quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Educação e salário, tudo a ver

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A relação entre nível educacional e crescimento econômico, e a consequência desse processo no rendimento de cada cidadão, é um dos pontos mais importantes do livro “Educação básica no Brasil — construindo o país do futuro”, lançado recentemente pela editora Campus.

Escrito por diversos estudiosos da educação, o livro tem dois capítulos que analisam essa correlação.

O do educador Cláudio Moura Castro mostra que um cidadão que tenha o ensino fundamental ganha o dobro de outro sem escolaridade, e os que têm ensino médio completo recebem cerca de 1/3 a mais de quem possui apenas o fundamental.

Os que são graduados recebem 3,5 vezes mais do que os que só têm o ensino médio.

Os economistas Fernando Holanda Barbosa e Samuel Pessoa, ambos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas, mostram que cada ano de escolaridade aumenta a produtividade do trabalho nos Estados Unidos em cerca de 8%.

Segundo os pesquisadores, diferenciais de escolaridade são explicações fundamentais para a diferença de renda per capita entre o Brasil e vários países. A educação explica de 30% a 50% da desigualdade de renda no Brasil entre a década de 1970 e meados de 1990.

A partir da mudança de paradigma, nos últimos 15 anos, a educação tem tido, segundo os autores, “papel central” na redução da desigualdade. Os economistas chamam a atenção para o fato de que “os efeitos do atraso educacional extrapolam os limites das variáveis estritamente econômicas, como renda e distribuição de renda.

A favelização das grandes metrópoles e a explosão da criminalidade na década passada também estão associadas ao atraso da educação”.

O economista Fernando Veloso, da FGV, coordenador do livro com Fábio Giambiagi, Samuel Pessoa e Ricardo Henriques, com estudo das estatísticas do ensino brasileiro, mostra que falamos que foi universalizado o acesso ao ensino fundamental — 97% das crianças de 7 a 14 anos estão na escola —, mas, “se olharmos os dados da taxa de conclusão do ensino fundamental no Brasil em 2007 veremos que apenas 60% o concluíram, enquanto no ensino médio só 35%”.

Estamos usando o termo “universalizar” de maneira errada, pois ele geralmente indica conclusão, inclusive para a ONU. Na análise por faixa etária, Veloso mostra a evolução na proporção da população com pelo menos o ensino médio completo, mas também as deficiências, que ainda são maiores que os avanços.

No Brasil, entre 25 e 64 anos, a média é de 30% com pelo menos o ensino médio completo, e, quando se pega o pessoal mais velho, de 55 a 64, a taxa é de 11%, o que mostra que melhoramos com os mais jovens.

Mas na Coreia do Sul, ressalta Veloso, os cidadãos de 55 a 64 anos tinham média de 37% com o médio completo, e os de 25 a 34 já têm 97%. “Nessa faixa, a Coreia universalizou o ensino médio, e o Brasil está com 38%, ainda uma distância enorme”.

Num livro anterior, em artigo escrito em parceria com Sérgio Guimarães Ferreira, ele estava mais pessimista do que hoje.

Embora entre 1980 e 2000, tenha havido aumento expressivo da escolaridade média, de 3,1 para 4,9 anos de estudo, países de renda per capita similar à brasileira experimentaram significativos aumentos de escolaridade, de forma que a diferença entre o Brasil e eles se elevou ao longo do período.

Em 1960, os brasileiros tinham um nível de escolaridade um pouco maior que o dos mexicanos, mas, em 2000, estes tinham 2,3 anos de estudo a mais do que nós. A Índia também teve um crescimento expressivo.

Em 1960, a sua escolaridade média era inferior à do Brasil em 1,2 ano de estudo, enquanto em 2000 ela já era um pouco superior à brasileira.

Enquanto em 1960 a Coreia do Sul tinha uma escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 ano de estudo, em 2000 essa diferença havia se elevado para quase seis anos.

Como o Brasil estagnou durante muito tempo, até mais ou menos início da década de 80, a diferença era enorme, analisa Veloso. Mas a continuidade de programas educacionais, e o surgimento de instrumentos para medição da qualidade do ensino e, consequentemente, para a solução dos problemas, fazem com que ele esteja um pouco mais esperançoso hoje.

Em relação à Coreia, Veloso destaca a qualidade do ensino, e aí talvez seja ainda mais gritante a diferença. Na tabela da Pisa de 2006, a Coreia é 4 e o Brasil é 54 ; a Coreia está em 1 e o Brasil 49 em leitura.

O parâmetro brasileiro poderia ser o Chile: de 25 a 34 anos, 64% completaram o ensino médio, e no Brasil apenas 38%.

O que fazer para melhorar a qualidade do ensino brasileiro, e ao mesmo tempo conseguir que a universalização signifique conclusão do curso? O programa de reformulação do sistema de ensino dos Estados Unidos, proposto pelo presidente Barack Obama, é um paradigma a ser seguido no Brasil. Propostas como pagamento de professores segundo o desempenho, já estão sendo adotadas em alguns estados, como São Paulo e Pernambuco, com o pagamento de bônus para as melhores escolas.

Outra forma sugerida é o estabelecimento de contratos de gestão entre o governo e as escolas que condicionem o repasse dos recursos ao cumprimento de metas de desempenho.

A quinta meta do programa “Todos pela Educação” é o “investimento em Educação ampliado e bem gerido”. Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais mostram que o investimento direto em educação como um todo passou de 3,9% do PIB, em 2005, para 4,4% em 2006, chegando ao maior percentual dos últimos seis anos.

Na educação básica, o investimento foi de 3,2%, em 2005, para 3,7%, em 2006. O professor e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Ricardo Paes de Barros diz que “para alcançarmos a Meta 5 será necessário quadruplicar a velocidade com que o gasto público com educação vem aumentando no país”.

Na comparação com outros países, o Brasil investe na educação básica menos do que a Finlândia (4%), Suécia (4,5%) e Nova Zelândia (4,3%). No caso do investimento per capita, dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos (OCDE) de 2003 apontam que o Brasil investe nas séries iniciais do ensino fundamental quase a metade do que o México e quase três vezes menos que o Chile.

Você não vale nada, mas eu gosto de você!

Roberto DaMatta
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO / CADERNO 2


Para Francisco Weffort, Luis Eduardo Soares e o DCE da PUC-Rio, pela inspiração.

Toda novela diz muito. A de Gloria Perez, “Caminho das Índias”, tem uma música que é a mais perfeita fórmula para este Brasil que nos irrita, mas enreda e que, por isso mesmo e apesar de tudo, jamais tiramos da cabeça e do coração. Quando a Argentina chega ao auge de uma crise, eles largam o país afirmando que a grande nação do tango é “una mierda!” Nós, no período da hiperinflação, da moratória, do sequestro da poupança, do mensalão e das grandes roubalheiras, rasgávamos nossos passaportes e decidíamos ficar. Tal como os personagens da novela — o guarda de trânsito Abel, marido da traidora Norminha — nós tínhamos que esperar “para ver no que dava”. Para termos certeza de que o Brasil era mesmo um país sem solução; ou para sentirmos o dragão inflacionário nos devorar. Vivíamos ao pé da letra, a letra da música do Dorgival Dantas, gravada por Calcinha Preta, que registra graficamente o drama entre Norminha e Abel: “Você não vale nada, mas eu gosto de você.

(Mas) Tudo o que eu queria era saber por quê, tudo o que eu queria era saber por quê!” Aí está, numa fórmula popular e abstrata, o que os grandes interpretes do Brasil — Sílvio Romero, Nina Rodrigues, Paulo Prado, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Gilberto Freyre, SérGilgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Raymundo Faoro, Florestan Fernandes, Vianna Moog, Celso Furtado e quem mais você quiser — tentaram explicar ou compreender: as razões pelas quais este país tão erradamente construído (de nobres, escravos e capitalistas sem competição, impostos e mercado), tão malformado por “raças inferiores”, tão desprovido de elites honradas e de estruturas legais, financeiras e de um economia e uma vida política capazes de gerar equidade e honestidade; tão afeito a éticas anti-igualitárias como a da condescendência, do nepotismo e da malandragem, não se autodestruía ou inspirava somente ódio, mas interpolava, entre o “você não vale nada, mas eu gosto de você”, essa cláusula de todas as redenções, esse arrebatador, porque paradoxal e compassivo: “Tudo o que eu queria era saber por quê; tudo o que eu queria era saber por quê!” Sim, porque, enquanto houver o desejo de compreender o elo entre o traidor e o traído, enquanto existir a busca para as razões do comportamento de uma Norma sem normas (ou limites) e o puro pastor Abel (guarda de trânsito) que a deixou viver sem essa consciência de fronteiras, fonte de todas as sinceridades e foco indispensável de uma vida honesta, há que se ter consciência do que já experimentamos e realizamos. Refiro-me ao fato concreto de livrar o Brasil de alguns dos seus males ditos crônicos e seculares. Não foi o que fizemos quando, por exemplo, o tiramos da escravidão e do autoritarismo dos militares?

Não foi o que realizamos quando, com o Plano Real, liquidamos o invencível dragão inflacionário? E não é o que hoje experimentamos neste governo do PT e do Lula que seria diferente, ideológico; que não roubava e deixava roubar; mas no qual vivemos uma extraordinária convergência não só de políticas econômicas, mas de estilos de governar no qual as coalizões espúrias e as ambições pessoais, a mentira e a mendacidade se repetem? A desgraça é que o Brasil, como a Norminha, tem muitas faces.

Há a que se livrou da hiperinflação com mais democracia, e há também a que corre o risco de liquidar-se no neocaudilhismo com a destruição de um partido ideológico, o PT, justo pelo seu líder mais importante, o Lula, na sua sofreguidão de fazer um sucessor. Eu não tenho a menor simpatia pelo radicalismo petista, mas estimo instituições. Tenho certeza de que o Brasil revela uma enorme carência de equilíbrio entre personalidades e valores internalizados indispensáveis ao seu bem-estar social.

Entre nós, basta um sujeito virar o “cara” para ele usar o execrável “Você sabe com quem está falando?” que, como eu (e não Gil berto Freyre, Caio Prado Jr ou Sérgio Buarque de Holanda) mostrei há trinta anos, coloca de quarentena as reflexões mais inocentes sobre a implantação da “cidadania” moderna, inseparável do liberalismo. É necessário fazer como os estudiosos do Brasil que não o abandonaram à sua sorte de país errado ou falido, mas amorosamente procuraram saber onde estava o elo entre o enganado e o enganador. O amor, a esperança e a eventual transformação estão na tentativa de saber por quê.

A beleza do laço entre Abel e Norminha reside no fato de que eles sabem que só se muda o que se ama. A tese do quanto pior melhor, que tanto animou a nossa esquerda, não funciona porque o conserto (ou a cura) é, entre os humanos, o limite. Não se trata somente de apontar a mendacidade do governo ou de enterrar o senador Mercadante. Não! É preciso descobrir, como manda o Dorgival, o porquê desse nosso amor por um tipo de poder que faculta a hipocrisia, a chantagem emocional, a roubalheira, a incúria administrativa e todos esses outros monstros que conhecemos tão bem. Se esses caras não valem mesmo nada, não basta execrá-los. É preciso saber por que nós — estão aí as estatísticas — os amamos tão apaixonadamente.

A desgraça é que o Brasil, como a Norminha, tem muitas faces. Qual a razão do amor?

Perdas e danos no PT

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Está em voga no PT uma profecia segundo a qual o partido sairá da eleição de 2010 com uma bancada maior na Câmara e no Senado. Não se trata de um disparate completo, a julgar pelo desempenho da sigla em outras disputas.

O PT sempre elegeu mais deputados a cada eleição até 2002, quando Lula chegou ao Planalto. Naquele ano, 91 petistas conquistaram cadeiras na Câmara. O número caiu para 83 quatro anos depois, na esteira do mensalão.

Essa queda registrada em 2006 não se repetirá em 2010, nos cálculos dos lulistas, por duas razões principais. Primeiro, porque os escândalos atuais têm octanagem menor do que o mensalão e seus dólares na cueca. Segundo, a lambança no Congresso está sendo sepultada com mais antecedência do que as estripulias de 2005 e 2006.

Não que o PT considere positivo o espetáculo no qual Lula deu os braços a José Sarney e a Fernando Collor. Há perdas contabilizadas. A principal delas é a incapacidade de o partido ampliar sua área de influência na sociedade. Por exemplo, ser majoritário entre os eleitores de classe média mais bem informada em centros urbanos.

Daí decorre o sintomático desânimo petista a respeito da possibilidade de vitória para o governo de São Paulo, em 2010. A dúvida interna é se o candidato do PT terá 30% ou 35% dos votos no Estado dominado por tucanos há mais de uma década. Eis aí uma explicação para Lula e seus estrategistas empurrarem Ciro Gomes com tanto vigor para solo bandeirante.

O PT parece se dar por satisfeito com a simpatia dos eleitores menos favorecidos, atendidos pelo Bolsa Família. Por essa razão, a sigla deve abrir mão de ter candidato próprio aos governos de vários Estados. A prioridade é fazer grandes bancadas nas Assembleias Legislativas e no Congresso. Tudo em nome do plano maior: ficar mais quatro anos no Planalto, com Dilma Rousseff.

O velho verbo agora em novo significado

Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Um amigo do Partido Verde que é professor na Universidade Federal de Minas Gerais comentou com integrante da cúpula que, com exceção dos núcleos petistas sindicais da instituição, muito voltados para seu próprio futuro político, a universidade toda está "Marinando". Informou ainda que, pelos canais de comunicação e troca de idéias na área de Educação, este é um movimento crescente já na maioria das universidades. Pode mesmo virar fenômeno.

Por onde a senadora Marina Silva tem passado, desde que a hipótese de mudança de partido foi revelada, antes mesmo do anúncio de sua saída do PT, legenda a que pertenceu por 30 anos, as emoções são instantâneas: reações de admiração, entusiasmo, curiosidade e evidência de sucesso, mais até de público do que de crítica.

Esta, a crítica, tem patinado diante da novidade. Se à reação imediata de simpatia do eleitorado forem acrescentadas características pessoais com que se apresenta a senadora, como a sua trajetória de vida, uma seringueira que saiu do analfabetismo e da doença para a cena principal do palco político, mais a experiência, respeito internacional, linha de atuação política, tema, simbologia para dar e vender e algum dinheiro para campanha - o PV, partido pelo qual optou, não tem nem estrutura para produzir isto, mas as Ongs ambientalistas, quem sabe? - resulta uma candidatura presidencial mais que possível, viável. Pode não ser para vencer ainda, mas até seus adversários, e os ganhou em quantidade, de repente, admitem que em três semanas ela mudou o desenho da sucessão presidencial que se formava no horizonte.

Bem, foi isso, a que se denomina de potencial eleitoral de um nome que se apresenta ao eleitorado, num trabalho prospectivo, o que se evidenciou para o PV na pesquisa encomendada ao Ipespe, do sociólogo Antonio Lavareda, a primeira, e até agora a única, feita para avaliar o potencial da candidatura Marina Silva. Aplica-se este tipo de pesquisa notadamente quando o nome a ser testado é desconhecido. Na pergunta, o pesquisador expõe em detalhes a qualificação da pessoa cujo potencial pretende avaliar. Assim, Marina Silva foi explicada ao eleitor, que não a conhece, como senadora e ex-ministra do Meio Ambiente. Nesta avaliação, seus índices variaram de 10, 14 e 24%, dependendo dos nomes que foram apresentados ao seu lado. A maior aceitação se deu quando apenas três candidatos foram relacionados, Dilma Rousseff (apresentada como ministra da Casa Civil) e José Serra (como governador de São Paulo), além dela. Sem Ciro Gomes, sem Heloísa Helena.

Nos dias em que o PV debateu e divulgou a pesquisa de potencial eleitoral, que foi útil ao partido para convencer Marina a mudar de partido e começar a preparar a candidatura, alertou também para o fato de que qualquer comparação com pesquisas de intenção de voto - e à época Marina não tinha sido incluída em nenhuma delas - seria inadequada. Errada, mesmo. São dados que não se podem comparar.

Até porque, mostrou também a pesquisa do Ipespe, o nível de conhecimento da senadora é baixíssimo. Dos ouvidos, 7% declararam que a conhecem bem; 9% a conhecem mais ou menos; 24% conhecem de ouvir falar; e 59% nunca ouviram falar. Para se ter uma idéia do peso deste percentual, 32% nunca ouviram falar no deputado Fernando Gabeira, a maior estrela do PV até hoje, com uma história e atuação bastante expostas ao eleitorado nacional.

Especialistas de institutos de pesquisas, principalmente os que se dedicam a analisá-las, sabem dessas diferenças de metodologia e quanto são incomparáveis os levantamentos deste tipo com os realizados, por exemplo, pelos Institutos Datafolha e Vox Populi, logo depois, para medir intenção de voto. Potencial da candidatura é uma coisa, intenção de voto é outra.

Nessa, até que o resultado não tem sido de todo nulo para Marina Silva, ela aparece com uns 3%, se tanto. Para quem não existia até ontem, não está mal, e a julgar pela receptividade que colhe nas viagens pelo Brasil, poderá chegar ao fim do ano aos níveis atingidos por candidatos como, por exemplo, Heloísa Helena. Mas são pesquisas incomparáveis.

Políticos adversários da senadora insistem no cotejo dos números, atitude que, por tecnicamente desprezível, esconde a intenção de iniciar logo a guerra eleitoral contra o novo que está vindo aí. Uma estratégia que confirma, inclusive, o alto potencial da candidatura que se pretende desqualificar no nascedouro.

No PV mais próximo à candidata, anota-se: os tiros estão vindo da campanha da ministra Dilma Rousseff e da campanha do governador José Serra. Registra-se, ainda: estão sendo feitos trabalhos de levantamento histórico, provavelmente para alimentar atos e discursos da futura campanha, da vida até do tataravô da senadora. Isto pode ser tudo menos indiferença. É um reconhecimento dos adversários de que o nome é potencialmente poderoso e estão se rendendo às evidências. Apenas fazem de conta que ainda não.

PT versus ex-PT

Nas análises ainda iniciais que vêm sendo produzidas por grupos políticos ligados à aliança governista já se aponta um outro cenário que vem surgindo como novidade para as eleições de 2010. Vai haver o PT versus PSDB, não mais como disputa plebiscitária, como sonhava o presidente Lula, porém uma refrega forte em meio a outras forças que terão instrumentos para desfazer a polarização. Mas vai haver, também, muito PT versus ex-PT. Estarão em lado oposto ao do PT a senadora Marina Silva, a vereadora Heloísa Helena, o senador Flávio Arns, o deputado Fernando Gabeira, o senador Cristovam Buarque. Políticos que acabaram criando, para si, condições de fazer o julgamento ético do mensalão, dos aloprados, do senador José Sarney, para ficar em três marcos do desgaste do partido do presidente Lula.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Crise política e reforma

Lourdes Sola
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


"A democracia é duas coisas: uma maquinaria, ou seja, uma estrutura constitucional, e um universo de maquinistas que põe a máquina a funcionar... Minha visão é de que a democracia é ainda uma maquinaria decente que está amplamente transtornada e maltratada por seus atuais operadores"
(Sartori)

Diante de mais uma conjuntura de incerteza, um espectro volta a nos rondar: revisão constitucional. Pode tomar várias formas, uma reforma tópica, parcial ou total, e responder a circunstâncias diversas. O universo de propositores varia e inclui parlamentares, juristas, OAB. É essa fluidez que torna difícil ao analista político decifrar sua razão de ser - diferentemente de Hamlet, que desde a primeira aparição soube a que vinha o espectro de seu pai.

Com a crise no Senado, o espectro volta a assombrar, sob nova roupagem: com propostas de um Congresso unicameral, na prática, a eliminação do Senado. Não chegam a pautar a agenda pública, mas obrigam a refletir sobre nossos impulsos revisionistas. Por duas razões.

Uma é a singularidade da conjuntura atual, que evidencia de forma dramática as falhas do nosso sistema de representação. Combinaram-se as evidências de um Senado de costas para a opinião pública e a dominância, agora escancarada, do Executivo sobre o Legislativo. Sob esse prisma, sobram perguntas. Como remediar o grave déficit no sistema de contrapesos, indispensável para moderar o poder avassalador do Executivo - e da desenvoltura do presidente, fundada em altos índices de popularidade? Como superar o autismo de um Senado indiferente ao eleitorado, de cujos votos, em princípio, depende? O tema da reforma política deve ressurgir. Mas qual? Ou quais? Há outra razão para refletir sobre essas questões. Quando analisados em perspectiva regional, nossos impulsos revisionistas são uma versão soft do tipo de constitucionalismo vigente na América Latina. Num registro mais otimista, portanto, cabe perguntar: por que o Brasil sai bem na foto (embora o Chile saia melhor)? Convém saber quais são os anticorpos que nos protegem para estimulá-los e contra-arrestar os ataques oportunistas.

Descarto a hipótese de que nossa imunidade dependa de uma postura governamental coerente. A ambiguidade da nossa política externa reflete a de seus artífices em relação à questão democrática. A tarefa preliminar é identificar o animal novo que se tornou parte da paisagem regional e que caracterizo como "constitucionalismo iliberal". Sim, sei bem que soa como uma contradição nos termos - e é mesmo. Pois, do ângulo da teoria democrática e na experiência das democracias consolidadas, as Constituições se ancoram em dois pressupostos: devem capacitar o governo a governar e, portanto, a controlar os governados; mas o poder de governar é outorgado com base na premissa de que só é democrático o governo que "se controla a si mesmo". O sistema de contrapesos integrado pelos Poderes Legislativo e Judiciário é a característica definidora do constitucionalismo. Bem... mais lá do que cá.

O constitucionalismo iliberal é antes de tudo um híbrido. Seu ponto de partida é que o acesso ao poder se faz por meio de eleições - um critério de legitimação política de cepa liberal. A partir daí o modelo original sofre uma decantação. Destaco apenas três filtros: 1) O suposto de que uma Constituição é uma caixa de ferramentas que deve garantir antes de tudo a capacidade de governar - a governabilidade -, daí a prevalência do Executivo em detrimento dos contrapesos que o limitam. 2) A maquinaria pode ser atualizada e "modernizada" por seus operadores, quando portadores de "fins superiores". A operação mágica, aqui, consiste em pressupor que toda uma sociedade quer marchar para o mesmo fim. Isso permite eliminar do modelo original uma âncora fundamental, pois nele as Constituições só definem como as normas devem ser criadas para atingir determinados fins. 3) As preferências majoritárias da população, medidas em votos ou em popularidade, são idealizadas e erigidas à categoria de "vontade do povo soberano".

Chama a atenção a cilada autoritária inscrita nessa concepção de democracia, cuja lógica conduz seus operadores a congelar a vida política pela incessante escritura de Constituições. Por um lado, as preferências do eleitorado e da opinião pública variam, pois dependem das condições de concorrência eleitoral. Onde ela existe, a vontade concreta do "povo soberano" é volátil e pode estar dividida. Por outro, tanto a "capacidade de governar" quanto a definição de "fins superiores" encontram outro limite incômodo: a participação política.

Quando livre, ela expõe a diversidade dos fins que existem e se contrapõem em toda sociedade complexa. Assim, para continuar erigindo um eleitorado concreto em "vontade do povo soberano" os operadores terão de domesticar os dois motores básicos da democracia: concorrência eleitoral e participação política. A solução é a constitucionalização da vida política (outra contradição nos termos). Seu complemento natural é a desqualificação do terceiro elemento perturbador, a liberdade de imprensa, pois só ela pode atenuar um problema inerente à democracia de massa: quanto o eleitorado e a opinião pública sabem dos assuntos de interesse público?

Quais são os anticorpos? A concorrência eleitoral é irreversível. O sistema de Justiça atua como um contrapeso. A imprensa é competitiva em nível nacional (mas não local). O setor privado dinâmico, diversificado, é um estabilizador, pois é avesso aos excessos de experimentação política. Os riscos? Um Executivo avassalador, a desqualificação da imprensa e o ativismo do presidente, que maximiza os déficits no sistema de representação. Outro risco, dramático: a domesticação de um dos motores da democracia, a participação política, pela incorporação dos interesses organizados e dos movimentos sociais às estruturas do Estado.

Lourdes Sola, professora da USP, ex-presidente da Associação Internacional de Ciência Política, é diretora do Global Development Network, da International Institute for Democracy e do Conselho Internacional de Ciências Sociais

Os "12 da Receita" preferiram ir embora

Elio Gaspari
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Planalto gasta em chocolates e sorvetes do Aerolula o valor da preservação da memória anual de uma câmera

O GABINETE de Segurança Institucional, como a Receita Federal, serve ao Estado, não ao governo. Pois de lá veio a informação de que a cada 30 dias o sistema de monitoramento da circulação de pessoas pelo Palácio do Planalto apaga as imagens gravadas pelas câmeras colocadas nos seus corredores. Em benefício do GSI, admita-se que isso é verdade. Nesse caso, trata-se de um exemplo de incompetência ou de desinteresse pela preservação do que acontece na sede do governo. Indica que há mais interesse em apagar a memória do que lá acontece do que em preservá-la.

A preocupação com a capacidade de armazenamento de arquivos digitais é coisa de quem tem mais de 50 anos e há pelo menos dez não lê sobre o assunto. No século passado, para economizar espaço em seu arquivos, a Nasa apagou o vídeo da chegada de Neil Armstrong na Lua, mas as gravações estavam em fitas. Hoje o material caberia num iPod.

O GSI tem dezenas de câmeras espalhadas pelo Planalto. Supondo-se que elas sejam acionadas ao detectar movimentos e gravem 15 quadros por segundo, sua memória, comprimida, armazena 156 gigabytes por mês, ou 1,8 terabytes por ano. Parece muita coisa, mas uma caixinha capaz de guardar tudo isso sai por apenas US$ 200 na loja newegg.com. (Esse foi o custo dos chocolates e sorvetes colocado no Aerolula num de seus voos para os Estados Unidos.)

Admitindo-se que uma vigilância seletiva exija pelo menos 50 câmeras, a despesa vai para US$ 10 mil, ou R$ 19 mil. Em termos de segurança, trata-se de um cascalho, equivale ao custo anual de três cachorros treinados para farejar explosivos a serviço da Casa Branca. Na contabilidade dos companheiros do Planalto, a despesa cobre três meses de gastos do cartão corporativo de um agente a serviço de um familiar de Nosso Guia em 2007.

A explicação do Gabinete de Segurança Institucional decorreu de um pedido do deputado Ronaldo Caiado. Ele queria todos os registros de novembro e dezembro de 2008 para conferir se a secretária da Receita Federal, Lina Vieira, estivera no gabinete da ministra Dilma Rousseff. A solicitação era absurda, pois nenhum governo deve entregar todos os seus vídeos a curiosos. O GSI teria sólidos motivos para dizer que não atenderia à solicitação, em nome da segurança do Estado.

O Estado é aquela instituição a que serve a cúpula demissionária da Receita Federal. Doze servidores que ocupavam cargos cobiçados por empresários poderosos, ministros e parlamentares da base do governo, preferiram deixar as cadeiras, retornando ao chão de suas repartições. Nenhum deles suspendeu o serviço. Devolver cargo de confiança está mais para sacrifício do que para rebelião. Eles defendem o fortalecimento da instituição. (Vale lembrar que 2010 será um ano de eleições gerais.) Numa época em que o Planalto prefere se desmoralizar nas cavalariças do Senado, esses servidores preferiram defender seus nomes e os interesses do Estado.

Há os que saem, como os "12 da Receita", Marina Silva e Flávio Arns. Há os que, irrevogavelmente, ficam, como o senador Aloizio Mercadante. A letra do samba imortalizado por Jamelão mudou de significado. Ele dizia que "quem samba fica, quem não samba vai embora".

Nosso Guia preside um governo onde é preferível não sambar.

Livro estuda política social do governo Itamar

Autora: Denise Paiva

O NETCCON-Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Comunicação e Consciência-ECO.UFRJ e seu curso JPPS-Jornalismo de Políticas Públicas Sociais, em convênio com a ANDI, o NEPP-Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos-UFRJ, a Fundação Astrojildo Pereira e o Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, lançam Era uma outra história: política social do Governo Itamar Franco: 1992-1994, de Denise Paiva, Assessora de Assuntos Sociais do Presidente Itamar.

Haverá uma mesa-redonda com personalidades atuantes no período e outras ligadas ao tema. As presenças do ex-presidente Itamar Franco, do ex-ministro Jamil Haddad, de Luiza Erundina, Adair Rocha, representante do MinC no Rio de Janeiro, Celso Japiassú e Aspásia Camargo, entre outras, estão confirmadas. A coordenação da mesa será feita pelo Professor Evandro Vieira Ouriques, coordenador do NETCCON e do JPPS, e pela Professora Mariléa Venâncio Porfírio, coordenadora do NEPP.

O lançamento realiza-se amanhã, dia 27 de agosto, às 18h, no Salão Moniz Aragão (Praia Vermelha - Rio de Janeiro). O livro é uma publicação conjunta da Editora da UFJF-Universidade Federal de Juiz de Fora e da Fundação Astrojildo Pereira.

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60 deixam cargos de chefia da Receita e crise se agrava

Sucursal de Brasília
Reportagem local
Agência Folha
Sucursal do Rio
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Servidores de 5 das 10 regionais do fisco acompanham saída de 12 integrantes da cúpula

Só em SP, que concentra 42% da arrecadação do país, 30 pediram exoneração; demissões podem paralisar fiscalizações e autuações

Num agravamento da crise na Receita Federal, cerca de 60 pessoas em postos de chefia, distribuídas em 5 das 10 superintendências regionais, avisaram ontem seus superiores que deixarão suas funções.

Somente no Estado de São Paulo, que concentra 42% da arrecadação nacional, foram cerca de 30 demissionários. Entre os quais Clair Hickman, responsável pela fiscalização do setor bancário no Estado, maior praça financeira do país.

Em Minas Gerais, foram mais dez baixas. Houve exonerações também na 10ª Região (Rio Grande do Sul), na 4ª (PE, PB e RN) e na 3ª (Ceará, Maranhão e Piauí). A Receita informou que são cerca de 300 cargos de confiança no país.

Anteontem, 12 integrantes da cúpula do fisco pediram exoneração, num levante contra o que classificam de ingerência política no órgão patrocinada pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) e pelo Planalto.

Todos eles foram nomeados pela ex-secretária da Receita Lina Vieira, demitida em julho. Um mês após deixar o cargo, Lina confirmou à Folha que foi chamada no Planalto por Dilma Rousseff (Casa Civil), no final do ano passado, para uma reunião a sós, quando a ministra teria lhe pedido para acelerar as investigações do fisco sobre a família do senador José Sarney (PMDB-AP).

Na segunda-feira, foram publicadas as exonerações de dois assessores de Lina -um deles foi Iraneth Weiler, que confirmou o relato de sua ex-chefe sobre um encontro reservado com Erenice Guerra, assessora de Dilma.

A debandada desses servidores dos cargos de confiança pode paralisar fiscalizações, autuações e liberações de mercadorias nas alfândegas.

O principal motivo do pedido de desligamento citado pelos demissionários em São Paulo é a provável mudança de foco na fiscalização.

Na avaliação dos servidores, a Receita não vai mais priorizar a fiscalização dos grandes contribuintes, mas sim será feita, nas palavras desses funcionários do fisco, sob "recibos médicos". Isso quer dizer que a Receita pode voltar a mirar pequenos contribuintes, trabalhadores assalariados e profissionais liberais.

Ontem, José Guilherme Antunes de Vasconcelos, inspetor-chefe da Alfândega em Santos, foi anunciado como substituto de Luiz Sérgio Fonseca Soares na superintendência da Receita de São Paulo.

No Rio Grande do Sul, 15 servidores da Receita também apontaram as mudanças impostas pela direção do fisco para acompanhar o pedido de demissão do superintendente regional Dão Real Pereira dos Santos e também colocaram seus cargos à disposição.

"Houve muitos interesses contrariados com o foco da Receita na fiscalização dos grandes contribuintes e, como a forma de fazer as coisas será diferente a partir de agora, decidimos sair juntos", disse o superintendente regional interino, Marcelo Ramos de Oliveira.

Em Pernambuco, a superintendência regional da Receita está sendo comandada desde ontem pela superintendente-adjunta, Maria da Conceição Arnaldo Jacó, que assumiu o lugar de Altamir Dias de Souza, exonerado a pedido.

Ela disse que a Receita Federal vive "situação difícil" e que, apesar de integrar o "grupo comprometido com o projeto" de Lina, assumiu interinamente o cargo "em respeito aos colegas e à sociedade brasileira".

Já a superintendente da Receita no Rio, Eliana Polo Pereira, tenta se desvencilhar do grupo ligado a Lina, para sobreviver no cargo, dizem sindicalistas. Eliana foi nomeada para a superintendência da Receita do Rio -a segunda maior arrecadação do país- em outubro passado, três meses depois de Lina ter assumido a secretaria.

Ela, porém, não acompanhou os outros altos funcionários que entregaram carta de renúncia na segunda-feira. Entre eles, estava seu superintendente-adjunto, José Carlos Sabino.

(Leonardo Souza, Claudia Rolli, Fátima Fernandes, Graciliano Rocha, Fábio Guibu, Samantha Lima)

'Existem outras interferências'

Fábio Fabrini e Ricardo Galhardo
DEU EM O GLOBO

Demissionário diz que Receita não pode abrir mão da isenção

BELO HORIZONTE, SÃO PAULO e RIO. No dia de arrumar as gavetas e deixar o cargo ocupado havia quase 11 meses, por indicação de Lina Vieira, o superintendente da Receita Federal em Minas Gerais, Eugênio Celso Gonçalves, disse que as intervenções do governo no Fisco vão além do que foi revelado à imprensa.

Em entrevista por telefone, declarou que a suposta ingerência que motivou a revolta no Leão não se resume aos casos da Petrobras e da investigação sobre a família Sarney.

— Certamente, existem outras interferências — afirmou. — Não posso entrar em detalhes, porque há sigilo fiscal e poderia sofrer processo administrativo por causa disso.

Funcionário da Receita há 29 anos, Gonçalves assumiu em outubro de 2008 a chefia em Minas. Será substituído pelo chefe da Divisão de Fiscalização no estado, Hermano Lemos de Aguiar, nomeado por portaria publicada no Diário Oficial da União ontem. O demissionário disse que sairá “em solidariedade às diretrizes de Lina, abortadas pela atual administração”: — São as diretrizes de uma Receita justa, transparente, cidadã. E que não pode, como instituição do Estado, abrir mão da isenção e da autonomia para prover o poder público dos recursos necessários às políticas sociais.

— Essas são interferências indevidas e que vão de encontro ao espírito republicano.

O manifesto é uma forma de demonstrar que os servidores do Estado não podem se submeter a ingerências — acrescentou.

Ele criticou o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), acusado de contratar parentes, entre outras irregularidades, chamandoo de coronel “fora de seu tempo”.

Em São Paulo, o superintendente regional demissionário Luiz Sérgio Fonseca Soares divulgou carta ontem para explicar os motivos de sua saída e ressaltou a importância da autonomia técnica e da independência política na Receita Federal. Diferentemente da carta assinada por ele e outros 11 funcionários de alto escalão da Receita anteontem, na qual cobravam uma instituição “mais republicana”, o texto divulgado ontem justifica o pedido de exoneração como uma manifestação de liberdade para a nova direção escolher novos superintendentes e chega a elogiar a Receita.

“A solicitação fundamenta-se no entendimento de que a nova administração pode e deve assessorar-se de quadros que tenham perfis mais adequados às novas diretrizes que estão sendo implementadas”, diz a carta de Soares.

Ele agradece aos servidores “que participaram do nosso esforço para construção de uma instituição republicana, balizada pelos princípios constitucionais, com autonomia técnica e imune às ingerências e pressões de ordem política ou econômica”.

No lugar de Soares, assumiria seu adjunto, Roberto Alvarez, mas ele também pediu demissão.

Segundo a assessoria, Soares e seus assessores demissionários continuarão trabalhando até que sejam definidos os substitutos.

No Rio, o agora ex-superintendente-adjunto José Carlos Sabino Alves passou o dia reunido com assessores, na sede do órgão. Foi nas mãos dele que auditores da Receita entregaram manifesto em defesa da ex-secretária Lina Vieira, logo depois de sua demissão, em julho.

O manifesto foi assinado por 38 delegacias do Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco) e por sete sindicatos estaduais.

Sabino foi primeiro-secretário de Finanças da Delegacia Sindical do Rio. Procurado em casa e na Receita, ele não atendeu as ligações do GLOBO. A superintendente no Rio, Eliana Pólo Pereira, deverá ficar no cargo.

Governo nega crise e Lina diz que houve perigoso recuo

Geralda Doca e Chico de Gois
DEU EM O GLOBO


Depois do pedido de demissão de 12 nomes da cúpula da Receita Federal em protesto contra a demissão da ex-secretária Lina Vieira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, minimizou a crise: “Demissões? Que demissões?” Para contornar o desgaste, o novo superintendente, Otacílio Cartaxo, anunciou a substituição de três superintendentes indicados por Lina: “As substituições têm caráter técnico.” Para o ministro José Múcio, não há rebelião, e as demissões resultaram de um “espírito de corpo” da categoria. Em nota, Lina Vieira afirmou que a demissão coletiva foi um “perigoso recuo” e criticou a substituição em massa de dirigentes da instituição.

Demissões? Que demissões

Um dia após rebelião na Receita, Mantega minimiza crise, e secretário tenta contornar desgaste

BRASÍLIA Um dia depois do pedido de exoneração de 12 dirigentes da Receita Federal, em protesto contra a demissão da ex-secretária Lina Vieira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, minimizou a rebelião no Fisco. Ao ser perguntado sobre o protesto, que envolveu cinco superintendentes regionais e um subsecretário da Receita, Mantega foi irônico: — Demissões? Que demissões? Indagado em seguida se há ingerência política no órgão, Mantega deu uma resposta lacônica: — Nada.

Em São Paulo, a saída do superintendente Luiz Sérgio Soares levou outros funcionários com cargos de chefia a também pedir demissão, aumentando a crise. Um dos que se exonerou foi o superintendente adjunto Roberto Alvarez, que assumiria no lugar de Soares. Na tentativa de contornar o desgaste e mostrar que fará uma nova administração na Receita, ontem mesmo o secretário Otacílio Cartaxo anunciou a substituição de três superintendentes indicados por Lina. Manteve, porém, outros nomeados por ela, inclusive um superintendente que tinha assinado a carta do pedido conjunto de demissão: Luís Gonzaga Nóbrega, da 3aRegião Fiscal, que abrange Ceará, Piauí e Maranhão. Permanece vago o cargo de superintendente da 4aRegião (Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas).

— Todas as substituições têm caráter técnico. Sempre que há mudança na cúpula, o novo secretário tem autonomia para fazer os ajustes que entender necessários. Portanto, a Receita Federal tem em torno de si uma rede de proteção contra qualquer interferência política ou indesejada — disse o secretário, acrescentando: — Considero um erro se politizar uma questão rotineira, a substituição de cargos de confiança.

Cartaxo disse que não haverá mudança no foco da Receita na fiscalização de grandes contribuintes, e que esse segmento terá um acompanhamento ainda maior. Disse que seus objetivos são melhorar o atendimento ao público e manter o cronograma de entrega das declarações de IR.

Foram nomeados Hermano Lemos, superintendente em Minas; José Guilherme de Vasconcelos, para São Paulo; e Paulo Renato da Silva Paz, para o Rio Grande do Sul. Entre os subsecretários, foi confirmado Sandro Serpa, que exercia interinamente o cargo na área de Tributação e Contencioso, e indicado Leonardo Peixoto, para a Subsecretaria de Gestão Corporativa. Permaneceram os subsecretários Michiaki Hashimura (Arrecadação e Atendimento) e Fausto Coutinho (Aduana e Relações Internacionais). Mas continua vaga a Subsecretaria de Fiscalização, uma das mais críticas do órgão.

Cartaxo assegurou que, apesar das demissões, as unidades do Fisco estão funcionando normalmente. Segundo fontes, o secretário já estava trabalhando para substituir alguns apadrinhados de Lina: os que poderiam minar sua administração.

Quando foi demitida, Lina queria que Cartaxo também pusesse o cargo à disposição, o que não ocorreu. Assim que foi confirmado no cargo, ele passou a ser bombardeado por funcionários ligados ao ex-secretário Jorge Rachid e por pessoas do grupo de Lina, que o acusavam de traição

Múcio critica “espírito de corpo” na Receita

Ontem, o ministro das Relações Institucionais, José Múcio, avaliou que o pedido de demissão conjunta na Receita foi fruto “de um espírito de corpo” da categoria. Para o ministro, não há rebelião entre os funcionários do órgão. Ele viu como natural a saída de diretores que, em carta divulgada anteontem, consideraram haver “ingerência política” na instituição.

— Não há rebelião. Houve uma mudança de comando, natural. E, em qualquer mudança de comando, procedemse modificações administrativas.

É natural da mudança de comando.

Há um espírito de corpo presente no episódio, mas as coisas, a partir de hoje, estão serenadas. Todos são da casa. Sucessores e sucedidos são da casa. Eles têm interesse em que a casa funcione bem — disse Múcio.

O ministro também disse que o recolhimento da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, não tem nada a ver com o depoimento de Lina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, semana passada. Múcio disse que Dilma está afastada de suas funções por orientação médica — na segunda-feira e ontem, ela ficou em casa. Múcio disse acreditar que, a partir de agora, como candidata a presidente, Dilma será alvo constante da oposição: — O furacão vai se dar sempre. Os problemas vão sempre estar em torno dela, e ela não vai fugir nunca.

Lula critica governo de SP por propaganda do Rodoanel e é rebatido

Flávio Freire
DEU EM O GLOBO

SÃO PAULO e SÃO BERNARDO DO CAMPO. Sob suspeita de superfaturamento, inclusive com investigação no Ministério Público Federal, a obra viária do Rodoanel virou alvo de disputa política. Sem citar nomes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusou o governo de São Paulo, administrado pelo tucano José Serra, pré-candidato à Presidência, de omitir em suas propagandas oficiais o fato de a construção ter recursos federais.

— Fico chateado porque viajo pelo Brasil, a gente põe dinheiro, faz a obra, e quando a gente vê, o prefeito e o governador fazem propaganda dela e não falam sequer que o dinheiro é nosso — disse Lula, no lançamento da pedra fundamental da Universidade Federal do ABC, em São Bernardo do Campo. — O Rodoanel, que passa aqui pertinho (de São Bernardo do Campo), custou R$ 3,6 bilhões, e R$ 1,2 bilhão foi do orçamento da União. Isso não aparece nas propagandas que vejo na televisão, como se não tivéssemos colocado nenhum centavo.

O Ministério Público Federal recomendou ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes o bloqueio dos repasses de verbas federais para o trecho Sul do Rodoanel. Relatório do Tribunal de Contas da União aponta irregularidades na obra, entre elas o adiantamento de R$ 236 milhões por serviços não realizados.

O PSDB reagiu. O presidente estadual do partido, Antônio Carlos de Mendes Thame, disse que as peças publicitárias do governo paulista informam que o governo federal tem participação na obra: — O presidente Lula reagiu assim porque as obras do PAC estão empacadas, ao contrário das do Rodoanel.

A Dersa, estatal paulista responsável pela obra, diz que a participação do governo federal aparece com destaque na divulgação do empreendimento.

Num dos filmes publicitários, a informação sobre a parceria com municípios e União aparece numa frase ao pé da tela, por três segundos. Não há menção aos valores gastos por cada esfera de governo.

Furnas: diretor se demite e critica aparelhamento

Chico Otavio
DEU EM O GLOBO

Diretor de Operações de Furnas, Fábio Resende deixará o cargo no próximo dia 1. E sai dizendo que o aparelhamento político da estatal deteriorou as relações de trabalho.

Furnas: diretor critica aparelhamento político

Fábio Resende deixará Operações atacando ingerências que provocariam quebra da hierarquia e risco para sistema

O diretor de Operação e Comercialização do Sistema Furnas, Fábio Resende, que deixará o cargo no dia 1ode setembro por iniciativa própria, disse ontem que ingerências políticas em Furnas estão provocando quebra de hierarquia interna, com riscos para o bom funcionamento do sistema elétrico brasileiro.

— As correntes políticas que hoje predominam nas indicações para dirigentes de Furnas estão deteriorando as relações de confiança entre os empregados e suas chefias em algumas áreas do escritório central — declarou o diretor, evitando citar os políticos que mais o incomodam.

Fábio disse temer que a indicação de seu substituto obedeça a critérios políticos e não técnicos. Ele alertou que, se isso acontecer, haverá risco para um setor estratégico do sistema — a Diretoria de Operação responde por 11 usinas, 46 subestações, 19 mil quilômetros de linhas de transmissão e três mil empregos.

— Hoje, a expectativa é de quem vai ser o meu sucessor.

As pessoas não entendem a importância desse setor. O governo deveria pensar muito bem antes da escolha. Se for uma indicação política irresponsável, vai afetar o sistema inteiro — disse Resende.

Fábio Resende, de 65 anos, trabalhou por 41 em Furnas, somadas três passagens pela empresa. Ocupa a diretoria há seis anos e oito meses. Irmão do ministro Sérgio Resende (Ciência e Tecnologia), ele disse que sua maior preocupação é com os efeitos colaterais da politização de Furnas junto às pessoas que trabalham nas subestações espalhadas pelo Brasil.

— Se semearem a mentalidade da indicação política, o amigo do prefeito vai se julgar no direito de não trabalhar um dia. Mas existe cadeia hierárquica.

Se a organização não funcionar, fica muito ruim. Na verdade, se não tiver organização direta, ela prejudica tudo.

Deteriora o ambiente de trabalho — advertiu.

Embora alegue que está saindo por “motivos particulares”, o diretor afirmou que as mudanças políticas feitas em Furnas desde a substituição do ex-presidente José Pedro Rodrigues Oliveira por Luiz Paulo Conde (que também já saiu), em agosto de 2007, foram “desagradáveis” e “abalaram a sua saúde”.

— Não se pode tratar Furnas como se fosse a administração de um estado ou de um município, onde, quando entra uma nova corrente política, muda-se tudo. Isso depreda a empresa — lamentou.

O ex-prefeito Conde, que é arquiteto e nunca trabalhara antes em Furnas, foi indicado pelo bancada fluminense do PMDB, que até hoje exerce forte influência no comando da estatal. O partido é acusado por entidades sindicais de ter feito pelo menos três tentativas frustradas de também assumir o controle do Real Grandeza, o fundo de pensão dos funcionários de Furnas.

A saída de Fábio Resende ocorre no momento que que o Real Grandeza inicia um processo eleitoral para a renovação de três dos seis membros do Conselho Deliberativo e dois diretores. Em outubro, já com a nova composição, serão indicados o novo presidente e o diretor de Investimentos. Entidades de classe como o Após Furnas (aposentados) e Sindicato dos Urbanitários de Brasília temem que a mudança abra caminho novas investidas políticas na entidade.

PMDB cobra ainda mais do governo e paralisa Câmara

Denise Madueño, BRASÍLIA
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Partido obstrui votações para forçar a liberação de verbas para emendas

O PMDB aumentou ainda mais a pressão sobre o governo, depois de ter exigido o voto do PT para livrar o senador José Sarney e de cobrar o apoio a candidatos peemedebistas nos Estados para sustentar a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência. O partido agora lidera o movimento para que a equipe econômica acelere a liberação dos R$ 6 bilhões previstos no Orçamento para emendas dos parlamentares. O PMDB conduziu ontem a obstrução das votações na Câmara, com apoio de outros partidos da base aliada, e anunciou a disposição de manter a paralisia até que o governo libere verbas para obras nas bases eleitorais dos deputados. Com isso, foi adiada a análise de propostas de interesse do governo, como a medida provisória que garante crédito para a exportação e o projeto que recria a CPMF, rebatizada de Contribuição Social para a Saúde (CSS).

PMDB trava Câmara para arrancar liberação de emendas do Planalto

Partido lidera ofensiva para que equipe econômica pague R$ 5 bilhões previstos no Orçamento

Depois de enterrar as 11 representações contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no Conselho de Ética, exigindo os votos dos três senadores petistas, e de cobrar o apoio do Planalto e do PT aos candidatos peemedebistas nos Estados para, em troca, ficar ao lado da pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), o PMDB aumentou ontem a pressão sobre o governo. O partido lidera agora a ofensiva para que a equipe econômica libere logo o dinheiro das emendas dos parlamentares previsto no Orçamento deste ano.

O partido conduziu ontem a obstrução das votações na Câmara e anunciou a disposição de manter a paralisação até que o governo apresente o cronograma de liberação das emendas, com as datas de desembolso do dinheiro para as obras nos municípios que são base eleitoral dos deputados. "Não pode a área econômica ficar se fazendo de surda e muda. Se é assim, aqui nós ficamos surdos e mudos também", afirmou o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN).

O vice-líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), informou que dos R$ 6 bilhões referentes às emendas apenas R$ 1 bilhão foi liberado. Henrique Alves argumentou que, desde a semana passada, o Ministério do Planejamento ficou de apresentar as datas para liberação das emendas. Ele contou que, na quinta-feira passada, em viagem ao Rio Grande do Norte, o presidente Lula fixou o prazo até ontem para que o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, apresentasse esse cronograma.

"Estamos esperando", disse Henrique Alves.

PEQUENOS

A disposição do PMDB em parar as votações reforçou a rebelião dos partidos menores da base - PR, PTB e PP -, que já vinham defendendo a obstrução. O PMDB é o maior partido aliado do governo e seu comportamento altera o quadro na condução dos trabalhos na Casa. Na semana passada, os partidos que ameaçaram obstrução concordaram em votar a Medida Provisória 462 apenas porque beneficiava os municípios, com reforço no caixa das prefeituras.

"A ordem no PR é não votar mais nada", afirmou o deputado Luciano Castro (RR). O deputado argumentou que os prefeitos perderam arrecadação, receberam repasses menores do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e precisam do dinheiro destinado pelas emendas para iniciar as obras. "Os prefeitos pressionam a gente" , argumentou Castro. Os deputados vão precisar do apoio dos prefeitos na eleição do próximo ano.

O líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS), disse que a liberação de emendas é uma negociação usual e a dificuldade é provocada pela queda na arrecadação da União. "Meu papel é buscar uma solução, o diálogo", afirmou Fontana.

REQUERIMENTOS

Para engrossar a paralisação, os partidos de oposição apresentaram uma enxurrada de requerimentos de convocação e de informações ao governo e, paralelamente, anunciaram obstrução. "Obstrução quem faz é a oposição. A base faz greve", ironizou o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP).

A justificativa que a oposição apresentou para não votar foi o temor da volta ao plenário do projeto que institui a Contribuição Social para a Saúde (CSS) - a ressurreição da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). A proposta não está na pauta, mas a discussão foi retomada depois que a bancada do PMDB em reunião com o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, manifestou apoio para a aprovação do projeto.

"Foi uma sinalização. Eles estão acertando para votar a proposta e nós não podemos ser pegos de surpresa. Temos de indicar as dificuldades que o governo vai ter para votar essa proposta", afirmou o líder do PPS, Fernando Coruja (SC). O DEM puxou a obstrução também nas comissões. O partido usou de manobras regimentais para atrasar os trabalhos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

’ESPUMA’


"A oposição fez obstrução por espuma. O projeto nem está na pauta", afirmou o deputado José Genoino (PT-SP), que tentou manter a sessão na CCJ. "Essa matéria (a CSS) só entra na pauta se houver divisão da arrecadação entre a União, os Estados e os municípios, e os governadores colocarem suas bancadas para votar no plenário."

PAUTA OBSTRUÍDA

A paralisia na Câmara impede a votação dos seguintes temas:

Lei Complementar que pode ressuscitar a CPMF

Acordo Brasil-Vaticano (que é do interesse do governo)

Reajuste dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)

Emenda constitucional que libera parte do dinheiro da educação, que é retido pela Desvinculação de receitas da União (DRU)

Convênio pelo qual o Brasil aumenta a sua particIpação como cotista no FMI

MP que libera créditos para a exportação e permite a participação da União em fundo garantidor de crédito

O desmonte

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


A rebelião na Receita Federal não é um fato isolado.

A carta dos demissionários toca na ferida que será a marca da atual administração: a confusão entre o Estado e o governo. Isso nunca havia ocorrido na Receita. Nunca havia acontecido no Ipea, no BNDES, no Itamaraty. É um tempo em que há perseguição política e quebra de regras de ouro, como a de que os funcionários servem ao país, os governos passam.

Esta semana o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou mais um dos seus “Comunicados da Presidência”, que o órgão inventou na atual gestão. O texto comete um erro crasso na opinião dos economistas José Roberto Afonso e Samuel Pessoa, que analisaram o estudo. O documento sustenta que a produtividade do setor público cresceu mais do que a do setor privado, mas compara alhos e bugalhos. É muito diferente o cálculo da produtividade do setor privado, que tem o que contabilizar como produção, e o mesmo cálculo do setor público.

Afonso e Pessoa explicam que o conceito de valor agregado usado pelas Contas Nacionais do IBGE, seguindo padrões internacionais, estabelece que a produção no setor público é calculada pelo aumento dos salários e das despesas. A metodologia não permite a comparação com o setor privado. E dão um exemplo: se uma empresa contrata empregados e os deixa em casa dormindo, perde produtividade; se o setor público fizer isso, a produtividade não cai. O estudo da presidência do Ipea tem conclusões esquisitas como a de que a produtividade de Roraima, por exemplo, aumentou 136%; a de São Paulo, 0,7%; e a do Espírito Santo caiu 7,4%. Os estados que fizeram choque de eficiência e gestão não tiveram ganhos de produtividade.

Ou até perderam.

O estudo feito de encomenda para justificar o crescimento dos gastos de pessoal e de custeio, e para sustentar o discurso estatista é um exemplo, mais um, do que foi feito no Ipea.

No começo, uma caça às bruxas, depois um concurso público viciado e dirigido, e por fim, o uso da marca Ipea para apresentar estudos de critérios técnicos duvidosos e endereço certo.

Os bons funcionários do órgão, os que estão lá servindo ao Estado, são postos na geladeira.

O Ipea foi criado para fazer avaliações críticas e independentes das políticas públicas, e assim ajudar os governos a corrigir rumos e evitar erros.

O governo Lula interferiu nas carreiras de Estado de forma sistemática. Fez isso tantas vezes que ao longo de sete anos o país foi achando natural o que não se pode aceitar. A carta dos superintendentes e funcionários da Receita Federal serviu como um grito de alerta contra o desmonte que deixará sequelas nas próximas administrações.

Foi assim também no BNDES no começo do governo.

Tem sido assim no Itamaraty.

Da patética lista de livros obrigatórios que lembrava os regimes fascistas, passou-se para uma política seletiva de promoção e envio para postos relevantes.

Os leais ao atual grupo no poder foram nomeados para as principais embaixadas mesmo que não tivessem acumulado experiência para tal. O Brasil tem perdido com a subutilização de brilhantes diplomatas encostados em “exílios”.

O governo Lula ficará na história como o que mais aumentou o gasto de pessoal, o que mais contratou funcionários, e o que mais profundamente feriu a ideia de que os funcionários de carreira servem ao Estado e não a governos. O que aconteceu na Receita Federal não foi uma briga de um grupo, uma rebelião liderada pela ex-secretária Lina Vieira. Funcionários de carreira, com anos de serviço público divulgaram uma carta séria sobre a qual o país deve refletir. A ingerência política na Receita é inaceitável, por isso o protesto dos superintendentes é tão valioso. Eles recusaram a postura passiva de “deixa como está porque eles logo vão embora”, em troca de uma atitude altiva de denúncia de destruição de critérios básicos. A impessoalidade por exemplo.

A Receita não pode escolher processos para “apressar”.

No caso da Petrobras, a nota inicial da Receita foi clara: a empresa podia mudar o regime contábil desde que isso fosse feito previamente, e não a posteriori. O entendimento foi mudado sob encomenda.

Agora, as outras empresas estão usando essa mudança dos critérios da Receita para ter crédito tributário.

Na época da nota da Receita, que se seguiu à publicação sobre a mudança contábil da Petrobras no jornal O GLOBO, a imprensa registrou que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ficou irritado por saber pelos jornais, já que é do conselho de administração da empresa.

Espero sinceramente que os jornais tenham errado porque essa reação mostra um conflito de interesse. Uma empresa não pode ter privilégios fiscais e tributários porque o ministro que chefia a Receita faz também parte do seu conselho.

O desmonte de vários órgãos através do aparelhamento é sério, é perigoso. Já o caso do conflito Lina versus Dilma é patético. Um Palácio do Planalto que apaga fitas de visitantes, uma Casa Civil que embaralha compromissos na agenda da ministra, um governo que persegue uma exchefe de gabinete da ex-secretária da Receita está, por atos, confessando o que tenta desmentir por palavras.

Caetano canta Feitiço da Vila, de Noel Rosa

Bom dia!
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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Educação, política de Estado

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


A entrevista do economista Geraldo Langoni, da Fundação Getulio Vargas, no GLOBO de domingo, em que ele afirma que investir em educação é mais importante para o futuro do Brasil do que o petróleo do pré-sal, é uma atualização de seu pensamento sobre o assunto, já explicitado na década de 70 do século passado por um trabalho famoso que mostrava que a taxa de retorno da educação no Brasil era muito alta já naquela época. Hoje, estudos demonstram que, a cada ano de escolaridade acrescentado, o salário aumenta cerca de 10%, principalmente no ensino básico. E, apesar disso, não foi feita a opção de investir em educação.

O livro “Educação básica no Brasil — construindo o futuro do país”, recentemente lançado, mostra que somente a partir da década de 90 do século passado finalmente a ficha começou a cair. Coordenado pelos economistas Fernando Veloso, Samuel Pessoa, Ricardo Henriques e Fabio Giambiagi, o livro mostra que desde o governo Fernando Henrique, e com certa continuidade no governo Lula, embora não muito linear, especialmente a partir da gestão do ministro Fernando Haddad, o Brasil começou a reverter um pouco essa história.

Primeiro universalizando o acesso, embora sem universalizar a conclusão, e construindo um arcabouço de avaliação para poder melhorar a qualidade do ensino. O Brasil demorou muito tempo para acordar para a importância da educação, e, para os autores do livro, temos que passar da fase de “mais educação” para uma educação de mais qualidade.

Segundo Fernando Veloso, do Ibmec do Rio, é um processo lento, mas a mensagem dos gráficos é positiva: a taxa de conclusão, tanto do ensino fundamental quanto do médio, aumentou significativamente, embora esteja ainda bem abaixo do que deveria ser.

Por exemplo, em 1995 a taxa de conclusão do ensino fundamental era de 30%, e, em 2007, passou para 60%. Já no ensino médio, girava em torno de 15% e passou para a casa dos 45%, num período relativamente curto.

Nesse período, lembra Veloso, surgiram vários movimentos na sociedade civil pela melhoria da educação, entre os quais destaca o “Todos pela Educação”, que trabalha inclusive com o MEC.

As cinco metas propostas são as seguintes: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; todo aluno com aprendizado adequado à sua série; todo jovem com o ensino médio concluído até os 19 anos; investimento em educação ampliado e bem gerido.

Lançado em 2005, o movimento “Todos pela Educação” fez um primeiro balanço no fim de 2008, mostrando que os avanços aconteceram, mas que ainda temos muito chão a percorrer.

O movimento é organizado por um grupo de empresários e especialistas em educação que decidiu se unir para, além dos projetos que fundações ou ONGs das quais participam fazem na área de educação, criar um movimento para qualificar a demanda do ensino.

Uma das metas, por exemplo, de que todo jovem esteja com o ensino médio concluído até os 19 anos, teve superados os objetivos propostos para 2007, mas para que se chegue a 2022, no bicentenário da independência do país, com educação de qualidade para todos, é grande o desafio de corrigir o fluxo escolar.

O fato de mais da metade dos jovens não concluírem o ensino médio na idade correta, o mesmo acontecendo com quase 40% do ensino fundamental, revela que o Brasil está longe de garantir bom fluxo escolar para seus alunos, diz o primeiro balanço do movimento.

Para Fernando Veloso, na questão da qualidade, era preciso primeiro medir, e o país não tinha até a década de 90 um termômetro para isso.

Os avanços nesse setor foram importantes.

Em 1995, criou-se o novo Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) e, a partir daí, pode-se construir uma série histórica de notas. Depois veio a Prova Brasil, em 2005, que é feita em todas as escolas públicas de 4aa 8asérie. Passamos a não apenas ter um diagnóstico, como uma nota para cada escola pública.

Depois veio o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que combina a Prova Brasil com um índice de aprovação, “para evitar que escolas melhorem suas notas expulsando o pior aluno, e penaliza a evasão e a repetência”.

Veloso vê nisso “um processo evolutivo que vai começar a dar resultados”. Segundo ele, o MEC tem trabalhos interessantes, como, por exemplo, analisar o resultado da Prova Brasil em escolas de locais desfavoráveis, com um ambiente socioeconômico difícil, no interior do Nordeste, e constatar que várias escolas já mostraram saltos expressivos na nota.

O resultado já está sendo mapeado. O próximo passo agora, diz Fernando Veloso, “é pegar esses casos isolados de sucesso e institucionalizá-los nas políticas públicas para melhorar todo o sistema”.

Para Fernando Veloso, “esse é um processo lento; a sociedade não está muito acostumada a trabalhar com metas na educação, é uma experiência nova”. Ele vê “um papel fundamental” da sociedade, de fazer pressão sobre gestores, diretores de escolas e professores, para fazer a cobrança.

“Isso funciona muito bem na Coreia do Sul, onde os pais têm a maior preocupação com a qualidade da educação e efetivamente cobram isso das escolas”.

Embora o Brasil ainda esteja no início desse processo, no livro “Educação básica no Brasil — construindo o futuro do país” são analisadas essas novas ferramentas que apontam, segundo Veloso, para “um final otimista”.

Esse processo “não tem receitas, não tem fórmulas mágicas, é lento, é difícil, o resultado nem sempre é imediato, mas como está resistindo, e passando de governo para governo, está virando uma política de Estado”.

O que é um bom sinal para o futuro. (Continua amanhã)

Latifúndio ilógico

Xico Graziano
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O que é um latifúndio? No passado, a resposta vinha fácil. Hoje, a pergunta exige esforço para ser respondida, remetendo ao núcleo do problema agrário no Brasil. Semântica da boa.

A historiografia consagrou o latifúndio como mal maior de nossa formação social. O termo se origina no latim - lato fundis -, significando os grandes domínios da aristocracia na Roma antiga. O conceito se vincula à ideia da imensidão e da opressão no campo.

Na época colonial, o latifúndio surgiu por aqui disfarçado nas capitanias hereditárias. Grandes porções do território se dividiram entre os fidalgos do rei encarregados de colonizar as terras longínquas. No ciclo açucareiro do Nordeste, séculos atrás, a grande exploração comandava a economia. Historiadores também a chamaram de plantation, a vasta propriedade monocultora.

O latifúndio sempre caracterizou o domínio da oligarquia agrária, terra do coronel. No triste período escravista, os conflitos entre a casa grande e a senzala expunham as mazelas da desigual sociedade. Mais tarde, na economia cafeeira que abriu São Paulo, com o trabalho sendo liberto, o latifúndio manteve sua forte presença até a grande crise de 1929-1930. Quando Getúlio Vargas assumiu o poder, a oligarquia começou a se desmantelar. Surgia, com a ajuda da imigração, a classe média no campo.

Derrotar o tradicional sistema latifundiário e vencer o imperialismo norte-americano configurou o estridente grito nacionalista que, nos anos 1960, mobilizou a esquerda latino-americana. Todos se uniram contra o atraso rural. Na receita do desenvolvimento, eliminar o latifúndio virou mantra.

A unanimidade política se provou no Estatuto da Terra, promulgado pelo regime militar em novembro de 1964. Nem a turma da direita, que chutou a democracia no golpe, se opôs à desapropriação do latifúndio, um obstáculo ao progresso.

A nova lei deu nome aos bois. Os latifúndios passaram a ser divididos em dois grupos: "por dimensão" e "por exploração". No primeiro caso, 600 módulos de terra eram o limite de sua extensão, área situada entre 20 mil e 50 mil hectares, dependendo da região. Maior que isso, poderia ser desapropriado para reforma agrária. Terra dividida.

Já os latifúndios "por exploração" precisavam, independentemente de seu tamanho, provar que eram produtivos. Daí surgiram os índices de produtividade que o Incra utiliza, até hoje, para caracterizar a função social da propriedade rural. Se estiver ociosa, com baixa produção, pau nela. Vai para o assentamento dos sem-terra. Muito bem.

Dois cadastramentos gerais foram realizados naquela época. As estatísticas eram devastadoras, configurando forte concentração da estrutura agrária. Em 1984, atualizados, os dados serviram para fundamentar o plano de reforma agrária da Nova República. Eles mostravam que os latifúndios se apropriavam de 90% do território. Um escândalo.

O cadastro indicava existirem 305 latifúndios "por dimensão", que, somados, detinham área maior do que a explorada, na outra ponta, por milhões de pequenos agricultores. Ninguém poderia concordar com isso. Reforma agrária já.

Se a ditadura não aplicou, na prática, o Estatuto da Terra, a democracia, restabelecida, o faria. Assim, há 25 anos, se iniciava a fase moderna da reforma agrária brasileira. Seus resultados, sofríveis, frustraram as expectativas, transformando a prometida redenção da miséria rural numa polêmica interminável. Por quê?

Duas explicações importam aqui. Primeiro, destrinchando as estatísticas oficiais, verificou-se que, entre os latifúndios "por exploração", 700 mil detinham área menor que 100 hectares de terra. Quer dizer, eram "pequenos" latifúndios. Um contrassenso incompreensível. Segundo, entre os grandões, apenas um ou outro acabou efetivamente desapropriado na reforma agrária, por uma razão elementar: dificilmente eles eram encontrados nas vistorias de campo. Representavam enormes terras griladas, cadastradas no Incra, porém fictícias. Latifúndios "fantasmas".

O equívoco desnorteou os agraristas. Estava em curso um processo de modernização agropecuária que, hoje, caracteriza o capitalismo no campo. Nos últimos 30 anos, o latifúndio transformou-se em grande empresa rural, mantendo-se grande, mas tornando-se produtivo. Integrado com a agroindústria, ao lado de fortes cooperativas, constitui o complexo chamado agronegócio.

Após a Constituição de 1988, mudou a lei agrária. Desapareceram as antigas denominações do latifúndio, substituídas pela nova caracterização econômica da grande propriedade: produtiva ou improdutiva. Até hoje, entretanto, o conceito histórico, tão marcante, permanece sendo utilizado. E, infelizmente, deformado.

João Pedro Stédile, ideólogo do MST, caracteriza atualmente o latifúndio como a propriedade rural que, embora cultivando café, soja, cana, eucalipto, ou utilizada na pecuária, ocupe área superior a mil hectares. Ponto. Não interessa se utiliza tecnologia, paga bem aos empregados ou conserva o solo. Importa apenas o tamanho, aliás, bem abaixo dos antigos latifúndios "por dimensão".

Ora, o modelo agrícola do País, ainda concentrador, pode ser criticado. Mas o latifúndio sempre caracterizou relações atrasadas de produção, mau uso da terra, servilismo. Confundir a empresa capitalista no campo com a propriedade oligárquica entorpece o raciocínio. Latifúndio produtivo soa ilógico.

Curiosa a mente das pessoas. Há quem, não percebendo que o mundo mudou, repete o mesmo chavão a vida toda. Tromba com a realidade. Outros, mais inteligentes, sabem das mudanças. Mas, para manter o discurso atrasado, escondem-se na mentira dos conceitos. Deturpam a realidade.

Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo.

Qual o formato da recuperação?

Yoshiaki Nakano
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O mercado financeiro e as autoridades do governo, dos bancos centrais e de outras instituições internacionais têm mandado a mensagem de que a crise financeira acabou e de que há sinais de recuperação. De fato, países emergentes, principalmente os asiáticos, liderados pela China, dão sinais mais claros de recuperação. Alguns países desenvolvidos, como Alemanha, França e Japão, apresentaram surpreendentemente ligeira recuperação no segundo trimestre. Nos EUA, a notícia mais importante é que aparentemente o mercado imobiliário está se estabilizando. Assim, reina no mercado surpreendente sentimento de alívio, mas todos mantêm a cautela e perguntam se a recuperação tomará a forma de V, U, W ou WWW.

A recuperação pode estar iniciando e, no passado recente, a recessão típica apresentou uma recuperação rápida em forma de V. Foram recessões causadas, em regra, pela contração momentânea na demanda agregada, em função de aperto na política monetária, e a recuperação foi rápida e vigorosa, ocupando a capacidade ociosa criada pela própria recessão e a economia retomando a trajetória anterior. A revista "The Economist" considera que imaginar a recuperação em V na atual recessão seria fantasioso. A recuperação está sendo promovida por uma política monetária extremamente agressiva e por fortes estímulos fiscais e o consumo alimentado pelo crédito acabou, pois os consumidores têm que pagar a dívida que se revelou excessiva acumulada ao longo de anos, empresas faliram, parte do sistema financeiro desapareceu e o que resta precisa de conserto. Neste quadro, dificilmente teremos retomada dos investimentos . A revista alerta que no caso atual a recuperação tomará a forma de U com a base bastante achatada e longa.

De fato, esta recessão é diferente. E há muitas razões para isto. É uma recessão global desencadeada por crise financeira global que destruiu trilhões em ativos financeiros, afetando os balanços não só das instituições financeiras, como também das famílias e das empresas. Essa recessão exigirá esforços para sua recomposição e com isso podemos ter aquilo que se tornou conhecido como "balance-sheet recession". Por trás de qualquer crise financeira necessariamente há, de um lado, uma forte expansão do crédito, e de outro, demanda excessiva de ativos financeiros e formação de bolhas, baseadas no endividamento com alavancagem crescente. A crise promove a destruição de ativos, desalavancagem e forte contração no crédito. Ao mesmo tempo, a destruição de ativos e superendividamento obriga tanto os bancos e empresas como as famílias a reequilibrar os seus balanços - a redução dos seus passivos passa a ser prioridade absoluta para a sobrevivência. Os bancos e empresas têm que canalizar os seus lucros e as famílias, parte maior da renda para pagar as dívidas, subtraindo assim tanto o consumo como os investimentos. Assim, na crise financeira há tanto a contração da oferta de crédito como da demanda de crédito.

Não devemos esquecer de que enfrentamos um choque negativo na demanda agregada que poderá persistir por anos. Os EUA deixarão de ter o papel dinâmico na economia mundial como importador em última instância, exercido para atender o consumismo de suas famílias e sustentado pelo endividamento crescente. A taxa de poupança das famílias americanas, que estava próximo a zero, aumentou depois da crise para 6% a 7%, e o seu déficit em transações correntes já caiu de 6% do PIB para cerca de 3% do PIB, e assim deixará de ser uma das locomotivas do crescimento mundial. Além disso, para que os EUA possam reduzir o seu déficit em transações correntes, o resto do mundo, particularmente a China e países exportadores de petróleo, terão que reduzir o superávit em transações correntes. Em outras palavras, estes países terão que reduzir a sua poupança e seus consumidores terão de tomar a posição que os consumidores americanos ocupavam antes.

O consumo caiu não só nos EUA, mas também na Europa e Japão. Agora sustentada por estímulos fiscais, ainda assim a demanda das famílias por exportações de outros países, isto é, importações destes países, caíram, e nem há perspectiva de que comércio mundial volte a crescer como nos anos pré-crise. Isso significa que a demanda de exportações também sofreu choque negativo persistente. Com o consumo e as exportações caindo, a probabilidade de que a retomada do investimento venha alimentar a recuperação é nula.

Países que adotaram política fiscal agressiva terão sua dívida pública crescendo em ritmo acelerado. Esta política não é sustentável por longo prazo e será um forte ônus para o crescimento. Certamente o déficit público em países como os EUA deverá ser elevado ainda no ano que vem, mas em algum momento o ajuste será necessário. Qualquer que seja a forma do ajuste - seja por elevação de impostos, corte nos gastos ou inflação - afetará negativamente o crescimento. Na hipótese pouco provável que o déficit persista por longo período e a dívida continue crescendo, a taxa real de juros deverá elevar-se, ou mesmo que isto não aconteça, o governo disputará recursos com o setor privado, em ambos os casos restringindo o investimento privado.

Mais assustador do que a retomada lenta e prolongada é que as políticas monetárias extremamente agressivas dos bancos centrais, particularmente do Federal Reserve, estão gerando minibolhas que poderão desencadear novas crises financeiras. A rigor, o mundo foi inundado de dólares e outras moedas com o socorro aos bancos e empresas. Nos EUA a base monetária mais do que dobrou e, mesmo que parcela significativa esteja represada sob forma de aumento de reservas bancárias, as instituições financeiras têm acesso a crédito barato, com taxa de juros próxima a zero, sustentada pelo Fed. Como o Fed já demonstrou que não permitirá que grandes instituições entrem em falência, estas voltaram a especular e estão canalizando recursos para bolsa de valores, petróleo e outras commodities. Não faz sentido as bolsas valorizarem no ritmo que está ocorrendo, o preço do petróleo subitamente voltar a mais de US$ 70 o barril e as commodities recuperarem rapidamente os seus preços em plena recessão. Não será surpresa se estas minibolhas estourarem e aí as consequências serão novamente imprevisíveis. Portanto, a forma de recuperação da crise pode ser muito mais de um "W" ou "WW", do que U.

Yoshiaki Nakano, ex-secretário da Fazenda do governo Mário Covas (SP), professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas - FGV/EESP, escreve mensalmente às terças-feiras.

O jeito PT de governar

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Na Casa Civil, assessores faziam dossiês de cunho nitidamente político contra um ex-presidente da República.

No Banco do Brasil, o sindicalismo tomou de assalto a Previ, a Cassi, a Fundação BB e quase todas as diretorias (só escaparam a de agronegócio e a de relações internacionais, por falta de quadros com desenvoltura nessas áreas). Daí a surgirem aloprados comprando dossiês contra adversários em eleições e coisas do gênero foi um pulo.

Na Polícia Federal, por mais méritos que a maioria das operações tenha, virou cada um por si e ninguém por todos. Ao ponto de um delegado grampear os telefonemas do Planalto, rechear relatórios policiais de adjetivos "ideológicos" e no final cada um ter de ser despachado para bem longe.

Não há surpresa quando esse jeito petista de governar chega à Receita Federal. Aliás, já não era sem tempo. E foi assim que mais de dez funcionários colocaram seus cargos à disposição ontem, inclusive o subsecretário de Fiscalização, Henrique Jorge Freitas da Silva. O último apague a luz. Até que o novo grupo, ligado ao PT do B, ou PT do C, venha acender as luzes, reativar a tática de ocupação e fazer tudo o que seu mestre mandar.

A debandada foi resultado direto da exoneração de Alberto Amadei Neto e de Iraneth Maria Dias Weiler, que foram assessor e chefe de gabinete de Lina Vieira, demitida em 9 de julho numa situação que ainda não ficou muito clara.

Por incompetência? Será? Ou pode muito bem ter sido por incompatibilidade de métodos -segundo Lina, a ministra Dilma queria "agilizar" as investigações contra o empresário Fernando Sarney. E "agilizar" combina mais com o vocabulário do PT no poder do que com o da técnica com 30 anos de carreira.

É assim, de órgão em órgão, de instituição em instituição, que vamos aprendendo como é uma "gestão republicana". Sem falar na Petrobras da companheirada.

Governabilidade porca

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Quem inventou, pelo menos na história recente, esse modelo porco de governabilidade que vigora no Brasil foi Fernando Henrique Cardoso, lembra-se?

Foi ele quem buscou um acordo com o então PFL, hoje DEM, apesar de os líderes do PSDB e do pefelê terem estado na calçada oposta desde sempre.

Na campanha de 1994, durante um "Roda Viva", apontei ao então candidato o que me parecia uma contradição grave. FHC respondeu com uma falácia, ao citar como exemplo de aliança entre contrários o fato de que o Partido Socialista e a Democracia Cristã do Chile governavam em coligação (governam até hoje), embora tivessem sido adversários a vida toda.

É verdade, mas é só metade (ou menos) da verdade. PS e DC uniram-se já na ditadura -e contra a ditadura. PSDB e PFL uniram-se pelo poder. Ponto. É da mesma natureza a aliança PT-PMDB.

Eu seria capaz de apostar que, assim como FHC acabou entrando em confronto com Antonio Carlos Magalhães, a mais estridente liderança pefelista, sem que a governabilidade tivesse sido minimamente afetada, Lula também poderia ter se omitido no caso Sarney -e não aconteceria rigorosamente nada com a governabilidade.

Sejamos francos: não há nenhum tipo de lealdade na política brasileira, nem programática, nem partidária, nem mesmo pessoal. A lealdade é com o poder. Ponto.

Basta lembrar que Renan Calheiros (PMDB) foi forçado a renunciar à Presidência do Senado sem que se rompesse a aliança do partido com o poder de turno.

O PMDB só se mexeria de fato se Lula (ou FHC antes dele, seja com o PFL, seja com o próprio PMDB) começasse a tirar as "boquinhas" cedidas ao partido. Aí, sim, haveria uma verdadeira ameaça ao único programa do PMDB, que é o poder, a maior cota possível dele.

Histórias entrelaçadas

Raymundo Costa
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Por mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva diga o contrário, o PT está novamente em crise e deve perder quadros, a exemplo do que sucedeu na aprovação da reforma da Previdência, gênese do PSOL, e o mensalão. O racha era esperado para depois das eleições de 2010, mas alguns petistas podem se antecipar e sair até 3 de outubro, o prazo legal de filiação para quem vai disputar as eleições do próximo ano.

A insatisfação ocorre em todos os níveis. Desde a cúpula, como demonstrou o desligamento da senadora Marina Silva, um ícone do partido, e do senador Flávio Arns, ao devotado militante de uma comunidade eclesial de base, da Igreja Católica, uma das parte do tripé que moldou o caráter do PT, ao lado de sindicalistas e intelectuais de esquerda.

Os sindicalistas foram os que mais rapidamente se amoldaram ao perfil desse novo PT, uma máquina de fazer votos, profissional e pragmática. Intelectuais e artistas retesaram os músculos no mensalão. Na reeleição, em jantar no Rio de Janeiro, reclamaram com Lula que não foram ouvidos sobre a política cultural do primeiro mandato e que o presidente só os procurava em épocas de eleição.

A queixas da Igreja Católica vão além dos desvios éticos, apontados a partir de 2005, e de políticas agrárias assumidas pelo PT. Há também o conflito religioso. Petistas católicos não engolem o apoio que o governo Lula deu aos meios de comunicação da Igreja Universal. Sem esquecer que o vice-presidente da República, José Alencar, é do PRB, partido com vínculos com a igreja do bispo Edir Macedo.

Os tempos de camaradagem e companheirismo passaram, deles falam apenas os mais saudosistas. Prova disso é que Lula nem sequer telefonou para Marina, depois que a senadora saiu do governo. Nada impedia Lula de ter chamado Marina e dizer que, apesar de sua saída do ministério, gostaria que ela elaborasse o programa ambiental de um eventual governo Dilma. Ninguém do PT - nem Lula - falou nada com Marina.

O distanciamento já estava explicitado desde abril quando, em vista ao Acre, Lula fez um comentário que todos entenderam como uma citação indireta e deselegante à ex-ministra, ao se referir a construção de um túnel no Rio Grande do Sul.

"Esse túnel tem mil e poucos metros, e encontraram ao seu lado uma perereca (...).Pois bem, e aí resolveram fazer um estudo para saber se aquela perereca estava em extinção (...).Sabem quantos meses demorou para descobrir que a perereca não estava em extinção? Sete meses, a obra parada".

O fato é que Lula e o PT só se lembraram de Marina quando circulou que ela poderia trocar de partido e ser candidata a presidente, candidatura que só atrapalha os planos de Lula para 2010.

Em maior ou menor grau, todas as facções do PT sentem-se de alguma forma abandonadas por Lula. Exceção são os movimentos sociais mais bem aquinhoados pelo Tesouro. A própria candidatura da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) a presidente foi imposta por Lula ao partido, e o compromisso petista com ela será maior ou menor de acordo com o seu desempenho nas pesquisas - no Planalto afirma-se que, se Dilma chegar a 20% em dezembro, já será um índice muito bom. Pode ser, mas no PT esperava-se que ela já tivesse ultrapassado essa barreira.

Numa época em que Brasília costuma ser castigada por uma seca implacável, choveu neste final de agosto em que a crise do Senado é só a última das más notícias para o PT. Dobrado pelo Palácio do Planalto, o partido ajudou a salvar o mandato do presidente do Senado, José Sarney. Mas o líder Aloizio Mercadante não renunciou ao mandato, como prometera fazer em discurso no Senado.

Não renunciou e ainda exibiu uma carta em que Lula dizia ser imprescindível que ele ficasse. Um trecho da carta chamou a atenção para a autoria: "Mercadante, estamos juntos há 30 anos travando as lutas que interessam ao povo brasileiro e mudando a história do País". Os petistas mais antigos estranharam: trata-se de um bordão que Mercadante costuma repetir em discursos.

De resto, os "saudosistas" do PT não têm reparos à carta. De fato, as histórias de Lula e Mercadante se entrelaçaram nesses 30 anos. Exemplos: Mercadante foi candidato a vice de Lula na eleição de 1998. E na eleição de 2006 seu comitê de campanha e o do presidente compuseram o "bando de aloprados", como Lula definiu os petistas que tentaram comprar um dossiê contra tucanos.

Raymundo Costa é repórter especial de Política, em Brasília. Escreve às terças-feiras