sábado, 19 de setembro de 2009

''Dá para limpar bastante a política'', diz Serra

Tiago Décimo, SALVADOR
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Durante palestra em Salvador, tucano usou sua administração como exemplo a ser replicado no País

Em palestra ontem, na Associação Comercial da Bahia, em Salvador, o governador José Serra - virtual candidato à Presidência da República pelo PSDB - fez duras críticas ao que chamou de "furor fisiológico" do governo federal e, usando como exemplo sua administração em São Paulo, disse que "dá para limpar bastante a política".

"Quando assumi, muita gente dizia: "você não vai conseguir administrar o Estado sem lotear cargos na Assembleia Legislativa", mas nós fizemos", afirmou Serra. E fez uma analogia com o Rio Tietê. "Entrou no Rio Tietê, hoje, você pega doença, mas eu acho que dá para despoluir o rio, entrar na água sem pegar doença. Beber a água já seria um exagero. Mas dá para limpar bastante a política brasileira. Isso ajudaria muito nosso futuro."

Segundo o governador, ninguém na Assembleia Legislativa de São Paulo pode dizer hoje que está sendo tratado desigualmente."Quando todo mundo é tratado igual, é mais fácil fazer política", argumentou.

De acordo com Serra, esse modelo poderia ser replicado no País. "É possível fazer isso no Brasil, frear esse furor fisiológico de loteamento, de uso de máquina e tudo mais", comentou. "Em São Paulo, por exemplo, não existe indicação política para diretorias de empresas, só indicações técnicas."

ECONOMIA

Serra foi convidado, pela Fundação Instituto Miguel Calmon de Estudos Sociais e Econômicos (Imic), para falar sobre perspectivas econômicas para a Bahia e o Nordeste. Aproveitou a situação para comentar a atuação do gerenciamento macroeconômico no País. "A partir da década de 1980, o Brasil entrou numa trajetória de semiestagnação econômica, que continua até hoje", avaliou.

"Estou convencido de que o Brasil não está na trajetória de crescimento por erro e quando a gente identifica que os problemas do Brasil são frutos de equívocos, de incompetência, a gente fica mais otimista", afirmou. Mais uma vez, o governador paulista disse não estar em campanha e, mesmo com perguntas da plateia sobre a hipótese de ser presidente, se limitou a responder evasivamente, falando sobre atuação nas áreas da saúde, educação e segurança pública no governo paulista.

MULHER É MELHOR

Pouco antes da palestra, Serra deu uma entrevista à TV Itapoan, retransmissora da Rede Record em Salvador, na qual afirmou que "as mulheres são melhores" - aparentemente sem lembrar que pelo menos dois de seus possíveis adversários na corrida presidencial são do sexo feminino - a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), e a senadora Marina Silva (PV-AC).

A declaração foi dada quando o governador falava sobre segurança pública. Ele disse, por exemplo, que em formaturas da polícia as mulheres quase sempre pegam os primeiros lugares. "Mulher é durona, quer cumprir a lei e proteger a comunidade", elogiou.
Editoriais dos principais jornais do Brasil
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A garota que o Partido matou

Ana Amélia M. C. Melo
DEU EM GRAMSCI E O BRASIL

Sérgio Rodrigues. Elza, a garota: a história da jovem comunista que o partido matou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

A tentativa revolucionária de 1935 tem merecido a atenção da produção historiográfica brasileira recente, como um dos eventos mais importantes para a compreensão do acerbado anticomunismo do período, seja como política do Estado varguista, seja como uma ideologia conservadora. Em alguns casos esta revisão tem demonstrado tratar-se, o anticomunismo, de uma questão muito mais complexa do que a mera conspiração imperialista ou demonstração de irracionalismo [1]. O conhecido caso da garota Elza surge neste contexto de revisão como algo emblemático.

Arrefecidas as disputas explicitamente ideológicas em torno da história do comunismo no Brasil nos anos 1930 e 1940, é possível observar e analisar criticamente o caso do assassinato de Elvira Cupello, conhecida como Elza Fernandes, em 1936, com a idade de 16 anos. Presa junto com outros companheiros após a “Intentona Comunista”, ela seria logo em seguida solta pela polícia por ser considerada inocente. Após a soltura rápida, Elza seria alvo da desconfiança dos demais companheiros. A desconfiança chega ao ponto de decidirem escondê-la em uma casa distante no subúrbio carioca do que então se chamava Ricardo de Albuquerque. Durante esse período em que se mantém sob estrita vigilância dos companheiros, é interrogada insistentemente. Apenas uma semana após sua libertação, já se falava em “medidas extremas”. Em meados de fevereiro os companheiros começam a ter dúvidas sobre a necessidade da execução. No entanto, as palavras finais de Prestes incitam e definem a sentença. Elvira é executada e enterrada no quintal da casa. O corpo é encontrado em 1940.

O livro do jornalista Sérgio Rodrigues busca retomar esta estarrecedora história. Entremeando o acontecimento com a descrição jornalística e uma história ficcional que conduz o relato, ele logra assombrar os leitores numa narrativa bem elaborada, mantendo o cuidado em distinguir o fato histórico de sua criação como escritor. Se esta penosa história da jovem amante de Miranda, na época secretário-geral do PCB, já era conhecida, o livro de Sérgio Rodrigues nos deixa uma desconfortável sensação diante do que se chamou, equivocadamente, de “erro político”.

Qualificar isto como um ato político significaria, lembrando Hannah Arendt, desprover a política de suas bases.

Na esfera da política, o requisito é, inversamente e sobremaneira, a persuasão discursiva afirmada sobre as bases da pluralidade. É nesse mundo, no qual todos são livres e “iguais”, que se instaura a política, a ação genuinamente humana. Com a ação e com a palavra, o homem torna-se capaz de exprimir essa diferença. Parafraseando Arendt, só com atos e palavras é que podemos nos inserir no mundo, como um segundo nascimento com o qual afirmamos nosso singular aparecimento neste mesmo mundo [2]. Esta qualidade suprema da política deve ser sempre lembrada. O caso Elza contradiz isto que deveria ser nosso horizonte utópico. A lógica da desconfiança, do terror e da violência toma o lugar da palavra, tornando-se parte também da prática daqueles que deveriam representar as tendências mais politicamente progressistas da sociedade.

O livro de Sérgio Rodrigues desvela ainda a necessidade de um estudo historiográfico rigoroso que busque, no esquadrinhamento das fontes, uma aproximação aos fatos reais, compreendendo-os no âmbito dos temores, valores e disputas políticas da época, sem que com isso se justifique o injustificável, que foi este assassinato. Nossa historiografia carece de um estudo deste processo judicial que chocou a sociedade e que foi muito manipulado.

A cuidadosa narrativa de Sérgio Rodrigues é uma ficção bem engendrada a partir deste caso historicamente comprovado; portanto, não tem o propósito nem segue os procedimentos metodológicos necessários da pesquisa histórica, o que, entretanto, não lhe retira valor.

O autor consegue sobrepor história e ficção de maneira inteligente. A história do levante militar liderado por Prestes e a morte de Elza são contadas a um jovem jornalista por um dos personagens do livro, um velho senhor que vivera as fortes experiências dessa geração de comunistas. Sua fórmula literária joga com o leitor ao usar recursos do estilo ficcional, mesclados com o jornalístico, para contar um fato histórico recheado de documentação. O resultado é uma emocionada e impactante história dessa desconhecida jovem, cuja morte “não oferece possibilidade de redenção”.

Ana Amélia M.C. Melo é professora do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará.

Notas

[1] Faço referência aqui ao livro do historiador Rodrigo Patto Sá Motta. Em guarda contra o perigo vermelho. São Paulo: Perspectiva, 2002.

[2] Arendt, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 189.

Demagogia no pré-sal

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


Os conceitos do que sejam medidas "estatizantes" ou "entreguistas" embaralham-se nas decisões do governo Lula, sem que seja possível chegar-se a uma conclusão sobre suas verdadeiras intenções. O próprio presidente, na entrevista de quinta-feira ao jornal "Valor", declarou que "tudo o que não é de interesse estratégico para o país pode ser privatizado. Agora, tudo o que é estratégico, o Estado pode fazer como fez na Petrobras e no Banco do Brasil." Parece tudo perfeitamente lógico, mas o que o governo fez para capitalizar a Petrobras é justamente o contrário do que está fazendo agora no Banco do Brasil.

Enquanto apresenta um projeto de capitalização da Petrobras baseado na compra de ações da empresa que ele já controla, ao mesmo tempo quer capitalizar o Banco do Brasil através da venda de ações na Bolsa de Nova York. E ainda por cima aumenta a participação dos estrangeiros no Banco do Brasil em quase 10%.

Se os dois são estratégicos para o país, a ponto de o governo ter mudado a direção do banco para forçar políticas de redução de juros, porque adota maneira diferente de capitalização da Petrobras?

Nesse caso, o governo vendeu a ideia que é preciso capitalizar a Petrobras para que a empresa tenha capacidade de extrair e produzir o petróleo, cuja renda num segundo momento iria para resgatar as dívidas sociais.

Essa necessidade, porém, só existe de maneira ampla porque o governo decidiu que a Petrobras terá a participação obrigatória mínima de 30% de cada campo do pré-sal, o que exigirá a contrapartida em investimentos que a empresa não é capaz de fazer hoje, e simultaneamente manter a exploração e produção de outros campos fora do pré-sal, que são a nossa realidade no momento.

Além de investimentos altíssimos, essa "reserva de mercado" para a Petrobras exigirá uma gestão altamente qualificada, sob o risco de a empresa enfrentar sérios riscos financeiros.

Ao mesmo tempo, o discurso ideológico do governo vende a ideia de que é preciso aumentar sua participação acionária, admitindo até mesmo voltar a ser majoritário, para que nosso tesouro do pré-sal não seja controlado por investidores privados, especialmente os estrangeiros.

Essa é a única explicação para que tenha escolhido uma maneira tão questionável de capitalizar a Petrobras, em vez de se utilizar do mercado de ações, como fez com o Banco do Brasil.

Segundo a avaliação do consultor Adriano Pires, da Companhia Brasileira de Infraestrutura (CBIE), que foi adotada pelo PSDB nas emendas que apresentou ao projeto do governo, melhor seria usar os mecanismos de crédito existentes para que o público pudesse capitalizar a empresa, abrindo a possibilidade de uso de crédito consignado e caderneta de poupança.

Além do mais, essa transação de capitalizar a empresa com cinco bilhões de barris de petróleo das reservas do pré-sal ainda não licitadas, que lastreariam o lançamento de títulos públicos no mercado, fazendo com que no final das contas o acionista majoritário (a União) receba de volta o que investiu na empresa para a subscrição, é uma manobra que pode ser questionada na Justiça em diversos pontos.

O consultor da CBIE Adriano Pires, que assessorou o PSDB nas suas emendas, afirma que "é inconstitucional repassar, sem licitação, as reservas de cinco bilhões de barris da União para a Petrobras, empresa de capital misto".

Além do mais, os acionistas minoritários no momento da capitalização da Petrobras serão prejudicados, à medida que só podem entrar com dinheiro, e a União entrará com títulos.

Pires afirma também que dar as reservas da União para a Petrobras, sem cobrar o bônus de assinatura e a participação especial, lesa União, estados e municípios.

A maneira como o governo está tratando o assunto do pré-sal, misturando nacionalismo, promessas de políticas assistencialistas com assuntos técnicos, dá margem a que muita demagogia seja feita, e não apenas por parte do governo.

No Congresso, há emendas de todos os tipos, e o PSDB, o principal partido de oposição, afirmando que, capitalizando a Petrobras, o governo, no curto prazo, só beneficiará seus acionistas, e não a camada mais pobre da população, apresentou uma proposta absolutamente populista, que mistura o Bolsa Família com a distribuição da riqueza futura do pré-sal.

A proposta dos tucanos cria a Petro-Social, cujas ações preferenciais seriam distribuídas entre os beneficiados pelo programa Bolsa Família. "Por que privilegiar a Petrobras e seus acionistas se, com vultosos recursos que lhe seriam destinados, é possível melhorar sensivelmente a qualidade de vida dos mais necessitados?", questiona o deputado federal Vellozo Lucas, um político sério que, assim como seu partido, sucumbiu à armadilha do governo e entrou numa disputa de quem é mais nacionalista, menos "entreguista" e mais a favor dos pobres.

A Petro-Social seria uma empresa 100% estatal, proprietária das reservas dos tais cinco bilhões de barris, administrada pelo BNDESPAR, que teria uma golden share. As ações preferenciais seriam distribuídas para as 11 milhões de famílias do programa Bolsa Família, criando uma espécie de FGTS, que só poderiam ser vendidas depois de quatro anos do primeiro aporte de resultados, "e apenas para adquirir moradia, dar início a um negócio ou pagar educação dos filhos".

Só perde em populismo para a proposta da deputada do PCdoB Manuela D"Ávila, que quer que a riqueza do pré-sal seja distribuída a todos os brasileiros anualmente, uma espécie pós-moderna do programa de "renda mínima" do senador Eduardo Suplicy

Rápida e rasteira

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Retirado da sala o "bode" da censura na internet, nada mais se salva nos remendos feitos pelo Congresso na Lei Eleitoral chamada de "minirreforma" política pelos otimistas.

Onde poderia ter havido avanços, houve a opção preferencial pelo atraso: legalização de doações anônimas, uso liberado da máquina pública e nenhuma exigência sobre comprovação de boa conduta para o registro de candidaturas.

Um verdadeiro comprovante da má-fé dos eleitos com o eleitorado, que, além de tudo, continua subtraído em seu sagrado direito de escolher entre comparecer ou não às urnas. É obrigado a votar, enquanto a outra parte não se sente minimamente obrigada a tornar o processo mais correto e transparente.

Seria o conteúdo o aspecto mais grave da questão não fosse a forma atabalhoada pela qual foram feitos os "ajustes".

A pressa, o desentendimento, a falta de discussão, a total ausência de preocupação com a legalidade do texto, as mudanças de última hora, tudo evidencia o descompromisso do Poder Legislativo com a reforma política que ele mesmo apregoa como necessária.

Faz isso geralmente quando se vê em dificuldades de natureza ética e procura, então, jogar a responsabilidade para uma reforma a ser feita em futuro cada vez mais longínquo.

Há mais ou menos 15 anos as propostas de reforma política tramitam no Congresso. De lá para cá já se teve numerosas provas de que aos deputados, senadores e partidos não interessa mudança alguma. Tanto é que quando existe interesse em alterar algum aspecto da lei isso é providenciado num átimo.

Como agora. Câmara e Senado debateram o tema em algumas poucas reuniões e votaram as alterações em sessões tão rápidas quanto tumultuadas. Uma Casa pôs, outra apôs e depois a primeira dispôs sem que houvesse um mínimo de comunicação racional entre as duas.

Os senadores reclamaram que os deputados derrubaram 67 emendas feitas no Senado à primeira versão aprovada pela Câmara, sem nem examinar direito o conteúdo das propostas.

De fato. No prazo recorde de 24 horas os deputados tiraram aquilo que não os interessava, deixaram o que lhes causaria desgaste tirar e ainda poria em risco a aprovação da lei a tempo de valer para a próxima eleição e deu-se o assunto por encerrado.

O Senado teria até razão de se queixar não tivesse ele mesmo patrocinado uma barafunda tão grande a ponto de se aprovar um dispositivo - a eleição direta a qualquer tempo para o caso de interrupção de mandatos de prefeitos e governadores -, depois derrubado pela Câmara, reconhecido como inconstitucional durante a votação.

Um assunto, aliás, só posto em pauta em função das recentes decisões da Justiça Eleitoral de cassação do mandato de três governadores por abusos cometidos na campanha de 2006.

O Congresso não pode alegar falta de tempo porque teve todo do mundo para discutir no detalhe, com precisão e ponderação as modificações no sistema político-eleitoral e não o fez. Só se mexeu por receio de que a Justiça, bem mais rigorosa nos últimos tempos, viesse a limitar os movimentos dos candidatos em 2010.

Assim, fica de uma vez por todas constatado que quando um político falar em reforma política não deve restar a menor dúvida: é mentira.

Quem pode

Se o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, pudesse, ele seria mesmo candidato a governador de São Paulo. Mas, como uma coisa é querer e outra é poder, já está devidamente informado de que o Palácio dos Bandeirantes não quer.

Por dois motivos: por impossibilidade de deixar a prefeitura nas mãos da vice Alda Marco Antônio e porque, hoje, o candidato do PSDB é Geraldo Alckmin, o primeiro nas pesquisas.

Além desse fator, pesa uma questão tática: o predileto do governador José Serra, Aloysio Nunes Ferreira, é um aliado fiel. Já a Alckmin não conviria desagradar.

Revanche

Face à tolerância com ilicitudes de um modo geral, soa um tanto desproporcional o rigor com que a estrutura administrativa do Senado - no caso, a Mesa diretora - trata o senador Eduardo Suplicy, por ter aberto seu gabinete fora do horário do expediente a manifestantes pró-Cesare Battisti, no dia do julgamento do pedido de extradição do italiano no Supremo Tribunal Federal.

Parece vingança pela contraposição de Suplicy ao presidente da Casa, José Sarney, e, muito provavelmente, é mesmo.

Fora todos os conhecidos episódios de arquivamentos combinados de denúncias as mais escabrosas, tirando a indiferença em relação a evidências de prevaricação, registre-se que o ambiente do Congresso já foi barbarizado por uma facção do MST comandada pelo velho ativista Bruno Maranhão e até hoje ninguém foi importunado por ter autorizado a entrada da turba.

Isso para não falarmos no espantoso caso do servidor preso que recebia salário na cadeia.

A web ainda restrita

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


Para dirimir dúvidas e mal-entendidos, é importante registrar que não foi aprovada pelo Congresso a liberdade absoluta para a internet na eleição de 2010.

Dois pontos chamam a atenção. O primeiro está no artigo no qual supostamente tudo fica liberado: "É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores -internet-, assegurado o direito de resposta". O problema é o aposto.

Vedar o anonimato é bonito. Todos querem conhecer os covardes responsáveis pelos comentários vitriólicos nos sites e blogs. Só há um obstáculo: ninguém na galáxia descobriu como viabilizar tal exigência. É impossível checar se quem deixa um comentário usa identidade verdadeira.

O anarquista com seu laptop numa rede wifi gratuita nunca será apanhado. Outra inutilidade seria os próprios sites e blogs exigirem cadastramento prévio de quem pretender deixar comentários. O vândalo fraudará o cadastro usando um e-mail falso.

A única solução viável para vedar o anonimato será portais, sites e blogs políticos bloquearem espontaneamente todos os comentários.

Será o fim da interação, algo incompatível com internet livre.

Outro aspecto macabro da lei eleitoral é obrigar a web a seguir as regras do rádio e da TV para debates. Os encontros aí se transformam num trem fantasma de candidatos inexpressivos e sem voto. Há algo pior. Como a lei é omissa sobre entrevistas em áudio e vídeo na web, a regra dos debates poderá ser invocada por analogia. Quando um político assistir a seu adversário falando na internet, entrará na Justiça requerendo o mesmo direito.

De novo, uma exigência legal sem conexão com liberdade de escolha na internet. Lula tem até o dia 2 de outubro para sancionar a lei. É uma chance de ouro para vetar essas anomalias e colocar o Brasil no século 21.

Serra veta cobrança em hospital público

Ricardo Westin
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Governador sancionou projeto de lei que permite que todos os hospitais estaduais sejam dirigidos por organizações sociais (OSs)

Para justificar veto à reserva de 25% dos atendimentos a particulares e planos de saúde, Serra cita uma lei federal e outra estadual

O governador José Serra (PSDB) sancionou o projeto de lei que permite que todos os hospitais públicos da rede estadual sejam dirigidos por OSs (organizações sociais), mas vetou o artigo que possibilitaria que eles atendessem, mediante cobrança, pacientes particulares e com plano de saúde. A decisão está na edição de hoje do "Diário Oficial" do Estado.

O projeto de lei original, de autoria do governador, só previa a permissão para a terceirização. A reserva de até 25% dos atendimentos a pacientes particulares e com plano de saúde foi acrescentada durante a tramitação na Assembleia, por uma emenda da deputada Maria Lúcia Amary (PSDB).

Entidades de defesa do SUS (Sistema Único de Saúde), contrárias aos termos do projeto de lei, apostavam que no final a cobrança nos hospitais públicos seria vetada. Segundo elas, o governo apoiou essa emenda com o objetivo de provocar uma grande polêmica em torno da cobrança e, assim, aprovar sem questionamentos a terceirização da gestão dos hospitais.

De acordo com o governador, a emenda da deputada tucana foi vetada porque uma lei federal e outra estadual obrigam a operadora de plano de saúde, quando seu cliente é atendido num hospital público, a fazer o pagamento ao SUS. As leis não falam em paciente particular.

A Folha procurou a deputada Maria Lúcia Amary ontem, mas não conseguiu contato. Questionada antes do veto sobre não ser especialista em saúde -uma das críticas de entidades de saúde-, ela respondeu: "Eu não conheço todos os assuntos, mas procurei me inteirar. [Se fossem necessários conhecimentos específicos,] Lula não seria presidente. Ele não tem nem curso superior e discute qualquer assunto, inclusive os que ele não conhece".

Terceirização

OSs são entidades privadas sem fins lucrativos habilitadas para gerir hospitais, laboratórios e postos de saúde públicos. Recebem dinheiro dos cofres públicos. O governo continua sendo o dono dos hospitais e exige que elas cumpram metas.

Esse modelo começou a ser utilizado em São Paulo em 1998. Hoje o Estado conta com 25 hospitais geridos por organizações sociais.

Até agora, a lei permitia que apenas os novos hospitais funcionassem sob esse modelo. Com o projeto de lei sancionado por Serra, os antigos também podem ser transferidos para a gestão das OSs.

O governo, porém, afirmou que pretende terceirizar apenas a direção do hospital Brigadeiro, na capital paulista, para que ele, no curto prazo, se transforme num centro de transplantes.

O Estado adota o sistema de OSs porque essas entidades privadas não têm as amarras do poder público. Podem comprar sem licitação, contratar sem concurso público e demitir sem processo administrativo. Segundo o governo, custam menos e produzem mais.Relatórios do Banco Mundial e da Fundação Getúlio Vargas apontam as vantagens das OSs.

O hospital Albert Einstein também defende o modelo -em parceria com uma OS, o Einstein administra um hospital municipal da capital.

"A lei aperfeiçoa um modelo que já se mostrou eficiente em São Paulo. Tanto que tem sido utilizado até mesmo por prefeituras do PT, partido contrário à lei", diz Luiz Roberto Barradas, secretário estadual de Saúde.

O modelo é questionado. Há duas ações diretas de inconstitucionalidade contra o sistema de OSs esperando uma decisão do Supremo Tribunal Federal.

Panorama Político :: Ilimar Franco

DEU EM O GLOBO

Gabeira irado

O clima na oposição ao governo Sérgio Cabral não podia ser pior. Ontem, o deputado Fernando Gabeira (PV) reclamou duramente do prefeito de Duque de Caxias, José Zito (PSDB):
"O Zito disse que eu não tenho cheiro de povo. Como é que um aliado faz isso?".
A reunião seguiu, e Gabeira disse que pode desistir: "Quero rodar o país com a Marina. Não vai dar se eu for candidato ao governo. E eu não tenho dinheiro para a campanha".

Os dois PSDBs do Rio

Um PSDB, o do presidente regional, Luiz Paulo Corrêa da Rocha, quer candidato próprio ao governo e disse que não dá para apoiar Gabeira se ele estiver alinhado com a candidatura de Marina Silva (PV) para presidente. O ex-deputado Márcio Fortes, serrista, afirmou que o governador José Serra precisa do apoio de Gabeira no segundo turno e que, no primeiro, ele pode ficar com Marina.
Então o presidente do DEM, Rogério Lisboa, perguntou: "O PSDB financia o Gabeira com a Marina?". Márcio Fortes respondeu: "É lógico que sim".
O PPS vetou o nome de José Zito, e o ex-prefeito Cesar Maia disse que não sai para o governo.

Na Bahia, Serra diz que "mulheres são melhores"

Matheus Magenta
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra, um dos pré-candidatos à Presidência pelo PSDB e possível adversário de ao menos duas candidatas nas eleições do ano que vem, afirmou, em Salvador, que "as mulheres são melhores" porque "mulher é durona, quer cumprir a lei e proteger a comunidade".

"Quando eu vou a formaturas da Polícia Militar, as mulheres quase sempre pegam os primeiros lugares. Mulher polícia, mulher juíza, mulher promotora, mulher delegada são fogo", disse em entrevista à TV Itapoan, afiliada da Rede Record.

Nas eleições de 2010, Serra pode ter como principal adversária a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a quem o presidente Lula aponta como sua candidata pelo PT. Os elogios à "força das mulheres" são constantes em discursos da ministra em visitas ao Nordeste.

Além de Dilma, o governador pode enfrentar também a senadora Marina Silva (PV-AC). "Não fizemos nenhuma pesquisa específica [sobre ela]. Ela tem o pleno direito de ser candidata, de mudar de partido. Não seria de bom-tom da minha parte opinar sobre isso."

Apesar de ser a segunda visita de Serra à Bahia em menos de dois meses, o tucano negou que sua visita tivesse caráter eleitoral. "Pode ser que eu seja candidato no ano que vem, mas não vim aqui fazer campanha."

Nota zero

Segundo ele, o partido ainda não definiu o candidato à Presidência e "não há problema fazer prévia ou não". Ele aproveitou para elogiar o governador de Minas, Aécio Neves, um "excelente presidenciável", mas criticou a política de marketing do PSDB. "Os tucanos sempre mereceram nota zero nisso."

Serra chegou à Bahia ontem pela manhã e partiu à noite. Almoçou com o presidente do PSDB baiano, Antonio Imbassahy e deu palestra na Associação Comercial da Bahia, para cerca de 50 empresários e mais lideranças políticas locais.

Na palestra de cerca de uma hora e meia, Serra criticou as políticas monetárias adotadas desde a redemocratização, em 1985. Para ele, "o Plano Real deu certo, mas trouxe sequelas". "A questão do desenvolvimento ficou para trás."

Ele ainda comparou os sucessivos planos econômicos, anteriores ao Real, aos inúmeros casamentos da atriz inglesa Elizabeth Taylor. "Toda vez que o novo [casamento] era anunciado, todo mundo torcia para dar certo, mas todos sabiam que ia acabar."

Serra reafirmou que a reforma eleitoral em tramitação no Congresso está "razoável", mas defendeu mais restrições a "partidos de aluguel".

FHC: juntar leis sociais é inócuo

Clarissa Oliveira
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Projeto de Lula "não muda nada" e só serve para chamar atenção, diz

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso minimizou ontem a notícia de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva planeja enviar ao Congresso um projeto para consolidar as leis sociais criadas em seu governo. "É uma medida, simplesmente, de colocar um quadro de referência no que já está lá. Uma medida de chamar a atenção. Não muda nada. Essas leis já estão aí", disse o tucano, ao participar da inauguração do Centro Ruth Cardoso, criado pela ONG Alfabetização Solidária para reunir o acervo sobre a trajetória da ex-primeira-dama, que morreu no ano passado.

Em entrevista após o evento, FHC disse não ter nada contra essa consolidação. Afirmou que entende a iniciativa do presidente como uma forma de mandar um recado para "ninguém mexer" nesses projetos. "Ninguém quer mexer. O que todo mundo vai querer é melhorar. Como ele melhorou o que nós começamos."

TRABALHO SOCIAL

O Centro Ruth Cardoso foi instalado no mesmo prédio onde funciona a Alfabetização Solidária, na capital paulista. O objetivo é promover ações de promoção de políticas sociais, encontros acadêmicos, entre outras atividades. Em seu discurso, FHC brincou com o fato de Ruth ser descrita por seus antigos colegas como "brava". Disse que era cobrado pela esposa até na hora de manter a casa em ordem. "Pelo menos a mesa eu tinha de tirar."

Ele disse, entretanto, que o trabalho social comandado por Ruth nunca foi "objeto de nenhuma propaganda de governo". "Acho indigno usar ação generosa e social para fins promocionais." Em entrevista, ele negou que tenha pretendido mandar um recado ao governo Lula pela promoção de projetos sociais.

Pesquisa mostra limites do projeto do Bolsa Família

João Sabóia
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Os desníveis regionais continuam enormes no país. Os efeitos da ampliação do Bolsa Família para incluir mais famílias pobres estão se encerrando.

Desníveis regionais marcam pesquisa

Os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2008 confirmaram a tendência de aumento do nível de rendimento e de melhoria da distribuição de renda que vem ocorrendo no país há alguns anos.

O significado de tais resultados, entretanto, necessita de uma qualificação inicial. Embora a Pnad seja uma pesquisa que fornece a cada ano um quadro abrangente da sociedade brasileira, sua capacidade para captar dados de rendimento é bastante limitada, cobrindo basicamente os rendimentos do trabalho e das transferências (aposentadorias, pensões e assistência social).

Tanto o rendimento do trabalho quanto o de todas as fontes levantadas apresentaram aumento entre 2007 e 2008, resultando em crescimento do rendimento dos domicílios. Em termos distributivos, houve melhora generalizada nos três casos -rendimentos do trabalho; de todas as fontes; e domiciliares. É verdade que em alguns casos o aumento no nível de rendimento e a queda na desigualdade foram menos intensos que no passado recente. De qualquer forma, não deixa de ser positiva a informação de continuidade do movimento anterior de melhoria.

Um dos aspectos negativos que devem ser destacados é a permanência dos enormes desníveis regionais em termos de rendimento. De um lado, há a região Nordeste, com os menores rendimentos e alta desigualdade. De outro, a região Centro-Oeste, com os maiores níveis de rendimento e de desigualdade, certamente por conta dos elevados rendimentos concentrados na capital federal. A situação mais favorável parece ser encontrada na região Sul, em que os níveis de rendimento são relativamente altos e a desigualdade está entre as menores do país.

Dois fatores devem ser mencionados por sua contribuição para o aumento da renda e a melhoria de sua distribuição nos últimos anos. O primeiro é a ampliação do programa Bolsa Família, que, ao incorporar mais de 11 milhões de famílias nos últimos anos, transferiu renda diretamente nas mãos dos mais pobres, com resultados significativos sobre a redução da pobreza e a melhoria da distribuição de renda. Ocorre que sua ampliação em termos de inclusão de novas famílias pobres está se encerrando. Portanto, no futuro, seus efeitos sobre a redução da pobreza e da desigualdade vão depender de um aumento do valor dos benefícios, à medida em que não há muito mais famílias pobres a serem absorvidas no programa.

Salário mínimo

O segundo elemento é o salário mínimo, que atua tanto na base da pirâmide de rendimento do mercado de trabalho, quanto no piso da Previdência Social e no benefício de prestação continuada (no valor de um salário mensal transferido a cerca de 3 milhões de idosos e deficientes pobres).

Nos últimos anos, o salário mínimo vem passando por um intenso processo de recuperação, beneficiando milhões de pessoas no país. Tendo em vista a regra atual de reajuste do mínimo, seu potencial para redução da pobreza e melhoria da distribuição de renda permanece em vigor.

Os dados agora divulgados da Pnad são de setembro de 2008, quando a crise internacional chegava ao país. Estamos em setembro de 2009, quando o IBGE realiza nova Pnad. Fica aqui a curiosidade para ver, daqui a um ano, por ocasião da divulgação da nova Pnad, como o país enfrentou os 12 meses iniciais da crise que assombrou o mundo.

João Saboia é diretor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

FH sobre Banco do Brasil: 'Foi o que fiz com a Petrobras'

Adauri Antunes Barbosa
DEU EM O GLOBO


Ex-presidente elogia medidas de Lula

SÃO PAULO. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso elogiou ontem a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de aumentar de 12,5% para 20% o limite de participação de investidores estrangeiros no capital do Banco do Brasil (BB). O presidente Lula também autorizou a instituição a lançar, em até 45 dias, papéis na Bolsa de Nova York. FH comparou a medida ao que ele fez em seu governo com a Petrobras.

- Acho que está bem. Aliás, foi ele que aumentou (o limite para) vender lá fora, então por que está reclamando da Petrobras? Na Petrobras o que nós fizemos foi o que ele está fazendo no Banco do Brasil agora, dar maior dinamismo, transformar em uma grande empresa. Foi o que eu fiz com a Petrobras - disse, após participar em São Paulo do lançamento do Centro Ruth Cardoso, edifício que reunirá entidades ligadas ao antigo Comunidade Solidária.

Fernando Henrique acrescentou ainda que foi no seu governo que foram tiradas as "amarras" que impediam o crescimento da Petrobras.

- Transformamos a Petrobras em uma grande empresa. Se ela é hoje o que é, é porque nós tiramos as amarras que seguravam a Petrobras, transformando a de quase em uma repartição pública em uma empresa. No Banco do Brasil o Lula está fazendo isso, parabéns.

O ex-presidente disse ainda considerar normal o fato de Lula criticar seu governo e, ao mesmo tempo, comandar ação semelhante para o BB.

- Isso é do mundo contemporâneo, o que não quer dizer que não tenha que haver ação de governo, que não tenha que haver empresa estatal. Mas está fazendo com o Banco do Brasil, dando um passo como eu dei com a Petrobras - afirmou.

O objetivo das medidas de Lula é aumentar a liquidez das ações. O BB precisa se adequar ao Novo Mercado, segmento da Bolsa de São Paulo em que há exigências de práticas de gestão transparente e proteção ao acionista minoritário. Uma delas é que 25% do capital do banco sejam negociados no mercado. Para atingir o limite, o BB planeja nova oferta pública de ações, ainda sem data definida.

Comparado por grevistas com Sarney, Lula se irrita

DEU EM O GLOBO
Durante a inauguração de uma obra na rodovia BR-448, no Rio Grande do Sul, o presidente Lula enfrentou o protesto de grevistas dos Correios que carregavam faixas associando-o ao presidente do Senado, José Sarney. “Lula e Sarney é tudo igual, roubalheira e arrocho salarial”, gritavam. Irritado, Lula reagiu: “É importante que a vanguarda do movimento, por questões políticas, não leve a prejuízo o trabalhador, que pode ter seus dias descontados”.
Greve acaba no Rio, mas Correios vão ao TST contra paralisação em 20 estados

Metalúrgicos do ABC e empregados da GM em São Paulo cruzam os braços

FUNCIONÁRIOS DOS Correios em assembleia no Centro do Rio

RIO, SÃO PAULO e PORTO ALEGRE. A greve dos funcionários dos Correios do Rio, que começou na quarta-feira, chegou ao fim. Ontem, em assembleia, os trabalhadores aprovaram a proposta da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), de reajuste de 9% (válido por dois anos) e aumento de cem reais a partir de janeiro. Em outros 20 estados, a greve continua. A ECT entrou com processo de dissídio coletivo no Tribunal Superior do Trabalho (TST), pedindo concessão de liminar para que a categoria suspenda a paralisação.

No Rio, segundo Ana Zélia dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos (Fentect-RJ), quem trabalha aos sábados já volta ao batente hoje. O site G1 informou que o serviço deve estar normalizado na terça-feira.

Em Porto Alegre, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve de enfrentar o protesto de um grupo de grevistas. A paralisação dos Correios lá já dura três dias. Carregando faixas, eles associavam Lula ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP):

- Lula e Sarney é tudo igual, é roubalheira e arrocho salarial - gritavam os manifestantes na inauguração do trecho duplicado da BR 448.

Irritado, Lula rebateu:

- É importante que a vanguarda do movimento, por questões políticas, não leve a prejuízo o trabalhador, que pode ter seus dias descontados. A vanguarda deveria se curvar diante da vontade da maioria. Eu conheço líderes (sindicais) covardes que gritam para começar a greve e não têm coragem de dizer que chegou a hora de acabar.

Já no ABC paulista, berço da carreira política de Lula, os metalúrgicos das fábricas de autopeças e máquinas do ABC paulista rejeitaram as propostas patronais de reajuste salarial e deflagraram uma greve na noite de quinta-feira. Ontem foi a vez de os empregados da General Motors (GM) cruzarem os braços nas duas fábricas da montadora em São Paulo, em São Caetano do Sul, também no ABC, e São José dos Campos.

Fábrica da Volks do Paraná está parada há 13 dias

Em audiência de conciliação do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Campinas ontem, o desembargador Luiz Antonio Lazarim propôs reajuste de 8,3%, mais abono de R$1.950. É superior à proposta da empresa (6,53% e abono de R$1.750) e inferior à do sindicato (14,65%). A GM tem até amanhã para dizer se concorda. Se aceitar, os metalúrgicos farão assembleia na segunda-feira.

No ABC, 30 empresas concordaram ontem com a reivindicação do Sindicato dos Metalúrgicos, filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), de reajuste de 6,53% e abono equivalente a um terço do salário médio. Na média, as empresas vinham oferecendo reajuste de 5,2%, sem ganho real.

Na fábrica da Volkswagen-Audi em São José dos Pinhais, na Grande Curitiba, onde a greve já dura 13 dias, não houve acordo em audiência no TRT. A Volks propôs reajuste de 7,57% e abono de R$2 mil, mas os trabalhadores exigem adicional noturno e equiparação aos colegas do ABC. O TRT deu dez dias para que as partes reapresentem as propostas para julgar o caso.

E a Força Sindical anunciou ontem que prepara um "festival de greves" nas suas bases em São Paulo, onde 700 mil metalúrgicos estão em negociação. Jackson Schneider, presidente da Anfavea, admitiu que os reajustes poderão elevar os preços dos carros no fim do ano.

Segue o teu destino - Fernando Pessoa/ Sueli Costa

Maria Bethânia/ Antonio Alçada Batista
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sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Lula comanda

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O presidente Lula está preparando uma armadilha para a oposição, que tem tudo para dar certo, ao anunciar que enviará ao Congresso ainda este ano uma espécie de "consolidação das leis sociais", para institucionalizar os avanços alcançados nos programas como o Bolsa Família e a política de aumentos reais para o salário mínimo. Na entrevista que deu ao jornal "Valor", o presidente ainda se deu ao direito de deixar no ar uma ironia ameaçadora: disse que não pedirá urgência na discussão dessa legislação pois "é ótimo que dê debate no ano eleitoral".

A oposição pode ficar na difícil situação de tornar permanente a decisão de dar aumentos reais ao salário mínimo sem que sua relação com o déficit da Previdência seja alterada. Ou de transformar o Bolsa Família num programa eterno, sem que as condicionalidades sejam observadas com o devido rigor.

Quem quiser colocar limites a esses gastos, ou promover programas de inclusão social para reduzir os beneficiados pelos programas assistencialistas, será tachado de antipovo, com as consequências eleitorais previsíveis.

Ao responder a uma pergunta sobre a sustentabilidade dos gastos do governo, que vêm aumentando mais do que o crescimento do PIB, o presidente Lula faz uma pergunta cuja resposta todo mundo sabe: "Você acha que o Estado brasileiro paga bem?" (aos funcionários públicos).

Ou então faz um raciocínio que é correto no conceito, mas fora da realidade: "A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas obrigações de bem tratar a população".

São respostas que têm um claro apelo eleitoral, mas que estão longe de corresponder à preocupação com o equilíbrio das contas públicas e o controle da inflação, que o presidente Lula também defende como conquistas da sociedade brasileira nos últimos anos que não podem ser revogadas.

O fato é que até o momento o presidente tem razão em sentir-se imune às críticas que apontam uma verdadeira bomba-relógio de longo prazo nos gastos do governo, pois a inflação está sob controle e a economia dá sinais de que está retomando o crescimento, depois de um semestre de recessão.

Os governistas comemoram os números, que indicam que o país será menos afetado do que a maioria dos demais, inclusive Europa e Estados Unidos, pela crise econômica internacional.

Numa mudança de posição muito própria de quem está permanentemente fazendo política, alegam que a comparação com o mundo nos mostra em vantagem, pois se podemos ter um PIB apenas levemente negativo, ou até mesmo um pequeno crescimento da economia ainda este ano, a maioria dos países do chamado Primeiro Mundo terá um crescimento econômico fortemente negativo.

Anteriormente, quando o Brasil crescia abaixo da média mundial, o governo alegava que não se devia comparar o país com outros, mas com sua própria performance em anos anteriores.

A possibilidade de que a crise brasileira não seja tão forte está sendo reconhecida internacionalmente, e uma recente reportagem do jornal "Le Monde", por exemplo, diz que "ao prever com ironia um ano atrás que "o tsunami" da crise provocaria em seu país uma simples "marola", o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, acertou: a recessão só duraria um semestre".

Esse reconhecimento está sendo comemorado como se os críticos do governo devessem pedir desculpas pelo que teria sido um erro de avaliação, quando na verdade a performance da economia brasileira será, sob qualquer ângulo, muito ruim.

E, se comparada com a performance dos BRICs ( Brasil, Russia, Índia e China), continuaremos na rabeira, talvez superando apenas a Rússia, e sendo superados largamente por China e Índia.

O jornal francês dá crédito ao comentário do presidente Lula de que a crise foi superada "graças aos mais pobres". Na entrevista ao "Valor", Lula foi mais longe, ao acrescentar o papel do governo como fundamental na superação da crise, no que está absolutamente correto.

O que está errado é o papel permanente do Estado forte que o presidente Lula vê como imprescindível para o crescimento do país.

Na entrevista, ele dá diversos exemplos de como vê o papel do Estado: diz textualmente que, se dependesse da Petrobras, não haveria uma refinaria em Pernambuco porque a demanda já está atendida.

Mas houve uma decisão política, para provocar o desenvolvimento do Estado, mesmo sem justificativa econômica, e cumprir um acordo com a PDVSA de Chávez, e Lula diz que esse é o papel do governante.

Mas não é apenas em uma empresa como a Petrobras, em que o governo tem o controle, que Lula vê necessidade de intervir. Ele dá o exemplo da Vale, uma empresa privada, que ele vem pressionando publicamente, criticando a decisão de reduzir os investimentos devido à crise internacional, e também para que compre navios feitos no Brasil, em vez da China.

Esse papel ativista do governo será um dos temas mais importantes da futura campanha eleitoral, e a oposição já está tendo dificuldades de lidar com o tema. Recentemente Lula disse que prefere ser chamado de "estatizante" do que de "entreguista" no debate sobre o petróleo do pré-sal.

E a oposição ficou paralisada, aceitando a mudança do sistema de concessão para o de partilha na exploração das jazidas do pré-sal ainda não licitadas.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, anunciou que era "estatizante". O provável candidato tucano à sucessão de Lula, o governador José Serra, acatou o novo modelo apresentado pelo governo e somente ontem o PSDB apresentou uma proposta no Congresso em que mistura os dois sistemas.

Lula está no comando das ações até o momento.

Honra ao mérito

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Confirmada a indicação do advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, para o Supremo Tribunal Federal, o pior que a oposição pode fazer é transformar a decisão do presidente Luiz Inácio da Silva em objeto de disputa político-eleitoral.

Bem como o pior que os aliados de Lula podem fazer é torná-lo uma vítima do "preconceito" partidário dos políticos adversários.

A escolha é prerrogativa do presidente da República, que pode fazê-la mediante os critérios que lhe parecerem mais corretos. Mas é função do Senado aprovar a indicação mediante sabatina na qual se busca cotejar a capacidade do escolhido com o posto pretendido.

Em tese, há um teste. Na prática, porém, o que quase sempre há é um ato meramente formal em que os parlamentares aproveitam para manifestar sua reverência ao indicado. Cobrindo-o de elogios. Nem sempre adequados, é verdade.

Algumas vezes o espetáculo é patético. Como quando da indicação da primeira mulher a ocupar uma vaga no Supremo: no lugar de questionar-lhe os conhecimentos, os senadores em sua maioria preferiram elogiar-lhe a beleza, numa (até involuntária, mas machista) celebração da forma em detrimento do conteúdo. Consistente, comprovou-se depois.

O hoje presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, a despeito do reconhecido preparo, sofreu uma pesada campanha contrária por parte do PT, então na oposição, baseada num único argumento: o fato de Fernando Henrique Cardoso ter indicado o advogado-geral da União de seu governo.

A escolha de José Antônio Toffoli enfrenta essa e outras contestações: é garoto para o posto (41 anos), não dispõe de currículo à altura - foi reprovado duas vezes para concursos de juiz estadual, não fez mestrado nem doutorado -, tem ligações mais que estreitas com o PT, para o qual funcionou como advogado em três eleições presidenciais.

Muito bem. Mas, confirmada a indicação, não é de nada disso, e sim do mérito e da consciência profissional do indicado que o Senado terá de tratar. Com rigor, mas com imparcial honestidade.

Condenar Toffoli a um mau juízo por sua proximidade com o PT é tão equivocado quanto aprová-lo pelo mesmo motivo e ainda com a justificativa de que se Fernando Henrique indicou o advogado-geral da União à sua época, Lula também pode indicar.

Lamentavelmente, os primeiros acordes dessa sinfonia indicam que a discussão caminha exatamente para esse campo em que se travam outras disputas, subtraindo-se sempre a importância do mérito da questão.

Se há uma acusação, procura-se outra equivalente para neutralizar a ação do adversário. Se há uma atitude nesse ou naquele sentido, a comparação entre os dois governos é inevitável.

Um ministro do Supremo, francamente, não poderia ser analisado sob essa ótica. Ou melhor, não deveria. Na atual conjuntura, não só pode como provavelmente acontecerá assim.

Uns armados para defendê-lo dos "ataques" da oposição - prejudicando as tentativas de questionamento rigoroso como conviria à ocasião - e outros preparados para a desqualificação baseada em razões que poderão se revelar menores se o Senado criar a oportunidade e o sabatinado se mostrar, ou não, à altura de integrar o Supremo Tribunal Federal.

Ou ainda pior: todos apenas reverentes. Parte por submissão, parte por falsa isenção.

Abstenção

Três dias antes de confirmada a indicação de José Antônio Toffoli, a aposta no STF em relação ao julgamento do italiano Cesare Battisti era a de que o novo ministro, mesmo se assumir a tempo, tomaria a iniciativa de não votar.

Para evitar constrangimento na estreia.

Ingratidão

Ao contrário do que imagina o presidente Luiz Inácio da Silva, a ausência de candidaturas "de direita" na eleição presidencial de 2010 não encerra em si uma qualidade democrática.

Apenas quer dizer que uma parcela da população não terá seu pensamento representado na disputa de poder, o que seria perfeitamente normal em qualquer parte e mais ainda em país do tamanho e com a diversidade do Brasil.

É verdade que o presidente não explica o que entende por "trogloditas de direita" que, segundo ele, baixavam o nível de outras campanhas.

Por partes, começando pela última eleição, a municipal. O episódio de nível mais baixo foi patrocinado pelo PT na campanha de Marta Suplicy em São Paulo, na forma de provocações de caráter homofóbico ao adversário, Gilberto Kassab.

Atitude não necessariamente de "direita", mas típica de "trogloditas".

Quanto aos candidatos em eleições anteriores que poderiam ser enquadrados no grupo de, pelo critério de Lula, párias políticos, todos são - ou foram em algum momento - seus aliados nesses anos de governo.

Fato natural que só envereda pelo terreno da incongruência pela vocação do presidente à vanglória à deriva.

Fichas na mesa

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O jogo, os bingos, os caça-níqueis, como qualquer criancinha sabe, são hábitos diretamente ligados ao que há de pior e resvalam na criminalidade: lavagem de dinheiro, desvios de toda ordem, indução ao vício, corrosão dos bolsos de gente humilde.

Pode-se até contrapor argumentos positivos a esses tão negativos: há quem diga que bingos estimulam o turismo, geram emprego e podem ser instrumentos de desenvolvimento de determinadas regiões vocacionadas para receber gente e oferecer prazer.

Ok. Colocados os dois lados, o que incomoda no projeto aprovado ontem na Câmara é que, como bem apontou o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), ele parece feito sob encomenda para um só interesse: o dos donos.

Os instrumentos de segurança contra a lavagem de dinheiro parecem frágeis, só para constar. A proximidade das escolas, de apenas 500 metros, é arriscada. O popular caça-níquel, principal responsável pela incidência do vício, pode ocupar 50% das vagas.

E a chamada contrapartida social? Bem, diz o projeto que uma parte do bolo arrecadado vai para saúde e educação, mas, soma daqui, diminui dali, Cardozo chegou à conclusão de que é um pedacinho de nada, algo em torno de 5%. Porque, por exemplo, exclui a arrecadação com bebida, comida e shows, que têm uma participação importante no total da bolada.

Até em linhas meio perdidas aparecem "cacos" pró-donos. Quer ver? 80% da receita das máquinas irá para os ganhadores, que deverão descontar o IR do prêmio. Resultado: na prática, o dono paga 61% e fica com 40% limpinhos para ele.

Os legisladores devem legislar para o bem comum, para a maioria, mas o projeto aprovado ontem na comissão, ao contrário, parece ter um outro endereço, ou um outro interesse, bastante diverso. Olho nele! Ou melhor: olho neles!

Sem cartas ao povo brasileiro

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Não cabem numa letra as mudanças no presidente que um dia quis desmontar na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e hoje quer emplacar a CLS (Consolidação das Leis Sociais).

Luiz Inácio Lula da Silva iniciava seu mandato quando chegou a sugerir a abolição da multa de 40% sobre o Fundo de Garantia sobre o Tempo de Serviço (FGTS) e o parcelamento do 13º salário como medidas para incentivar a geração de emprego. Era o mesmo presidente que se fazia veemente na defesa de altos superávits como saída para o país buscar credibilidade. E dava asas às tentativas de aproximação com o PSDB.

Lula ainda não tinha falado da CLS, durante entrevista publicada ontem no Valor, quando um assessor atravessou a sala do Centro Cultural Banco do Brasil onde a Presidência está instalada durante a reforma do Palácio do Planalto. Observado pelos outros sete que assistem à entrevista, entrega um papelzinho amarelo ao presidente, sentado na ponta de imensa mesa oval, tendo ao fundo um mapa-mundi presenteado pela Embrapa. Lia-se em caneta vermelha: "242 mil empregos/agosto".

O recado resumia o presidente que se viu naquela quarta-feira. A economia turbinada lhe permitiria a defesa despudorada da dos gastos estatais - "A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta, mas se o Estado está cumprindo suas funções de tratar bem a população".

O funcionalismo público que Lula I enfrentou no seu primeiro governo com a reforma da Previdência, não receberia uma única ressalva de Lula II, que fez a mais radical política de valorização salarial dos últimos tempos.

Ao defender o papel da trinca Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES na crise, foi perguntado se não teme que essas instituições, excessivamente fortes, não terminem como os bancos estaduais que, na década de 1990, acabaram sendo socorridos pelo Tesouro.

É aparteado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins - "Não foram só os bancos públicos que quebraram. Os privados também" - antes de responder que o problema não foi o instrumento banco público, mas a irresponsabilidade política dos governantes. Usa, nesse momento, uma das raras metáforas populares da entrevista: a da criança jogada fora com a água suja do balde.

Não passou, em nenhum dos 82 minutos da entrevista, a impressão de que sua candidata à sucessão ficará acuada pelo discurso da eficiência gerencial da oposição. O Estado é ele: "Quem sustentou essa crise foi o governo e o povo pobre".

Nesse momento, baixa o Lula pragmático, o mesmo que, no sindicalismo nos anos 1970, tantas brigas arrumou com os comunistas - "Não sou nada por princípio. Entre meu princípio e o bom serviço prestado à população, fico com a população".

Não assumiu ali o discurso oposição-privatista, recusando-se a aceitar que este venha a ser o mote da campanha - "Vamos deixar a candidata construir". Aquele papelzinho amarelo parecia resumir as impressões presidenciais: não é a situação que vai precisar entrar batendo.

Mas Lula não se segura por muito tempo. Questionado sobre a falta de carisma da ministra Dilma Rousseff, prefere considerar a qualidade, ou a falta dela, no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e no governador José Serra. Sem responder como pretende carregar o palanque da tecnocracia, apela, pela segunda vez , a Jânio Quadros - "Tinha muito carisma, mas não durou seis meses".

Um assessor tira o cinzeiro onde repousa a góia da cigarrilha que Lula acendeu do meio para o fim da entrevista. O presidente pega o cinzeiro de volta. Vai ter risco Serra? Lula ri. Diz que nunca antes ouvira a expressão.

Novamente compenetrado, diz que foi vítima desse discurso em todas as campanhas de que participou, mas prefere se deter na de 1994, quando a lei eleitoral proibiu cenas externas, a falar da de 1992 quando a campanha do candidato José Serra usou o jingle "O que eu conquistei/Não vou jogar pra cima/Com todo respeito/Eu não vou ser outra Argentina".

É tão generoso que até Heloísa Helena entra no rol de candidatos contra os quais ele espera que o discurso do risco nunca mais seja usado. Nunca mais na história desse país uma campanha presidencial vai precisar lançar mão de uma carta ao povo brasileiro.

Os folhetos distribuídos aos jornalistas pelo secretário de imprensa, Nelson Breve, traziam os números mais recentes da redução de pobreza e desigualdade no governo. A um ano e quatro meses de deixar o governo, e doze meses depois do início da crise que abalou o mundo, Lula está nos cascos. O cansaço revelado ao início da conversa dá lugar a uma fala sem pausa para respirar. Dois dias antes, Lula saíra de Brasília às 7 da manhã e voltaria 26 horas depois de visitar Roraima e enfrentar um dos raros protestos deste segundo mandato.

Deixa de targiversar. As tentativas de aproximação entre o PT e o PSDB não deram certo porque os dois partidos são adversários. E mais o presidente não diz. Ao longo de seu governo, Waldomiro Diniz, Maurício Marinho e Lina Vieira saíram do anonimato para dar luz à briga intestina entre os dois partidos. É uma disputa, diz Lula, que exclui a direita. Pelo menos da cabeça de chapa.

É aí que entra a "Consolidação das Leis Sociais" como uma tentativa de se transformar o nunca-na-história-desse-país em lei. A contar pelos 18 meses que um dos projetos a ser consolidado, o da política de reajuste do salário mínimo, tramita no Congresso, não há evidências de que venha a ser aprovada até o final desse governo.

A consolidação em lei dos projetos sociais em curso tira de Lula a condição de seu fiador que alimentou, durante muito tempo, a tese do terceiro mandato. A aprovação de uma lei dessas, por outro lado, confere uma marca a seu governo que a oposição não terá, naturalmente, interesse em referendar. Esse debate, como espera o presidente, pode invadir a campanha eleitoral. Depois da argentinização de 2002 e dos aloprados de 2006, não deixa de ser uma boa notícia.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Um mergulho no futuro

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - O grande tema do pré-sal tem sido o modelo exploratório. Partilha ou concessão? Quando alguém levanta outro problema é, imediatamente, suspeito. O meio ambiente é considerado pretexto, pois no fundo, o que se quer discutir é o dilema partilha ou concessão.

A luta ambiental no Brasil e no mundo tem uma história. Em 2003 apresentei o projeto de avaliação ambiental estratégica. É um tema caro ao Banco Mundial e já foi objeto de uma convenção em Kiev. Este instrumento é adequado para o pré-sal. A avaliação estratégica não se confunde com licença ambiental. Trabalha com mais variáveis, é feita com antecedência, dá mais segurança a investidores. E prossegue no tempo, acompanhando a exploração.

Embora autoridades ambientais aceitem esta tese, o projeto ainda não foi considerado no Brasil. Ele poderia contribuir para essas crises sobre licenciamento. A Inglaterra já foi tão longe que até produziu um manual sobre os passos da avaliação estratégica. Há muita coisa acumulada. A sigla em inglês é SEA, daí muitas traduções no Google confundirem com mar.

São automáticas. O essencial é compreender que é um processo adotado no mundo. Se vamos explorar petróleo nessas condições abissais, seria bom para o produto, para quem investe e bom para a vida no mar.

É indiscutível o direito brasileiro de explorar sua camada de pré-sal. O direito sobre 800 km de extensão por 200 de largura não significa que o oceano deixe de ser um bem planetário.

As pessoas que acham que a preocupação ambiental é algo contra o governo estão equivocadas. É apenas uma forma de ver o futuro um pouco mais adiante que o texto oficial.

Quem se dispõe a produzir petróleo daqui a 20 anos não pode imaginar que a situação lá será a mesma de hoje. Poder, pode. Mas vai se dar mal.

Hino ao racismo

Nelson Motta
DEU EM O GLOBO


A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei do deputado Vicentinho (PT-SP) oficializando o "Hino à negritude", do professor Eduardo de Oliveira. O projeto original previa sua execução obrigatória em todas as solenidades dirigidas à raça negra, mas a exigência caiu na Comissão de Educação: o que os alunos não negros fariam em tais solenidades?

Grandes compositores como Geraldo Pereira, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Cartola, Assis Valente, Silas de Oliveira, Baden Powell, Nei Lopes, Gilberto Gil, Jorge Benjor, e até não negros como Vinicius de Morais, Chico Buarque e Caetano Veloso, já homenagearam magistralmente os afro-brasileiros e sua contribuição à nossa cultura, na língua viva do samba e de suas vertentes. Era grande a expectativa por um hino oficial à negritude. Mas quase não acreditei no que ouvi.

É uma marcha escolar-militar, banal e tradicional. Sem fazer juízo de valor, nada nela lembra nem remotamente as novas linguagens que a música negra deu ao mundo, com o samba, o jazz, o rock, o soul, o rap?

Apesar da vasta produção de nossos compositores, o deputado Vicentinho argumenta que "não temos ainda símbolos que enalteçam e registrem este sentimento de fraternidade entre as diversas etnias que compõem a base da população brasileira". Fraternidade? O hino ignora as nossas outras etnias. Como o próprio nome diz, só exalta as qualidades do homem "belo e forte na tez cor de ébano/só lutando se sente feliz/brasileiro de escol/luta de sol a sol/para o bem de nosso país". Pardos, índios e imigrantes foram excluídos.

Ao lado de tudo que nossos grandes compositores já cantaram, com tanto talento e originalidade, exaltando os negros brasileiros, o "Hino à negritude" se parece mais com os velhos hinos "brancos" e ufanistas. E o que seria homenagem soa como uma paródia do estilo do opressor:

"Ergue a tocha no alto da glória/ quem, herói, nos combates, se fez/pois que as páginas da História/são galardões aos negros de altivez."

Os negros não precisam de cotas na música brasileira. Nem o Brasil, de racismo. Que tal tentar um "Hino ao pobre"?

Nelson Motta é jornalista.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Apoio do PSDB a Zito surpreende Gabeira

Ana Paula Grabois, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A aproximação do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) com os tucanos sofreu um retrocesso nesta semana. O deputado pretendia candidatar-se ao governo do Estado do Rio em coligação com PSDB , DEM e PPS. Foi, no entanto, surpreendido pela defesa feita pelo PSDB do Rio para lançar a candidatura de José Camilo Zito, prefeito tucano de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Hoje, o presidente de honra do PSDB do Rio, o ex-governador Marcello Alencar, promove reunião do seu partido com representantes do PPS, DEM e PV, incluindo Gabeira, para tratar do assunto. O deputado do PV entende a posição tucana, mas avalia até desistir de concorrer ao governo do Estado. "Não sei se serei candidato com essa possibilidade da candidatura própria do PSDB", disse Gabeira, que pode tentar uma das duas vagas ao Senado. O deputado tinha alinhavado apoio do PSDB junto ao governador de São Paulo, José Serra, possível candidato a presidente da legenda, e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A mudança dos tucanos no Rio foi motivada pela eventual candidatura à Presidência da senadora Marina Silva, que trocou o PT pelo PV. A solução anunciada por Gabeira para acomodar as candidaturas presidenciais do PSDB e de Marina era ele ter os dois palanques no Estado.

O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) vê dificuldades no arranjo proposto. "É possível uma candidatura trabalhar com dois palanques presidenciais; mas, na prática, é difícil", afirmou. O deputado vê o prefeito de Duque de Caxias como um nome eleitoralmente muito forte. "É uma liderança marcante, é o único no partido com densidade política e eleitoral", disse. A decisão ainda depende da aceitação da direção nacional do PSDB.

O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, evitou emitir opinião sobre a possível candidatura de Zito e disse que vai encontrar-se com o PSDB do Rio após a reunião de hoje. "Conversei há cerca de dez dias com o Zito, que me disse que talvez sairia como candidato. A eleição no Rio é importante para o PSDB pois é um grande colégio eleitoral", disse Guerra.

Dono de eleitorado popular, Zito está no terceiro mandato como prefeito e foi campeão de votos na eleição para deputado estadual em 2006. Foi Zito quem disse ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que ele precisava de "cheiro do povo" durante campanha eleitoral. Zito tem um passado polêmico e já foi acusado pela Justiça de envolvimento com grupos de extermínio da Baixada, mas foi inocentado.

O prefeito de Duque de Caxias se diz animado com a proposta tucana e reclama da carência de "novos líderes" no Estado do Rio. "As lideranças populares desapareceram", disse Zito, que teria que renunciar ao cargo de prefeito para sair candidato. Zito vê ainda vantagens na sua candidatura e na de Gabeira, uma vez que o deputado do PV teria boa votação na capital, especialmente na classe média, enquanto Zito poderia ganhar o voto do eleitorado popular da Baixada e do subúrbio carioca.

Na disputa estadual, o atual governador Sérgio Cabral (PMDB) tentará a reeleição. Lindberg Farias (PT), prefeito de Nova Iguaçu, também pretende candidatar-se, contrariando os interesses de Cabral, aliado do presidente Lula. Já o ex-governador Anthony Garotinho, que migrou do PMDB para o PR recentemente, anunciou que deve sair como candidato.

Câmara rejeita moralização eleitoral

Isabel Braga e Maria Lima
DEU EM O GLOBO

A Câmara encerrou a votação da reforma eleitoral com recuos no que se refere à moralização. Derrubou pontos que poderiam impedir candidaturas dos chamados "fichas-sujas” e reprimir o uso da máquina pública - como a participação de candidatos em obras nos quatro meses antes da eleição. Também caiu a proibição de criar ou ampliar programas sociais em ano eleitoral.

Moralização, talvez na próxima

Câmara exclui de reforma medidas que impediriam uso da máquina pública nas eleições

Se avançou no fim da censura ao uso da internet durante a campanha eleitoral, a reforma concluída anteontem à noite pela Câmara deixou de lado medidas que poderiam reprimir o uso da máquina pública e restringir a participação de candidatos que respondem a processos, os fichas-sujas. O texto que será enviado à sanção presidencial na próxima semana deixa sem controle ainda as doações feitas diretamente aos partidos, ocultando a relação direta entre candidatos e doadores.

A Câmara derrubou regras votadas pelo Senado que tentavam coibir o uso da máquina, como a proibição da participação de candidatos em inaugurações de obras, nos quatro meses que antecedem a eleição. Pelo texto final, os candidatos não poderão participar de inaugurações três meses antes do pleito. Caiu também na Câmara a proibição de criar ou ampliar programas sociais em ano eleitoral. A única restrição mantida é a de que, em ano eleitoral, programas sociais não podem ser executados por entidade nominalmente vinculada a candidato ou mantida por ele.

O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), criticou a rejeição de emendas feitas pelos senadores, como a que exigia que políticos comprovassem reputação ilibada e idoneidade moral ao registrar a candidatura:

- O PSDB acha que a Câmara tratou de modo ligeiro a questão da lei eleitoral, sem considerar o interesse da sociedade. Acho que a gente teria um bom debate a realizar (sobre os fichas-sujas), fazer algo para evitar que gente inabilitada moral e eticamente seja candidato. O Congresso tem que estar preparado para esse debate, a sociedade está. Não podemos fazer isso apenas nos momentos de crise.

O corregedor-geral da Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), rebateu:

- Tínhamos dois caminhos: transformar a discussão numa feira livre, e a Câmara aprovar uma colcha de retalhos, ou aprovar uma coisa enxuta, mas com avanços. Sou a favor de que a discussão (dos ficha-sujas) seja pautada. É preciso criar um filtro, mas não pode ser algo de acordo com a cabeça de um juiz eleitoral. Tem que ser algo concreto, não só o fato de alguém responder a processo na Justiça.

Decisão é criticada por senadores

Ao comentar a votação, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), ressaltou aspectos positivos e reconheceu falhas:

- Até hoje, o Congresso não conseguiu se acertar em relação a isso. Ainda acho que o atual sistema não é o ideal. Para que isso (impedir a participação de fichas-sujas na eleição) fosse possível, seriam necessários critérios objetivos para aferir a conduta de um candidato. Mas o Congresso cumpriu seu papel. Foi um avanço extraordinário, acolhemos a liberdade na internet, uma decisão extremamente democrática.

A decisão da Câmara de desconsiderar a maioria das 67 emendas do Senado irritou senadores. No Twitter, o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), condenou a exclusão de emendas que, segundo ele, impediriam o uso da máquina nas eleições. Outros senadores também se manifestaram.

- Foi uma decisão lamentável a Câmara jogar fora os avanços que conseguimos no Senado. O texto que aprovamos tinha algumas coisas excelentes, como a barreira para os fichas-sujas, a proibição do uso eleitoreiro de programas sociais na véspera da eleição e outros - afirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

A reforma torna mais explícita a possibilidade de, em ano eleitoral, os partidos poderem repassar aos candidatos recursos recebidos de pessoas físicas ou jurídicas. Isso evita que determinado candidato seja identificado por receber dinheiro de empreiteira ou banco, por exemplo. E permite que o partido assuma as dívidas de campanha de candidatos majoritários.

Estes pontos, segundo estudo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abrem brechas à lei e vão dificultar a fiscalização dos gastos das campanhas. De acordo com o estudo, os partidos poderão receber nos anos em que não há eleição doações que são vedadas aos candidatos, e só repassá-las no ano eleitoral.

Redes de ONGs e intelectuais brasileiros vão insistir na realização de uma reforma política profunda. As entidades elaboraram uma plataforma de propostas, protocoladas em 2008 no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e no Congresso, mas nada foi aprovado. Segundo avaliaram, as mudanças significam um "acordão" que deixou "as raposas tomando conta do galinheiro".

- As mudanças aprovadas são pífias e em seu próprio favor, já que 50% do Legislativo têm ficha suja. E só ao Legislativo interessam as doações ocultas. Mas não desistiremos de fazer mudanças reais - afirmou o cientista político Rudá Ricci, da executiva do Fórum Brasileiro do Orçamento, que integra a Inter-Redes com entidades como CNBB, Abong (Associação Brasileira das ONGs) e OAB.

Colaboraram: Soraya Agegge e Adauri Antunes Barbosa

Até aliados resistem a taxar poupança

Cristiane Jungblut e Patrícia Duarte
DEU EM O GLOBO

A decisão do governo de tributar as cadernetas em 22,5% já encontra forte resistência no Congresso. Até a base aliada quer evitar o assunto. A alegação é que a proposta do Orçamento já veio sem a previsão desses recursos para o caixa.

Congresso resiste à mudança na caderneta

Até aliados do governo avaliam que tema deveria ser debatido em 2010

BRASÍLIA. A iniciativa do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de ressuscitar a proposta de taxação da poupança enfrenta resistências no Congresso, inclusive dentro da própria base aliada do governo. Ontem, até mesmo o vice-líder do governo no Congresso, deputado Gilmar Machado (PT-MG), ponderou que o assunto deveria ser deixado para o ano que vem e argumentou que a proposta orçamentária para 2010, já enviada ao Legislativo, não prevê esse tipo de taxação. O PMDB também tem dúvidas se esse é o melhor momento para discutir a taxação de poupança e quer ouvir os argumentos da área econômica.

O DEM e o PSDB já anunciaram que são contra por temer que, no futuro, o governo resolva taxar poupanças abaixo de R$50 mil. Na verdade, parlamentares - inclusive aliados - reclamam que foram surpreendidos com a retomada do assunto.

Gilmar Machado tocou no tema da caderneta no fim da audiência pública realizada na Câmara com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

- Ponderei com ele (Meirelles) se era fundamental essa mudança nesse momento. Acho que podemos esperar mais para avaliar o desempenho da taxa de juros para mexer na poupança. Talvez fosse melhor deixar para o ano que vem - disse o deputado, deixando claro que essa era sua opinião pessoal.

A avaliação no Congresso é que se trata de ano pré-eleitoral e que a discussão poderia inviabilizar votações necessárias ao governo, como de MPs e do Orçamento para 2010.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), quer marcar encontro de Mantega com a bancada do PMDB na próxima semana para debater o tema. E o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) criticou a decisão do governo de mexer na poupança:

- Vamos lutar contra isso.

Meirelles reconheceu que o assunto é delicado e que, por isso, não há apenas ganhadores ou perdedores. E afirmou que a última palavra será a dos parlamentares.

Após 31 anos, matéria-prima volta a liderar exportações

Raquel Landim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A pauta de exportações brasileiras sofreu mudança significativa por causa da crise global, informa a repórter Raquel Landim. Pela primeira vez desde 1978, a venda de commodities superou a de manufaturados. Entre janeiro e agosto, as matérias-primas responderam por 42,8% das exportações; já a participação de produtos industrializados foi de 42,5%. A venda de alimentos e minérios, vocação brasileira, garante superávit de US$ 28 bilhões para a balança comercial no acumulado de 12 meses até agosto. A demanda chinesa por matérias-primas explica em parte esse desempenho. O cenário para manufaturados é ruim: a demanda mundial está fraca, os preços caíram e a alta do real afeta a competitividade brasileira. O governo estuda medidas de apoio a exportadores.

Crise muda perfil das exportações

Venda de commodities supera a de manufaturados e governo já estuda medidas de apoio aos exportadores

A crise global provocou uma mudança significativa na pauta de exportação do Brasil. Pela primeira vez desde 1978, as vendas externas de commodities superaram as de manufaturados. De janeiro a agosto, os produtos básicos responderam por 42,8% das exportações, acima dos 42,5% dos manufaturados, conforme a Secretaria de Comércio Exterior. O assunto está preocupando o governo.

O cenário é bastante desfavorável para as exportações de manufaturados. A demanda mundial está fraca. Os preços sofreram forte recuo. E a desvalorização do dólar (R$ 1,80), debilita a competitividade das empresas brasileiras no exterior.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, Benedicto Fonseca Moreira, e o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, Humberto Barbatto, alertam que não se deve contar que as commodities serão suficientes para cobrir um déficit comercial dos manufaturados. "Um quilo de notebook dá quatro toneladas de carnes em valor", comparou Barbatto.

O governo estuda medidas de apoio aos exportadores.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse ontem que quer aumentar o volume de recursos para a linha de financiamento de pré-embarque de bens de capital. A linha já ultrapassou R$ 6 bilhões, mas há mais R$ 1 bilhão de pedidos em carteira.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também afirmou que o governo avalia "com seriedade" a competitividade do setor exportador. Ele destacou que o real segue a variação dos produtos básicos, e ressaltou que o Brasil será um grande exportador de petróleo por conta do pré-sal.

Colaboraram Adriana Chiarini e Alberto Komatsu

A volta da inflação em 2010

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Não teremos, como antes, saltos discretos da inflação, mas sim um movimento suave e continuado

O TEMA da coluna de hoje certamente vai reforçar a visão negativa que muitos têm sobre os economistas. Mesmo correndo esse risco, não posso deixar de alertar o leitor da Folha para uma armadilha que pode ocorrer ainda na primeira metade de 2010: a aceleração da inflação como ameaça ao céu de brigadeiro na economia.

Parece coisa de neurótico falar dos riscos da inflação em um mundo que vive uma difícil convalescença recessiva. Na maioria das economias -sejam elas do Primeiro Mundo ou do mundo emergente- temos ainda uma recuperação muito tímida da atividade econômica. Nos casos norte-americano e inglês, os riscos de uma volta a um quadro recessivo -"double dip"- são ainda reais.

Por isso, a maioria dos bancos centrais reafirmou nas últimas semanas que suas políticas de acomodação monetária vão continuar por um tempo ainda longo. Em resposta, os mercados de juros têm operado nos níveis mais baixos dos últimos meses.

Mas o Brasil é uma exceção à regra. Os últimos dados de emprego divulgados são a prova mais recente de uma economia com grande exuberância. Eu e meus colegas da Quest -certamente um dos grupos do mercado financeiro mais otimistas com o futuro- fomos surpreendidos pela geração de empregos formais no mês de agosto passado. Por esse motivo revimos -mais uma vez- nossas projeções para o crescimento no próximo ano. O número de 6% ao ano hoje é realista.
Poderemos viver a partir da primeira metade de 2010 uma dinâmica de crescimento próxima à verificada entre 2007 e outubro de 2008: um consumo vigoroso, sustentado por uma massa salarial que cresce pela adição de emprego e pelo crescimento real dos salários, por uma queda importante nas taxas de juros e pela normalização do mercado de crédito, com redução do "spread" cobrado pelos bancos. Esse movimento estará associado a uma tentativa das instituições privadas de recuperar o espaço perdido para os bancos públicos nos últimos meses.

Não tenho dúvida sobre a volta dos investimentos em 2010, pois as empresas brasileiras não vão correr novamente o risco de perder mercado para as importações. Apenas as exportações não devem repetir no ano que vem o papel de importante fonte de crescimento interno. Parte significativa do mundo exterior ainda estará em período de convalescença e de baixo dinamismo.

Mas em seu lugar teremos o estímulo representado pelos gastos do governo, que estarão em níveis bem superiores aos do período pré-crise de 2008. Não acredito que -depois de ter provado as delícias do aumento dos gastos públicos- o governo Lula voltará à disciplina fiscal anterior. Ainda mais em um ano de acirrada disputa eleitoral. Sou velho demais para acreditar em Papai Noel.

Nesse cenário, vamos voltar a viver tensões inflacionárias a partir, principalmente, do mercado de trabalho. Como esse é no Brasil do real forte o mais importante canal de transmissão da inflação, os riscos parecem reais -e não imaginários. Não teremos, como no passado, saltos discretos nas taxas de inflação -esse tempo ficou realmente para trás-, mas sim um movimento suave e continuado, que pode ter início na primeira metade de 2010. Se isso ocorrer, certamente a reação dos mercados futuros de juros será mais forte do que a vista até agora, mesmo considerando que os preços de hoje já contemplem um aumento importante da taxa Selic ao longo de 2010.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Lula abre 20% do BB à participação estrangeira

Patrícia Duarte
DEU EM O GLOBO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto dando sinal verde para que o Banco do Brasil (BB) eleve para 20% a fatia de capital estrangeiro na instituição. Hoje, o limite é de 12,5%, mas a participação efetiva dos estrangeiros é de 11%. Uma das estratégias do BB para atrair o investidor no exterior é lançar, em até 45 dias, American Depositary Receipts (ADRs), papéis negociados na Bolsa de Nova York, lastreados em ações ON (com direito a voto) do banco. Mais tarde, o banco poderá fazer nova emissão de ações. Se os estrangeiros atingirem o limite de 20%, será possível movimentar R$ 6,8 bilhões em papéis do banco. Há duas semanas, O GLOBO revelou os planos do BB de comprar bancos no exterior, inclusive nos EUA, para crescer.

BB para gringo comprar

Lula autoriza participação maior de investidores estrangeiros no banco, que lançará papéis em NY

OBanco do Brasil (BB) recebeu ontem autorização do governo para aumentar, de 12,5% para 20%, a participação de investidores estrangeiros em seu capital. Hoje, esses acionistas respondem por 11% do total e, se a fatia chegar ao teto, serão movimentados cerca de R$6,8 bilhões (considerando o valor das ações de ontem). O novo teto, na prática, também abre caminho para uma eventual capitalização da instituição financeira no futuro - ou seja, emissão de novas ações para levantar dinheiro no mercado. A estatal também teve o sinal verde para lançar American Depositary Receipts (ADRs), papéis negociados na Bolsa de Nova York, lastreados em ações ordinárias (ON, com direito a voto) do banco.

- O mercado de capitais é muito globalizado e ter um limite pequeno (para estrangeiros) não era bom. A medida vai aumentar a liquidez dos nossos papéis - afirmou o o gerente de relações com investidores do BB, Marco Geovanne Tobias.

Esta foi a segunda vez que o governo ampliou a margem dos investidores de fora. A primeira foi em 2006, quando passou de menos de 7% para 12,5%. Com os avais, concedidos em decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o BB conseguirá cumprir a meta de colocar em circulação no mercado 25% de seu capital - o chamado "free float". A exigência faz parte do processo de entrada no Novo Mercado, segmento da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) onde só são negociadas ações de empresas com práticas de gestão transparente e de proteção ao acionista minoritário. Hoje, apenas 21,7% do capital do banco são negociados na Bolsa e o limite mínimo deve ser atingido até junho de 2011.

Segundo Geovanne, a emissão de ADRs Nível 1, ou seja, com base nas ações que já estão sendo negociadas no país, deverá ser concluída em um prazo de 30 a 45 dias. Qualquer investidor poderá trocar a sua ação do BB por uma ADR e, eventualmente, vendê-la para um investidor de fora. Um banco estrangeiro já foi contratado para concretizar a operação, mas o nome não foi revelado. Neste caso, como será uma espécie de troca, não haverá aumento da parcela de ações do banco em circulação. Geovanne não fez previsões de quantos papéis poderão ser negociados, mas lembrou que o volume de ADRs de outros concorrentes, como Itaú Unibanco, já é duas vezes maior do que o de suas ações no mercado doméstico.

Nova oferta seguirá modelo da anterior

Em um segundo momento, haverá uma terceira oferta pública de ações, com o objetivo de atingir os 25% do capital do banco negociados no mercado. Tobias adiantou que não há uma data marcada para a operação, mas afirmou que ela poderá acontecer também por meio de ADRs. O modelo da oferta de ações deve ser o mesmo das últimas duas realizadas pelo BB, em 2006 e em 2007: foram vendidos papéis que estavam nas mãos do governo e houve rateio entre funcionários do próprio banco, pequenos investidores e investidores estrangeiros que atuam no mercado brasileiro. Se houver emissão de ações - possibilidade que o BB não descarta - o valor arrecadado com a venda entraria diretamente no caixa do banco. O movimento acontece na direção contrária da capitalização da Petrobras, a fim de obter mais recursos para explorar a camada de pré-sal, em que o governo pretende aumentar sua participação na estatal.

O BB pode ter que aumentar capital porque seu índice de Basileia (indicador internacional que mede a solvência dos bancos) em junho estava em 15,3% - para analistas, perto demais do mínimo de 11% exigido pelo Banco Central (BC).

As decisões vão ao encontro da estratégia de internacionalização do BB. No dia 30 de agosto, O GLOBO revelou que o banco pretende comprar instituições financeiras no exterior, inclusive nos EUA. Além disso, planeja abrir agências em cidades como Nova York.

As mudanças foram bem recebidas pelo mercado. As ações do banco subiram 1,20% ontem, dia em que o Ibovespa, principal índice da Bolsa, caiu 0,28%. Para Daniella Marques, sócia da Oren Investimentos, o anúncio foi positivo, pois a oferta de ADRs dá maior visibilidade à empresa e mais liquidez (facilidade de negociação) às ações. Muitos investidores, como grandes fundos americanos, só aplicam em ações cotadas em dólar. O analista Fernando Salazar, da Fator Corretora, divulgou relatório também considerando a operação positiva para a instituição e reiterando a recomendação de "atraente" (compra) para as ações do BB.

A corretora Ativa divulgou análise no mesmo sentido.

Colaborou: Felipe Frisch