sexta-feira, 19 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

"É ainda uma das afirmações mais conhecidas e fortes de Berlinguer -- a "democracia como valor universal" -- que se mostra hoje vigorosamente atual. Se, no passado, tal afirmação tinha o significado forte e explícito de contestar o comunismo soviético e seu caráter opressivo, hoje a “questão democrática” revela-se de extraordinária atualidade, numa sociedade em que os poderes das nações se esvaziam, os cidadãos sentem como mais incertos os seus direitos, a política e as instituições surgem fracas e inadequadas, e, até mesmo, crescente é o deslocamento de poderes, decisões, recursos: de instituições legitimadas pelos cidadãos -- “democráticas”, precisamente -- para lugares e instâncias extrainstitucionais, ao mesmo tempo que se afirmam concepções populistas e plebiscitárias da política e da direção."


[Piero Fassino, a propósito dos 25 anos da morte de Enrico Berlinguer, dirigente do Partido Comunista Italiano e sua famosa tese da "democracia como valor universal", lançada em meados dos anos 1970. Fonte:
www.gramsci.org].

O diploma e o monge

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Gostei muito de um comentário do Carlos Heitor Cony em seu programa com o Arthur Xexéo na CBN. Disse ele: "O diploma não faz o jornalista, assim como o hábito não faz o monge". Uma definição perfeita da situação que vivemos hoje, depois que o Supremo Tribunal Federal acabou com a exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Cony completaria a explicação salientando que nós, jornalistas, somos que nem os jogadores de futebol, testados no campo, no dia a dia da profissão. Não adianta ser amigo do técnico, nem ser indicado por amigo do patrão ou do chefe. Se o jornalista não for competente na sua função, não resiste na carreira, ou vai ficar marcando passo. Com ou sem diploma.

A decisão do STF tem a particularidade mais especial de colocar a profissão em sintonia com o movimento de transformação por que passa a profissão, com o advento das novas tecnologias. E ratificar a realidade de que o jornalismo está ao alcance de todos, democratizando a informação, coisa que os blogs, twitters e sites de relacionamento já estão fazendo, independentemente de autorização deste ou daquele órgão ou sindicato.

O mais recente exemplo é o que está acontecendo no Irã, onde, ao contrário de uma mera disputa entre torcidas, como define de forma reducionista o presidente Lula, está em jogo a ampliação dos espaços democráticos no país, com reflexos em toda a região.

Cony ainda deu um exemplo perfeito sobre como, desde sempre, a arte de informar e divulgar acontecimentos esteve ao alcance de qualquer um que tenha uma boa fonte de informação: os relatos de Cristo e seus apóstolos mudaram o mundo.

Muita gente não gostou das comparações que o ministro Gilmar Mendes, relator do processo, fez com outras profissões, como os chefes de cozinha.

Eu, como sempre apreciei a arte de comer bem, embora não saiba fazer nem mesmo um ovo frito, entendi perfeitamente a ligação que o presidente do Supremo fez com profissões que dependem mais de talento e aptidão do que de técnicas específicas, que podem ser apreendidas no exercício.

Concordo também com a definição que saiu da reunião do Supremo, de que o diploma é obrigatório para as profissões que põem em risco a segurança de terceiros ou a segurança pública.

O jornalismo lida com matéria sem dúvida sensível, que são os valores morais e éticos da sociedade, e pode, quando mal exercido, provocar danos a terceiros.

Mas são situações para as quais existem os recursos da lei. Ninguém se torna ético ou assimila valores morais apenas durante um curso superior de jornalismo ou de qualquer outra profissão, mas este é um ponto em que as universidades de jornalismo têm papel importante: na formação de um indivíduo, que se refletirá no seu exercício profissional.

Aliás, as empresas de comunicação têm seus próprios códigos de conduta, que servem de parâmetro para seus jornalistas, ou inviabilizam a permanência daqueles que não se enquadram. E, mesmo com as novas tecnologias, é a credibilidade de cada grupo de comunicação que garantirá para o leitor a seriedade da informação que recebe, seja em que plataforma for.

Uma formação de cunho humanista é uma boa base para a carreira jornalística, e essa formação se pode adquirir de diversas formas, e não apenas através de um diploma de curso superior. Mas os cursos de jornalismo têm, a partir dessa decisão, uma boa razão para se reinventarem para atrair os estudantes que agora só os procurarão se eles oferecerem um ambiente estimulante a essa formação humanista e ao convívio com as novas tecnologias.

Sempre haverá falhas a serem corrigidas, e agora mesmo estamos em pleno debate sobre o direito de resposta, depois que foi extinta a Lei de Imprensa, outro resquício dos tempos ditatoriais, assim como a exigência do diploma de jornalismo.

Ontem, participei, juntamente com outros jornalistas, de uma audiência pública promovida pela Ouvidoria Parlamentar e pelas comissões de Legislação Participativa e de Direitos Humanos da Câmara sobre "transparência e ética" na política, tema extremamente atual, diante da sucessão de denúncias de irregularidades que agita o Congresso.

A tese de que os meios de comunicação não refletem necessariamente a opinião média do eleitorado, mas apenas o pensamento das elites brasileiras, já foi usada com êxito como argumento para que a grande maioria dos deputados envolvidos no mensalão fosse absolvida pela corporação.

Mas foi uma satisfação sentir, durante os debates, que há um grupo bastante influente de deputados dispostos a compartilhar com a sociedade os anseios por uma representação política menos corporativista e mais engajada na solução das questões da cidadania.

A legislação de acesso à informação, ferramenta indispensável para o exercício de uma democracia moderna, hoje é um assunto que mobiliza todos os governos, e foi tema de boa parte da discussão. Há 20 anos, era assunto apenas dos Estados Unidos e dos países escandinavos.

O projeto de lei brasileiro, que o governo enviou à Câmara há um mês, é um bom ponto de partida, mas a polêmica será a necessidade de uma agência reguladora, ao contrário do que o projeto prevê, colocando a Controladoria Geral da União para assumir esse papel.

Em todos os lugares, a hora do conflito é quando um cidadão quer saber quanto um ministro gastou na viagem que fez à Europa, e em que ele gastou, por exemplo. Ou como nossos parlamentares usaram suas verbas.

A base da lei em todos os países é que "tudo o que tem a ver com dinheiro público o cidadão tem direito de saber".

O debate dos últimos dias, inclusive ontem, na audiência pública, deixou claro que ainda há muita mistura entre o que é público e privado, e a necessidade de transparência nos procedimentos dos servidores públicos ainda não é uma premissa plenamente assimilada.

A hora do umbigo

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Foram necessários quase quatro meses de crise aguda e a exposição de uma série de ilícitos comprovados para que oito senadores se animassem a propor uma série de medidas para moralizar os métodos de administração do Senado.

Considerando que o grupo representa 10% da Casa e que a crise atinge também a Câmara, onde há 513 deputados, dos quais meia dúzia há meses tenta inutilmente formar uma frente de combate às irregularidades, a constatação é deplorável: apenas uma parte ínfima do Poder Legislativo se importa com a falência da credibilidade na atividade política.

Não por coincidência, a ruína de imagem é acompanhada pela queda acentuada no padrão de qualidade da mão de obra do setor. Não que políticos não tenham sido sempre objeto, aqui e no mundo todo, da desconfiança popular.

Em geral, não se costuma associar nem se atribuir a eles avanços importantes e episódios marcantes da História do País. Aqui, no Brasil, por exemplo, foram os profissionais da política os responsáveis pela articulação de todo o processo de transição do regime militar autoritário para a democracia.

Foi nos gabinetes e não nas ruas que se arquitetou a obra da redemocratização. A campanha que levou multidões a pedir eleições Diretas-Já surgiu a partir de uma organização político-partidária. As ruas legitimaram o movimento.

O mesmo ocorreu no processo que resultou no pedido de impedimento e renúncia do então presidente Fernando Collor de Mello.

Os caras-pintadas materializaram popularmente a empreitada, mas toda ela foi executada no Congresso, a partir da convicção suprapartidária de que não era mais possível conviver com um chefe de governo permissivo com a corrupção disseminada no aparelho de Estado.

A política, o Congresso, esse poder de natureza delegada e coletiva, são imprescindíveis à democracia, ainda quando não reconhecidos como tal.

Neste aspecto, há razão de sobra nos alertas sobre os malefícios da desmoralização do Parlamento.

Carece de fundamento, porém, a alegação de que a divulgação dos escândalos e a publicação de denúncias de ilicitudes ocorridas no Congresso enfraquecem o Poder.

Por essa premissa, a omissão e o silêncio ante toda e qualquer malfeitoria tornaria o Legislativo cada vez mais forte como instrumento de organização das correntes de ação política.

A circulação livre de informações sinaliza boa saúde democrática. A doença se manifesta exatamente no que temos visto com frequência nos últimos dias: as transgressões, o acobertamento, as tentativas de mostrar o vício como virtude e a defesa da impunidade de uma casta pela suposição de que a delegação do voto lhe confira total imunidade.

Se o Congresso continuar nessa toada, se insistir em achar que é a imprensa que deve se omitir e não compreender que são os parlamentares que devem reagir, se não se fixar no próprio umbigo no melhor sentido, aí realmente não haverá salvação.

Não por isso

Se a intenção do presidente Luiz Inácio da Silva ao defender o presidente do Senado contra a onda de "denuncismo" foi - como parece ter sido - proteger José Sarney e o aliado PMDB, vestiu um santo e deixou a nu o santuário.

É possível que a bancada petista no Senado se acalme, sentindo-se enquadrada às regras da aliança. Mas acabará pagando o preço da exposição do presidente e seu partido como adeptos de transgressões, não supostas, mas comprovadas.

Lula associou-se a uma crise que até então não era dele, deixou o PT de calças curtas e desperdiçou energia no que tange ao PMDB se sentir na obrigação de retribuir o gesto na forma de sustentação eleitoral.

Limonada

Em matéria de aproveitamento político de um fato em princípio desfavorável, a emenda do terceiro mandato, a movimentação do PT foi irretocável.

É claro que o presidente da República ou o presidente da Câmara ou o presidente do PMDB ou o líder do partido poderiam ter pedido ao deputado Jackson Barreto (PMDB-SE) para não apresentar a emenda.

É evidente que os deputados do PT e do PMDB também poderiam não ter assinado o requerimento que permitiu a proposta chegar até a Comissão de Constituição e Justiça.

Mas, aí, o deputado José Genoino não seria indicado relator, não teria a chance de rejeitar a emenda e, assim, se redimir com uma causa nobre dos danos do mensalão, não poderia com solenidade pontuar no final de seu parecer que "tanto a direção do meu partido quanto o presidente Lula têm, insistentemente, se manifestado contrários a mudar as regras do jogo".

Perderia também a oportunidade de repetir várias vezes no relatório sua posição contrária à reeleição, inventada pelo adversário PSDB.

E ainda, se numa hipótese remota, o baixo clero da base aliada quiser aprovar, o PT será o herói da resistência.

O velho truque do baralho novo

Melchiades Filho
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - A repentina ideia de escalar Ciro Gomes para disputar o governo de São Paulo tem uma consequência imediata. Força os institutos de pesquisa a lidar com o "fato novo" estadual e, com isso, praticamente garante um impulso à candidatura nacional de Dilma Rousseff.

Há duas maneiras principais de construir um nome para uma eleição majoritária: torná-lo conhecido e valorizar os seus atributos. Para divulgar o nome da ministra, existe pouco a fazer além do que tem sido feito desde o ano passado.

A "caravana do PAC" não pode visitar dois lugares ao mesmo tempo. Quanto às virtudes, por ora estão em jogo as que Dilma tomou emprestadas de Lula. E estas já são mais do que sabidas e valorizadas. Se nada mudar, governo e PT apostam que Dilma continuará a crescer em 2009, mas menos rapidamente do que até aqui. Por isso a conveniência de uma "novidade". O triunfo sobre o câncer linfático poderia fazer essa função catalisadora.

Mas ele não poderá ser anunciado antes de setembro -e não há certeza quanto à adequação do uso eleitoral da imagem da ministra assim que encerrar a quimioterapia. Não há contraindicação, porém, para o "transplante" de Ciro e para a mudança artificial das cédulas que Datafolha, Vox Populi e Ibope submetem a seus entrevistados. As intenções de voto em Ciro para a Presidência tendem a migrar para a outra candidata da base lulista.

Mas, ainda que se dividam igualmente entre os principais concorrentes, será fácil promover a boa "notícia": "Dilma chega a 30%!". Resta saber por que Ciro, líder nas pesquisas nacionais em alguns cenários, não negou de bate-pronto o papel secundário em São Paulo. Será a birra antiga de Serra? Inapetência? Deferência a Lula? Ou finalmente lhe caiu a ficha de que nunca foi o Plano B do Planalto, de que nem no próprio partido é o favorito do presidente e de Dilma (o privilégio cabe ao governador pernambucano, Eduardo Campos)?

O longo inquilinato do PMDB

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A declaração do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, de que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), deve pairar acima dos homens comuns é tão disparatada quanto reveladora do poder que as disputas internas no Congresso têm no jogo sucessório.

Só houve um ano comparável ao de 2009, o de 2001, quando aconteceram as movimentações que selaram o cenário político da sucessão presidencial de um governo de oito anos.

Da redemocratização até a chegada do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao poder, o PMDB havia reinado inconteste no Senado. A aliança entre tucanos e pefelistas que conquistou a Presidência em 1994 , manteve a hegemonia pemedebista do Senado, com a eleição de José Sarney que, embora dividisse com os pefelistas a origem no PDS, estava filiado ao PMDB desde que se tornara vice de Tancredo Neves.

Foi com o sucessor de Sarney no cargo, o senador baiano Antônio Carlos Magalhães, que o PFL chegou oficialmente à presidência da Casa em 1997. O cargo não voltaria mais a ser ocupado pelo partido, a não ser nos 58 dias de Edison Lobão (MA) em 2001. ACM foi o único senador não-pemedebista eleito presidente da Casa dos últimos 25 anos. Assim como Lobão, o petista Tião Viana (AC) apenas exerceu um mandato tampão em 2007.

Ao final do comando carlista do Senado, já estava sinalizado que o avanço do PMDB na aliança com os tucanos para a sucessão de FHC levaria de volta ao partido a primazia na Casa.

Este movimento também seria fortalecido na Câmara. O PFL veria naufragar a candidatura do deputado Inocêncio Oliveira (PE) quando o PMDB, aliado ao PSDB, reverteria a regra consuetudinária que dava à maior bancada eleita a preferência e elegeria o então deputado tucano Aécio Neves (MG) à presidência da Casa.

O ano de 2001 seria marcado pela troca de acusações entre ACM e o senador Jader Barbalho (PMDB), que o sucederia no cargo com o apoio do Palácio do Planalto. Ambos seriam obrigados a renunciar - ACM, pela participação da quebra de sigilo do painel eletrônico do Senado, e Jader, pelo sigilo fiscal e bancário quebrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em investigação sobre desvios no Banpará.

À queda de ACM seguiria-se o empenho do comando do PFL, ao longo de 2001, em viabilizar a candidatura da governadora Roseana Sarney (MA). Ao final do ano, o Datafolha colocava a candidata pefelista em segundo lugar, atrás de Lula, ultrapassando Ciro Gomes e jogando poeira em José Serra, que, naquele momento, situava-se em 6º lugar.

A candidatura Roseana não resistiria à operação da Polícia Federal que, no início de 2002, fizera uma apreensão de R$ 1,34 milhão no escritório do marido da governadora. Sarney atribuiu a operação aos aliados de Serra na PF. A tensão no relacionamento entre eles dura até hoje.

Com o naufrágio da candidatura Roseana, o PFL se dividiria entre Ciro, Serra e a neutralidade. O deputado cearense colhia elogios do partido à medida que subia nas pesquisas. Vítima de sua verborragia, Ciro, que era candidato da aliança PPS, PTB e PDT, refluiu, enquanto Anthony Garotinho (PSB) o ultrapassaria e terminaria a disputa em terceiro lugar.

No segundo turno, Serra teve dificuldade em reagrupar o PFL. Também não conseguiu atrair a maioria dos votos de Ciro e Garotinho que, juntos, tiveram votação superior à sua. E, apesar de ter uma vice pemedebista (Rita Camata), não conseguiria evitar que lideranças do partido, como o então governador de Minas, Itamar Franco e Orestes Quércia, além de Sarney, aderissem a Lula.

O economicismo que vê na urna uma simples extensão do bolso dos eleitores, sempre pode atribuir o fracasso de FHC em fazer seu sucessor exclusivamente à galopada dos juros, da inflação e da renda salarial.

Ignora-se que a deterioração dos indicadores econômicos, antes de se traduzir nas urnas, impacta a movimentação da base de apoio político do Executivo na federação e no Congresso.

Assim como a economia, sozinha, não derrotou Serra, não é apenas o bom desempenho no enfrentamento da crise mundial que levará Lula a eleger a ministra Dilma Rousseff presidente.

Assim como Roseana, Ciro e Garotinho demonstraram potencial em angariar os votos dos insatisfeitos e arregimentar apoio político em torno de si, num cenário de rearranjo da aliança governista, talvez seja cedo para dizer que a polarização entre Serra e Dilma esteja sacramentada para 2010 num Senado conflagrado.

Um dos motivos por que o PMDB reina quase absoluto no Congresso Nacional é pelo fato de, apesar de não ter candidato à Presidência da República desde 1994, manter-se como principal força eleitoral em Estados e municípios.

Com a infeliz defesa de Sarney, Lula sinalizou para a importância de se manter essa aliança. O PMDB do Senado, ameaçado pela rivalidade de pólos de poder internos, também pode atomizar seu apoio no cenário eleitoral de 2002 entre candidatos que, a exemplo de Dilma, também se vendam como pós-lulistas.

Essa percepção foi o que levou Lula a abrir as portas para que o PMDB, no início do ano, chegasse à Presidência de ambas as Casas, como não acontecia há 16 anos. A aliança entre PSDB e PT no Senado, que culminou com a derrotada candidatura de Tião Vianna (PT-AC) à presidência do Senado, é uma tentativa de resistir à essa hegemonia, mas tem fôlego curto pela rivalidade de seus projetos nacionais de poder.

Se o pragmatismo de Lula pode ter como desfecho uma bem sucedida dobradinha PMDB/PT, também parece certo que essa aliança, estendida à primazia do partido nos palanques estaduais, reforçará a hegemonia pemedebista no Senado. A legenda nutre-se do mais enraizado poder político do país. E não há como podar os vícios que imprimiu ao Congresso, frutos de poder desmedido e de rara alternância, sem fazer concorrência à origem da força pemedebista, o poder local. Ao buscar garantias à permanência de seu partido no mais alto cargo da República, Lula também impõe limites à transformação da política nacional.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Pra lá de Teerã

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO - Até agora, não consigo explicar a posição de Lula sobre o Irã. Por que se precipitar e dizer que as manifestações eram brigas de vascaínos contra flamenguistas? Naquele momento, os principais líderes mundiais sinalizaram preocupação e cautela. As apurações iranianas, que levam uma semana para serem tabuladas, foram resolvidas em horas. Em Tabriz, terra de Mousavi, Ahmadinejad ganhou longe, o que não costuma acontecer.

Esses dados já estavam disponíveis. Depois da declaração, vieram outros mais embaraçosos: em mais de 30 cidades, o número de eleitores superou o de inscritos. Em Taft, o número de eleitores, segundo a oposição, elevou-se a 141 por cento: fantasmas.

Não era necessário manifestar simpatia pela oposição. Simplesmente cautela. Tanto o presidente como o Itamaraty não receberam bem as críticas sobre a visita de Ahmadinejad. Aproveitaram para dizer que a visita estava de pé. E para mostrar independência em relação à imprensa ocidental. Se ela diz uma coisa, pode ser que esteja acontecendo outra.

O Brasil quer se mostrar pragmático, disposto a tudo por um bom negócio. Mesmo bons negociantes a quem se pede, a todo instante, o sacrifício de princípios precisam saber se calar.

Não havia grandes mudanças em gestação. No Irã, às vezes, o resultado das urnas pode ser sufocado pela revolução. Mas alinhar-se aos setores mais conservadores, considerar uma luta, que depois resultaria em mortes, como um simples choque de torcidas, é qualquer coisa pra lá de Teerã.

Os iranianos que fazem seu movimento também pela internet sabem que nem todos no Brasil se alinham, nesse caso, à posição de Lula. Muitos relógios estão sintonizados com a hora de Teerã: +3:30 GMT.

Menos, Lula, menos

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva de vez em quando ironiza os que ironizavam seus tropeços com o português.

Lembra que, antes de ser presidente, dizia "menas"; agora, vez por outra, tasca um "sine qua non". Parabéns, presidente, pela evolução.

Mas agora é hora de reaprender a falar "menas". A ser menos boquirroto, quero dizer. Presidente não é comentarista de política interna ou externa para ficar dando palpite em tudo, inclusive sobre o que não tem informações.

Refiro-me ao caso das eleições no Irã. Lula não tem elementos para avalizar ou condenar os resultados.

Não houve observadores internacionais que pudessem referendar a vitória do presidente Ahmadinejad ou gritar "fraude".

Ao falar sobre o que não sabe, o presidente está sendo leviano e dando demonstrações seguidas de desinformação.

Primeiro, disse que só os perdedores protestaram. Falso. Os governos da França e da Alemanha chamaram os embaixadores do Irã em suas respectivas capitais para pedir explicações.

Depois, disse que a percentagem de votos atribuída a Ahmadinejad (cerca de 60%) é muita para que tenha havido fraude. Bobagem. Ditaduras não tem escrúpulos. Só um exemplo: o paraguaio Alfredo Stroessner elegia-se sucessivamente com percentagens próximas de 90% -e os hoje petistas e seus amigos paraguaios gritavam fraude sucessivamente.

Até o Conselho dos Guardiães, a linha dura da linha dura, viu-se obrigado a convocar uma reunião com os candidatos destinada a discutir as acusações de fraude. Quando o coração do regime hesita, Lula revela-se mais aiatolá do que os aiatolás. Sem necessidade, porque, como ninguém sabe se houve ou não irregularidades, o mais elementar bom senso sugeriria silêncio a qualquer chefe de governo até desfazer as brumas.

A escala lulista de valores

Editorial
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O presidente Lula é um político que não tem princípios. Tem fins. Dele só se poderia esperar, portanto, que saísse em defesa do presidente do Senado, José Sarney, engolfado pela onda de escândalos na instituição que comanda pela terceira vez. É notório que Lula deve a alma, como se diz, a Sarney, seu aliado firme desde a campanha de 2002, e conta com ele e a sua patota para adquirir em 2010 a adesão do PMDB à candidatura da ministra Dilma Rousseff - a "sacerdotisa do serviço público", como o senador a endeusou em um comício. Além disso, desde que alcançou o Planalto, Lula tem demonstrado uma coerência impecável: sempre que se viu obrigado a escolher entre a ética e a conveniência, jamais desapontou os que apostavam que ficaria com esta em detrimento daquela. Ainda há pouco, quando rebentou na Câmara a história da farra das passagens aéreas, Lula deu de ombros. "Sempre foi assim", desdenhou, como que repetindo o comentário, no auge da crise do mensalão, em 2005, de que o caixa 2 é "usado sistematicamente" por todos os partidos.

Mesmo que novamente ele tenha confirmado o retrospecto, suas palavras chamam a atenção por desnudar uma vocação insanável para a desmoralização das instituições. Se as posições do presidente não surpreendem, os termos que lhe ocorrem para manifestá-las retratam uma mentalidade à qual pode se aplicar, no sentido mais raso, o que já considerou "a evolução da espécie humana" (para justificar a teoria de que, com a idade, os esquerdistas migram para o centro). Na política, ele não perde para ninguém em matéria de capacidade adaptativa. Vinte anos atrás, quando fazia questão de se exibir como o demolidor de "tudo isso que está aí", dizia que Sarney era "grileiro" e "grande ladrão". Hoje, quando inebriado pelas delícias do poder só pensa em desfrutá-las pelo maior tempo possível, ensina que "Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum". Pelo visto, na atual escala lulista de valores, as pessoas incomuns devem desfrutar de um salvo-conduto que lhes permita afrontar, se não a lei, o decoro pelo qual, dada a sua condição, deveriam ser as primeiras a zelar.

O presidente fez coro com o senador bom companheiro que foi à tribuna invocar a "correção de uma vida austera, de família bem composta" como uma espécie de manto protetor contra críticas e notícias constrangedoras - como o recebimento indevido, meses a fio, de R$ 3.800,00 de auxílio-moradia (o que primeiro negou e depois disse desconhecer) ou o fato de ter sete parentes e dois afilhados políticos incluídos por baixo dos panos na folha de pagamento do Senado. Lula também ecoou a versão sarneyana de que é vítima de "setores radicais da mídia" e outros supostos interessados em enfraquecer o Legislativo, ao desqualificar como "denuncismo" a exposição objetiva de indecências que os políticos e seus parceiros na alta burocracia do Congresso escondiam nos porões. O caso escabroso dos atos administrativos secretos, já na casa dos 650, por exemplo, foi revelado por dois repórteres deste jornal que tiveram acesso às descobertas de uma comissão de sindicância do próprio Senado.

Impermeável à realidade e com a sua famosa quase-lógica, Lula perguntou retoricamente "o que ganharia o Senado em ter uma contratação secreta, se tem mais de 5 mil funcionários transitando por aqueles corredores". Talvez ele devesse procurar a resposta com o notório Agaciel Maia, que recentemente teve de se demitir da direção-geral da Casa para a qual foi nomeado por Sarney há 14 anos. Lula atacou a imprensa por "todo dia arrumar uma vírgula a mais" no noticiário da esbórnia. Para ele, com o seu amoralismo, pode parecer uma vírgula. Para a opinião pública, é um ponto de exclamação. Ressalte-se que nada do que se veiculou sobre as mazelas das Casas do Congresso foi desmentido, o que torna dispensável a advertência do presidente sobre o risco de a imprensa ser "desacreditada". Ele se disse preocupado com as denúncias, porque "depois não acontece nada". Não venha o presidente do mensalão ofender a sensibilidade dos brasileiros ao sugerir que, em razão da impunidade - assunto sobre o qual ele pode falar de boca cheia -, melhor faria a mídia se o imitasse, compactuando, nesse caso pelo silêncio, com os abusos dos poderosos.

Lula trata Sarney como tratou os aloprados, diz Freire

Foto Tuca Pinheiro
Por: Valéria de Oliveira e Luís Zanini
DEU NO PORTAL DO PPS

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, disse que "só uma pessoa deslumbrada e sem compostura como presidente da República pode achar que existe alguém que deve ter um tratamento excepcional, diferente dos homens comuns, como somos todos nós". Freire afirmou que para o homem público, como o presidente do Senado, José Sarney, deve valer o rigor maior da lei, porque "ele é um homem comum com uma responsabilidade maior".

O ex-senador se referia à defesa que o presidente Lula fez de Sarney. "Ele (Lula) confundiu tudo, ao pensar que Sarney – a quem ele já chamou de ladrão – ou quem quer que seja, não tenha de ser tratado como um homem comum". Segundo Freire, Lula entende que pode tratar Sarney como um "aloprado qualquer, como fez com os mensaleiros, dando apoio e passando a mão na cabeça" .

Atos secretos

Entretanto, ele é presidente do Senado, salienta Freire, e está sendo colocado em julgamento perante a opinião pública por causa da emissão de atos secretos, "uma excrescência, uma prática ignominiosa, que só existiu na ditadura militar, durante o governo Médice". Para o presidente do PPS, não interessa a discussão sobre a época em que esses atos foram elaborados, mas a o comprometimento da instituição Senado.

"Todos esses atos têm de ser tornados públicos e revogados imediatamente e a Sarney caberia única e exclusivamente essa medida, e não fazer discurso, pedir desculpas ou se eximir da responsabilidade", salientou. Sobre o fato de o presidente Lula ter dito que não sabia ao certo do que se tratava, o ex-senador recomendou: "Pois então devia ter ficado calado; o presidente da Repúlica, se não sabe bem o que é, que fique calado para não dizer besteira, como ele mesmo fez no caso das eleições o Irã".

O presidente Lula comparou os protestos dos iranianos contra a possível fraude para a vitória do candidato oficial Mahamoud Ahmadinejad a um jogo de futebol. "Era melhor ter ficado calado; essa mania de falar demais – e ele vive falando demais – acaba dando em besteira". O assunto, salienta Freire, é sério, está deixando toda a humanidade preocupada, mas Lula faz uma analogia descabida.

Para Freire, o problema do presidente Lula é não ter prumo. As declarações sobre Sarney, analisa, não tem relação com o apoio do PMDB ao governo. "Ele fez o mesmo com os aloprados do PT; ele não tem prumo, não tem discernimento". A avaliação sobre o Irã mostra isso, diz ele.

Jardim condena "salvo conduto" de Lula para Sarney

O vice-líder do PPS na Câmara, deputado Arnaldo Jardim (SP), ctambém riticou, nesta quinta-feira, o presidente Lula por ele ter considerado que o senador José Sarney (PMDB-AP) "não pode ser tratado como uma pessoa comum", mesmo diante do escândalo de irregularidades no Senado, como os mais de 500 atos secretos para nomeação de parentes e aumentos salariais.

"O presidente Lula deu um salvo conduto generalizado ao senador Sarney que não se justifica", protestou Jardim, ao cobrar cautela do presidente sobre as denúncias contra seu aliado.

O deputado diz que não se pode prejulgar o presidente do Senado, embora Lula deveria ter uma postura mais republicana em relação as acusações que pesam contra Sarney.

Para Jardim, Lula deveria ser mais prudente nas declarações e agir de forma a não obstruir as investigações, ou mesmo isentar antecipadamente de acusações os aliados que estão sob suspeição.

Irã

"Soa muito estranho o fato de o presidente Lula ter avalizado o processo eleitoral no Irã diante de tantas dúvidas. Foi uma precipitação e o que causa espécie na sua declaração é a intenção de legitimar um procedimento que pode estar comprometido", diz Jardim, ao criticar a declaração do presidente Lula de que a manifestação por eleições limpas no Irã é "choro de perdedores".

O deputado disse que o processo eleitoral que reelegeu o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, é no "mínimo duvidoso" porque o "conservadorismo religioso transborda para a questão política". "A baixa participação das mulheres na política, a restrição do debate e a apuração dos votos deixa dúvida sobre a lisura das eleições", disse Jardim, ao observar que o próprio Conselho Supremo do Irã determinou investigações sobre o processo com o apoio declarado de organismos internacionais de defesa da democracia e dos direitos humanos.

Para Jardim, o episódio revela o comportamento recorrente de Lula em "apoiar atitudes não muito democráticas", como aconteceu na tentativa do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, de calar a oposição do país. "Será que isso é uma tentação totalitária que ele [Lula] não tem coragem de praticar no Brasil?", questionou.

Na avaliação do deputado, o aval do presidente à vitória de Ahmadinejad é questionável porque encobre as suas reais intenções no cenário internacional.

Senadores reagem a Lula

DEU EM O GLOBO
BRASÍLIA. Alheios à declaração do presidente Lula de que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não deve ser tratado como uma pessoa comum, mais 12 senadores aderiram ao movimento suprapartidário - iniciado anteontem com oito - para demitir o diretor-geral da Casa, Alexandre Gazineo, e para adotar medidas administrativas moralizadoras. Senadores criticaram o discurso de Lula em defesa de Sarney.

- Do alto dos 80% de popularidade, Lula está achando que é dono da verdade absoluta. Quanto a Sarney, se ele é presidente do Senado, sua responsabilidade pela crise naturalmente é maior do que a de qualquer outro parlamentar - disse Pedro Simon (PMDB-RS).

- A biografia do presidente Sarney estaria absolutamente segura se, no dia em que ele entregou o cargo de presidente da República ao presidente Collor, ele tivesse ido para casa e virado estadista aposentado. Mas ele não quis isso. Preferiu guardar a biografia para os historiadores e ocupar um cargo político - afirmou Cristovam Buarque (PDT-DF).

- Ele (Lula) confundiu tudo ao pensar que Sarney, que ele já chamou de ladrão, não tenha de ser tratado como um homem comum. Acha que pode tratar Sarney como um aloprado qualquer, como fez com os mensaleiros, dando apoio e passando a mão na cabeça - emendou o presidente do PPS, Roberto Freire.

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que as declarações de Lula foram mal interpretadas.

- O que o presidente Lula fez foi pedir um voto de confiança.

Cristovam encaminhou ontem a Sarney o documento que cobra a adoção de oito medidas imediatas para ajudar o Senado a sair da crise, que inclui o pedido de demissão de Gazineo. Dos 20 senadores que assinaram a proposta, pelo menos sete são petistas - mais da metade da bancada.

Se Sarney não anunciar na semana que vem providências para explicar como mais de 600 atos administrativos deixaram de ser publicados nos últimos dez anos e apontar os responsáveis, voltará à linha de tiro de colegas.

Pressionado, Sarney antecipou o apoio a propostas como a definição de meta de redução de pessoal, sessões mensais para estabelecer a pauta e votar medidas administrativas, além de auditoria externa dos contratos.

Enquanto Sarney não reage com medidas, cresce a lista de parentes dele que ganharam cargos por atos secretos. Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", seu irmão Ivan Sarney também ocupou cargo na Casa pelo menos até 2007. Agora já são sete os parentes de Sarney beneficiados por esses atos.

Ponto final

DEU EM O GLOBO

QUE O certeiro relatório do deputado José Genoino (PT-SP) contra o terceiro mandato acabe com esta irrelevante discussão.

ALÉM DE ser a proposta inconstitucional, há coisas bem mais importantes a debater, como disse o próprio Genoino, do partido do presidente, acabando de vez com as desconfianças diante das declarações de Lula contra a manobra.

GANHA FORÇA, pois, a interpretação de que a bandeira do terceiro mandato deve ter sido levantada por grupos que se beneficiam do poder, e se arriscam a enveredar anacronicamente pelo golpismo para tentar preservar benesses.

Genoino apresenta parecer contra 3º mandato

Isabel Braga
DEU EM O GLOBO


Petista argumenta que emenda constitucional fere o princípio da alternância de poder e muda as regras no meio do jogo

BRASÍLIA. O deputado petista José Genoino (SP) tentou ontem sepultar a tese do terceiro mandato consecutivo. Como relator da proposta de emenda constitucional que prevê a possibilidade de o presidente, governadores e prefeitos disputarem o terceiro mandato consecutivo, ele entregou seu parecer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e defendeu a inconstitucionalidade do projeto. Genoino argumentou que não se pode alterar as regras no meio do jogo. O petista quer que a votação do parecer ocorra antes do recesso de julho:

- Essa emenda tem que ser arquivada porque altera as regras do jogo para beneficiar quem ocupa, hoje, esses cargos e abre a possibilidade de reeleições sucessivas. A proposta fere o princípio constitucional da rotatividade e da alternância de poder. Não se muda as regras do jogo durante o jogo. Acredito que há maioria a favor (do parecer) na CCJ. Vamos encerrar de vez o assunto e tratar de coisas mais importantes.

O líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), foi cumprimentá-lo:

- O terceiro mandato tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff. Parabéns, comandante!

Genoino disse que usou argumentos semelhantes no voto em separado que apresentou em 1997, na votação da emenda que permitiu a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Em dez páginas, o petista discorreu sobre o tema e citou constitucionalistas para justificar seu voto. Destacou que o poder de reformar a Constituição de 1988 é limitado não só pelas cláusulas pétreas do parágrafo quarto do artigo 60, mas por "cláusulas implícitas".

O deputado sustentou que a emenda abre brecha para reeleições sucessivas, o que afronta o princípio republicano democrático da alternância de poder. Segundo ele, o referendo proposto para outubro deste ano também ocorreria sob influência dos que hoje estão no poder. No final, registrou que o PT e Lula são contra a tese do terceiro mandato.

A CCJ é a primeira etapa de tramitação. Se o parecer de Genoino for aprovado, a emenda será arquivada.

Afinal, o que une os Brics?

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O traço de união mais forte entre eles é a importância que suas economias terão no espaço econômico do futuro

FINALMENTE os chamados Brics deixaram de ser apenas uma figura retórica, criada nos laboratórios de um banco de investimento de Wall Street, e passam a fazer parte do mundo real da política internacional. Os líderes de Brasil, Rússia, Índia e China reuniram-se nesta semana para formalizar um novo grupo de nações nesta já balcanizada ordem econômica mundial.

Claramente os Brics se aproveitam da sensação de que nos aproximamos do fim do arranjo institucional definido nos meses finais da 2ª Guerra para tentar influir no novo desenho do poder mundial. Vão se juntar ao G7, G10, G20 e outras siglas que nos lembram saudosos de um mundo que não mais existe.

Essa primeira reunião não produziu resultados concretos, o que levou a imprensa mundial a colocar em dúvida a sobrevivência do grupo. Afinal, com tantas divergências entre eles, o que une os chamados Brics? Parece ser a pergunta que ficou no ar. O próprio fato de ter sido marcada uma próxima reunião apenas para 2010 parece dar razão aos céticos em relação à sobrevivência dos Brics como elemento político estável.

Tenho acompanhado com interesse essa questão há algum tempo. Para mim, os chamados Brics representam a parte simbólica de uma realidade muito maior e complexa que vem se consolidando nos últimos anos. O que estamos assistindo hoje são os capítulos mais importantes da passagem de uma ordem econômica estabelecida há muitas décadas para uma outra ainda em gestação. Os sinais externos desse processo são muito claros para o analista que consegue fugir do dia a dia da economia. A organização formal dos Brics é um deles, embora não o mais importante.

Quando olhamos o que deve acontecer nas próximas duas décadas, a primeira indicação do que une os Brics aparece de maneira clara. O traço de união mais forte entre eles é a importância que suas economias vão ter no espaço econômico mundial do futuro. Seu tamanho relativo ao das nações desenvolvidas vai crescer de forma impressionante.

Os principais fatores para essa mudança são a evolução da população, o número de pessoas que serão incorporadas à chamada economia de mercado e, como consequência, a dimensão do PIB de cada país. Isso vale não apenas para os Brics, mas para um grupo bem maior de países emergentes, principalmente na Ásia. Estimativas conservadoras mostram que o PIB total do mundo emergente deve superar o dos países desenvolvidos por volta de 2025.

Mas, muito antes, a ordem mundial estabelecida no pós-Guerra vai ter de ser alterada. A desproporção entre o tamanho das economias emergentes e seu poder de decisão nos fóruns econômicos mundiais levará, certamente de uma forma negociada, a outra arquitetura institucional. Esse processo não se acelera hoje por uma razão muito prática: não existem ainda condições objetivas para a criação de um sistema monetário internacional mais equilibrado.

Nenhum país, nem mesmo a China, tem interesse em dividir com o dólar o papel de moeda-reserva devido aos compromissos e limitações que teria de assumir.

Não por outra razão, o ímpeto oportunista da delegação brasileira em criticar o dólar e seu papel no mundo hoje foi devidamente calado pelas lideranças chinesas presentes ao encontro. De qualquer forma, o objetivo mais importante dos Brics foi atingido: fazer nascer politicamente um grupo que, apesar das diferenças individuais, deve participar da criação de um novo mundo econômico e fortalecer os países emergentes.

Luiz Carlos Mendonça de Barros 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Juros em queda

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Os juros vão continuar caindo, mas vão cair num ritmo menor. É isso em resumo o que o Banco Central avisou na ata do Copom divulgada ontem. A decisão de não levar adiante aquela atabalhoada fórmula de mexer na remuneração da poupança reduz um pouco mais o espaço do Banco Central, mas isso deve fortalecer a proposta de redução da tributação dos fundos.

No Ministério da Fazenda, a decisão foi esperar para ver. Se houver uma migração grande das aplicações da caderneta de poupança para os fundos, a redução da tributação sairá da gaveta. A migração já começou a ocorrer e pode acontecer mais intensamente. Por sua vez, o Banco Central não voltou a dar ênfase na questão das mudanças dos "arcabouços institucionais". Na última ata, o BC falou disso, todo mundo entendeu que era um recado da necessidade de mudar a remuneração fixa da caderneta de poupança. Desta vez, ele tocou de leve na questão.

A ata de ontem do Copom traz a avaliação do Banco Central de que: as pressões inflacionárias estão diminuindo, há uma redução do risco de repasse para os preços ao consumidor; o crédito melhorou um pouco, mas sua contribuição para a demanda interna caiu; a crise internacional continuará puxando a economia para baixo; a perda de dinamismo da demanda ampliou a margem de ociosidade da indústria; o cenário de inflação para este ano e o próximo é benigno; e o mercado de trabalho tem dado sinais ambíguos.

Com tudo isso, então, a conclusão deveria ser que os juros podem cair mais fortemente. Mas há outros subtextos na ata que levam os analistas a concluir que eles acham que é melhor ir devagar com o andor porque o santo é de barro. A ata lembra que há uma defasagem entre a queda dos juros e seus efeitos. E como as taxas já foram cortadas nas últimas reuniões, esse efeito benéfico na economia ainda será sentido nos próximos meses. Depois, reforça dizendo que a "expressiva flexibilização" da política monetária desde janeiro terá efeitos cumulativos. Lá pelas tantas, a ata diz "a despeito de haver margem residual para um processo de flexibilização, a política monetária deve manter postura cautelosa". Ou seja, existe margem para queda dos juros, mas o Banco Central acha que é "residual" e vai analisar isso de forma "cautelosa". Mais adiante diz que o novo patamar dos juros será "cuidadosamente monitorado". Com base nisso, os bancos concluíram ontem que os juros só vão cair residualmente e as apostas são sobre quanto mais pode cair.

O economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, disse ao repórter Bruno Villas Bôas, do blog (www.miriamleitao.com), que não ficou claro qual é o piso para a queda dos juros, mas que o piso existe entre os membros do BC. Ele chama a atenção para a parte da ata que diz que "na reunião houve convergência entre os membros do comitê quanto as estimativas" da flexibilização monetária e o "espaço existente para a distensão residual". Eles divergiram sobre o tamanho do último corte, mas convergem sobre até que ponto os juros podem cair.

Vários produtos financeiros na área de previdência complementar podem ser afetados pelo novo patamar de juros. Essa indústria cresceu muito nos últimos dez anos mas com produtos construídos através de engenharia financeira que contemplava uma taxa de juros bem mais alta. Outras questões terão de vir à tona, como as taxas de administração de produtos como a previdência complementar. Ontem, em entrevista na Globonews, o presidente da Brasilprev, Tarcísio Godoy, me disse que 70% das novas contratações de previdência complementar têm taxas de 0,7% a 2%, mas admitiu que só para as grandes aplicações. Nas pequenas aplicações, as taxas continuam sendo da ordem de 3%. Num país com juros reais de 5%, o consumidor verá com mais clareza a distorção que representa uma taxa desse tamanho.

A queda dos juros para abaixo de 10%, ainda que continue sendo uma taxa alta em qualquer país do mundo, pode produzir aqui uma série de consequências. Um dos efeitos pode ser o desestímulo a poupar, num país que já poupa pouco, alerta o economista Edward Amadeo, na entrevista de ontem da Globonews.

A queda mexe com comportamentos, estruturas de taxas de administração dos produtos financeiros, cálculos de remuneração de produtos da previdência complementar, estatutos de fundos de pensão. Tudo isso estará em debate no futuro. São problemas bons, repetiu Tarcísio Godoy. De fato, bons problemas advindos da queda das taxas de juros para um dígito, patamar que foi atingido - é sempre bom lembrar - não por causa da crise internacional, mas pela sucessão de mudanças, reformas e conquistas feitas nos últimos vinte anos na economia brasileira.

Por mais que pareça pedante uma ata do Copom, com seus preciosismos, parcimônias, cautelas; por mais esquisito que pareça para a pessoa comum o debate dos economistas sobre o "hiato do produto", o fato é que até esse ritual de reunião do Copom, suas atas e relatórios de inflação são parte do processo que nos trouxe até aqui. Pior, muito pior é a interferência direta no Banco Central para definir taxas de juros. Isso já ocorreu no passado e não deu certo.

O novo crédito de Mantega

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ministro fala em redução de custo de crédito, mas governo estuda medidas para setores de máquinas e infraestrutura

O MINISTRO do Planejamento diz que as reduções de impostos com o objetivo de incentivar o consumo estão no limite. Paulo Bernardo diz que medidas de corte de despesas devem ser anunciadas até a semana que vem. Por sua vez, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que, "no crédito, haverá novidade e redução do custo de modo geral". Ou seja, o governo ainda está preocupado em adotar medidas adicionais de estímulo à economia. Mas, por meio do ministro do Planejamento, começa a avisar que vai endurecer um tanto na área fiscal, mensagem dirigida ao públicos interno (ministérios) e externo (setores econômicos que pleiteiam cortes de impostos).

Estão na fila de pleitos do setor privado mudanças de impostos para frigoríficos e para o setor de bens de capital (máquinas e equipamentos), por exemplo. No caso de frigoríficos, o governo diz que já ofereceu o que podia. No caso de bens de capital, que pede redução de impostos e/ou mais antecipação no uso de créditos fiscais, entre outras reivindicações, gente do governo diz que o problema do setor é de demanda. O investimento caiu porque a capacidade ociosa das indústrias é grande. Isenções fiscais só privariam o governo de receita, sem resultado prático.

Mas o que Mantega quis dizer com "novidades de crédito" que reduziriam o "custo de modo geral"? "Geral", no caso, refere-se mais à área de investimentos. O que há de mais concreto no momento é o estudo de medidas para melhorar o crédito para clientes de setores, como o de bens de capital, que estão mal das pernas. Isto é, vem alguma coisa do BNDES. Poderia haver medidas adicionais para a área de infraestrutura. Nada diz sobre outros possíveis beneficiados (parte dos calçadistas, madeiras, vestuário e principalmente metalurgia e eletroeletrônicos, que apanharam muito com a crise).

O fato básico é que as reduções de impostos de certo modo já passaram do limite. A maior parte da queda da arrecadação em relação a 2008 se deveu a cortes nos impostos (uns 75%, pelo menos). A expressão "de certo modo" se deve ao fato de que, sem as isenções fiscais, a atividade econômica e a arrecadação federal de tributos mostrariam resultados ainda piores.

Porém é cada vez mais incerta a qualidade do saldo de novas rodadas de isenção fiscal.Isto é, o incentivo ao consumo por meio de corte de impostos compensa perdas adicionais de arrecadação? De resto, o setor mais afetado pela crise foi a indústria exportadora. O governo, é óbvio, tem pouco a fazer no caso, a não ser estimular a demanda doméstica, que substituiria parte da queda da demanda externa.

Quanto aos cortes de gastos, o plano ainda também não está definido, apesar de Paulo Bernardo ter colocado na mesa até reajustes salariais (a opção mais à mão seria empurrar com a barriga a parte restante dos aumentos de servidores públicos prevista ainda para este ano). Pelo jeito, porém, virão cortes de varejo, por meio dos quais seriam mordidas partes do Orçamento dos ministérios não envolvidos com o PAC. Por fim, nenhuma novidade sobre a tributação da poupança e de fundos de investimento. O governo ainda diz que espera uma atitude dos bancos: que eles reduzam as taxas de administração dos seus fundos.

El Pueblo Unido Jamas Sera Vencido"

Quilapayun
Homenagem a Hortensia Bussi Allende
Vale a pena ver


O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornas o Brasil

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Requiem - Mozart

Maestro Karl Bohm
Confira o video

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http://www.youtube.com/watch?v=jqkMbk8eX6Y

Falleció Hortensia Bussi, viuda de Salvador Allende

Ex primera dama murió en su casa poco antes de las 2 de la tarde. Deceso fue sorpresivo señalaron cercanos a "la Tencha".

A la edad de 94 años, y acompañada por su familia, falleció a las 13:45 de este jueves en su casa de Providencia la viuda del ex Presidente Salvador Allende, Hortensia Bussi Soto.

Cercanos señalaron sorpresa por el deceso, cuyas razones aún no se han detallado, por estimar que en los últimos días se encontraba en buenas condiciones generales de salud lo que no hacía temer por su muerte.

También conocida como "La Tencha", Bussi nació el 22 de julio de 1914 en Valparaíso, se tituló como profesora de Historia y Geografía en la Universidad de Chile y en 1940 se casó con el doctor Allende, por entonces ministro de Salubridad Pública en el Gobierno de Pedro Aguirre Cerda.

Bussi acompañó al ex mandatario, con quien tuvo tres hijas, Beatriz, Carmen Paz e Isabel (hoy diputada), hasta el día de su muerte durante el Golpe de Estado del 11 de septiembre de 1973. Ese día ella se encontraba en la casa familiar de Tomás Moro que fue bombardeada por aviones de la Fuerza Aérea.

La dictadura militar encabezada por Augusto Pinochet la detuvo, le permitió asistir al secreto y vigilado funeral del fallecido Presidente en Valparaíso y luego la exilió junto a sus hijas. Partió a México en donde se unió a la denuncia internacional de las violaciones a los derechos humanos en Chile en manos de los militares.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O PENSAMENTO DO DIA

O vazio político que se veio a criar era grande e muito perigoso. Abriu-se a fase da longa transição italiana que não sei se já está concluída: o longo esforço voltado para colocar sobre novas bases o desenvolvimento de um país que se europeizava. Desde então passaram-se vinte e cinco anos. Terminou o século XX. A URSS não existe mais. A história do comunismo italiano é, de fato, história encerrada. Por que, então, ainda falamos de Enrico Berlinguer? Substancialmente, acredito, porque na sua obra ainda existe algo politicamente operante. Este “algo” — para dizer com poucas palavras e usar o seu léxico — creio que seja a necessidade objetiva de um pensamento mais longo que não se entregue a uma nova filosofia da história, mas seja capaz de ler a nova estrutura do mundo, que resta em grande parte desconhecida nos mapas de que dispomos. Nisso reside o sentido da minha lembrança: na necessidade de um pensamento que produza sentido e que nos diga para onde nos encaminhamos.”

[Alfredo Reichlin, recordando Enrico Berlinguer e o tempo da política de “compromisso histórico” adotada pelo Partido Comunista Italiano em meados dos anos 1970]. Fonte:http://www.gramsci.org/.

Lula sem "principismos"

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

Não se trata mais de cobrar coerência do presidente Lula, um trabalho inútil diante do fato de que ele próprio já assumiu a forma de uma metamorfose ambulante para justificar as constantes mudanças de opinião e atitude. Pelo menos foi devido a essa mutação genética que tivemos, no lugar do incendiário, um presidente conservador que teve o bom senso de manter as linhas gerais da política econômica herdada do antecessor, o que nos fez, pela primeira vez em muitos anos, ter a mesma política por mais de 15 anos seguidos.

Não deveria ser surpreendente vê-lo sair em defesa de seu principal aliado, o senador José Sarney, lá de longe, no Cazaquistão. Se é capaz de defender o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, transformando os protestos no Irã em mera disputa de torcidas de futebol, como não defenderia Sarney, muito mais próximo dele e sustentáculo de seu governo?

Não foi a primeira vez, nem será a última, que o presidente Lula tenta desculpar publicamente um aliado que se vê envolvido em denúncias.

Já utilizara antes sua popularidade para proteger os envolvidos no mensalão, e partiu dele a defesa, forjada pela visão de criminalista do então ministro Márcio Thomaz Bastos, de que o caso não passava de caixa dois eleitoral, coisa que acontecia regularmente no Brasil desde o início dos tempos. Fez o mesmo com os "aloprados".

Aos olhos de Lula, Sarney não é "uma pessoa comum", e deveria ter um tratamento diferenciado. Como se no Brasil tivéssemos castas, coisa que oficialmente, pelo menos, não temos.
Mas Lula assimilou rapidamente os códigos de uma parte da sociedade que insiste em não se modernizar, que está "se lixando" para a opinião pública, para onde ele transferiu, à custa de programas assistencialistas e muita lábia, seu poder político, que anteriormente provinha dos grandes centros urbanos e dessa mesma opinião pública que hoje ele despreza.

Lula recolhe a popularidade e os votos que lhe dão o poder principalmente nas regiões onde seus aliados políticos mais fortes, como José Sarney, Renan Calheiros, Jader Barbalho, dão as cartas, numa troca de favores que o obriga a beijar a mão de Barbalho em um palanque, ou a passar a mão na cabeça de Severino Cavalcanti, ou a sair em defesa de Sarney, assim como já disse que daria "um cheque em branco" para Roberto Jefferson.

Essa permanente disputa entre a ética e a atividade política não é uma exclusividade brasileira, nem do atual governo. Mas este é, sem dúvida, um governo que não teme o confronto com os valores da sociedade brasileira, os quais procura sempre desqualificar como sendo reflexos do conservadorismo, do elitismo, do reacionarismo, com uma capacidade formidável de banalizar a questão ética.

Já são notórias suas alegações de que as transgressões acontecem há 500 anos, ou a alegada necessidade de assegurar a governabilidade no nosso "presidencialismo de coalizão".

O presidente Lula repetiu agora, quando deu declarações totalmente irresponsáveis sobre a crise do Irã, que, quando era oposição, sempre procurava encontrar culpados pelas suas derrotas, criando factoides políticos inconsequentes.

É uma nova versão para a bravata, que ele já admitiu ser seu método quando na oposição. Numa deturpação certamente inconsciente da teoria de Max Weber, que fez a clássica distinção entre a ética da consciência e a da responsabilidade do homem público, esta última justificada pelas consequências de seus atos e justificando decisões políticas que parecem inadequadas ao senso comum, o presidente Lula atribui apenas aos oposicionistas a possibilidade de atuar dentro da ética dos princípios.

No pragmatismo do governo, não haveria lugar para "principismos", um jargão dos partidos políticos de esquerda para neutralizar eventuais tendências moralizadoras.

Lula fora pressionado, quase chantageado politicamente pelo PMDB, por meio dos presidentes das duas Casas, senador José Sarney e deputado Michel Temer, para sair em defesa do Congresso no início dessa crise.

A partir daí, o presidente começou a dar declarações minimizando o escândalo, que começou com a denúncia de distribuição de passagens aéreas e no momento chegou a decretos secretos para nomeações e promoções de apaniguados e parentes.

Estamos diante de um confronto entre o que Lula entende por "hipocrisia" e o entendimento da opinião pública. Para nosso presidente, hipocrisia é a crítica generalizada contra o Congresso, e, para a opinião pública, é defender o comportamento dos parlamentares envolvidos em falcatruas, ou dizer que o senador José Sarney precisa receber um tratamento especial por não ser "uma pessoa comum".

Para quem já disse que Sarney era mais ladrão do que Maluf, na campanha eleitoral de 1989, o presidente Lula está à vontade para defender qualquer coisa. Não é a toa que o Conselho de Ética Pública está praticamente desativado. Essa falta de princípios também se reflete na nossa política externa.

O apoio do Brasil a governos notórios por seus abusos aos direitos humanos foi criticado pela ONG internacional Human Rights Watch, em Genebra.

O Brasil se absteve sobre a resolução que condenava a Coreia do Norte por usar de tortura e campos de trabalho forçado para presos políticos.

Também se absteve de votar contra a República Democrática do Congo, por violência sexual como arma de guerra e recrutamento de crianças.

Tudo na expectativa pragmática de receber apoio para um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Seria importante Lula levar em consideração Amartya Sen, economista indiano, prêmio Nobel, que diz que o divórcio entre política e ética empobrece a ambos.

Advogado do diabo

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Do tiranete iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, ao tiranossauro cubano, Fidel Castro, passando por uma vasta gama local de atos, ideias e personagens erráticos, o presidente Luiz Inácio da Silva não vacila quando se trata de assumir a defesa do indefensável.

São tantos e tão repetidos os casos, que já se configura um padrão: se a questão em pauta envolve conduta, Lula entra no assunto pelo lado do avesso.

A Venezuela, sob o tacão de Hugo Chávez, na personalíssima versão do presidente brasileiro tem "democracia demais". No auge do escândalo da farra das passagens aéreas no Congresso Lula entrou em cena perguntando "qual é o crime?", para acusar de "hipócritas" os indignados.

Igualmente farisaicas, na opinião dele, são as restrições impostas pela Justiça à ação do poder público em períodos eleitorais, as exigências da legislação ambiental, a fiscalização do tribunal de contas, as manifestações de magistrados e tudo o mais que lhe cause desagrado ou lhe imponha limites aos movimentos.

São inúmeros os registros de afagos do presidente em gente cuja folha corrida faria bonito naquela antiga lista dos "300 picaretas", bem como é recorrente o esforço do chefe da Nação em atenuar o sentido nefasto de atos por ele outrora batizados de "maracutaias".

A defesa em rede nacional, via transmissão internacional, da prática do caixa 2 em campanhas eleitorais como algo natural, por usual, é de todos talvez o mais eloquente. Consolidou o lema do "todo mundo faz" e conferiu aceitação à tese segundo a qual política eficaz só se faz com as mãos na lama.

Por essas e muitas outras que a memória joga fora, não surpreende a defesa do Senado feita nos habituais termos de elogio ao mau combate.

Ainda assim, a declaração impressiona pela ausência de autocrítica, pelo raciocínio deformado, pelo desrespeito a valores universais de civilidade e, por que não dizer, pela falta de amor próprio e senso de preservação da estatura do cargo.

Por partes: "Não li a reportagem do presidente Sarney, mas penso que ele tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum".

A fim de não se comprometer com o conteúdo dos fatos - prova que lhes reconhece a gravidade -, o presidente diz não saber direito do que trata o principal assunto da política, o processo de desmoralização desenfreada do Poder Legislativo.

Não obstante o alegado desconhecimento, opina. E convalida a cultura do privilégio, fere o princípio da igualdade entre os cidadãos e, ao considerar o presidente do Senado um injustiçado, revela que na visão dele uma "pessoa comum" pode ser difamada sem fundamento, mas jamais um senador.

Segue o presidente: "Elas (as denúncias) não têm fim e depois não acontece nada". E assim o chefe da Nação alimenta a descrença nas instituições, incentiva o menosprezo às ferramentas de fiscalização e investigação e mata na raiz a energia da demanda por procedimentos mais perfeitos.

E completa: "Não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo, não se pode todo dia arrumar uma vírgula a mais, você vai desmoralizando todo mundo".

A ninguém de boa-fé interessa enfraquecer o Poder Legislativo. Mas, se for para procurar quem com a fragilização coopera, localize-se quem trata das instituições com ligeireza, não apela nem trabalha por avanços, aprofunda os vícios exaltando a sua prática a fim de fazer uso da submissão dos viciados, faz tábula rasa do exercício da virtude, manipula o lado escuro das emoções e das necessidades, firma compromisso com a desonra, mas não faz um só acordo com a honra.

Quanto ao tratamento reservado ao presidente do Senado, cumpre lembrar que nunca no Brasil um político de oposição chamou em público um presidente da República de ladrão. Nem Fernando Collor que, na sua pior inspiração, carimbou o então presidente José Sarney como "batedor de carteira", mas da "História".

As pessoas que viveram e compreenderam a transição democrática reconhecem o valor de Sarney naquela tarefa de condução. Nisso não se inclui o PT de Lula, que na época virou as costas às exigências da reconstrução da democracia.

Os acontecimentos de 25 atrás, no entanto, não subtraem legitimidade do atual presidente nem de seu partido. Da mesma forma, não servem como salvaguarda ao senador José Sarney nos dias de hoje.

Justamente por ter prestado um inestimável serviço à redemocratização com sua personalidade conciliadora é que Sarney está histórica e civicamente impedido de contribuir para a derrocada moral do Congresso.

Ao contrário do que disse em seu discurso, avalizado ontem pelo presidente Lula, José Sarney não está acima de julgamentos. Sua trajetória não o autoriza a descer. Ao contrário, o obriga a ajudar o Parlamento a subir, o que se faz com ações concretas como se fez quando a ditadura baixou a guarda e os políticos profissionais, hoje tão desprezados, souberam construir a abertura do caminho de volta à democracia.

Desgaste do Congresso reforça a popularidade de Lula e seu papel junto ao empresariado

Jarbas de Holanda
Jornalista


A sucessão interminável de denúncias de irregularidades corporativistas praticadas nas duas casas do Congresso, em destaque na mídia há vários meses – da relacionada ao Castelo de Areia do breve ocupante da Corregedoria da Câmara à mais recente, relativa a atos de contratação ou favorecimento de cabos eleitorais e parentes de senadores, mantidos em sigilo – ademais de gerar forte e justa indignação nos segmentos melhor informados da sociedade, a chamada opinião pública, tem duas grandes implicações políticas. Uma de caráter predominantemente eleitoral: o reforço dos altos índices de popularidade do presidente Lula, cujo papel no Executivo (alardeado em todos os meios de comunicação) aparece para o “povão” como contraposto ao de um Poder Legislativo vinculado a escândalos e à ineficiência operativa.
Pode decorrer em parte dessa percepção o salto do apoio a mais uma reeleição de Lula, registrado no Nordeste e periferias metropolitanas pelas últimas pesquisas de intenção de voto para 2010. (O relacionamento político de Lula com os presidentes dessas duas casas e com a majoritária base parlamentar governista não do conhecimento do “povão”, ou levado em conta por ele).

A segunda implicação relevante, de caráter político-institucional, é que o atropelamento da Câmara e do Senado pela sequência de denúncias acentua a inferioridade, a dependência deles a iniciativas e decisões do Executivo, com sensíveis efeitos na queda de sua capacidade de interlocução com os agentes econômicos. Isso num contexto em que o Congresso deveria ter papel importante na proposição ou aprovação de medidas e políticas de resposta à crise econômica. Cabendo lembrar que tal atropelamento anulou ou esvaziou a repercussão e os efeitos do empenho dos novos presidentes das duas casas legislativas para restringir o uso abusivo das MPs. E a imagem de ineficiência foi configurada no fracasso das tentativas de reformas tributária e político-eleitoral.

O enfraquecimento do Poder Legislativo – com queda da capacidade de interlocução social e perda de legitimidade – manifesta-se bem claramente no quadro que cerca a CPI da Petrobras: de um lado, a postura de fato contrária à iniciativa oposicionista, basicamente do PSDB, por parte dos círculos empresariais, e, de outro, a facilidade com que o Palácio do Planalto trabalha para adiar sucessivamente ou inviabilizar por inteiro a investigação parlamentar.

Ora, com a prática de adequada interlocução com um Legislativo eficiente e menos desgastado parte expressiva desses círculos trataria de combinar a preservação de investimentos e negócios com a Petrobras com seu interesse no bloqueio ou ao menos na redução do enorme aparelhamento partidário (basicamente petista) das estatais da área petrolífera. Aparelhamento, com os desvios de recursos correspondentes, que está no centro das denúncias da imprensa.

Uma reversão do cenário de extremos desgaste e debilidade do Legislativo federal depende, primeiro, de ações dos dirigentes das duas Casas, sobretudo do Senado, no sentido de uma ruptura efetiva e rápida com a longa e perseverante prática de irregularidades corporativistas de manipulação dos recursos públicos, articulada com a punição dos muitos responsáveis por elas. E depende, também, de uma postura dos partidos oposicionistas baseada no entendimento de que a persistência de tal cenário favorece o governo e seus objetivos eleitorais em 2010, além de ser muito negativa para a busca do equilíbrio entre os poderes institucionais federativos, essencial ao desenvolvimento democrático. Assim, ao invés de uma aposta em mais desgaste desses dirigentes, o que se impõe é um esforço amplo, suprapartidário, para o saneamento, a defesa e a afirmação do Congresso.

Os aplausos a Ahmadinejad de Kim Jong-il e Chávez

Do Estadão, de terça-feira: “O governo norte-coreano emitiu um comunicado oficial cumprimentando o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, por sua reeleição”.
“Sinceramente desejamos a ele sucesso em seu empenho responsável para frustrar a pressão e a interferência de forasteiros e desenvolver um Irã independente e próspero”, afirma o comunicado divulgado pela Agência Central Coreana de Notícias. A nota não menciona a onda de protestos que tomou conta do país após o anúncio do resultado oficial da votação”.

Já no sábado, Ahmadinejad havia recebido mensagem de parabéns de outro incansável líder “anti-império, o presidente venezuelano Hugo Chávez”. E aos cumprimentos dos dois juntou-se no domingo o do ditador da Síria, Bashar Assad.

Lula culpa o espelho

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - Alguma surpresa com a defesa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez do senador José Sarney? Quem pediu desculpas pelos "erros" cometidos pelo seu partido (na verdade, crimes), mas depois passou a mão na cabeça dos "errados", quem se aliou a Fernando Collor de Mello, único presidente punido por falta de decoro, não poderia deixar de solidarizar-se com Sarney.

O que surpreende é a escandalosa indigência dos argumentos usados por Lula. Primeiro argumento: "Ele tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum". Que besteira é essa, Deus do céu?

É a versão Lula do "sabe com quem está falando?". Com história ou sem história, todo cidadão tem de ser tratado da mesma maneira. E os que têm história devem comportar-se ainda melhor do que os que não têm. Afinal, para usar um lugar-comum tão ao gosto de Lula, "o exemplo vem de cima".

Segundo argumento: um suposto interesse em "enfraquecer o Poder Legislativo". Outra bobagem sem tamanho. O que enfraquece o Poder Legislativo não são as denúncias, mas os fatos que dão origem às denúncias. Sem eles não haveria denúncias.

O Poder Legislativo, como os demais, só se fortalece se corrige os desmandos e abusos denunciados.

Omissão é que o enfraquece.

Lula, no fundo, revisita a teoria debiloide e safada da conspiração que não houve contra ele.

Houve apenas uma conspiração dos fatos. Tanto que ele foi obrigado a pedir desculpas. Tanto que o procurador-geral da República denunciou toda a cúpula do PT como "quadrilha".

É, enfim, a velha tentação de toda pessoa investida de poder de culpar o espelho pela imagem que ele mostra. A favor de Lula diga-se que ele ao menos pediu desculpas, coisa que Sarney nem remotamente passou perto de fazer.

Lula apoia Sarney e ataca 'denuncismo'

Marcelo Ninio
Enviado Especial a Astana (Cazaquistão)
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Presidente diz que senador não é "pessoa comum" e afirma que denúncias põem em risco credibilidade da imprensa

Em visita ao Cazaquistão (Ásia central), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o que chamou de "denuncismo" da imprensa em torno dos escândalos no Congresso e deu seu apoio ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

"Sarney tem história suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum", disse Lula. Anteontem, o presidente do Senado defendeu-se das acusações de empregar parentes e afirmou que a crise não era dele, e sim da Casa.

Para Lula, a sequência de denúncias é um perigo para as instituições, inclusive a imprensa, que "corre risco de ser desacreditada". O presidente questionou a veracidade das revelações de irregularidades, mas pediu "investigação séria" delas.

Um grupo de oito senadores de vários partidos - entre eles PT, PSDB e PMDB - propôs que Sarney adote uma lista de medidas moralizadoras, que incluem a demissão imediata de todos os diretores do Senado.

Lula defende Sarney e critica o "denuncismo" da imprensa

Presidente questiona série de acusações e diz que senador não é "pessoa comum"

Presidente diz que série de denúncias é perigosa para as instituições e que seria muito pior ter um Congresso "desmoralizado e fechado"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva rechaçou o que chamou de "denuncismo" em torno dos escândalos no Senado e saiu em defesa do presidente da Casa, José Sarney, que na véspera havia afirmado que não era responsável pela crise.

Lula questionou a veracidade das revelações de irregularidades no Senado, mas pediu uma "investigação séria". O presidente também fez um alerta à imprensa, afirmando que, ao questionar as práticas do Congresso, sua própria credibilidade poderá ser abalada.

As declarações foram feitas pouco antes de Lula embarcar de volta ao Brasil de Astana, capital do Cazaquistão, onde encerrou uma viagem que incluiu passagens por Suíça e Rússia.

"Eu sempre fico preocupado quando começa no Brasil esse processo de denúncias, porque ele não tem fim, e depois não acontece nada", disse Lula.

Em seguida, defendeu um tratamento diferenciado para o presidente do Senado: "Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum", argumentou, sem explicar o tipo de tratamento diferenciado a que se referia. Na terça, Sarney usou a tribuna para se defender das acusações de conivência com atos secretos e de empregar parentes na Casa.

Lula pôs em dúvida a série de irregularidades: "É importante investigar para ver o que houve.

Mas o que ganharia o Senado em ter uma contratação secreta se tem mais de 5.000 funcionários transitando por aqueles corredores? Por que haveria de ter alguém secreto?", indagou, indicando que há interesses por trás das denúncias".

"Eu acho que essa história precisa ser melhor explicada. Eu não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil, mas eu penso o seguinte: a democracia, quando teve o Congresso Nacional desmoralizado e fechado, foi muito pior para o Brasil", disse.

Lula já havia saído em defesa do Congresso no início de maio, após a revelação da farra das passagens aéreas. Na época, ele classificou as críticas de hipócritas ("Faça um levantamento da história da Câmara e veja se algum dia foi diferente? Sempre foi assim") e revelou que ele mesmo usou a cota de seu gabinete para levar sindicalistas para Brasília, quando era deputado: "Não acho correto, mas não acho um crime um deputado dar uma passagem para um dirigente sindical ir a Brasília".

Ontem, Lula disse que as denúncias trazem riscos para as instituições. "É importante que a gente comece a fazer a preservação das instituições, separar o joio do trigo e, se tiver alguma coisa errada, que haja uma investigação correta", disse.

A esta altura da entrevista a jornalistas brasileiros num hotel de Astana, ele voltou seus ataques contra a imprensa: "O que não pode é todo dia arrumar uma vírgula a mais ou repetir a mesma matéria. Vai desmoralizando todo mundo, e inclusive a imprensa corre risco de ser desacreditada".

Lula não quis citar que medidas devem ser tomadas para moralizar o Senado, mas disse que apoia uma investigação para colocar o assunto em pratos limpos: "É importante a gente não ficar na política do denuncismo, porque o resultado final não é bom. Se tem uma coisa equivocada, a melhor coisa é uma investigação séria, pegar o resultado e tomar as decisões que tem que tomar", afirmou.

Lula disse não temer que os respingos de escândalo em aliados do governo atinjam seu governo, que, segundo a última pesquisa Datafolha, era aprovado por 69% do eleitorado. A mesma pesquisa indicou um recuo na taxa de desaprovação ao Congresso (de 37%, em março, para 34%) e um aumento na aprovação (de 16% para 19%).

Também afirmou esperar que o episódio tenha um desfecho em breve: "Todos os senadores, a começar por Sarney, tem responsabilidade de dirigir bem os destinos do país, do Congresso.

Vamos esperar que as coisas se resolvam rápido".

Memória: Em 86, petista acusou Sarney de ser "grileiro"

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O discurso do presidente Lula em relação ao Congresso mudou à medida que o petista trocou a oposição pelo governo. Em 1993 ele declarou que, "de todos os deputados no Congresso, pelo menos 300 são picaretas".

Repetiu a crítica em 1994 ("Aquilo que eu falei de 300 é um pouco mais") e 1998 ("Uma vez falei que havia uns 300 picaretas no Congresso, mas a coisa só piorou"). Em 2002, com a vitória à vista, a retórica mudou.

Aceitou o apoio do senador José Sarney, a quem havia chamado de "grileiro", em 1986 ("Sarney não vai fazer reforma agrária coisa nenhuma, porque ele é grileiro no Estado do Maranhão"), e de "ladrão", em 1987 ("Adhemar de Barros e Maluf poderiam ser ladrões, mas eles são trombadinhas perto do grande ladrão que é o governante da Nova República").

Na sua campanha à reeleição, Lula fez uma autocrítica: "Eu me dei conta de quantas vezes nós cometemos injustiças contra pessoas... Uma coisa eu tenho tranquilidade, Sarney: nunca lhe ofendi".

Dos pecados e responsabilidades

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se a crise é do Senado, e não de seu presidente, José Sarney, como ele anunciou na tribuna da Casa, distribuindo pecados e responsabilidades aos outros 80 senadores, é preciso que se desvende a razão pela qual pecados e responsabilidades são recorrentes e têm sempre como principais protagonistas os presidentes da instituição. Ao longo da última década, estiveram no epicentro de crises praticamente todos os presidentes da Casa que tinham grande parcela de poder político em seus Estados. Foi assim com Antonio Carlos Magalhães (BA), Jáder Barbalho (PA) e Renan Calheiros (AL) - e agora a história se repete com Sarney. Não é uma simples coincidência.

O Senado brasileiro sobrevive como uma "casa revisora" de perfil sempre conservador. Seus integrantes são eleitos pelo voto majoritário, têm um mandato de oito anos e um poder de veto sobre qualquer iniciativa legislativa, seja ela originária do Executivo ou da própria Câmara dos Deputados. A forma de escolha de seus membros, pelo voto majoritário, dá o mesmo peso a todos os Estados, independente do tamanho de suas populações e do número de eleitores. O mandato de oito anos dos senadores, o dobro dos quatro anos dos deputados federais, dão à instituição o poder de retardar uma mudança política radical pelo voto. Ou seja: se o eleitorado pune um grande partido em determinadas eleições com uma grande derrota, essa agremiação mantém poder político com os senadores remanescentes das eleições anteriores. A instituição mantém, portanto, um papel importante na manutenção do status quo político.

Ao longo de sua história, a Casa tem se consolidado como o caminho natural dos oligarcas estaduais que, além de se beneficiarem diretamente dos votos de populações não raro miseráveis, têm a prerrogativa de escolher seus próprios suplentes sem que eles se submetam sequer ao escrutínio dos eleitores. O primeiro e o segundo suplentes de uma senador fazem parte de uma "chapa" onde apenas o titular aparece para o eleitor e disputa votos. Assim, quando o baiano Antonio Carlos Magalhães renunciou para não perder seus direitos políticos por oito anos, processado que era na Comissão de Ética por ter quebrado o sigilo do painel eletrônico de votação, quem assumiu foi o seu filho, o neófito em política Antonio Magalhães Jr.

Com enorme poder de veto, o Senado sempre é contemplado com cargos no Executivo. O PMDB, por exemplo, maior partido na Casa, do qual Sarney faz parte, negociou apoio ao governo petista mediante negociações diretas que não passaram pela direção do partido. Os pemedebistas do Senado funcionam como um partido à parte, assim como a bancada "carlista" do ex-PFL tinha enorme peso nas negociações com Fernando Henrique Cardoso até seu líder romper definitivamente com o governo tucano, já no final do segundo mandato.

A prevalência do voto majoritário nas disputas para o Senado dão à casa uma representação partidária mais restrita. Os 19 partidos da Câmara se reduzem a 12 no Senado - e, destes, cinco têm uma presença quase residual na Casa, com um, no máximo dois representantes.

É evidente que nem todos os senadores são oligarcas. Mas é claro também que o perfil institucional e burocrático do Senado favorece a eleição, e a liderança interna, de representantes da política tradicional. Os senadores com esse perfil ganham hegemonia regional por estratégias de arregimentação e votos que combinam a cooptação de apoios - dos que tem acesso a votos - em troca de vantagens, de um lado, e do uso da truculência contra os adversários. Da mesma forma, as lideranças com esse perfil ascendem aos postos de comando do Senado pelo uso da sedução - oferecimento de cargos, posições e poderes - e pela ameaça de exclusão dos não aliados dos círculos de poder.

O Senado tradicionalmente tem funcionado como um microcosmo da política tradicional. Tanto é assim que, nas eleições para as mesas diretoras, dificilmente se coopta votos por afinidades partidárias, políticas ou ideológicas. Acabam prevalecendo as adesões por interesses particulares e comezinhos. A prática de ocupar a máquina da Casa com familiares e amigos próximos é quase uma extensão da política local oligárquica, onde não há separação entre público e privado, e a ascensão do poder pelo voto é entendido como um direito pessoal de uso do poder público para fins privados que se estende, como um direito de hereditariedade, aos demais membros da família.

O senador José Sarney tem e não tem razão quando diz que a crise é do Senado. De fato, a Casa está em crise por moldar-se à política tradicional e ser uma reprodução do poder oligárquico. Mas se está em crise, é porque é a soma de vários Sarneys.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

Servidor: reajustes correm perigo

DEU NO JORNAL DE BRASÍLIA

SERVIDOR
Com redução na arrecadação, governo avalia se poderá reajustar os salários.O desempenho ruim da arrecadação pode levar o governo a fazer cortes nos gastos, mesmo depois do anúncio da redução do superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida) para o ano.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, não quis dizer onde poderão ser feitos os cortes, mas disse que tudo está em análise, inclusive o reajuste dos servidores públicos, previsto para entrar em vigor no início de julho. O ministro afirmou que até a semana que vem deve haver alguma definição sobre os ajustes nas despesas.

O anúncio foi feito no mesmo dia em que milhares de servidores ocuparam a Esplanada dos Ministérios para exigir, do governo, o cumprimento dos reajustes salariais, garantidos em lei. Cerca de 480 mil servidores serão beneficiados pelos reajustes, que devem ter impacto de R$ 17 bilhões nos cofres da União. Além dos reajustes, os servidores cobram do governo o reajuste no valor dos benefícios, como vale-alimentação e auxílio-creche. Os valores pagos pelo Poder Executivo são até quatro vezes menores do que os pagos pelos poderes Judiciário e Legislativo.

Uma das ideias do governo é o adiamento do pagamento do reajuste de julho para outubro, o que daria tempo maior para a economia reagir e a arrecadação voltar a crescer. Os servidores, entretanto, não estão dispostos a aceitar essa proposta e, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço público (Condsef), estão dispostos, inclusive, a decretar uma greve.

DESONERAÇÕES

Em relação às desonerações, que o governo estuda se vai renovar ou não, ele destacou que o espaço para isso está chegando ao limite. Os novos cortes também diminuirão o já exíguo espaço para novas reduções de impostos. O ministro afirmou que a arrecadação de maio, anunciada na terça-feira pela Receita Federal, surpreendeu ao ficar R$ 3 bilhões abaixo do previsto pelo governo. Em relação às desonerações tributárias, que o governo estuda se vai ou não renovar (como no caso do IPI incidente sobre automóveis), Bernardo fez questão de dizer que o espaço para a redução de impostos está chegando ao limite. "Nós vamos ter que equilibrar as contas do Orçamento. É provável que tenhamos que fazer ajustes. Se diminui receitas, tem que diminuir as despesas", afirmou o ministro, lembrando que a queda na arrecadação reflete a menor atividade econômica e as desonerações feitas pelo governo. Em princípio, explicou Bernardo, o tamanho do corte tende a ser do tamanho da frustração de receita. Para ele, um ajuste de R$ 3 bilhões não é muito grande, mas de qualquer forma é necessário para evitar um problema maior maior.

Arrecadação registra queda Maio/09 (R$ bilhões) FONTE Receita Federal RECEITA ® GRAFFO EVOLUÇÃO* RECOLHIMENTOS EM 2009 VALOR VARIAÇÃO (R$ bilhões) ANTE 2008 (%)* Receita 77,0 6,06 previdenciária COFINS/ 55,4 13,12 PIS-PASEP Demais receitas 51,0 2,68 2009 (*) Queda real, com valores corrigidos pelo IPCA 62,4 45,6 53,7 57,6 49,8 40 60 80 J F M A M Queda de 14 % ante abril/09* Queda de 6 % ante maio/08*