quinta-feira, 15 de outubro de 2009

As ideias italianas no Brasil

Luiz Sérgio Henriques
DEU NA REVISTA DE ESTUDOS AVANÇADOS E GRAMSCI E O BRASIL


Giuseppe Vacca. Por um novo reformismo. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2009. 258p.

Presidente da Fundação Instituto Gramsci, em Roma, e ensaísta de mérito reconhecido internacionalmente, Giuseppe Vacca reaparece entre nós com um novo título que é quase uma provocação, no melhor sentido da palavra. Retirando do limbo uma expressão que entre os marxistas teve historicamente o sentido de uma “capitulação de classe” ou coisa pior, Vacca defende explicitamente, para as esquerdas, a atualidade de uma estratégia reformista não só para o seu país, como também, é de se presumir, para a generalidade dos países em que se trava a luta política em termos efetivamente contemporâneos. A marca deste novo reformismo é a explícita assimilação das tarefas de governo e das responsabilidades a elas inerente: e, segundo o paradigma que abraça, cujos antepassados mais distintos remontam aos anos trinta do século passado, classe e nação não se põem como termos antagônicos, mas aparecem reconciliados: partidos e movimentos que interpretam o antagonismo social estão desafiados a atuarem no plano no interesse nacional, dando respostas positivas — no quadro do Estado Democrático de Direito — aos problemas de toda a sociedade.

O novo reformismo de que fala Vacca afasta-se assim de qualquer veleidade maximalista e, muito consequentemente, deve afirmar-se doravante mais ou menos polemicamente contra uma esquerda dita alternativa ou radical, mas sem capacidade de governo e de síntese política própria das funções dirigentes. Fornece, mais amplamente, alguns critérios para avaliar a história do século XX, que não deve ser vista como um mero terreno de contraposição entre capitalismo e socialismo, entendidos como “campos” que combateram mortalmente guerras abertas ou “frias”, com a vitória final de um deles. De resto, o reformismo que interessa ao autor tem seu ato de nascimento, nos anos 1930, como uma alternativa à “guerra civil europeia” entre nazistas e bolcheviques, quando a experiência comunista das frentes populares — retirado o caráter instrumental que tal política teve quase sempre sob a política stalinista — pôde colaborar, em alguns momentos decisivos, com socialistas, tal como aconteceu na Itália e sobretudo na França.

E é a luz deste projeto que o autor reinterpreta contribuições vitais, como os Cadernos do cárcere, de Antonio Gramsci, ou um texto comparativamente de menor alcance, mas nem por isso menos importante do ponto de vista político, como as togliattianas Lições sobre o fascismo, de 1935.

Mas o autor pretende ainda sair do âmbito restrito da tradição comunista e, num movimento que dá fôlego ao seu pensamento, alude explicitamente ao “universalismo rooseveltiano”: à visão da luta contra o fascismo de que era portadora a elite política americana e, também, à visão desta mesma elite sobre as relações internacionais que deveriam se seguir à derrota do fascismo. Não é aqui diminuída a importância da URSS no combate ao fascismo: “apenas” se reconhece, realisticamente, que aquele modelo político, nascido sob o particular signo da “revolução passiva” staliniana, só pela força poderia se expandir aos países do entorno soviético, sem dispor de nenhuma força de atração sobre os países ocidentais. Mas não só isso. O autor alude a experiências concretas da socialdemocracia e do trabalhismo no período entre as duas guerras, muito especialmente no caso da Inglaterra, da Bélgica e da Suécia. Bem antes do modelo keynesiano que se generalizaria nos “anos dourados” do capitalismo do segundo pós-guerra, os reformistas destes países lançaram as sementes do reformismo moderno, ao distinguirem as possibilidades de uma nova regulação do mundo da economia, até então estruturado segundo os procedimentos do liberalismo e as regras “espontâneas” do mercado.

É neste quadro que se insere uma das teses mais significativas do livro. Vacca propõe-se ir além do “finalismo socialista” e da filosofia da história determinista que lhe é inevitavelmente conexa.
A experiência daquelas três socialdemocracias e, mais em geral, as diversas tentativas de domar o mercado capitalista em crise fizeram nascer a ideia de que “capitalismo e socialismo referem-se a dois planos diversos da realidade e não são comparáveis: o capitalismo é um modo de produção, o socialismo é um critério de regulação do sistema econômico, que, portanto, não se contrapõe ao primeiro, mas propõe-se orientá-lo. Para superar este falso dilema, foi necessário elaborar o conceito de regulação, e, naturalmente, não estamos falando de elaboração puramente intelectual, mas de experiência histórica concreta. Aproximamo-nos, assim, do ato de nascimento do reformismo: a crise dos anos trinta e a invenção de um ‘modo de regulação’ do desenvolvimento alternativo ao do velho liberalismo, que entra em colapso” (p. 191).

Se de regulação se trata — e regulação capaz de expressar e induzir níveis sempre mais altos de produção material da vida e de sociabilidade humana —, os defensores da estratégia reformista devem ter a percepção de que uma teoria geral das crises é possível e não deriva de, ou desemboca em, uma visão rupturista ou catastrófica da política e da economia. Esta teoria geral, segundo o autor, está presente nos escritos de Antonio Gramsci, especialmente quando focalizam a primeira grande guerra e os anos que se seguem como um período de crise continuada, cuja raiz última reside no contraste entre o caráter cada vez mais internacional da economia e as soluções políticas mesquinhamente nacionais que se implementaram, e muitas vezes hoje ainda se implementam, na tentativa de sanar os desequilíbrios globais.

A esquerda italiana — pelo menos aquela parte da esquerda em nome da qual quer falar o autor — tentou continuadamente sair do âmbito do reformismo comunista nacional, encarnado pelo velho PCI, e adotar a Europa como cenário das suas ações e iniciativas.

Falhas e deficiências à parte, este ainda é o horizonte mais plausível para uma nova regulação democrática dos fatos econômicos, bem como uma fonte de inspiração para a esquerda de outros quadrantes: sem abdicar do interesse nacional e das iniciativas que se devem tomar imediatamente no âmbito do Estado-nação, a busca de uma perspectiva cosmopolita, supranacional, é parte constitutiva da nova investigação em curso. E achar em cada caso a melhor combinação entre interesse nacional e forças que se movimentam externamente é um elemento da regulação democrática que deve ser conscientemente assumido, tendo em vista o cenário de desastre que conclui estes anos de (des)regulação neoliberal dos mercados e supremacia dos “espíritos animais” do capitalismo.

A insistência no termo “democracia” aqui não é casual. O último grande impacto das “ideias italianas” entre nós foi por ocasião do eurocomunismo de Berlinguer e do Gramsci filtrado pela tradição togliattiana, e isso nos já distantes anos setenta. Foi quando, por exemplo, circulou amplamente nos círculos da esquerda, muito especialmente do então PCB, a expressão berlingueriana da “democracia (política, não ‘burguesa’) como valor universal”.

Certa ou erradamente, para o bem ou para o mal, a cultura política do novo partido em ascensão na esquerda guardava muito pouca relação com aquele conjunto de ideias, que propunha uma reforma democrática do caráter “prussiano” do capitalismo e da sociedade brasileira como a estratégia mais plausível de superação dos muitos elementos de atraso mantidos na peculiar modernização conservadora que atravessa a nossa história e que, não por acaso, se viu reforçada com o regime de 1964.

Acredito que o livro de Vacca dá um alento renovado àquelas ideias e reata o fio um tanto perdido nestes tempos de desorientação. Refiro-me especialmente aos muitos momentos em que assinala a democracia como o único terreno político no qual todos os atores — de direita, centro ou de esquerda — devem se mover, ou até devem ser levados por força das coisas a se mover, no caso de as suas culturas e valores carregarem vestígios mais ou menos fortes de concepções autoritárias da política, o que está longe de ser incomum na esquerda.

O Estado Democrático de Direito surge assim como uma forma alta de convivência, não como reflexo ilusório da dominação burguesa ou do “indivíduo abstrato” próprio da sua sociabilidade.
Produto de duríssimas lutas históricas, esse tipo de Estado, na visão de Vacca, desconhece “classes gerais” e refuta a apropriação da máquina do Estado por uma classe ou um partido que supostamente represente uma classe ou bloco de classes portadoras do “sentido último” da história. Só reconhece partidos, associações e outras formas de subjetividade constitucionalmente definidas, estimulando classes e grupos sociais que neles legitimamente se reconheçam a elaborarem visões diferentes do bem-comum, cuja disputa privilegie o elemento consensual e hegemônico, em detrimento do elemento força ou violência. Assume-se sempre e tão-só o governo, incide-se inevitavelmente sobre relações de força na sociedade, mas não se busca um abstrato “poder” a partir do qual se reorganize arbitrariamente o mundo, extremando autoritariamente o político. Mudanças constitucionais são possíveis, mas na forma democrática do Estado não se toca. Consenso e liberdades, hegemonia e pluralismo democrático são termos incontornáveis da moderna disputa política e da investigação teórica mais avançada, a não ser que se opte anacronicamente por autoritarismos mais ou menos disfarçados.

Todo este novo reformismo de Vacca, ao apresentar cristalinamente as razões mais seguras de uma esquerda democrática, passa a impressão de que não fala apenas da Itália ou da Europa e seus problemas. Fala também, e ao mesmo tempo, da nossa história presente de brasileiros e sul-americanos.

Luiz Sérgio Henriques é editor de Gramsci e o Brasil.

Fonte: Revista de Estudos Avançados, 23 (66), 2009.

Merval Pereira ganha prêmio internacional

Rodrigo Bocardi, Nova York
DEU EM O GLOBO ONLINE


O colunista de O Globo e comentarista da Globo News e da CBN, foi premiado pela Universidade de Columbia.

O jornalismo brasileiro foi destaque, na noite de quarta-feira (14), em Nova York. Merval Pereira, colunista do jornal O Globo e comentarista da Globo News e da rádio CBN, foi premiado pela Universidade de Columbia, uma das mais respeitadas do mundo.

De todas as Américas, havia três países representados e quatro jornalistas premiados. Dos Estados Unidos, Anthony DePalma, correspondente do "New York Times", Christopher Hawley do “USA Today” e do “The Arizona Republic”, de Cuba, Yóni Sanchez, que criou o revolucionário blog "Generación Y”. Ela não teve autorização para sair de Cuba e mandou uma mensagem de agradecimento. Todos eles levaram o Maria Moors Cabot, o mais antigo prêmio internacional de jornalismo.

O prêmio é concedido aos profissionais de imprensa que trabalham nas Américas e, neste ano, além dos dois jornalistas dos Estados Unidos e da cubana, um brasileiro recebeu a medalha de ouro: Merval Pereira, editor-executivo e colunista do jornal O Globo, correspondente e comentarista da Globo News e da rádio CBN.

O presidente da Universidade de Columbia destacou que Merval Pereira faz parte de uma geração de jornalistas que venceu a adversidade da ditadura militar, combateu com sucesso a tentativa de criação de um Conselho Nacional de Jornalismo, e ajudou os brasileiros a compreender melhor o significado da última eleição americana.

Para o professor de economia da Columbia, Thomas Trebat, o prêmio é o reconhecimento do jornalismo brasileiro nas Américas. “O jornalismo no Brasil é fundamental, é uma força vital na estabilidade política, econômica e social do Brasil e do continente”, afirma.

Para Merval Pereira, é a valorização da liberdade de imprensa. “Um dos objetivos do prêmio é fortalecer a liberdade de imprensa e a imprensa como instrumento de democracia e, para a imprensa brasileira, é importante sempre que um brasileiro ganhe o prêmio”, afirma o jornalista premiado.

COMENTÁRIO:
Este Blog parabeniza o jornalista Merval Pereira.

Uma nação de cócoras

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Objetivamente: qual a necessidade de o presidente da República passar três dias vistoriando obras do projeto de transposição das águas do Rio São Francisco em quatro Estados, na companhia de uma vasta comitiva de ministros, entre eles a chefe da Casa Civil?

Para uma vistoria, engenheiros dariam conta do recado. Para uma prestação de contas à sociedade com a finalidade de mostrar que as obras estão andando, há verbas (abundantes) de propaganda institucional.

Mas, como o objetivo não é verificar coisa alguma e a publicidade pura e simples, no caso, não cumpre o objetivo, o presidente Luiz Inácio da Silva ocupa três dias úteis dos raros que tem passado no País com uma turnê de acampamentos e pronunciamentos de caráter pura e explicitamente eleitoral.

Isso quando há problemas graves que mereceriam do presidente mais que referências ligeiras ou declarações de natureza político-partidária, ora em sentido de ataque, ora de defesa.

Exemplos mais recentes: o cancelamento por fraude do Enem e o confisco temporário de parte da devolução do Imposto de Renda para cobrir gastos públicos contratados pela necessidade de sua excelência alimentar o mito do grande beneficiário da Nação, empreendedor ousado.

Mas o que espanta já não é mais o que Lula faz. O que assusta é o que deixam que ele faça. E pelas piores razões: uns por oportunismo deslavado, outros por medo de um fantasma chamado popularidade, que assombra - mas, sobretudo, enfraquece - todo o País.

Fato é que os Poderes, os partidos, os políticos, as instituições, as entidades organizadas, a sociedade estão todos intimidados, de cócoras ante um mito que se alimenta exatamente da covardia alheia de apontar o que está errado.

Por receio de remar contra a corrente, mal percebendo que a corrente é formada justamente por força da intimidação geral, temor de ser enquadrado na categoria dos golpistas.

Tomemos o partido de oposição que pretende voltar ao poder nas próximas eleições, o PSDB, pois ontem um dos postulantes à candidatura presidencial, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, manifestou-se com muita clareza a respeito dessa última e mais atrevida turnê eleitoral financiada com dinheiro do bolso de quem é partidário do presidente e de quem não é.

"Acho que o presidente tem todo direito de viajar pelo País. Isso faz parte do jogo político. Eu não me preocupo com essas viagens. Acho que elas são legítimas, da mesma forma que nós, da oposição, de forma extremamente respeitosa, temos de ter nossa estratégia. Isso é a democracia", disse o governador, num momento de acentuado equívoco.

Pelo seguinte: não se trata de a oposição se preocupar eleitoralmente ou não com as viagens de Lula. Inclusive porque a questão não são as viagens, mas a natureza eleitoral, partidária, portanto, e o fato de transgredirem a lei no que tange ao uso da máquina pública.

A declaração do governador de Minas, sendo ele quem é no cenário político e em particular de seu partido, representa a voz do PSDB. Que, portanto, não apenas aceita que o dinheiro público seja usado pelo governante para financiamento de campanha como, ao achar tudo muito "natural e legítimo", confessa que faria (se já não faz) o mesmo.

O governador de Minas, e de forma mais contida o de São Paulo, José Serra, acham que fazendo vista grossa a todo e qualquer tipo de transgressão estão sendo politicamente espertos, quando apenas fogem de suas responsabilidades como homens públicos que se pretendem "íntegros", conforme pregou outro dia o governador Serra. Não contestam coisa alguma, coonestam e assim vão amaciando, "respeitosamente", o caminho rumo ao Palácio do Planalto.

Pode até ser que a estratégia dê certo sob o ponto de vista eleitoral da oposição. Mas é um desserviço à democracia, que, ao contrário do que parece pensar o governador Aécio, não significa liberdade para transgredir, mas respeito ao direito - e ao dinheiro - de todos.

Modo de operação

O diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, Wilson Trezza, diz que a Abin não tem como prevenir ações violentas do MST.

Considerando a quantidade de atos de violência já cometidos pelos sem-terra, tal declaração se não é fruto de incompetência é produto de conivência.

Dominatrix

Lula controla o Congresso, indicou quase todos (8 dos 11) ministros do Supremo Tribunal Federal, fez a Petrobrás retroceder aos tempos de controle político e agora quer dar um chega para lá em Roger Agnelli, porque o presidente da Vale não lhe presta a reverência exigida.


É por essas e muitas outras que o presidente da República vocifera contra os "excessos" do Tribunal de Contas da União. À exceção de seu ex-ministro das Relações Institucionais José Múcio Monteiro, Lula não conseguiu emplacar uma indicação ao TCU.

O consenso clientelista

Demétrio Magnoli
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


"O povo não quer migalha, nem cesta básica, nem esmola." Foi assim que, em 1999, Lula denunciou o Bolsa-Escola de FHC. Uma conversão completa demandou apenas três anos: na campanha que o conduziu à Presidência, Lula anunciou o Fome Zero, do qual surgiria o Bolsa-Família. O PSDB, por sua vez, exibiu-se aos eleitores de 2006 como um partido sem rumo que oscilava entre a proposta paternalista de condicionar efetivamente a concessão do benefício à frequência escolar das crianças pobres e a proposição suicida de criar "portas de saída" para os beneficiários do programa.

Há pouco, posicionando-se para a campanha de 2010, os tucanos fizeram a sua própria conversão: enterraram as críticas, diagnosticaram o Bolsa-Família como uma continuidade da política social de FHC e prometeram ampliá-lo ainda mais. Todos, agora, estão ansiosos para emitir cheques visados a potenciais eleitores.

O Fome Zero nasceu como um programa de distribuição de cupons alimentares, não de dinheiro. O Lula triunfante de 2003 proclamou que 44 milhões de famélicos aguardavam, em silencioso desespero, um gesto salvador de seu governo. Seu ministro do Combate à Fome, o agora esquecido José Graziano da Silva, exibiu a nova política como o marco zero de uma revolução que uniria a reforma agrária, o florescimento da agricultura familiar e a garantia da segurança alimentar. Num país encantado pela ascensão do retirante nordestino ao palácio dos palácios, poucos ousaram apontar a natureza farsesca daquele discurso.

No Brasil, a fome aberta é um fenômeno marginal, escrevi em outubro de 2002, acrescentando que a pobreza se manifestava essencialmente como carência de renda. O artigo concluía que o programa de Lula "fornece um poderoso instrumento de manipulação política para as elites e oligarquias regionais". A alternativa proposta era algo como o Renda da Cidadania, defendido pelo senador Eduardo Suplicy. Previsivelmente, os áulicos acadêmicos do lulismo acusaram-me de sabotar o programa da redenção dos miseráveis. Entretanto, as pesquisas do IBGE logo evidenciaram que a subnutrição se confinava a uma franja diminuta da população - e o governo inventou o conceito, tão patético quanto efêmero, de "fome gorda".

Graziano da Silva durou apenas um ano. Seu Ministério foi englobado pela pasta do Desenvolvimento Social e o programa de distribuição de cupons alimentares deu lugar ao Bolsa-Família, que distribui dinheiro vivo. A nova política nasceu pela unificação e expansão de programas sociais de FHC - e, naturalmente, os porta-vozes do oficialismo nas universidades fingiram, sem corar, que não ocorrera nenhuma ruptura entre o projeto da salvação pela cesta básica e o programa da redenção pelo cheque.

O dinheiro distribuído pelo Bolsa-Família é utilizado, prioritariamente, para cobrir custos de transportes e na aquisição de materiais de construção e eletrodomésticos. Nada há de surpreendente - nem de errado - nisso. Em sucessivos atos falhos, Lula renegou sua acusação original de que os cheques do governo constituem esmolas e crismou os críticos como defensores da transferência "para os ricos" do dinheiro "que a gente está dando para os pobres". As palavras do presidente escancaram tudo o que existe de desprezível no modelo atual do Bolsa-Família.

É um equívoco teórico e uma narrativa política retrógrada explicar a reeleição de Lula como fruto do Bolsa-Família. A vitória do presidente refletiu o ciclo de expansão da economia mundial, o crescimento econômico brasileiro, os aumentos do salário mínimo e da renda dos trabalhadores - e a incompetência do candidato oposicionista. O cheque do governo produziu votos, mas representou um fator subsidiário no resultado final. Contudo, numa democracia séria, mesmo isso seria intolerável.

A reviravolta pré-eleitoral do PSDB atesta a natureza deletéria do Bolsa-Família. Os tucanos descobriram que, no caminho rumo ao poder, não é eleitoralmente eficaz formular ideias passíveis de interpretação como uma intenção de retroagir em benefícios monetários.

Também descobriram as vantagens que poderão usufruir, no futuro próximo, das prerrogativas de reajustar valores de cheques e expandir o universo de beneficiários. A conversão oportunista sinaliza a assinatura de um contrato entre os grandes partidos. Eles decidiram conceder uns aos outros o direito de intercambiar cheques presidenciais por votos. No mesmo ato, tacitamente, impuseram à Nação a renúncia a uma política republicana de combate à pobreza por meio da transferência de renda.

O projeto de Renda da Cidadania sustenta-se sobre dois pilares. O primeiro é a proposição de que uma renda básica constitui direito universal, de brasileiros pobres e não-pobres, a ser consagrado na lei e realizado em prazos compatíveis com as disponibilidades orçamentárias.

O segundo é a ideia de criação de uma agência pública independente de gestão do programa, com a missão de universalizar os benefícios e a prerrogativa de definir valores e destinatários dos cheques segundo critérios apartidários. A Renda da Cidadania continuaria a incentivar o consumo dos pobres, mas as transferências de dinheiro perderiam o estatuto de dádiva para adquirirem o de direito. Nessa mudança de princípio se encontram tanto a sua força conceitual quanto, desgraçadamente, a sua fraqueza política.

São remotas as chances de o projeto de Renda da Cidadania prosperar. O povo "não quer esmola", como disse Lula quando ainda não se apresentava como o sucessor de Getúlio Vargas, mas as elites políticas confluem em torno da proteção de seu privilégio de dar esmola. Menos de uma década atrás havia ainda uma barragem de crítica ao clientelismo, oriunda dos intelectuais e da universidade. Isso hoje se perdeu, no labirinto da adesão ao lulismo. Os coronéis intercambiavam votos por dentaduras. Nós vivemos no tempo das dentaduras pós-modernas.

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP.

Lula é mais forte que PT; Dilma, não

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Sem outra possibilidade em 2010 a não ser ir embora para casa, mas com um enorme ativo político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem exercido de forma plena o papel de articulador principal da sua sucessão. As definições que têm passado pelo Palácio do Planalto dificilmente encontram a oposição do PT e são em torno delas que se têm organizado o quadro eleitoral.

Em alguns Estados, os diretórios petistas se anteciparam e impuseram suas escolhas nas articulações nacionais. É o caso do Rio Grande do Sul, onde o ministro Tarso Genro, candidato a governador, conseguiu rapidamente um alto índice de intenções de votos nas pesquisas e se viabilizou como o melhor palanque no Estado para a candidatura da ministra Dilma Rousseff à Presidência. No Mato Grosso do Sul, Zeca do PT pode se impor como candidato a despeito da aliança que está sendo selada por Lula, em nome do PT, com o PMDB. O Rio Grande do Sul, no entanto, é um Estado onde as chances de uma aliança do PT e do PMDB se aproximavam naturalmente de zero, e no Mato Grosso do Sul as divergências não chegam a comprometer os interesses nacionais das legendas.

É em São Paulo, contudo, que a ação quase pessoal de Lula nas articulações políticas em favor da candidatura da ministra Dilma Rousseff deixou sua maior marca. Quando convenceu o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) a transferir o seu título de eleitor para o Estado, o presidente conseguiu bloquear as iniciativas do PT paulista para lançamento de uma candidatura ao governo e as conversas com os aliados de esquerda para fechar a chapa ao Senado.

O PT paulista tem um histórico de poder sobre o partido nacional que está na origem da legenda. Do Estado emergiram as lideranças sindicais mais expressivas - Lula inclusive e principalmente - e os grupos originários da esquerda armada, reorganizados no período pós-anistia em torno principalmente dos jornais alternativos sediados no Estado. Segundo o jornalista Bernardo Kucinski em "Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa" (Editora da Universidade de São Paulo, 2003), houve uma organização de contornos partidários em torno principalmente dos alternativos Opinião e Movimento nos anos que precederam o início da redemocratização, e desses jornais e de seus sucedâneos originaram-se parte dos grupos que aderiram ao PT sem perder a identidade. Das chamadas "tendências" petistas, poucas se organizaram fora do Estado. As incansáveis articulações destinadas a tecer um projeto orgânico de partido obrigatoriamente passavam por São Paulo.

O declínio do poder paulista sobre o PT nacional faz parte de um processo histórico que paradoxalmente passa pela vitória de um projeto nacional - a vitória do seu candidato à Presidência em 2002 -, articulado entre esses grupos, e pelo desmonte quase simultâneo dessas facções por uma intrincada aliança interna que deu forma a uma tendência majoritária, incorporando grupos em torno de um projeto de poder pelo voto e isolando outros que se mantiveram mais à esquerda.

A partir de São Paulo, irradiava-se uma aliança de conveniência com um líder carismático - Lula, o presidente petista eleito em 2002 -, que oferecia a ele o conforto de um partido organizado nacionalmente e altamente disciplinado, mas ao mesmo tempo protegia a si próprio com uma militância orgânica e instrumentos de decisão interna que reduziam o risco da predominância da vontade de um líder sobre as decisões coletivas. A expansão do partido nacionalmente, ao longo de eleições construídas em torno da candidatura de Lula, relativizaram a maioria paulista. Em 2005, o envolvimento das lideranças nacionais, a maioria delas paulista, no chamado escândalo do mensalão, acentuou o processo de declínio.

O resultado das eleições de 2006, que reelegeram Lula, já acusavam um grande desequilíbrio entre o líder e o partido. Os mecanismos de proteção das decisões de maioria, que tinham lógica paulista, foram desarmados pela retirada, da cena partidária, de lideranças que eram artífices da aliança entre líder e partido e os promotores do campo majoritário que conteve internamente o conflito entre as antigas facções - o ex-deputado José Dirceu foi o maior deles; e pela ampliação da votação nos outros Estados da federação.

O PT e Lula perderam espaço em São Paulo - o partido caiu de 18 para 14 deputados, embora tenha conseguido reeleger o senador Eduardo Suplicy (SP), talvez o único com uma faixa própria de eleitorado no PT estadual. O PT nacional sofreu perda na representação na Câmara - foram 91 eleitos em 2002 e 82 em 2006 -, mas viu o peso de sua bancada no Nordeste aumentar, na esteira da avassaladora votação que Lula teve na região.

Em 2006, portanto, o PT prosperou nos Estados onde Lula atingiu sua mais alta popularidade, e isso ocorreu nas regiões mais pobres, onde os programas de transferência de renda do governo federal, como Bolsa Família, atingiram maior porcentagem da população. Embora o PT tenha sobrevivido a 2005 e 2006 como o partido ainda líder das preferências do eleitor, Lula foi o grande eleitor das eleições de 2006 e projeta-se como o mais influente cabo eleitoral de 2010.

A hipertrofia de Lula no partido resulta num casamento de conveniência entre líder e estrutura partidária. O PT, hoje, precisa do líder carismático para viabilizar a continuidade de um projeto de poder com uma candidata não carismática, Dilma Rousseff. Lula é o criador político da candidatura e a direção nacional joga suas fichas no poder de transferência eleitoral do presidente, já que não dispõe de outro líder para transitar no cenário eleitoral pós-Lula, e que nas eleições mais recentes, as de 2006, só conseguiu expandir sua influência nas regiões em que o eleitorado se identificava com Lula. Se Dilma for eleita, contudo, inicia-se uma outra fase no partido - não será uma situação de equilíbrio entre o líder e o partido, nem de prevalência do líder sobre o partido, mas uma fase em que a presidente, pelo menos no início do mandato e até conseguir voo próprio, é menor que o PT e dependerá fundamentalmente dele. Se isso ocorrer, será uma situação inédita na história política do país, em que um partido relativamente orgânico sustenta uma presidente que não tem uma história eleitoral. Será uma herdeira dos votos de um líder carismático, mas com seus poderes divididos com um partido mais forte que ela.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Luta pela Vale

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


É difícil saber o que é mais atrasado no capitalismo brasileiro. Se é o presidente da República interferir diretamente numa empresa privada com objetivos políticos; se o empresário Eike Batista adular o governo para ver se consegue apoderar-se da Vale; se o atual presidente da empresa, Roger Agnelli, voar para Brasília para pedir apoio por sua permanência no cargo.

A Vale foi privatizada e os números do seu sucesso como empresa privada são incontestáveis.

Isso não significa que sua gestão não tenha pontos controversos.

Mas é indiscutível a profissionalização da Vale, após o comando de Agnelli.

Este é um caso em que todos os personagens se comportam de forma deplorável.

Eike Batista, que tem uma ambição tão grande quanto sua cegueira para a nova economia de baixo carbono, acredita que assediando poderosos políticos terá vantagens econômicas.

Não há nada de novo em Eike Batista. Ele pensa velho.

Ele aposta em mineração, petróleo, siderurgia, carvão, energia com fontes fósseis. Numa conversa com ele, não se notam vestígios da preocupação que mobiliza hoje os empresários modernos, que percebem as transformações indispensáveis na forma de produção.

Não, Eike não é deste mundo.

Tem os pés bem fincados no mundo fóssil.

Certa vez, ele propôs a Aneel produzir energia no Amapá, vender a preço alto para o governo e recomprar a preço baixo. Quando perguntei a ele sobre isso, ao fim de uma entrevista, ele me disse: “Se todos fazem, por que eu não posso fazer?” Repetiu assim a velha máxima que atrasa o Brasil.

Esse tipo de relação promíscua com empresas e Estado é que fez o governador do Rio e o prefeito da cidade pedirem a Eike Batista seu jatinho emprestado para que eles e suas mulheres fossem a Copenhague. Ora, avião não se empresta. Ele tem um custo e seu uso só exibe esse jogo de favores entre certos empresários e certos políticos que sempre minou a vida brasileira.


Evidentemente, Eike emprestou, como também nunca perdeu qualquer oportunidade de se aproximar do presidente Lula.

Seu objetivo atual, ele não faz segredo para ninguém: quer controlar a Vale.

Seria absolutamente justa essa ambição se ele mobilizasse capital suficiente para comprar o controle da companhia, mas ele quer que isso seja feito através da pressão do governo e com a mobilização do capital dos fundos de pensão de estatais. Para conseguir isso, ele promete a presidência da empresa a Sérgio Rosa, da Previ.

O Brasil já errou muito nos fundos de pensão e duas lições ficaram: eles não podem ser braços do governo; nem podem ser massa de manobra de empresários que querem exercer o poder dando aos fundos apenas o direito de pagar a conta. Os fundos pertencem aos seus trabalhadores e têm compromissos de longo prazo com as aposentadorias deles. Seus investimentos têm que ter essa visão e esse cuidado. Não são recursos governamentais.

É um dinheiro constituído pelos funcionários e pela empresa, em nome dos trabalhadores. Os bons administradores devem fugir de manobras políticas, porque os governos passam, seus compromissos atuariais ficam.

A gestão de Roger Agnelli na Vale tem inúmeros avanços.

A melhor delas foi a recente liderança de um movimento para que as empresas explicitem suas emissões de gases de efeito estufa, tenham metas de redução dessa emissão e cobrem do governo metas ambiciosas em Copenhague em relação aos terríveis perigos da mudança climática.

Seu maior erro foi, no atual governo, pensar que se blindava se ficasse amigo do rei.

Essa relação excessivamente próxima de uma empresa privada a um presidente intervencionista como Lula é uma faca de dois gumes.

Agnelli agora está sendo espetado pelo segundo. E o que faz? Em vez de se preocupar em prestar contas de todo esse imbróglio aos seus milhares de acionistas nacionais e estrangeiros, na Bolsa de Nova Iorque ou na Bovespa, aos trabalhadores que usaram seus recursos de FGTS para apostar na companhia, Roger Agnelli pega um avião e voa para Brasília para pedir uma audiência — que lhe foi negada — com o presidente da República. Ou vai ao presidente da Câmara, Michel Temer, do notório PMDB, para explicar não se sabe o quê. Roger Agnelli deve explicações e informações aos acionistas minoritários, tanto sobre suas decisões como administrador, quanto sobre as pressões que vem sofrendo do governo Federal. Se acha que o acerto será feito com conversas de bastidores no Palácio do Planalto, que seu cargo será confirmado por favor presidencial, então ele entrou num jogo que vai derrotar a empresa.

Do tempo da privatização, ficou uma contradição: uma parte do capital da Vale pertence ao BNDES. Mas grande parte das maiores empresas no Brasil já se acostumou a depender do BNDES para empréstimos subsidiados e para entrar com parte do capital. O banco é acionista minoritário, que não participa da gestão de inúmeras empresas brasileiras.

Por que na Vale seria diferente? Se essa conspiração governo Eike-fundos-BNDES atingir seu objetivo, o país terá dado um gigantesco passo para trás.

Candidato já

Panorama Político :: Ilimar Franco
DEU EM O GLOBO

O governador Aécio Neves (MG) quer antecipar a data da escolha do candidato da oposição à Presidência da República. “Temos que iniciar janeiro com a candidatura definida. Não devemos deixar para março”, disse Aécio Neves, discordando da tese defendida pelo governador José Serra (SP).

Ontem, em Pirapora (MG), na frente dos ministros Geddel Vieira Lima e Dilma Rousseff, o deputado Ciro Gomes (PSB) afirmou: “Se o Aécio for candidato a presidente, eu não preciso concorrer”.

O imobilismo de Serra

Brasília-DF :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE

Cresce na cúpula do PSDB a preocupação com o fato de o partido não ter um eixo de intervenção na cena política, como se a volta da legenda ao poder fosse ocorrer por gravidade. No DEM e no PPS, a preocupação é a mesma, haja vista a falta de convergência programática e um discurso unificado da oposição ao governo Lula. Embora com pose de futuros ministros de Estado, parlamentares tucanos também não escondem a apreensão com o imobilismo do governador de São Paulo, José Serra. Favorito nas pesquisas para a sucessão de 2010, o governador paulista se finge de morto para não despertar a ira dos petistas, como se a atual vantagem na opinião pública fosse o sinal inequívoco de que a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no papo.

No xadrez político, Serra se movimenta com extrema cautela e não dá sinais de que busca uma grande composição política com o governador de Minas, Aécio Neves. Este, por sua vez, insiste nas prévias para escolha do candidato a presidente da República do PSDB. Rechaça a possibilidade de abrir mão da cabeça de chapa para ser vice. Prefere concorrer ao Senado se não for o candidato do PSDB. Serra também não dá segurança aos aliados do PMDB, como o senador Jarbas Vasconcelos (PE) e o prefeito de Porto Alegre, José Fogaça (RS), fortes concorrentes aos governos de Pernambuco e Rio Grande Sul, respectivamente. Enquanto isso, o presidente Lula catapulta a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), que pôs o pé na estrada. Ciro Gomes (PSB) e Marina Silva (PV) também já foram à luta.

Ofensiva pró-Dilma busca forçar Ciro a um recuo

Jarbas de Holanda
Jornalista

No cenário descrito aqui quarta-feira passada – de previsível reforço da já elevada popularidade de Lula em face do impacto gerado pela escolha do Rio como sede das Olimpíadas de 2016 – multiplicaram-se desde então as ações político partidárias e político-administrativas para afirmação da candidatura da ministra Dilma Rousseff. E com a proclamação de que ela é candidata única do governo, na retomada da perspectiva de conversão da disputa presidencial num confronto em torno do lulismo. Perspectiva posta em xeque nos últimos dois meses pela emergência da alternativa de um lulismo paralelo, sem os desgastes do petismo, representada por Ciro Gomes.

Por isto mesmo, as ações político-partidárias acima referidas trataram de combinar a formalização de pré-acordo entre o PT (o governo) e as duas alas dirigentes do PMDB, (que indicarão o candidato a vice), com o cerco aos partidos da base governista suscetíveis de se vincularem a Ciro –já bem sucedido no caso do PDT, e do PC do B que, juntos com o PSB, compunham o chamado bloquinho de esquerda da Câmara e agora caminham para integrar-se à campanha dilmista. Cerco que se estende a duas outras legendas de centro-direita – o PP e o PR.

Quanto às ações político-administrativas - ligadas a projetos, obras e programas assistencialistas do governo e à capitalização do pré-sal e das Olimpíadas, bem como de festas e atos religiosos - a candidata tem incluído em sua agenda o mais que pode, delas e deles, nas diversas regiões do país. A fim de conseguir o máximo possível de presença na mídia, capaz de lhe propiciar, logo, uma melhora dos precários índices de intenção de votos que tem obtido, inferiores aos de Ciro e fatores de questionamento de sua candidatura no PMDB e demais partidos da base governista, inclusive no PT.

Consiga ela, ou não um aumento desses índices já nas próximas pesquisas, a grande operação desencadeada em seu favor vem produzindo uma consequência política imediata: o isolamento da candidatura de Ciro Gomes. Que, além da barragem a possível aliança do PSB com outros partidos, também foi alvo – como revelou a Veja desta semana – de uma ameaça do chefe da articulação dilmista, o ex-ministro José Dirceu, ao próprio governador do Ceará, Cid Gomes (irmão de Ciro): a de ruptura da aliança local para sua reeleição, por meio do lançamento para a disputa do cargo da prefeita petista de Fortaleza, Luziane Lins, se a candidatura presidencial de Ciro for mantida. O que se articula, ainda (desde que seja evitado um conflito agudo entre o Palácio do Planalto e Ciro), com a renovação do empenho da cúpula nacional do PT para que ele abandone o projeto nacional em troca da candidatura ao governo paulista.


De Palocci à gastança atual

(Trechos de artigo de Rubens Ricupero –
“Metódica descontinuidade”, na Folha, de 11/10)

“Isolada do resto do governo, a recente deriva da política externa não parece fazer muito sentido. Por que afagar o Irã e hostilizar a Colômbia? Porque tentar constranger Obama como réu em encontro da Unasul e armar o circo da embaixada em Honduras?

As fichas começam a cair quando se constata que de oito meses para cá, o governo se empenha em sistemática afirmação de uma identidade própria”. “O pré-sal e a crise financeira fornecem as duas oportunidades para justificar a descontinuidade em relação ao período anterior”. “A crise fez do pecado de gastar uma virtude redentora.

Legitima arquivar em definitivo a receita proposta por Palocci e Delfim para aumentar o superávit primário até zerar o déficit nominal. A nova política, que mercados financeiros e agências de risco confundem com a antiga, consiste no crescimento puxado pelas despesas do governo e pelo consumo de massa”.

“A cara definitiva da era Lula não é a dos amargos cortes da gestão Palocci. O presidente se sente bem mais à vontade banhado no suculento caldo de benesses que lhe assegure, como admite, um lugar ao lado de Vargas no panteão dos benfeitores”. “A diplomacia é um dos elementos que se encaixam nesse conjunto. Para quem acha que algumas das mudanças que ela tem sofrido não fazem sentido, é bom lembrar a reação de Polônio ao desvario de Hamlet: embora seja loucura, existe nele boa dose de método”.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Acordo em Honduras fica mais próximo

Ana Flor e Fabiano Maisonnave
Enviados Especiais a Tegucigalpa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Negociadores chegam a um texto consensual, mas Micheletti e Zelaya discordam sobre instância que deve ratificá-lo

Presidente golpista quer que Justiça decida sobre validade de pacto; para deposto, papel cabe ao Congresso; diálogo continuará hoje

Depois de os representantes do governo golpista de Honduras e do presidente deposto Manuel Zelaya na mesa de negociações chegarem ontem a um texto consensual para resolver a crise política do país, o presidente interino, Roberto Micheletti, voltou a afirmar que "até agora, não há acordo".

As afirmações de Micheletti se deveram a um desentendimento sobre qual instância de poder iria ratificar o texto final. O governo interino quer que seja a Corte Suprema de Justiça, enquanto Zelaya defende que seja o Congresso.

"Estão pedindo que seja o Congresso a decidir se [Zelaya] vai regressar ou não. Mas esse é um assunto legal, cabe à Corte de Justiça", disse o presidente interino. "Amanhã [hoje], os negociadores voltam a conversar", acrescentou.

Na prática, Micheletti rechaçou o texto acertado pelos seus próprios negociadores. A insistência se dá porque, embora tanto o Congresso quanto a Justiça tenham apoiado o golpe contra Zelaya, por considerarem ilegal a insistência do presidente deposto em promover consulta popular sobre a realização de uma Assembleia Constituinte, o Legislativo se mostrou menos favorável a Micheletti desde que Zelaya voltou ao país e se refugiou na Embaixada do Brasil, há 25 dias.

O Congresso determinou, inclusive, que o presidente interino recuasse de um decreto que suspendeu liberdades civis no país e permitiu o fechamento de dois meios de comunicação pró-Zelaya.

Já com a restituição de Zelaya nas mãos da Corte Suprema, seu retorno ao cargo poderia ser atrasado indefinidamente, de acordo com o ritmo de votação dos magistrados. Ou, ainda, a corte poderia rejeitar sua volta, já que os mesmos magistrados aprovaram a destituição do presidente em junho.

"Há um texto ainda em discussão, é o máximo que posso dizer neste momento", disse Zelaya, após reunião com seus delegados, na embaixada brasileira. "Uma coisa é o texto, outra coisa é o acordo, e outra coisa é a assinatura, tudo vai passo a passo."

Ultimato


Na semana passada, quando uma comitiva da OEA (Organização dos Estados Americanos) esteve em Tegucigalpa para promover o diálogo entre os dois lados do conflito, Zelaya havia estabelecido hoje como o prazo final para que se chegasse a um acordo para a sua volta ao poder. Caso contrário, ele prometeu não aceitar a realização das eleições marcadas para 29 de novembro, na qual será eleito o seu sucessor.

O principal representante de Zelaya nas negociações, o ex-ministro do Interior Victor Meza, disse após a reunião de ontem na embaixada à Folha que o presidente deposto "aprovou o texto com algumas modificações", mas também se recusou a dar detalhes. "O que temos agora é uma base comum, negociada, para assinar o acordo", limitou-se a dizer.

O conteúdo do texto que foi levado ontem aos dois principais atores da crise não foi divulgado pelos negociadores. Mas ele incluía a restituição de Zelaya à Presidência em algum momento das próximas semanas, de acordo com um calendário a ser negociado -a ideia dos golpistas até anteontem era que a eventual volta só ocorresse após as eleições.

No início da tarde, ao deixarem o hotel onde ocorrem as negociações, os representantes dos dois lados se diziam otimistas. "Estamos satisfeitos com o texto", disse o principal negociador de Zelaya, Victor Meza. "Não é um fim para a crise, mas é uma saída", acrescentou ele.

Vilma Morales, representante de Micheletti, evitou discutir os detalhes do que fora acordado. Segundo ela, foram discutidas todas as propostas que estavam na mesa de negociações -como a apresentada anteontem, que previa uma série de renúncias e a posse de um conselho de ministros, que decidiria sobre a volta de Zelaya.

"Se precisarmos, vamos até o último minuto discutindo", afirmou Morales.

Eventual acordo não bastará para reverter prejuízos à economia

Ana Flor
Enviada a Tegucigalpa
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Golpe intensifica efeitos da crise sobre Honduras; estimativa é de 180 mil novos desempregados e 650 mil novos pobres no país

Queda no influxo de turistas, corte em ajuda internacional e percalços no comércio com vizinhos também ajudam a formar quadro desolador


Um acordo que promova o entendimento político em Honduras e a restauração da democracia não irá significar o fim da crise que vive o país centro-americano.

As perdas sociais e econômicas ocorridas com a crise internacional que se iniciou em 2008 se agravaram depois do golpe de 28 de junho, quando a retirada do presidente Manuel Zelaya da Presidência levou a comunidade internacional a cortar repasses e ajuda financeira ao país, além de afugentar milhares de turistas.

Para a organização Fórum Social de Dívida Externa e Desenvolvimento de Honduras (Fosdeh), nos próximos meses entre 650 mil e 700 mil de hondurenhos deixarão a classe média para ingressar no grupo que vive em situação de pobreza, o que elevaria para 70% da população de quase 8 milhões a fatia nessa situação.

Mesmo que os negociadores cheguem a um consenso nesta semana, a tarefa de reocupar os 180 mil novos desempregados dos últimos meses, segundo dados oficiais, ficará para o próximo presidente, que assume em janeiro. A informalidade e o subemprego também cresceram e atingem hoje pelo menos 40% dos hondurenhos.

O turismo é o setor mais afetado pela crise. Terceira maior fonte de recursos do país, teve uma queda de entre 40% e 70%. Ministro do Turismo na gestão de Manuel Zelaya, Ricardo Martínez diz que nos últimos três meses 120 mil turistas deixaram de visitar o país. A baixa ocupação dos hotéis, que chegou a 8%, segundo ele, em algumas regiões, ameaça empregos.

Outra fonte de renda do país, o setor de confecção de roupas sofreu com a adoção em reiteradas ocasiões do toque de recolher, que atingiu os turnos das empresas. Com o aumento de 60% que Zelaya deu ao salário mínimo, muitos empresários começaram a pensar em se mudar para outros países da região. "Não podemos deixar um setor tão importante à sua própria sorte", diz Adolfo Facussé, um dos principais empresários do país.

Apesar de apoiar o golpe, a poderosa Associação Nacional de Indústrias de Honduras, que ele preside, hoje é uma das principais forças de pressão para que o governo interino de Roberto Micheletti chegue a um acordo para pôr fim à crise.

Os Estados Unidos cortaram, desde junho, cerca de US$ 70 milhões em repasses para programas sociais, construção de estradas e treinamento militar. Segundo o embaixador americano, Hugo Llorens, apenas os repasses de ajuda humanitária foram mantidos. Já a União Europeia cortou o equivalente a US$ 95 milhões.

Não foram apenas as grandes economias que cancelaram repasses ou trocas economicamente rentáveis a Honduras. Nas horas após o golpe, países vizinhos que formam o Sica (Sistema de Integração Centro-Americana) fecharam suas fronteiras, prejudicando o fluxo de bens de consumo. Esses países concentram 19,3% das exportações e 18,9% das importações de Honduras, segundo a ONG Grupo Sociedade Civil.

Com a escassez de recursos externos, o governo interino tem usado as reservas do país para manter a máquina funcionando. O vice-ministro de Comércio Exterior de Zelaya, Jaime Turcios, diz que já foi gasto pelo menos US$ 1 bilhão desde o golpe.

Ele enumera ainda as perdas comerciais causadas pela suspensão das trocas com países da região e da América do Sul. "Os golpistas eram tão contrários à entrada de Honduras na Alba [Aliança Bolivariana para as Américas, bloco liderado pela Venezuela], só que até agora não houve um movimento do Congresso para sair", afirma ele, atribuindo a decisão aos ganhos comerciais que Honduras obtém da troca comercial.

Insulza diz ver "esperança" em texto acordado

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), José Miguel Insulza, expressou otimismo ontem sobre a possibilidade de um acordo que solucione o impasse político em Honduras.

Insulza disse estar "satisfeito com o avanço obtido até agora", em alusão ao texto comum alcançado pelos negociadores e pendente do aval do governo golpista e do presidente deposto, Manuel Zelaya.

Para o secretário-geral, "há esperança de uma solução hondurenha a uma crise hondurenha", posição privilegiada pela OEA depois do fracasso da última tentativa de mediação.

Insulza disse esperar que a possibilidade se concretize e que "os hondurenhos adotem seus acordos", mas recusou-se a comentar o texto acordado pelas partes e alertou para o "excesso de otimismo".

"[O diálogo] não está terminado até que esteja terminado" disse Insulza, que destacou ainda faltar o momento crucial -assinatura pelos protagonistas da crise política desatada pelo golpe. "[Mas] os acordos substantivos estão adotados", emendou o secretário-geral da OEA.

José Serra acusa falta de investimento em irrigação

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

SÃO PAULO –
O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), criticou ontem – dia do desembarque da comitiva presidencial para vistoria das obras de transposição do Rio São Francisco – a “absoluta ausência” de investimentos em irrigação nas margens do rio.

Embora o comando do PSDB encare a participação da ministra Dilma Rousseff como demonstração do esforço do presidente Lula por sua candidatura, Serra não quis comentar. Mas, ao descrever sua viagem ao semiárido de Pernambuco, no sábado passado, o governador contou ter visitado um projeto de irrigação desativado, além de um assentamento “que não tem água nem para beber”. “Vai fazer transposição do São Francisco, tudo bem. Mas áreas que já estão na beira do rio deveriam ser irrigadas (...) É curioso, enquanto se cuida da transposição, não cuidar da posição daqueles que já estão nas margens do rio”, afirmou o tucano.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse que essa não é uma visita à obra, mas um “festival eleitoral”.

Aécio defende agenda própria

Luiz Ribeiro
Enviado especial
DEU NO ESTADO DE MINAS

Governador cobra dos partidos de oposição estratégia de divulgação das suas propostas desvinculada da ação dos governistas. Ele avalia as viagens de Lula como parte do jogo


Buritizeiro e Pirapora – O governador Aécio Neves (PSDB) cobrou dos partidos que fazem oposição ao governo federal a criação de uma estratégia para divulgar o projeto de sua candidatura à Presidência da República, de forma independente, mostrando suas propostas sobre as mudanças que o Brasil precisa. Mas, sem se preocupar com a agenda governo. Aécio fez essa ponderação ao falar sobre o comportamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem iniciou por Minas Gerais uma viagem ao Vale do São Francisco, levando a minitra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, pré-candidata a presidente pelo PT, tendo na comitiva também a presença do ex-ministro da Integração Nacional, o deputado Ciro Gomes (PSB), outro presidenciável, da base governista.

“Acho que o presidente tem todo o direito de viajar pelo país. Isso faz parte do jogo político. Eu não me preocupo com essas viagens. Acho que elas são legítimas, da mesma forma que nós, da oposição, de forma respeitosa, temos que ter a nossa estratégia. Mas, que não precisa ser igual à estratégia do governo. A nossa estratégia não pode ser pautada pela estratégia do governo federal”, acentuou.

Aécio disse que o presidente Lula “deve continuar viajando pelo país e, sempre que vir a Minas, será bem recebido”. Por outro, assinalou: “nós pretendemos – devemos – estabelecer uma estratégia para mostrar as mudanças que precisam ocorrer no Brasil”. O governador mineiro avaliou que “o presidente (Lula) busca viabilizar uma candidatura no seu campo – o que é natural –, uma candidatura que nunca teve nenhum desafio eleitoral. Por isso, ele está dedicando a levar sua candidata à maior parte do Brasil. Vejo isso como parte do jogo democrático. Felizmente, vivemos numa democracia”.

Afagos Ao ser indagado sobre a presença do ex-ministro Ciro Gomes na comitiva do presidente Lula em Buritizeiro, Aécio reagiu: “Ele está aí? Eu não sabia”. Depois, fez elogios ao deputado do PSB, lembrando que goza de sua amizade. “Tenho dito que alguém que está no campo adversário não deve ser recheado de defeitos somente porque está em outro campo. Sei reconhecer as virtudes dos adversários”, declarou.

"Acho que elas (as viagens de Lula) são legítimas, da mesma forma que nós, da oposição, de forma respeitosa, temos que ter a nossa estratégia. Mas, que não precisa ser igual à estratégia do governo"Aécio Neves, governador

Deputado tucano ataca o presidente

Leonardo Augusto
DEU NO ESTADO DE MINAS

O líder da maioria na Assembleia Legislativa, Domingos Sávio (PSDB), afirmou ontem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, cometem crime eleitoral por terem utilizado aviões e veículos públicos na viagem que fizeram ontem a Pirapora e Buritizeiro, Região Norte de Minas. Dilma é a pré-candidata de Lula nas eleições para o Palácio do Planalto em 2010. Para o parlamentar, a visita do presidente ao estado foi exclusivamente para fazer campanha para Dilma. “Lula administra um orçamento de trilhões de reais, é responsável pela vida de 200 milhões de brasileiros e vem inaugurar uma obra de R$ 15 milhões?”, indagou Domingos Sávio. Os R$ 15 milhões, conforme o parlamentar, são referentes a investimentos do governo federal em obras de revitalização do Rio São Francisco, que corta a região visitada ontem pelo presidente.

Domingos Sávio, um dos deputados estaduais mais próximos ao governador, disse que Aécio já investiu mais de R$ 2 bilhões na revitalização do São Francisco. O parlamentar lembrou que as viagens de Lula ao lado de Dilma já vêm acontecendo há mais tempo. Mas, agora, conforme o deputado, “está descarado”. “O PSDB sempre foi tolerante como oposição. Em Minas sempre fomos bons anfitriões. O PT, no entanto, mesmo em território mineiro, mesmo tendo no estado Aécio Neves como pré-candidato, se mobiliza para organizar vaias, ser hostil (contra os tucanos). Convivemos com isso por sermos tolerantes, mas agora passou a ser perigoso para a democracia no país”, avaliou Domingos Sávio.

Para o parlamentar, “o fato de Lula ter popularidade alta não lhe dá o direito de desrespeitar regras eleitorais e levar a ministra (Dilma Rousseff) a tiracolo, chegando ao ponto de inaugurar uma obra relativamente pequena para ter exposição na mídia. O que o presidente veio fazer foi procurar os holofotes da imprensa”, disse o deputado. Para Domingos Sávio, o presidente e a ministra deveriam estar em Brasília “tentando encontrar formas de repassar o R$ 1 bilhão devido a Minas por ressarcimento das perdas com a Lei Kandir (que desonera exportações) e encontrando formas de repassar recursos para o metro da capital”.

Serra: 'É curioso esquecer os que estão nas margens'


DEU EM O GLOBO

Serra volta a criticar falta de investimentos em irrigação nas áreas ribeirinhas

SÃO PAULO e BRASÍLIA. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), criticou ontem a falta de investimentos em áreas ribeirinhas do Rio São Francisco.

Ele disse que há grande preocupação com a transposição do rio, mas afirmou que os recursos para a irrigação na área são escassos. Segundo ele, os investimentos foram paralisados nos últimos 6 ou 7 anos, prejudicando a população que vive praticamente sem água.

As declarações foram feitas no momento em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz uma viagem por três estados para vistoriar obras de transposição do Rio São Francisco. Pré-candidato à Presidência pelo PSDB, Serra visitou no último fim de semana municípios próximos a Petrolina, em Pernambuco, por onde passa o São Francisco. Ele disse que foi até o semiárido do Nordeste para acompanhar de perto os problemas.

— Constatei lá foi a ausência de investimentos em irrigação. Vai fazer transposição do São Francisco, tudo bem. Agora, as áreas que já estão na beira do rio deviam ser irrigadas. É curioso cuidar da transposição e esquecer os que estão nas margens do rio — disse Serra.

Em Brasília, o líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), comparou o presidente Lula, no comando da caravana pelo São Francisco, a um soberano árabe.

— É uma caravana de xeque árabe, o Ali Lulá. É um verdadeiro hotel cinco estrelas, com suítes, que estão chamando de alojamento. Com o que vão gastar lá, dá para fazer cem casas para a população.

Para Aníbal, a viagem é um capítulo do que chamou de campanha eleitoral antecipada e ilegal de Dilma

Serra vê falha no combate à seca

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governador de São Paulo, José Serra, provável candidato do PSDB à Presidência, apontou ontem falhas nas ações do governo federal de combate à seca. Serra disse que em Pernambuco investimentos em irrigação foram paralisados e canais de abastecimento de terras próximas do Rio São Francisco estão abandonados. "Você vai fazer a transposição do São Francisco, tudo bem. Agora atenda também as áreas que estão na beirada do rio e deveriam ser irrigadas. E, no entanto, isso foi paralisado", cobrou o tucano.

O governador paulista visitou no fim de semana a região de Petrolina (PE). "Eu estive num assentamento feito há alguns anos em terras do semiárido consideradas boas, onde irrigando a produtividade é muito alta, mas não tem água nem para beber, apesar de estar perto do rio", afirmou. "Não haveria motivo para não investir nisso. Não são coisas excludentes", completou, referindo-se à obra de transposição do Rio São Francisco.

Mantega recua e anuncia restituição de IR este ano

Martha Beck
DEU EM O GLOBO

Ministro determina à Receita que faça pagamento até dezembro

Após o governo ter sido fortemente criticado, na semana passada, ao admitir que estava segurando as restituições do Imposto de Renda de pessoas físicas para cumprir metas fiscais, o ministro Guido Mantega ordenou ontem à Receita Federal que faça o pagamento aos contribuintes até o fim do ano. Com a arrecadação em queda há dez meses consecutivos, o Tesouro tinha a intenção de usar R$ 1,5 bilhão dos recursos destinados à devolução de impostos ao contribuinte para atingir o superávit primário (economia para pagar juros da dívida pública).

“Praticamente todo mundo vai receber em 2009”, prometeu Mantega. Segundo o ministro, algumas declarações podem ficar para 2010 por estarem em malha fina ou não terem sido processadas.

Governo recua e pagará restituição do IR este ano

Após onda de críticas, ministro da Fazenda determina à Receita que devolva os valores retidos até dezembro

BRASÍLIA e BARRA (BA). O ministro da Fazenda, Guido Mantega, ordenou à Receita Federal que pague as restituições do Imposto de Renda (IR) de 2009 dos contribuintes até o fim do ano. A decisão foi tomada após o governo ter sido fortemente criticado, na semana passada, ao admitir que estava represando as restituições de pessoas físicas para cumprir as metas fiscais.

Como a arrecadação está em queda há dez meses consecutivos, o Tesouro tinha a intenção de usar cerca de R$ 1,5 bilhão dos recursos destinados à devolução de impostos aos contribuintes para fazer o superávit fiscal primário (economia de dinheiro para o pagamento de juros da dívida pública).

— Determinei à Receita Federal que pague as restituições nos sete lotes deste ano (de junho a dezembro). Praticamente todo mundo vai receber em 2009 — disse Mantega, lembrando que algumas declarações podem ficar para 2010 por estarem em malha fina ou não terem sido processadas. — Sempre fica um resíduo para o ano seguinte. Isso é normal.

Pagamentos serão concentrados em dezembro O ministro disse ainda que o último lote, pago em dezembro, será bem maior, pois as restituições acompanham o comportamento da arrecadação, que estará maior no encerramento do ano, segundo as expectativas do governo.

Na semana passada, o ministro chegou a dizer que 2009 tem sido um ano difícil do ponto de vista das receitas e, portanto, as pessoas físicas poderiam acabar tendo que esperar mais para receber as restituições. A afirmação foi chamada de confisco pela oposição e por economistas, que alegaram que o governo estaria preferindo sacrificar a classe média a cortar despesas.

Os gastos federais já subiram 12% em termos reais este ano, sendo que só as despesas com pessoal tiveram alta de 15% — a União decidiu não usar o dispositivo previsto em lei para, em meio à crise, adiar reajustes prometidos ao funcionalismo. Ao mesmo tempo, o governo fez desonerações que somam R$ 25 bilhões e repassou recursos a prefeituras para compensar perdas na arrecadação federal, que já caiu 4,2% em 2009.

O presidente Lula defendeu sua equipe, afirmando que faltou compreensão com o governo, sobretudo porque as restituições do IR são corrigidas com base na Taxa Selic, que tem custos para a União. Assim, o represamento das restituições não seria vantajoso para a União.

Em 2003, o governo chegou a anunciar que pagaria as restituição do IR de dezembro apenas em janeiro de 2004 para não afetar os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A medida, no entanto, foi tão criticada que o governo recuou e devolveu os recursos em três lotes ao longo do mês.

Todos os anos, as restituições do IR são pagas em sete lotes entre junho e dezembro, sempre por volta do dia 15 de cada mês.

Os primeiros a receber a devolução do imposto são contribuintes acima de 60 anos que têm prioridade pelas regras do Estatuto do Idoso. Quem entrega a declaração do IR pela internet no início do prazo também entra nos primeiros lotes. Fica para o fim da fila quem demorou ou caiu na malha fina.

Mantega explicou ontem o motivo pelo qual caiu na malha fina. Segundo informou O GLOBO, vários ministros têm declarações do IR com pendências junto ao Fisco. Segundo Mantega, um inquilino que ocupa um apartamento seu deu informações incorretas à Receita, o que acabou retendo a declaração do ministro. Ele disse que já foi feita uma declaração retificadora: — Isso mostra a democracia do nosso sistema. Ministros e cidadãos comuns são tratados da mesma maneira.

Já a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que também caiu na malha fina por causa de problemas com rendimentos de aluguel, disse que viu o fato com naturalidade: — Recebi uma renda e paguei por ela o imposto devido, mas a pessoa que me pagou não declarou. A segunda questão é que eu preenchi incorretamente o campo, mas corretamente o valor e paguei.

Não devo imposto nenhum

Antônio Nóbrega canta "Apanhei-te Cavaquinho"

Bom dia !
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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

‘Em defesa da política’

Entrevista: Marco Aurélio Nogueira
Sociólogo, professor da Unesp
por Vitor Vogas
A GAZETA (ES)
Publicado em 12/10/2009


Você liga a TV e vê a notícia sobre o novo rombo nos cofres públicos. Abre o jornal e se informa sobre a CPI recém-instalada. Pelo rádio, fica sabendo da "última de Brasília". Os sintomas não deixam a menor dúvida: as instituições políticas brasileiras vivem uma grave crise ética, catalisada, é claro, pelos sucessivos escândalos do Congresso.

Como reflexo, as pessoas vêm perdendo a fé na política e deixando de ver nela o terreno por meio do qual é possível promover transformações positivas em suas vidas. Dessa descrença decorre outro fenômeno ainda mais grave do que a desmobilização: os cidadãos não só se recusam a participar da vida política, como vêm adquirindo um sentimento de repulsa por tudo o que esteja relacionado a ela, a tal ponto que esse desprezo teria virado questão de afirmação social. Contrariamente, as pessoas que ainda enxergam a política como meio de transformações sociais vão ficando isoladas.

Remando contra tudo isso, o sociólogo paulista Marco Aurélio Nogueira sai literalmente "em defesa da política", título de uma de suas obras, publicada em 2001. No livro e nesta entrevista, o professor da Unesp, citado com frequência nos discursos do governador Paulo Hartung, afirma que, por mais desacreditada que esteja a política, é preciso que cada cidadão a pratique cotidianamante e busque aprimorá-la naquilo que está a seu alcance. Até porque, diz o autor, do contrário estaremos caminhando para o caos e a barbárie, num mundo sem respeito às regras, em que o individualismo prevaleceria sobre a coletividade.

Como o senhor define a ideia de política hoje?

A ideia tem uma bifurcação: de um lado, a conquista, a conservação e o uso do poder; do outro, a construção de laços de convivência entre as pessoas. Esses dois sentidos têm convivido ao longo do tempo. No mundo moderno, prevalece o conceito de política associado ao poder. Mas ganhamos mais ao entender que nenhuma comunidade pode se estruturar no mundo atual se não praticar as boas normas da política como construção de espaços coletivos.

Num momento em que atividade política está tão desacreditada, por que ainda defendê-la?

Se quisermos trabalhar com esse conceito mais ampliado, defender a política é defender as próprias condições de sobrevivência da sociedade brasileira. Se, por um passe de mágica, eliminarmos a política da nossa existência, não ficaremos apenas livres do Congresso, dos partidos e dos políticos, mas também de tudo o que nos dá condições para interagirmos de maneira organizada. Vale a pena defendê-la porque, quando falamos em Política com P, estamos falando também de honestidade e lisura. Defender a política contra eventuais atos de corrupção é defender a recuperação dessa dimensão da idoneidade, que permanece extremamente importante.

Apesar de todo o otimismo, o senhor mesmo reconhece que "o quadro geral é de descrença e de desilusão". No caso concreto brasileiro, quais são as consequências imediatas que o senhor observa a partir da crise, em termos de interesse e participação popular?

A principal consequência é o aumento da desilusão. Os maus exemplos dos políticos funcionam como uma dose adicional de jato frio nos cidadãos que já não estão muito empenhados na atividade política. No Brasil e no mundo, vemos um retrocesso das pessoas em termos de engajamento político. O cidadão típico do século XXI não é mais o cidadão disposto a sacrificar uma parte de seu tempo para defender causas de interesse comum. Os jovens, por exemplo, estão muito afastados da política prática, não só em termos de engajamento como de interesse pelos fatos políticos, ainda que possam ter preocupações sociais.

À medida que não depositam mais as expectativas nas instituições políticas, as pessoas se voltam para outras formas de organização, como igrejas, organizações não-governamentais, ou, no caso dos jovens, a internet?

Sim, e isso pode ser traduzido de duas maneiras: tomando particularmente os jovens, porque são a maioria da população brasileira, pode ser uma espécie de fuga para nichos de convivência que de certo modo escapam dos nichos da vida real; por outro lado, há um refluxo em direção à defesa de causas cada vez mais específicas, sintoma de um mundo em que o individualismo prevalece fortemente. As pessoas passam a colocar as suas causas como mais importantes do que as causas dos outros.

O senhor afirma que o mundo atual fez da política "uma espécie de grife", e que "ser contra os políticos é hoje um esporte mundial". Por quê?

Por onde andamos no Brasil, ouvimos as pessoas falarem mal da política e dos políticos. Ser contra os políticos virou indicador de modernidade, como se todos eles fossem sinônimos de atraso e a própria política fosse inconveniente para a modernização da sociedade. Na verdade, vislumbramos um processo de muita afirmação da economia de mercado e do trabalho produtivo contra a política.

Por essa generalização, "não haveria políticos que prestassem". O que há de verdadeiro na afirmação e até que ponto ela não ocultaria um pretexto para o comodismo?

Não há nada de verdadeiro. É uma ideia tosca que aparece como desdobramento desse refluxo a que me referi. As pessoas se desvinculam das questões mais gerais, se aprisionam às questões particulares, e a melhor maneira de justificar isso é atribuir ao conjunto dos políticos uma amoralidade que, por definição, faria com que a política se tornasse algo prejudicial ou até desnecessário para a sociedade.

O fatalismo e a resignação que o senhor observa não seriam um "prato cheio" para a ascensão de populistas?

Sim, é um trampolim para a emergência de lideranças que se apresentam à população como salvadoras da pátria. Isso tem a cara do mundo em que estamos vivendo, onde vários políticos fazem um discurso desse tipo. É como se dissessem: "Não liguem para a má qualidade dos partidos e instituições políticas. Basta que confiem em mim."

Esse conjunto de fatores estaria levando as pessoas ao fenômeno do "esquecimento da política". Mas e quanto aos políticos? Também eles não teriam abandonado a política, em seu sentido original?

Sem dúvida. Não só os políticos, como os partidos e o sistema eleitoral que dá o palco para a sua atuação. Individualmente, eles não podem ser inocentados, o que não quer dizer que não existam bons exemplos de atuação. Mas algo tem que ser feito para que os políticos recuperem um protagonismo eticamente qualificado para ajudar a sociedade a se reencontrar com a política.

"Políticos ruins existirão sempre. Pode acontecer que uma dada classe política se desqualifique por inteiro em determinados momentos e demore para se recuperar." Mesmo não sendo esta sua referência original, o senhor acredita que esse trecho se aplica aos congressistas hoje?

Com certeza, podemos usar isso no mínimo de maneira cautelar. Se essa desqualificação persistir, podemos assistir daqui a alguns anos a uma completa derrocada da classe política. Ela vai se converter em algo que não serve para nada, o que, no limite, pode levar ao suicídio da vida social.

Ao contrário de liquidar a ação política, esse momento de crise pode ter o efeito de renová-la? Se assim for, a crise pode ser considerada positiva?

Estamos hoje, sobretudo com a crise no Senado, assistindo à expansão de uma crise que contém nela mesma uma saída para o país. É perfeitamente razoável pensarmos a crise de um modo mais positivo. Quando um sistema entra em crise, ele precisa optar em algum momento pela vida ou pela morte. E, com a crise mais recente, o sistema político brasileiro se aproximou muito de um ponto de saturação.

Como um pai pode ser um exemplo ético ao filho quando os representantes do povo não o são? Essa decadência ética tende a se refletir no comportamento social?

Esses maus exemplos acabam de algum modo por repercutir no interior das casas. Mas, quando um cidadão comum assiste a todos esses escândalos, do mesmo modo que assiste a guerras e crimes bárbaros, ele pode, em vez de copiar aquilo que vê, fazer o movimento inverso. Ele próprio pode se transformar num bom exemplo para os outros, tanto dentro como fora de casa. Essa situação de descalabro em que a política se encontra pode tanto produzir um mal-estar geral na sociedade (e produz mesmo) como criar um impulso para que cada cidadão se preocupe mais com o que mostrará aos outros.

Um exercício de imaginação: como seria a sociedade se não houvesse mais a política?

Seria o que Thomas Hobbes (filósofo inglês do século XVII) chamou de "Estado de natureza". Uma sociedade sem regras e padrões de vida civilizada, na qual prevaleceria a lei do mais forte, de cada um por si e de ninguém por ninguém.

Quem é Marco Aurélio Nogueira

Formação. Sociólogo desde 1972 e doutor em Ciência Política pela USP, tem pós-doutorado na Universidade de Roma. Atualmente é professor titular na Unesp e leciona no campus de Araraquara.

Obra. Estão entre seus principais livros publicados: "Gramsci e a América Latina" (Paz e Terra, 1987, como organizador junto com Carlos N. Coutinho); "Joaquim Nabuco. Um aristocrata entre os escravos" (Brasiliense, 1987); "As possibilidades da política. Idéias para a reforma democrática do Estado" (Paz e Terra, 1998); "Um Estado para a sociedade civil. Temas éticos e políticos da gestão democrática" (Cortez, 2004); "Potência, limites e seduções do poder" (Editora Unesp).

Blogueiro. Tal como os jovens que menciona na entrevista, o professor mantém um blog, que alimenta regularmente. Só este ano já deixou 32 posts. Os artigos geralmente versam sobre política, mas há desde um tributo a Mercedes Sosa até uma compilação de frases folclóricas atribuídas a jogadores de futebol, esporte de que se diz amante e que também considera política. (marcoanogueira.blogspot.com)

Serviço "Em defesa da política" (2ª edição, São Paulo, Editora Senac, 2001. Sexto título da série Livre Pensar)

Onde comprar: Livraria da Edufes, no campus de Goiabeiras da Ufes (4009-2370)

Degradação programada

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Terminado o prazo de filiação partidária para os candidatos às eleições de 2010, no balanço notam-se perdas e nenhum ganho. Houve, sim, uma involução da espécie. Um recuo acentuado em relação a tudo o que tem sido dito e ouvido nos últimos anos sobre a necessidade de reformar os meios e os modos da política, a começar pelo fortalecimento dos partidos.

Na prática, o que se teve foi a negação desse discurso. Cresceram as legendas de aluguel, filiaram-se celebridades a mancheias atrás de volume de votos para aumentar o valor da cota dos recursos (públicos) do fundo partidário e celebrou-se o acordo tácito segundo o qual é golpe baixo reclamar na Justiça o cumprimento do preceito constitucional que dá posse dos mandatos aos partidos.

Instituiu-se a fidalguia da ilegalidade. Dela, decorreram fenômenos visíveis a olho nu: quem sai de um partido sem justa causa - a justeza estabelecida na lei, bem entendido - é uma pobre vítima, se o partido de origem reclama seus direitos. Outro: é sinal de habilidade política manter o bico fechado a fim de evitar represálias na mesma moeda.

Mais um: os perdedores ficam quietos na esperança de que, amanhã ou depois, a legenda que abrigou os trânsfugas venha a ser uma aliada. Com isso, tem-se o Supremo Tribunal Federal feito de bobo e a Constituição de letra morta.

Note-se o absurdo traduzido em percentuais. No Congresso, os partidos que mais cresceram com o troca-troca de última hora foram o PSC e o PR. O primeiro deu um salto de quase 90% e o segundo cresceu mais de 70%. É normal, isso?

Pela ótica do presidente do PSC, normalíssimo. E lucrativo. "Não tem problema nenhum. Aceitamos todo mundo. Se tiver recursos, melhor. Gostou do partido, da proposta, em recursos lícitos, vai ser candidato", diz Vitor Nóisses, já notório na área por sua atuação em outros carnavais.

A "proposta" em questão é "o ser humano em primeiro lugar" e os recursos aludidos partem do patamar de R$ 1 milhão. Não seria aluguel explícito?

"Quem não é alugado que atire a primeira pedra. Esses partidos são de certa forma alugados com vários cargos." Bem feito para os partidos que poderiam dormir sem essa, caso não emprestassem suas siglas para a degenerescência geral.

Aí incluídas as filiações de cantores, costureiros, jogadores de futebol, dirigentes de clubes, gente sem a menor intimidade com a política que, uma vez eleita, desaparece sob as engrenagens do sistema profissional e, na verdade, corre atrás de mais notoriedade. Na versão amena dos fatos.

E os partidos ganham o quê? Milhares, quando não milhões, de votos para eleger outros tantos sem-voto e engordar os cofres com as verbas do fundo partidário, pago proporcionalmente à representação parlamentar. Votos esses completamente desprovidos do sentido da representação político-partidária. Na realidade, uma legítima representação da despolitização do processo.

De um modo geral, as justificativas para as trocas de partido podem ser resumidas numa só: a oportunidade de eleição mais fácil. Um diz que se "sente melhor" no novo partido, o outro alega que a nova legenda proporcionou "mais facilidades para composições" e há os que, meigos, choramingam reclamando de maus tratos na moradia anterior.

Uma situação em tudo e por tudo bem pior que o cenário já ruim de 2002, quando o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral e ministro do STF, Nelson Jobim, dizia que aproveitaria a oportunidade daquela eleição presidencial para fazer um levantamento minucioso mostrando, Estado por Estado, o grau de distanciamento entre o eleitorado, os eleitos e os partidos.

Dizia Jobim que, sem novas regras, o próprio caráter representativo do Parlamento seria desmoralizado. Defendia como normas indispensáveis a obrigatoriedade de as alianças regionais acompanharem os acordos partidários nacionais, a eleição proporcional em lista fechada, a fidelidade partidária, cláusula de desempenho para acesso a vagas no Legislativo, financiamento público, fim da prática da soma dos tempos de televisão das legendas coligadas.

Jobim argumentava que os grandes partidos seriam os primeiros interessados numa reforma desse tipo, pois sairiam delas fortalecidos.

Ledíssimo engano. Se o tal levantamento foi feito e entregue aos partidos, ninguém deu a menor bola. Todos os avanços feitos pelo Judiciário foram derrubados - na lei ou na marra - pelos partidos e, o que dependeu de decisão do Congresso, não foi feito. As poucas modificações tiveram o condão de piorar as coisas, a exemplo da permissão para doações ocultas.

Nesse meio tempo Nelson Jobim deixou o Judiciário, virou ministro da Defesa e nunca mais falou do assunto em público nem se tem notícia de empenho junto ao seu partido, o PMDB, para levar adiante as questões que, segundo ele, ou eram resolvidas ou acabariam provocando a falência do sistema político-eleitoral no Brasil.

Sete anos depois, é exatamente para onde caminhamos.

O V da questão

Luiz Fernando Vianna
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

RIO DE JANEIRO -
Na última quinta-feira, após a paralisação dos trens na Central do Brasil e o disparo de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha pela polícia contra os passageiros, o governador do Rio, Sérgio Cabral, disse que era preciso "verificar" os problemas da Supervia, concessionária do serviço, e prender os "vagabundos" responsáveis pelos supostos atos de "vandalismo" que interromperam a circulação de composições.

Político que cresceu no cenário fluminense graças mais a ações de gabinete, como as tomadas nos oito anos à frente da Assembleia Legislativa, do que a movimentos de rua, Cabral não é um grande orador, e produziu, involuntariamente, uma aliteração significativa.

Para o governo estadual, como deixou expresso o secretário de Transportes, Júlio Lopes, a Supervia é "parceira". Tão parceira que, nos 11 anos em que gere a malha ferroviária, recebeu do erário R$ 285 milhões em investimentos na frota e deve receber mais R$ 500 milhões até 2016 -afora um financiamento do Banco Mundial obtido pela gestão Cabral.

O Estado alega que investe por ser o dono do patrimônio. Mas em nome de quem? Da população, supõe-se. Mas, em pelo menos dois terços dos 159 trens, a população sacode em máquinas envelhecidas, sem ar condicionado, ainda fica sem esclarecimentos quando uma pane acontece e não recebe logo o dinheiro da passagem de volta pela viagem não completada.

Cabral, usuário dos ventos do Leblon e de uma mansão de veraneio na litorânea Mangaratiba, verbaliza sua vã filosofia ao povo: se não há serviço bom, não convém vandalizar o que, ao menos, sobrevive. Pois no último sábado, no Galeão lotado, viajantes de avião quebraram dois monitores.
Não houve viva voz que vociferasse contra os "vândalos". Questão de vício.

O nosso Edison

Fernando de Barros e Silva
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


SÃO PAULO - Lobão, o ministro de Lula, também se chama Edison, com "i", como o genial Thomas Edison (1847-1931), o inventor da lâmpada elétrica. Terminam aí as afinidades do nosso Edison com o setor energético, do qual nada conhece. São outras, velhas e sabidas, as razões e relações que fizeram dele titular da cobiçada pasta do pré-sal.

Bacharel e político de carreira, Lobão é agregado de longa data do clã Sarney. Nem lhe falta, por ironia (e talvez hábito), a estampa de mordomo: esguio, rosto afilado, ar grave, sorumbático. Como bom criado, parece altivo, sendo submisso.

"Ninguém tutela o ministro", disse, ao tomar posse, em janeiro de 2008, diante das alegações de que a ministra Dilma Rousseff iria mandar e desmandar no seu quintal.

Gravações da PF publicadas pela Folha mostram que as palavras de Lobão valem pouco. O que sugerem os grampos? Primeiro, a subordinação canina do ministro à família Sarney; segundo, a promiscuidade intolerável entre o Estado e os interesses privados que gravitam em torno do feudo maranhense.

Fernando Sarney e o ex-ministro Silas Rondeau -ambos investigados por supostas fraudes no próprio setor elétrico- aparecem ditando compromissos para Lobão e suas secretárias, marcando reuniões para o ministro sem consultá-lo, pautando o que dizer a empresários, discutindo contratos.

Apesar das evidências escandalosas, no que depender do governo e da oposição, nada acontecerá ao ministro. A ninguém interessa molestar o mordomo, fiel a Sarney, sim, mas também um anfíbio do patrimonialismo que Lula reciclou.

Ainda senador pelo Democratas (antigo PFL), em julho de 2007, Lobão alertava para o risco de apagão no país e atacava: "Ninguém se entende em matéria de energia dentro do governo". Seis meses depois, já no PMDB, o Lobão neogovernista defendia: "Não haverá apagão. As autoridades do ministério estão tomando todas as providências".

Nosso Edison ilumina como poucos a política nacional. Ele é a prova incandescente do apagão da ética.

Todos em campanha

Rosângela Bittar
DEU NA VALOR ECONÔMICO


Havia uma lenda muito difundida desde o primeiro ano do primeiro mandato que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia passar os seus dias viajando, dedicar-se integralmente à diplomacia presidencial, em sucessivas viagens ao exterior, e a alimentar seus eleitores Brasil afora por anos e anos, quando no país, para manter acesa a chama de sua eleição e reeleição, sem nunca precisar descer do palanque. Tomadas as decisões básicas, o governo andaria sozinho, e os índices de popularidade não cairiam, como não cairam.

O presidente só precisaria aparecer para associar sua marca ao fato do dia. Os programas de assistência social ampliados e com prioridade, a economia sob controle, o resto surgiria por magia. No início, o Ministério da Fazenda, com Antonio Palocci, e o Banco Central, com Henrique Meirelles, garantiriam a execução da política econômica austera, à prova de pressões dos dilapidadores; a Casa Civil da Presidência, com José Dirceu, garantiria a política, as alianças e apoios necessários à fidelidade de uma maioria necessária no Congresso.

Esta perspectiva não mudou após a queda de alguns desses personagens colhidos em escândalos e irregularidades. No fim do primeiro e já no segundo mandato, foram trocados os nomes mas o esboço geral sobreviveu e, segundo a lenda, com até mais conforto para o presidente Lula. No caso da Casa Civil, viria a assumir uma gerente de programas para fazer a coordenação do governo e dar ao presidente resultados concretos, Dilma Rousseff. Lula poderia continuar em campanha, como continuou, e gostou tanto do seu desempenho que a designou candidata a sucedê-lo. A coordenação política ficou com ele próprio, o presidente, que a amalgamou aos seus afazeres eleitorais.

Os mega-programas, mais explorados em campanha generalizada na segunda metade da segunda gestão, todos coordenados pela ministra já em processo de credenciamento para ser opção de candidata a presidente, prescindiram das decisões de Lula. A aceleração do crescimento, com o PAC, uma reunião na sigla de obras que vinham sendo realizadas em governos anteriores e neste, o programa de expansão do financiamento habitacional popular marcado como Minha Casa Minha Vida, as descobertas do Pré-Sal, os reajustes e expansão do Bolsa Família, a ampliação do crédito, o envolvimento dos bancos oficiais nos projetos populares do governo, tudo o que se convencionou reunir o guarda-chuva "realizações do governo Lula", compuseram o arsenal do palanque presidencial.

Com a popularidade amazônica que lhe concederam a sorte e o carisma, alimentada por este menu de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se permitiu seguir com a perfomance. Os insucessos, porém, começaram a aparecer, de uma forma, inclusive, que podem afetar o efeito eleitoral de algumas bandeiras. E eles coincidem com o momento em que não só o presidente, mas todo o governo, a começar pela até agora chefe da gestão, se lança à campanha.

Os ministros também, precocemente, e sem vacilar, mostram-se em estado de campanha. Slogans foram se reproduzindo. Surgiram o Pac-Educação, o Pac-Saúde, o Pac-Saneamento, de cujos resultados não se tem notícia. Os balanços do Pac-Obras, o original, são de uma timidez visível de resultados. Estes tão coitados que levam o governo a procurar culpados, especialmente onde considera que precisa intervir na ação de adversários: aqueles que, no TCU, no Ibama, em órgãos reguladores, em comissões de licitação, prestam atenção aos desvios e ao descontrole.

Depois de atravessar a crise dos hospitais, a crise da dengue, a crise do sangue, a crise dos escândalos, o Ministério da Saúde chegou à crise da gripe suína apontando sempre a mesma solução: nada a fazer a não ser recriar o imposto do cheque, a CPMF. E a saúde vai ficando um problema crônico. Dia 6 de outubro último, José Alencar, presidente em exercício, editou medida provisoria liberando R$ 1 bilhão em crédito extraordinário para a prevenção e combate à influenza A, a suína. Mas de acordo com boletim do próprio ministério, de 16 de setembro, o número de casos graves já havia caído muito e o pior havia passado. Ainda ontem, porém, o ministro José Gomes Temporão, sem o menor constrangimento, voltava a pedir mais imposto.

Numa guinada na política fiscal, o ministério da Fazenda se viu diante de um buraco nas contas para pagar os benefícios que concedeu e os gastos que fez sem a correspondente receita. A saída foi garfar a classe média sustando a devolução do imposto cobrado a mais, na fonte, medida cinicamente confirmada pelo ministro Guido Mantega como uma poupança forçada, pois a devolução viria corrigida pela Selic.

O Ministério da Educação, contra opiniões de instituições universitárias e especialistas, impôs a implantação do Enem reformulado, o exame geral de avaliação do ensino médio que permite acesso ao ensino superior, com pressa, sem tempo de maturação e preparação. O vazamento da prova, a fraude, fizeram o tempo político desatrelar-se do sucesso educacional. O governo perdeu terreno e a Educação, assim como a Saúde, vêm justificando a liderança na desaprovação do eleitorado. Bem como a Segurança, questões que pesquisas de opinião pública e sondagens eleitorais apontam ainda estarem no topo das preocupações do cidadão.

O presidente quer conter quem lhe restringe a corrida sem limites a bordo das obras, mas parece ter jogado a toalha quanto à Educação, à Saúde e à Segurança. À falta de atenção a estas áreas atribui-se o Brasil ter apenas se mantido na escala de IDH, sem progressos. O pré-sal é intangível, slogan em estado puro.

Com a Saúde exigindo novo imposto, a retenção do dinheiro do contribuinte no Ministério da Fazenda, a Educação em vertigem, a Segurança ausente do rol de iniciativas, as obras em processo de reprovação, vai ficando claro que a campanha eleitoral do governo pode ficar desestabilizada, ceder ao nervosismo, e novos problemas serem produzidos. Nota-se que as concessões à política começam a sujar o palanque antes da hora. O presidente Lula não parece, porém, preocupado pois, como sempre, sua imensa popularidade permanece intacta.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras