrado de madeira com degraus, construído para os espectadores de uma festa ao ar livre”. Nele, como no Houaiss, registram-se outros sentidos da palavra (tronco para prender cavalos, poste para amarrar potros para curar bicheira etc.), mas nenhum se aproxima do que tem hoje em dia, especialmente nas discussões políticas.

Nelas, ela é utilizada para descrever o lugar onde ficam aqueles que falam ou, por metonímia, os que sobem nesses “estrados” para se dirigir aos espectadores de comícios. É nos palanques que os políticos discursam.

Hoje, ela designa duas coisas distintas: os palanques propriamente ditos e os “palanques eletrônicos”. Só que, no Brasil, do modo como funcionam o sistema político e as campanhas eleitorais, os primeiros perdem, a cada eleição, importância, e os outros ganham. Os comícios querem dizer menos e a televisão mais. Basta fazer as contas. Em uma eleição presidencial, em qualquer dia normal de veiculação da propaganda eleitoral, os programas dos candidatos têm uma audiência potencial (medida pelo número de aparelhos ligados) que equivale a uma cobertura de cerca de metade do eleitorado, ou seja, de mais ou menos 65 milhões de pessoas.

Se considerarmos a audiência efetiva (domicílios onde pelo menos uma pessoa assiste a pelo menos parte do programa), ficamos com 30 milhões e, mesmo se quisermos apenas a audiência ativa (onde alguém assiste, com atenção, à maior parte do programa), temos 15 milhões. Agora façamos uma especulação sobre uma campanha que fosse capaz, nos 90 dias permitidos, de fazer um grande comício por dia, com 20 mil pessoas em média (sem artistas e sem atrações), apenas para ouvir os candidatos. Nessa hipótese altamente improvável, ela levaria 1,8 milhões de pessoas a eles. Ou seja, perto de 10% apenas da audiência ativa do programa em um só dia. Isso para não falar das inserções, que atingem 130 milhões de eleitores diariamente.

Existem dezenas de estudos que mostram que, se há uma coisa que desagrada ao eleitor na TV, é ver desfile de políticos. No programa de Dilma, por exemplo, abusar da presença de personagens pouco ou nada conhecidos fora de seus estados só faz com que ninguém queira vê-lo. Mesmo onde atuam, sua aparição rouba o tempo da candidata, que precisa de várias coisas, menos de patronos demais. É igual para o candidato que ela enfrentará do PSDB.

A importância da televisão é tão grande que alguns estrategistas acham que qualquer concessão vale a pena, na busca de coligações partidárias que aumentem o “tempo de antena” de uma candidatura. É o que faz com que o PMDB seja tão cortejado, tanto pelo governo, quanto pela oposição. O cálculo dos benefícios não é simples, no entanto. Se um partido tem, sozinho e com seus aliados tradicionais, tempo suficiente para ser notado pelo eleitor, a vantagem da maior exposição pode ser pequena.

Há, além disso, o problema do preço. Para quem acha que as coisas funcionam bem atualmente nas relações entre Executivo e Congresso e entre o governo e os partidos, pode ser até barato deixar tudo como está e ganhar alguns minutos selando uma “aliança” com o PMDB. Quem, contudo, desconfia que as coisas precisam mudar deve avaliar com cuidado o que está comprando. PSDB e PT já ganharam eleições sem o PMDB. Quanto a Serra, já perdeu com ele.

Campanha eleitoral de 2010 chegará à internet

Carolina Brígido e Isabel Braga
DEU EM O GLOBO

Presidente do TSE defende uso da rede nas eleições para atrair jovens e democratizar as doações financeiras

BRASÍLIA. Os candidatos às eleições de 2010 têm chance de contar com uma ferramenta decisiva de campanha: a internet. Não só para divulgar propostas e apoios, mas para receber doações financeiras. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, tem defendido essa bandeira junto a seus colegas de tribunal, citando o sucesso das doações de pessoas físicas para a campanha de Barack Obama, nos Estados Unidos. O ministro Joaquim Barbosa, que presidirá o TSE no ano eleitoral, já manifestou a colegas simpatia pela liberação total das campanhas virtuais.

Intenção é permitir pequenas doações pela rede

Sempre que pode, Ayres Britto elogia publicamente a campanha feita por Barack Obama. Costuma dizer que é melhor ter muita gente doando pouco, como ocorreu com os financiadores do presidente americano, do que pouca gente doando muito, como aconteceu com o presidente Lula, nas últimas eleições. Nos Estados Unidos, é possível doar apenas um dólar pela internet. No Brasil, são mais comuns doações de grandes empresas, sem participação direta do cidadão comum. Ayres Britto quer mudar isso:

- Nos Estados Unidos, o candidato democrata Barack Obama recebeu mais de US$1,2 bilhão em doações pela internet. Lá, o cidadão pode doar um dólar acessando a rede.

Um dos objetivos da proposta de levar a campanha para a rede é atrair os mais jovens para o debate político. Alguns políticos ainda resistem a esse contato direto com os internautas, quando a vida pública fica muito mais exposta.

O cientista político e professor da Universidade de Brasília Lúcio Renó considera que a internet é um instrumento eficaz de comunicação e já é um mecanismo muito presente nas campanhas eleitorais das democracias mais avançadas. Para ele, é inevitável o aumento do uso dessa ferramenta, o que considera positivo para candidatos e eleitores:

- O eleitor ganha. Qualquer ganho de fonte de informação é muito bom. Isso é essencial na democracia. E sou a favor do uso livre, quanto menos restrição melhor. É preciso, no entanto, mecanismos de proteção dos que se sintam prejudicados.

Câmara quer votar novas regras este mês

DEU EM O GLOBO

Mas restrições para a pré-campanha deverão continuar

BRASÍLIA. O cientista político Lúcio Renó destaca que hoje já existem mecanismos para os que se sentem ofendidos, como recorrer aos tribunais, mas que novas regulamentações podem ser aprovadas. Renó também é favorável à doação via internet:

- Fica mais transparente. Vai exigir cadastro e deverá ser feita por meio de cartão ou boleto, coisas que criam rastro e aumentam a transparência.

Na Câmara, os líderes partidários anunciaram que votarão este mês projetos de uma pequena reforma eleitoral. O texto, do deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que já foi juiz, define regras para a campanha, incluindo o uso da internet. Dino pretendia liberar o uso da internet antes dos três meses da campanha eleitoral. Para ele, a internet é um instrumento acessível a todos os candidatos e uma ferramenta democrática. Não houve consenso sobre a proposta.

Alguns deputados, como o baiano Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM), entenderam que tal medida poderia passar a impressão de autorização de antecipação das campanhas eleitorais. Só concordam com a divulgação de prévias partidárias nos sites dos partidos, desde que não haja pedido de voto.

- A internet será livre nos três meses que antecedem a campanha. Na pré-campanha, os sites dos partidos poderão divulgar prévias. Mas nada de manifestações individuais dos pré-candidatos - disse ACM Neto.

TSE resistiu a regulamentar o uso na campanha passada

Até o ano passado, o TSE resistiu em regulamentar o assunto. No julgamento de uma consulta proposta ao TSE, em plena campanha para as eleições municipais, Ayres Britto defendeu a liberação total da rede para campanhas eleitorais. Mas a maioria do tribunal preferiu não disciplinar o tema, deixando para julgar caso a caso eventuais abusos. Com o tempo, alguns ministros se convenceram da necessidade de fixar regras.

Atualmente, os dois possíveis obstáculos à proposta são os ministros Marcelo Ribeiro e Arnaldo Versiani. Os dois são vistos como formalistas por integrantes da Corte, dispostos a não regulamentar o uso da internet pela ausência de previsão desse tipo de propaganda em lei. Se for mesmo regulamentar o tema, o TSE é obrigado a publicar resolução ainda este ano. Segundo a legislação eleitoral, não se pode criar novas regras de campanha em ano de eleição.

Se a internet for liberada para as campanhas no ano que vem, os candidatos poderão anunciar em páginas de notícias, enviar mensagens eletrônicas a eleitores e manter blogs. Hoje, os candidatos podem fazer campanha na internet apenas em páginas oficiais da candidatura.

Subida de Dilma em pesquisas inquieta oposição

Adriana Vasconcelos
DEU EM O GLOBO

Demora na definição do candidato do PSDB, que será escolhido entre Serra e Aécio, preocupa seus aliados

BRASÍLIA. O crescimento das intenções de votos em favor da candidatura presidencial da ministra Dilma Rousseff, registrado nas últimas pesquisas, começa a tirar o sono da oposição. Primeiro, porque o PSDB não conseguiu fechar consenso entre seus dois pré-candidatos, o mineiro Aécio Neves e o paulista José Serra. Segundo, porque já percebeu que a intenção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é transformar a próxima disputa presidencial numa espécie de plebiscito sobre seu governo, estimulando os quase 80% dos brasileiros que aprovam sua gestão a votarem em Dilma.

PSDB dificilmente terá definição este ano

A despeito da pressão do DEM e do PPS para que os tucanos antecipem logo a escolha de seu candidato à sucessão de Lula, o PSDB dificilmente conseguirá ter uma definição antes do fim do ano. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, já comunicou à direção do partido que pretende insistir em sua pré-campanha pelo menos até outubro, quando promete fazer uma avaliação sobre a viabilidade de seu nome. Caso considere que tem alguma chance, insistirá na realização de prévias.

Mesmo liderando com folga pesquisas sobre a sucessão presidencial de 2010, o governador José Serra resiste a assumir sua candidatura e mais ainda à hipótese de ter de se submeter a uma disputa interna no partido para garantir a vaga de candidato. Ele tem evitado participar dos seminários promovidos pelo partido para discutir a plataforma de governo que pretende apresentar ao país em 2010.

- A oposição não pode ficar imobilizada. Precisa estruturar a campanha, ainda mais quando vemos Lula defendendo abertamente a candidatura de Dilma - advertiu o líder do DEM, senador José Agripino (RN).

Diferentemente do que imaginavam os oposicionistas, o câncer linfático enfrentado pela ministra Dilma, em vez de abalar, teria ajudado a consolidar sua candidatura, até porque colocou seu nome no noticiário nacional e de forma mais humana.

Sem consenso, PSDB cuida dos palanques

DEU EM O GLOBO

Serra fechou acordo na Bahia, e Aécio recebeu apoio do PDT

BRASÍLIA. A demora na escolha de seu candidato à Presidência e as perspectivas de o Brasil superar em pouco tempo os efeitos mais danosos da crise econômica mundial estão levando oposicionistas a admitirem, desde já, que terão uma disputa eleitoral duríssima pela frente.

De qualquer forma, os oposicionistas acreditam que Dilma continua sendo a candidata mais fácil de se enfrentar. Pesariam contra sua candidatura a falta de consistência do ponto de vista intelectual, uma arrogância criticada até por aliados e o fato de nunca ter sido testada nas urnas. Isso, enquanto o mais forte nome da oposição, o governador paulista, José Serra, desponta em pesquisas qualitativas como o segundo político mais admirado do país, perdendo apenas para Lula.

Enquanto Serra e o mineiro Aécio Neves não chegam a um consenso, os tucanos planejam reforçar os palanques estaduais de seu futuro candidato à Presidência. Neste campo, Serra tem trabalhado com afinco. Ele teria tido participação decisiva, por exemplo, no fechamento de um acordo entre tucanos e democratas na Bahia, o que deverá ser decisivo para o lançamento da candidatura de Paulo Souto, do DEM, ao governo baiano no próximo ano.

A avaliação da oposição é que essas coligações regionais poderão ser decisivas em 2010, até porque Dilma não tem o carisma do presidente Lula, e o PT é muito ruim na hora de fechar alianças.

Aécio tenta mostrar trânsito entre partidos da base de Lula

Já Aécio tem tentado mostrar seu trânsito com legendas que integram hoje a base aliada do governo Lula. Nas últimas semanas, por exemplo, recebeu declarações públicas de apoio do presidente licenciado do PDT, o ministro Carlos Lupi, e do presidente do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson. A habilidade do governador de Minas agrada a parte da cúpula tucana, que, mesmo ciente de que a candidatura de Serra seria mais competitiva, admite que Aécio teria potencial para se sair bem numa disputa nacional, por suas características de articulador político e seu enorme jogo de cintura.

Paralelamente à estratégia de cada um de seus pré-candidatos, a cúpula tucana estuda a melhor forma de neutralizar dois fatores que poderiam desequilibrar a eleição em favor de Lula e sua candidata: o medo dos eleitores de que o PSDB possa acabar com o Bolsa Família e a possibilidade de o PT ressuscitar o discurso de que os tucanos só sabem privatizar, a exemplo do que aconteceu em 2006, que acabou levando o candidato Geraldo Alckmin a receber no segundo turno menos votos do que no primeiro. O PSDB já ensaia o discurso em defesa das políticas sociais.

Paulinho da Viola - Foi um rio que passou em minha vida

Confira o vídeo

Clique o link abaixo
http://www.youtube.com/watch?v=dY1ZRgpv5Y4

Em busca do equilíbrio institucional

Luiz Orlando Carneiro Raphael Bruno
Brasília
Entrevista Flávio Dino
DEU NO JORNAL DO BRASIL

Autor da proposta de reforma eleitoral, deputado explica o que muda para 2010 e diz que TSE não pode ir além da lei

Derrotada, mais uma vez, a proposta de reforma política que estabelecia o financiamento público exclusivo de campanhas e o voto em listas partidárias fechadas, os deputados se mobilizam para realizar uma última tentativa de aperfeiçoar a legislação eleitoral antes da disputa de 2010. Autor do anteprojeto de "minireforma eleitoral" o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) detalha nesta entrevista exclusiva concedida ao JB que o objetivo primordial, agora, é retirar da Justiça Eleitoral parte dos poderes reguladores que ela, segundo Dino devido à "omissão" dos parlamentares, exerceu sobre os últimos pleitos.

O senhor acha que a minirreforma eleitoral será aprovada a tempo para valer em 2010?

Há tempo por duas razões: a primeira é que nós temos aí, três meses. Mesmo que na Câmara nós consumíssemos todo o mês de junho, ainda teríamos agosto para o Senado apreciar e eventualmente, se houver emendas, retornar para a Câmara para que a gente vote as emendas até setembro.

Qual proposta que gerou mais polêmica?

A chamada lista fechada. Em segundo lugar, e tão polêmico também, é o do financiamento de campanha. Cada um tem um modelo na cabeça. Foi em razão disso que a gente inverteu o procedimento. Em vez de buscar medidas de maior impacto e reunir forças políticas para aprová-las, agora o Michel Temer (presidente da Câmara) inverteu. Apresentei essa proposta metodológica de consenso progressivo, começando dos temas que mais unem indo até os os temas que mais dividem a Casa e a sociedade. Então nós estamos tratando, em primeiro lugar, dos temas referentes a campanha eleitoral, propaganda eleitoral, e aí abrangendo um conjunto de tópicos, como por exemplo o que pode, o que não pode, se pode ter placa, se pode pintar muro, se pode ter cavalete, se pode fazer carreata na véspera da eleição, se pode usar internet, como pode usar internet, se pré-candidato pode dar entrevista, se pode ter blog, se podem existir prévias partidárias.

O financiamento público não estaria necessariamente atrelado à da lista fechada?

Essa é uma teoria que eu chamo, brincando, da goiabada com queijo – uma coisa só funciona com a outra. Quando na verdade você pode comer goiabada e comer o queijo e ambos são bons. Não existe esse casamento em lugar nenhum, nem no Brasil.

Como seria o financiamento público sem a lista fechada?

Como já é hoje. Nós já temos financiamento público de campanha com lista aberta. Só que não existem normas para esse financiamento público. O financiamento no Brasil já é misto. Você tem o financiamento público representado pelo fundo partidário e pelo horário eleitoral gratuito e você tem o financiamento por empresas e o financiamento por pessoas físicas. Então como é que você calibra isso? No fundo partidário hoje são mais de R$ 200 milhões por ano. O fundo partidário é usado, sim, no financiamento de campanhas eleitorais – e fortemente. Só que não tem critérios. Ninguém sabe exatamente como é feita a distribuição nos Estados.

É possível impedir totalmente o financiamento por empresas?

Hoje é uma medida necessária porque o modelo está saturado. Primeiro, hoje o cerco ao chamado caixa 2, as doações ilegais, é crescente, em razão do aprimoramento dos mecanismos de fiscalização e controle por parte da Justiça Eleitoral, cruzamento com dados da Receita Federal. Agora, recentemente, o TSE fez um convênio com o Tribunal de Contas da União. Então as doações ilegais, felizmente, tendem a minguar. As doações legais sempre enfrentam problemas, sejam políticos, sejam jurídicos. Politicamente, vou dar um exemplo recente – a CPI da Petrobras. Vocês jornalistas levantaram que senador tal recebeu dinheiro da empreiteira "X", que presta serviço para a Petrobras. Logo ele tem interesses pessoais, digamos assim, na CPI.

Então se for feito um esquadrinhamento do mundo político a partir dos seus doadores, isso cria uma espécie de suspeição, ainda que todos digam "não, eu recebi dinheiro da empresa, mas a empresa não manda em mim", mas aos olhos da sociedade não funciona assim. Esse é o problema político maior que eu vejo. No jurídico, recentemente o Ministério Público instaurou procedimentos e representações contra mais de 4 mil empresas que fizeram doações declaradas em 2006 e 2008. Ora, a tendência é que essas representações indo adiante, o empresário recue, porque diz "vou contribuir para isso aí e ter a minha empresa, depois, metida em confusão, sendo questionada, sendo apontada, sendo investigada". Então qual é o quadro que se projeta?

É que serão cada vez menos empresas e somente as muito grandes, grandes bancos, grandes empreiteiras, que irão se dispor a participar do jogo eleitoral. E isso, evidentemente, tem uma implicação gravíssima, que é poucas empresas definirem, de modo substantivo, o perfil da representação política no Brasil.

Não existe o receio de que essa minirreforma seja vista como uma maquiagem superficial?


Esse risco, há, mas eu não concordo com essa leitura. O Brasil não é um país de ruptura, é um país, pelo contrário, de grandes transições. Não que eu goste disso, é uma constatação sociológica histórica. Então, eu sempre encaro a reforma política como um processo e não como um momento. Se nós olharmos, no passado os candidatos não prestavam contas, não existia urna eletrônica, não existia um cadastro de eleitores confiável. Isso tudo vem dos anos 90 para cá.

Não se joga mais urnas nas lagoas e rios...

Conheço um caso no Maranhão que a urna foi aberta e foi encontrado um crustáceo dentro – para ver como é que as urnas eram manipuladas. Em 1995 foi votada a lei dos partidos, em 1997 a lei geral das eleições, em 1999, a lei chamada de captação lícita de sufrágio para compra de votos, em 2006 foi votada a Lei 11.300, que pôs fim à distribuição de brindes – camisetas, bonés, showmícios, etc. Temos aprimorado as regras eleitorais no Brasil. E também o Poder Judiciário veio dar uma contribuição importante, muito especialmente com a aprovação da fidelidade partidária, agora em 2007. É uma reforma política em curso, com todos os seus problemas.

O ponto principal da minirreforma é a questão da liberação de campanhas na internet?

Esse é um grande tema, sem dúvida, porque não é apenas a questão da atualização das regras às novas mídias. É o impacto que essas novas mídias tem no barateamento das campanhas e na democratização da circulação de ideias. Qual é a grande virtude da internet? É que ela é um meio substantivamente mais barato de campanha do que qualquer outra mídia, ela é de acesso praticamente universal. Hoje nós temos cerca de 40 milhões de computadores. Quer dizer, a exclusão digital no Brasil está se reduzindo, portanto é um meio que possibilita que o candidato tenha uma relação direta com o eleitor.

Existem especulações de que um grupo de deputados teria receio de uma atuação mais rigorosa do judiciário em relação as campanhas com o ministro Joaquim Barbosa na presidência do TSE em 2010. Esse receio procede?


Esse debate da chamada judicialização da política e da excessiva interferência do TSE já vem de alguns anos, com alguns episódios de alta voltagem, como a história da verticalização, a própria questão da fidelidade. Há uma questão institucional acerca de quem comanda o estabelecimento das regras do jogo do processo eleitoral e há uma percepção do Congresso de que, em razão das omissões nossas, o TSE acabou agigantando a sua função normativa. Uma coisa é a função regulamentar. Essa, sim, pertence ao TSE, que é a dimensão do como fazer. Mas o que fazer quem tem que estabelecer é o Congresso, em razão do princípio da legalidade. Como o Michel Temer tem insistido em nós fazermos uma legislação que detalhe as regras do jogo, exatamente para diminuir os vazios, e ao mesmo tempo, esclarecendo, regrando melhor o eixo chamado poder regulamentador do TSE, dizendo, em primeiro lugar, o óbvio de que o TSE não pode inovar na ordem jurídica, não pode criar regras novas, não pode criar sanções, punições onde a lei não prevê. Então não é uma questão fulanizada, mas é uma questão, sim, institucional. É um debate democrático, aberto, com um outro poder, para que a gente encontre um ponto de equilíbrio adequado.

A propaganda em faixas e cartazes volta a ser autorizada. Significa um retorno àquelas campanhas marcadas pela sujeira nas cidades?

Nós estamos mantendo a proibição de que em bens públicos de todas as espécies é proibida a propaganda eleitoral. Antigamente você olhava um poste de iluminação pública, na época da campanha, existiam placas fixadas nele inteiro, quase até à altura do fio. Isso vai continuar proibido. Nós estamos estendendo uma proibição que está na resolução relativa a árvores, jardins, que é proibido também. Agora, você permite algumas coisas, no caso faixas, placas, cartazes, em bens particulares. Eu diria que há um equilíbrio. Nós estamos liberando determinados meios de campanha, porque você não pode clandestinizar candidaturas. Não pode ser uma festa sem regras, mas também não pode ser um cemitério.

Campanha já está na internet

Clarissa Oliveira, Roberto Almeida e Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Seguidores lançam na rede virtual seus candidatos favoritos; partidos comemoram, mas negam ingerência

Proibida pela Justiça Eleitoral no mundo real, a campanha para a Presidência da República de 2010 transcorre livremente na internet. Graças à ajuda de simpatizantes, os principais pré-candidatos ao Palácio do Planalto já são tema de blogs, comunidades e mensagens trocadas na rede mundial de computadores. Isso tudo a mais de um ano do início do prazo legal para que as campanhas sejam efetivamente colocadas na rua.

Partidos negam qualquer responsabilidade por slogans que se multiplicam na rede. Na prática, a ordem é não criar obstáculos, já que a manifestação de simpatizantes é liberada. O que a Justiça veda é o uso disso por partidos e candidatos.

Dessa forma, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), já tem pelo menos seis blogs em apoio a sua candidatura. Ela supera os dois pré-candidatos do PSDB, os governadores José Serra, de São Paulo, e Aécio Neves, de Minas Gerais. Cada um deles é tema de quatro blogs.

Serra é campeão de registros no site de relacionamento Orkut, servindo de tema para 139 comunidades. Destas, 35 têm por objetivo atacá-lo. Já Dilma conta com 63 comunidades, sendo 11 contrárias a sua candidatura. E Aécio aparece em 111, 18 contra ele.

Serra também lidera a audiência na rede social Twitter, que virou febre ao permitir a troca de mensagens rápidas numa espécie de miniblog criado para cada usuário. Apesar de haver apenas 9 registros com seu nome, contra 15 de Dilma, o tucano atrai quase 12 mil seguidores - pessoas que acompanham em tempo real todas as mensagens postadas por um usuário. Nos registros em apoio à petista, há menos de 1.000 seguidores. Já Aécio tem 500 seguidores para dois registros.

O sucesso de Serra deve-se, em grande parte, ao fato de ele próprio ser o autor das mensagens postadas com o login joseserra_. Desde 18 de maio, quando foi criado, até ontem, seu miniblog tinha quase 7 mil seguidores. O governador nega qualquer interesse político-eleitoral. Política é assunto proibido no blog. Em resposta a um de seus seguidores, Serra mandou um recado. "Política, não, @ca_freitas", twittou.

AUTORES

Tanto no lado petista quanto no tucano, o apoio virtual vem de longa data. O movimento pró-Serra na rede começou em 2007 com um blog ativo até hoje. O de maior popularidade, entretanto, é o mantido pelo Movimento Eu Quero Serra Presidente. De iniciativa de jovens ligados à Juventude do PSDB e DEM, ele existe desde janeiro.

Em 2008, o servidor Daniel Bezerra, que trabalha no governo do Ceará, criou o Blog da Dilma.

Hoje, cinco pessoas atualizam diariamente a página. "Mas ninguém recebe nada por isso", garante o editor, que usa o codinome Daniel Pearl, em homenagem ao jornalista americano sequestrado e morto no Paquistão. Bezerra já conversou em mais de uma ocasião sobre o blog com o presidente do PT cearense, José Ilário Gonçalves Marques. "Ele disse que o partido não iria ajudar, nem atrapalhar." Ilário diz que Bezerra lhe pediu ajuda financeira e promocional, mas garantiu que a resposta foi negativa. Ainda assim, o blogueiro levantou R$ 10 mil para pagar adesivos com o slogan Dilma Presidente. "Fizemos uma vaquinha", diz.

Além de mensagens de apoio e publicidade aos atos de seus candidatos, alguns sites realizam enquetes. Em uma das páginas em apoio a Aécio, a pergunta colocada é "Quem deve ser o candidato a presidente do PSDB (Aécio ou Serra)?". Um outro pergunta: "Quem deve ser o vice de José Serra ?".

Outro site em apoio ao mineiro, o www.aecioneves2010.com.br, é mantido por uma equipe liderada pelo estudante Ronaldo Terra. A página é resultado de seu projeto final de graduação em marketing. "Aécio tem uma ?presença web? muito mal administrada", criticou.

A suspeita de que esse tipo de movimentação tenha por trás os partidos é logo rechaçada por dirigentes do PT e do PSDB. "São iniciativas dos próprios internautas, que não têm nada a ver conosco", afirma o secretário de Comunicação do PT, Gleber Naime. "Não podemos ter qualquer relação com isso. Mas acho que eles retratam a filosofia da internet. Aparecem, se desenvolvem espontaneamente", diz o vice-presidente do PSDB nacional, Eduardo Jorge.

De qualquer forma, tucanos e petistas já se preparam para utilizar a internet na campanha do ano que vem. O PT torce por uma mudança nas regras de uso eleitoral da rede. Se for liberado, o plano é contratar um time especializado e estudar mecanismos de arrecadação online. "Vamos ter que contratar gente para fazer frente a essa guerrilha", afirma Naime.

Já o PSDB montou um grupo de trabalho e vem estudando as ferramentas a serem exploradas na eleição. "O próprio Serra e o Aécio cobraram do partido uma presença mais forte na internet para divulgar as ações do partido. Não podemos ficar para trás", diz o secretário-geral do PSDB, deputado Rodrigo de Castro (MG).

Resolução do TSE é o entrave

Roberto Almeida
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), editada pelo ministro Carlos Ayres Britto, é a baliza intransponível dos candidatos que almejam uma superexposição de campanha na internet nas eleições do ano que vem.

O texto, do dia 10 de setembro de 2008, avisa que "a propaganda eleitoral na internet somente será permitida na página do candidato destinada exclusivamente à campanha eleitoral e na do partido político".

Ou seja, nada de Orkut oficial, Twitter oficial, Flickr oficial, entre outras ferramentas tão necessárias na visão dos marqueteiros políticos, que pensam em 2010 como um espelho da campanha de Barack Obama à Casa Branca. Obama twittou até o dia da vitória, seguido por milhões.

A esperança de alterar a legislação parte de uma iniciativa do deputado Flávio Dino (PC do B-MA), ele mesmo dono de um perfil oficial no Twitter. Dino reforça em seu miniblog a necessidade de uma reforma eleitoral - o que inclui mudanças nos entraves do mundo virtual.

De acordo com seu projeto, o uso da internet ficaria liberado para campanhas eleitorais. Candidatos e seus seguidores teriam a possibilidade de se manifestar em blogs, redes de relacionamento e outros aplicativos na internet.

O aparelho e a lei

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Demorei tanto para tratar do mais recente escândalo do Senado que acabei sendo "furado" pelo editorial desta Folha, que usa uma expressão ("Senado secreto") quase igual à que pretendia usar ("Senado clandestino").

A demora não se deve, creia-me, à preguiça, à desatenção ou ao desejo de preservar o colega do espaço ao lado nas sextas-feiras, o senador José Sarney, ao contrário do que suspeitam alguns leitores.

Deveu-se à mais pura incredulidade. Mesmo no Brasil, onde as mais exóticas jabuticabas florescem impávidas, parecia impossível que o que antigamente chamávamos de "Casa das Leis" caísse na clandestinidade. Caiu.

O que há mais para dizer sobre um caso dessas proporções? Xingar a mãe? A Direção de Redação proíbe. Arrancar os cabelos? São tão poucos que já nem dá para agarrá-los. Produzir o enésimo libelo? Justo, mas sempre haverá alguém a dizer que se trata de "moralismo udenista", o que é uma baita tolice, mas aparece, sim, senhor.

O fato é que o Senado se tornou, sim, um aparelho clandestino, controlado por altos funcionários, ante a omissão e/ou conivência dos senadores. Já nem sei se cabe usar a muleta "com as exceções de praxe", porque os pais da pátria parecem empenhados em destruir o lugar-comum segundo o qual toda regra tem exceções.

Senadores despreparados e/ou omissos dependem de funcionários preparados para entender as regras, os regulamentos, o regimento, as entranhas da Casa. São obrigados a depender de tais funcionários até para os atos legais, inclusive os mais comezinhos. Imagine então como é fácil praticar atos ilegais ou clandestinos -ou ambos ao mesmo tempo.

O pior é que não tem saída, porque a saída depende dos próprios senadores, cúmplices, por ação ou omissão, do aparelho clandestino que era uma Casa de Leis.